Language of document : ECLI:EU:C:2018:812

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

4 de outubro de 2018 (*)

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Competência em matéria de responsabilidade parental — Regulamento (CE) n.o 2201/2003 — Artigo 15.o — Transferência para um tribunal mais bem colocado para apreciar a ação — Âmbito de aplicação — Artigo 19.o — Litispendência»

No processo C‑478/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunalul Cluj (Tribunal de Grande Instância de Cluj, Roménia), por decisão de 17 de julho de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 9 de agosto de 2017, no processo

IQ

contra

JP,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: J. L. da Cruz Vilaça, presidente de secção, E. Levits, A. Borg Barthet (relator), M. Berger e F. Biltgen, juízes,

advogado‑geral: M. Wathelet,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação do Governo romeno, inicialmente, por R. H. Radu, C.‑M. Florescu e R. Mangu, e, em seguida por C.‑R. Canţăr, C.‑M. Florescu e R. Mangu, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por M. Wilderspin e D. Calciu, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 10 de julho de 2018,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 15.o do Regulamento (CE) n.o 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1347/2000 (JO 2003, L 338, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe IQ a JP, a propósito, nomeadamente, do exercício da autoridade parental relativamente aos três filhos comuns, na sequência do divórcio daqueles.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Os considerandos 12 e 13 do Regulamento n.o 2201/2003 enunciam:

«(12)      As regras de competência em matéria de responsabilidade parental do presente regulamento são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade. Por conseguinte, a competência deverá ser, em primeiro lugar, atribuída aos tribunais do Estado‑Membro de residência habitual da criança, exceto em determinados casos de mudança da sua residência habitual ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental.

(13)      No interesse da criança, o presente regulamento permite que o tribunal competente possa, a título excecional e em certas condições, remeter o processo a um tribunal de outro Estado‑Membro se este estiver em melhores condições para dele conhecer. […]»

4        O artigo 1.o deste regulamento, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», dispõe, no n.o 1:

«O presente regulamento é aplicável, independentemente da natureza do tribunal, às matérias civis relativas:

[…]

b)      À atribuição, ao exercício, à delegação, à limitação ou à cessação da responsabilidade parental.»

5        Nos termos do artigo 2.o, ponto 1, do referido regulamento:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

“Tribunal”, todas as autoridades que nos Estados‑Membros têm competência nas matérias abrangidas pelo âmbito de aplicação do presente regulamento por força do artigo 1.o[.]»

6        O capítulo II, secção 1, deste mesmo regulamento estabelece as regras de competência em matéria de divórcio, separação e anulação do casamento. Na referida secção 1, o artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003, sob a epígrafe «Competência geral», dispõe:

«São competentes para decidir das questões relativas ao divórcio, separação ou anulação do casamento, os tribunais do Estado‑Membro:

a)      Em cujo território se situe:

[…]

–        a residência habitual do requerido, […]

[…]»

7        O capítulo II, secção 2, deste regulamento prevê, nos artigos 8.o a 15.o, um conjunto de regras relativas à competência em matéria de responsabilidade parental.

8        O artigo 8.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Competência geral», prevê:

«1.      Os tribunais de um Estado‑Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado‑Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal.

2.      O n.o 1 é aplicável sob reserva do disposto nos artigos 9.o, 10.o e 12.o»

9        O artigo 12.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Extensão da competência», dispõe, nos n.os 1 e 2:

«1.      Os tribunais do Estado‑Membro que, por força do artigo 3.o, são competentes para decidir de um pedido de divórcio, de separação ou de anulação do casamento, são competentes para decidir de qualquer questão relativa à responsabilidade parental relacionada com esse pedido quando:

a)      Pelo menos um dos cônjuges exerça a responsabilidade parental em relação à criança;

e

b)      A competência desses tribunais tenha sido aceite, expressamente ou de qualquer outra forma inequívoca pelos cônjuges ou pelos titulares da responsabilidade parental à data em que o processo é instaurado em tribunal, e seja exercida no superior interesse da criança.

