Language of document : ECLI:EU:C:2010:773

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

ELEANOR SHARPSTON

apresentadas em 16 de Dezembro de 2010 1(1)

Processo C‑115/09

Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland, Landesverband Nordrhein‑Westfalen e.V.

contra

Bezirksregierung Arnsberg

Trianel Kohlekraftwerk Lünen (interveniente)

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberverwaltungsgericht für das Land Nordrhein‑Westfalen (Alemanha)]

«Participação do público em certos planos e programas relativos ao ambiente – Alcance do direito de interpor recurso das decisões de licenciamento de projectos susceptíveis de ter um impacto ambiental significativo»






1.        O presente pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberverwaltungsgericht für das Land Nordrhein‑Westfalen (tribunal administrativo de 2.ª instância da Renânia do Norte‑Vestefália, Alemanha) diz respeito a uma organização não governamental que actua no domínio do ambiente (a seguir «ONG ambiental») que interpôs recurso judicial de uma decisão administrativa susceptível de afectar o ambiente. O processo não consiste numa acção de um grupo (por exemplo, de uma organização que reúne um determinado número de residentes que alegam que vão ser afectados adversamente pelos efeitos de um projecto específico na localidade onde residem). Pelo contrário, a interposição de recurso judicial destina‑se a impugnar a decisão administrativa controvertida, na medida em que esta autoriza actividades que, alegadamente, terão um efeito negativo no ambiente. Nesse sentido, pode dizer‑se que a ONG ambiental pretende agir em nome do próprio ambiente.

2.        De acordo com o direito alemão, a parte que queira interpor um recurso judicial tem que invocar a violação de um direito subjectivo material. O tribunal de reenvio procura obter uma interpretação do artigo 10.°‑A, da Directiva 85/337/CEE do Conselho (a seguir «directiva AIA») (2), conforme alterada pela Directiva 2003/35/CE (3). Ao fazê‑lo, o tribunal de reenvio pergunta, com efeito, se a directiva AIA e a Convenção sobre Acesso à Informação, Participação do Público no Processo de Tomada de Decisão e Acesso à Justiça em Matéria de Ambiente (a seguir «Convenção de Aarhus») conferem ou exigem que os Estados‑Membros confiram às ONG ambientais o direito de interporem um recurso judicial nos tribunais nacionais, sem demonstrar ou invocar a violação de um direito subjectivo material.

 Direito internacional

 A Convenção de Aarhus

3.        A 25 de Junho de 1998, a Comunidade Europeia, os Estados‑Membros e 19 outros Estados assinaram a Convenção de Aarhus, que entrou em vigor em 30 de Outubro de 2001. Foi aprovada em nome da Comunidade Europeia em 17 de Fevereiro de 2005 (4) e foi ratificada pela Alemanha em 15 de Janeiro de 2007.

4.        O sétimo, oitavo, décimo terceiro e décimo oitavo considerandos da Convenção de Aarhus têm a seguinte redacção:

«[7] Reconhecendo […] que todos os indivíduos têm o direito de viver num ambiente propício à sua saúde e bem‑estar, e o dever, quer individualmente quer em associação com outros indivíduos, de proteger e melhorar o ambiente em benefício das gerações presentes e futuras,

[8] Considerando que, para poderem exercer esse direito e cumprir esse dever, os cidadãos devem ter acesso à informação, poder participar no processo de tomada de decisões e ter acesso à justiça no domínio do ambiente, e reconhecendo que, neste contexto, os cidadãos podem necessitar de assistência para poderem exercer os seus direitos,

[…]

[13] Reconhecendo ainda a importância dos papéis que podem ser desempenhados respectivamente pelos particulares, pelas organizações não governamentais e pelo sector privado na protecção do ambiente, […]

[18] Procurando garantir ao público, bem como às organizações, o acesso a mecanismos judiciais eficazes por forma a proteger os seus interesses legítimos e a garantir a aplicação da lei».

5.        O artigo 2.°, n.° 5, define «público envolvido» como «público afectado ou susceptível de ser afectado pelo processo de tomada de decisões no domínio do ambiente ou interessado em tais decisões; para efeitos da presente definição, presumem‑se interessadas as organizações não governamentais que promovam a protecção do ambiente e que satisfaçam os requisitos previstos no direito nacional».

6.        O artigo 9.° contém disposições relativas ao acesso à justiça, tanto de particulares como de organizações não governamentais, bem como as normas aplicáveis aos processos judiciais. Em particular, o artigo 9.°, n.° 2, dispõe:

«2.      Cada parte garantirá, nos termos da respectiva legislação nacional, que os membros do público em causa:

a) Que tenham um interesse suficiente;

ou, em alternativa,

b) Cujo direito tenha sido ofendido [(5)], caso a lei de procedimento administrativo da parte o imponha como condição prévia, tenham acesso a um recurso junto dos tribunais e/ou de outra instância independente instituída por lei, para impugnar a legalidade material e processual de qualquer decisão, acto ou omissão sujeita às disposições previstas no artigo 6.° e, salvo disposição em contrário no direito interno [e sem prejuízo do disposto no n.° 3], a outras disposições relevantes da presente convenção. .

O interesse suficiente e a ofensa do direito serão determinados em conformidade com os requisitos do direito interno e com o objectivo de conceder ao público envolvido um amplo acesso à justiça