2.      A competência exercida nos termos do n.o 1 cessa:

a)      Quando a decisão de procedência ou improcedência do pedido de divórcio, de separação ou de anulação do casamento transite em julgado; ou

b)      Se, à data referida na alínea a), ainda estiver pendente uma ação relativa à responsabilidade parental, logo que a decisão deste processo transite em julgado; ou

c)      Nos casos referidos nas alíneas a) e b), logo que o processo tenha sido arquivado por qualquer outra razão.»

10      Nos termos do artigo 15.o do Regulamento n.o 2201/2003, sob a epígrafe «Transferência para um tribunal mais bem colocado para apreciar a ação»:

«1.      Excecionalmente, os tribunais de um Estado‑Membro competentes para conhecer do mérito podem, se considerarem que um tribunal de outro Estado‑Membro, com o qual a criança tenha uma ligação particular, se encontra mais bem colocado para conhecer do processo ou de alguns dos seus aspetos específicos, e se tal servir o superior interesse da criança:

a)      Suspender a instância em relação à totalidade ou a parte do processo em questão e convidar as partes a apresentarem um pedido ao tribunal desse outro Estado‑Membro, nos termos do n.o 4; ou

b)      Pedir ao tribunal de outro Estado‑Membro que se declare competente nos termos do n.o 5.

2.      O n.o 1 é aplicável:

a)      A pedido de uma das partes; ou

b)      Por iniciativa do tribunal; ou

c)      A pedido do tribunal de outro Estado‑Membro com o qual a criança tenha uma ligação particular, nos termos do n.o 3.

Todavia, a transferência só pode ser efetuada por iniciativa do tribunal ou a pedido do tribunal de outro Estado‑Membro, se for aceite pelo menos por uma das partes.

3.      Considera‑se que a criança tem uma ligação particular com um Estado‑Membro, na aceção do n.o [1], se:

a)      Depois de instaurado o processo no tribunal referido no n.o 1, a criança tiver adquirido a sua residência habitual nesse Estado‑Membro; ou

b)      A criança tiver tido a sua residência habitual nesse Estado‑Membro; ou

c)      A criança for nacional desse Estado‑Membro; ou

d)      Um dos titulares da responsabilidade parental tiver a sua residência habitual nesse Estado‑Membro; ou

e)      O litígio se referir às medidas de proteção da criança relacionadas com a administração, a conservação ou a disposição dos bens na posse da criança, que se encontram no território desse Estado‑Membro.

4.      O tribunal do Estado‑Membro competente para conhecer do mérito deve fixar um prazo para instaurar um processo nos tribunais do outro Estado‑Membro, nos termos do n.o 1.

Se não tiver sido instaurado um processo dentro desse prazo, continua a ser competente o tribunal em que o processo tenha sido instaurado nos termos dos artigos 8.o a 14.o

5.      O tribunal desse outro Estado‑Membro pode, se tal servir o superior interesse da criança, em virtude das circunstâncias específicas do caso, declarar‑se competente no prazo de seis semanas a contar da data em que tiver sido instaurado o processo com base nas alíneas a) ou b) do n.o 1. Nesse caso, o tribunal em que o processo tenha sido instaurado em primeiro lugar renuncia à sua competência. No caso contrário, o tribunal em que o processo tenha sido instaurado em primeiro lugar continua a ser competente, nos termos dos artigos 8.o a 14.o

6.      Os tribunais devem cooperar para efeitos do presente artigo, quer diretamente, quer através das autoridades centrais designadas nos termos do artigo 53.o»

11      A secção 3, intitulada «Disposições comuns», do capítulo II deste regulamento contém, designadamente, o artigo 19.o do mesmo, que, sob a epígrafe «Litispendência e ações dependentes», prevê, nos n.os 2 e 3:

«2.      Quando são instauradas em tribunais de Estados‑Membros diferentes ações relativas à responsabilidade parental em relação à uma criança, que tenham o mesmo pedido e a mesma causa de pedir, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar suspende oficiosamente a instância até que seja estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar.

3.      Quando estiver estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar declarar‑se incompetente a favor daquele.

Neste caso, o processo instaurado no segundo tribunal pode ser submetido pelo requerente à apreciação do tribunal em que a ação foi instaurada em primeiro lugar.»

 Direito romeno

12      Resulta da decisão de reenvio que o artigo 448.o, n.o 1, ponto 1, do Codul de procedură civilă român (Código de Processo Civil romeno) prevê que as decisões em matéria de responsabilidade parental proferidas em primeira instância são executórias. Além disso, segundo a legislação processual romena, as decisões jurisdicionais proferidas em primeira instância em matéria de responsabilidade parental apenas podem ser anuladas se for dado provimento ao recurso.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

13      Do casamento entre JP e IQ nasceram três filhos que residem no Reino Unido com IQ, a mãe, desde 2012.

14      Em 26 de novembro de 2014, IQ intentou no Judecătoria Cluj‑Napoca (Tribunal de Primeira Instância de Cluj‑Napoca) uma ação de divórcio contra o marido, JP, por sua vez residente em Floreşti (Roménia). Requereu também ao Judecătoria Cluj‑Napoca (Tribunal de Primeira Instância de Cluj‑Napoca) que lhe atribuísse o exercício exclusivo da autoridade parental relativamente aos três filhos nascidos do casamento, lhe confiasse a residência destes últimos e condenasse JP no pagamento de uma pensão de alimentos para o cuidado e a educação dos mesmos.

15      JP apresentou um pedido reconvencional para que fosse decretado o divórcio por mútuo consentimento ou, a título subsidiário, por culpa partilhada, o exercício comum da autoridade parental relativamente aos três filhos nascidos do casamento e o estabelecimento de um programa de manutenção das ligações pessoais com os filhos.

16      Na audiência de 28 de setembro de 2015, o Judecătoria Cluj‑Napoca (Tribunal de Primeira Instância de Cluj‑Napoca) verificou a sua competência internacional e declarou‑se competente para conhecer do processo. Tendo as partes acordado obter um divórcio por mútuo consentimento, esse tribunal declarou reunidas as condições para se pronunciar sobre tal pedido. Consequentemente, decretou o divórcio por mútuo consentimento e dissociou os pedidos acessórios do pedido de divórcio, em relação aos quais prosseguiu a sua apreciação, fixando a data de uma audiência de produção da prova.

17      Por sentença cível, o Judecătoria Cluj Napoca (Tribunal de Primeira Instância de Cluj Napoca, Roménia) julgou parcialmente procedentes o pedido de IQ e o pedido reconvencional de JP, ordenou o exercício conjunto da autoridade parental relativamente aos três filhos nascidos do casamento, fixou a residência destes no domicílio de IQ, determinou o montante da pensão de alimentos devida por JP aos filhos e estabeleceu um programa de manutenção das ligações pessoais do pai com os filhos.

18      Em 7 de setembro de 2016, IQ e JP interpuseram recurso dessa decisão no órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunalul Cluj (Tribunal de Grande Instância de Cluj, Roménia).

19      Perante esse tribunal, IQ requer que lhe seja atribuído o exercício exclusivo da autoridade parental e que o programa de manutenção das ligações pessoais do pai com os filhos seja mais restritivo. JP, por sua vez, requer que esse programa seja alargado.

20      Em 26 de dezembro de 2016, IQ solicitou à High Court of Justice (England & Wales), Family Division (family court), Birmingham [Tribunal Superior de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Secção de Família (Tribunal de Família), Birmingham, Reino Unido] a adoção de uma injunção inibitória contra JP. Em 3 de janeiro de 2017, requereu igualmente a esse tribunal que se pronunciasse sobre a guarda dos menores e sobre as modalidades do direito de visita de JP.

21      No mesmo dia, o referido tribunal decretou uma medida provisória, interditando o pai de exercer a guarda dos menores até ser proferida uma decisão definitiva no processo. Em 2 de fevereiro de 2017, convidou igualmente o órgão jurisdicional de reenvio a declarar‑se incompetente no processo, uma vez que a residência dos menores tinha sido fixada, com o consentimento dos pais, no Reino Unido.

22      Por despacho de 6 de julho de 2017, a High Court of Justice (England & Wales), Family Division (family court), Birmingham [Tribunal Superior de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Secção de Família (Tribunal de Família), Birmingham] solicitou ao órgão jurisdicional de reenvio romeno que lhe transferisse o processo, nos termos do artigo 15.o do Regulamento n.o 2201/2003, com o fundamento de que era um tribunal mais bem colocado para apreciar a ação na aceção desta disposição, tendo em conta que os três menores em causa tinham residência habitual no Reino Unido, pelo menos, desde 2013 e na pendência de todo o processo que decorreu nos tribunais romenos.

23      O órgão jurisdicional de reenvio salienta que, no caso em apreço, o tribunal ao qual é solicitada a transferência do processo apreciá‑lo‑ia em fase de recurso, e que já existe uma decisão proferida em primeira instância.

24      Interroga‑se sobre o destino que se deve reservar a esta última decisão, uma vez que, segundo o artigo 448.o, n.o 1, ponto 1, do Código de Processo Civil romeno, essa decisão é, em princípio, executória, no sentido em que, enquanto não for anulada, JP pode exigir a sua execução.

25      Ora, se transferisse o processo para a High Court of Justice (England & Wales), Family Division (family court), Birmingham [Tribunal Superior de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Secção de Família (Tribunal de Família), Birmingham] com base no artigo 15.o do Regulamento n.o 2201/2003, o órgão jurisdicional de reenvio não teria a possibilidade de se pronunciar sobre o recurso nele interposto por IQ e por JP, de forma que a decisão proferida em primeira instância continuaria a existir, em conformidade com o disposto no Código de Processo Civil romeno.

26      Nestas condições, o Tribunalul Cluj (Tribunal de Grande Instância de Cluj) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve considerar‑se que a expressão “os tribunais de um Estado‑Membro competentes para conhecer do mérito”, que figura no artigo 15.o [do Regulamento n.o 2201/2003], se refere tanto aos tribunais que conhecem do processo em primeira instância como aos tribunais de recurso? Importa saber se o processo pode ser remetido com fundamento no artigo 15.o do Regulamento [n.o 2201/2003] a um tribunal mais bem colocado no caso de o tribunal competente ao qual é pedida a remessa do processo a um tribunal mais bem colocado ser um tribunal de recurso, quando o tribunal mais bem colocado é um tribunal de primeira instância.

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, como deve proceder o tribunal competente que remete o processo ao tribunal mais bem colocado, relativamente à decisão proferida em primeira instância?»

 Quanto às questões prejudiciais

27      A título preliminar, importa salientar que a situação em causa no processo principal se caracteriza pelo facto de ambos os tribunais, o romeno e o do Reino Unido, serem competentes nos termos do Regulamento n.o 2201/2003.

28      Com efeito, decorre do processo submetido ao Tribunal de Justiça que os tribunais romenos verificaram a sua competência e se declararam competentes ao abrigo do artigo 12.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003, lido em conjugação com o artigo 3.o, n.o 1, do referido regulamento, enquanto a competência em matéria de responsabilidade parental do tribunal do Reino Unido, onde o processo foi instaurado em segundo lugar, resulta do artigo 8.o do Regulamento n.o 2201/2003, dado que os três menores têm residência habitual no Reino Unido, onde residem com a mãe desde 2012.

29      Consequentemente, como salientou o advogado‑geral no n.o 47 das suas conclusões, para responder às questões submetidas, há que examinar se o artigo 15.o do Regulamento n.o 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que é aplicável a uma situação em que os tribunais dos dois Estados‑Membros em causa são competentes para apreciar o mérito da causa ao abrigo dos artigos 8.o e 12.o deste regulamento.

30      A este respeito, há que recordar que o artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003 prevê que os tribunais de um Estado‑Membro competentes para conhecer do mérito de um processo podem transferir o processo, ou uma parte específica do mesmo, para um tribunal de outro Estado‑Membro, com o qual a criança tenha uma ligação particular, se este último tribunal se encontrar mais bem colocado para conhecer desse processo ou dessa parte do mesmo, e se tal servir o superior interesse da criança.

31      Este artigo 15.o, que figura na secção 2 do capítulo II do Regulamento n.o 2201/2003 que estabelece um conjunto de regras de competência nos processos de responsabilidade parental, prevê uma regra de competência específica e derrogatória da regra de competência geral que designa os tribunais do lugar de residência habitual da criança como tribunais competentes para conhecer do mérito do processo, enunciada no artigo 8.o do referido regulamento (Acórdão de 27 de outubro de 2016, D., C‑428/15, EU:C:2016:819, n.o 29).

32      Assim, o artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003 permite a transferência de determinado processo para um tribunal de um Estado‑Membro diferente do do tribunal normalmente competente, entendendo‑se, como resulta do considerando 13 deste regulamento, que essa transferência deve obedecer a condições específicas, por um lado, e que só pode ocorrer a título excecional, por outro (Acórdão de 27 de outubro de 2016, D., C‑428/15, EU:C:2016:819, n.o 47).

33      Daqui decorre que o artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003 permite que o tribunal normalmente competente para decidir em matéria de responsabilidade parental, quer seja por força da regra geral prevista no artigo 8.o, n.o 1, deste regulamento, quer seja por extensão da competência com base no artigo 12.o do referido regulamento, transfira a sua competência, sobre toda ou sobre uma parte específica do processo que lhe foi submetido, para um tribunal normalmente incompetente na matéria, mas que, na situação concreta, deve ser considerado «mais bem colocado» para apreciar esse processo.

34      Para determinar o tribunal mais bem colocado para conhecer de um determinado processo, há que, nomeadamente, designar o tribunal de outro Estado‑Membro com o qual a criança em causa tenha uma «ligação particular» (v., neste sentido, Acórdão de 27 de outubro de 2016, D., C‑428/15, EU:C:2016:819, n.o 50).

35      De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, para estabelecer a existência dessa ligação num determinado processo, há que recorrer aos elementos taxativamente enumerados no artigo 15.o, n.o 3, alíneas a) a e), do Regulamento n.o 2201/2003. Daqui resulta que estão desde logo excluídos do mecanismo de transferência os processos nos quais esses elementos não estão presentes (Acórdão de 27 de outubro de 2016, D., C‑428/15, EU:C:2016:819, n.o 51).

36      Ora, há que observar que a situação em causa no processo principal, em que os menores residiram e ainda residem de forma habitual no Reino Unido, Estado‑Membro com o qual importa estabelecer a existência de uma ligação particular, não se equipara a nenhum dos elementos enumerados nessa disposição.

37      Em especial, o elemento enunciado no artigo 15.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 2201/2003, segundo o qual «a criança [tenha] tido a sua residência habitual nesse Estado‑Membro», refere‑se necessariamente a uma situação em que o menor residiu, mas já não reside, habitualmente no Estado‑Membro com o qual importa estabelecer a existência de uma ligação particular.

38      Além disso, todos os elementos enumerados no artigo 15.o, n.o 3, deste regulamento atestam — se não expressamente, pelo menos em substância — uma proximidade entre o menor em causa no processo e um Estado‑Membro diferente do do tribunal competente para dele conhecer com base no artigo 8.o, n.o 1, ou no artigo 12.o deste regulamento (v., por analogia, Acórdão de 27 de outubro de 2016, D., C‑428/15, EU:C:2016:819, n.o 52).

39      Daqui resulta que o tribunal de outro Estado‑Membro com o qual o menor em causa tem uma ligação particular que se encontra mais bem colocado para conhecer do processo, referido no artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003, não pode ser o tribunal normalmente competente para conhecer do mérito da causa com base nos artigos 8.o ou 12.o deste regulamento.

40      Resulta das considerações anteriores que o artigo 15.o do Regulamento n.o 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que não é aplicável a uma situação em que os tribunais dos dois Estados‑Membros são competentes quanto ao mérito por força dos artigos 8.o ou 12.o do referido regulamento.

41      Uma interpretação contrária seria, desde logo, desconforme com a vontade do legislador da União, recordada no n.o 32 do presente acórdão, claramente expressa no considerando 13 do Regulamento n.o 2201/2003 e na própria letra do artigo 15.o deste regulamento, de conferir ao mecanismo de transferência previsto nesta disposição caráter excecional.

42      Em seguida, cabe recordar que, nos seus capítulos II e III, o Regulamento n.o 2201/2003 estabelece, designadamente, as regras que regulam a competência, o reconhecimento e a execução de decisões em matéria de responsabilidade parental, sendo que essas regras se destinam a garantir a segurança jurídica (v., neste sentido, Acórdão de 13 de outubro de 2016, Mikołajczyk, C‑294/15, EU:C:2016:772, n.o 33 e jurisprudência referida).

43      Ora, interpretar o artigo 15.o do Regulamento n.o 2201/2003 no sentido de que autoriza a transferência de um processo quando as condições de aplicação desta disposição não estão reunidas violaria as regras de repartição de competências estabelecidas no referido regulamento e, por conseguinte, o objetivo de segurança jurídica prosseguido pelo legislador da União.

44      Por último, tal interpretação levaria, numa situação como a que está em causa no processo principal, a esvaziar de sentido o artigo 19.o, n.o 2, do referido regulamento, que visa resolver, em matéria de responsabilidade parental, situações em que os tribunais situados em diferentes Estados‑Membros são competentes.

45      Com efeito, esta disposição prevê que, quando são instauradas em tribunais de Estados‑Membros diferentes ações relativas à responsabilidade parental em relação a uma criança, que tenham o mesmo pedido e a mesma causa de pedir, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar suspende oficiosamente a instância até que seja estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar.

46      No caso em apreço, resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que as condições de aplicação da referida disposição estão reunidas. Consequentemente, cabe à High Court of Justice (England & Wales), Family Division (family court), Birmingham [Tribunal Superior de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Secção de Família (Tribunal de Família), Birmingham], onde o processo foi instaurado em segundo lugar, suspender oficiosamente a instância até que seja estabelecida a competência do órgão jurisdicional de reenvio, onde o processo foi instaurado em primeiro lugar.

47      A este respeito, como referido no n.o 28 do presente acórdão, o órgão jurisdicional de reenvio verificou a sua competência e declarou‑se competente com base no artigo 12.o do Regulamento n.o 2201/2003. Não obstante, incumbe ainda a esse órgão jurisdicional verificar se a sua competência não cessou em aplicação do n.o 2 deste artigo.

48      Uma vez que, como salientado no n.o 40 do presente acórdão, o artigo 15.o do Regulamento n.o 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que não é aplicável a uma situação como a que está em causa no processo principal, não há que responder às questões relativas à interpretação das condições de aplicação do referido artigo.

49      Atendendo às considerações expostas, há que considerar que o artigo 15.o do Regulamento n.o 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que não é aplicável a uma situação, como a que está em causa no processo principal, em que os dois tribunais em questão são competentes quanto ao mérito por força dos artigos 12.o e 8.o deste regulamento, respetivamente.

 Quanto às despesas

50      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

O artigo 15.o do Regulamento (CE) n.o 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1347/2000, deve ser interpretado no sentido de que não é aplicável a uma situação, como a que está em causa no processo principal, em que os dois tribunais em questão são competentes quanto ao mérito por força dos artigos 12.o ou 8.o deste regulamento, respetivamente.

Assinaturas


*      Língua do processo: romeno.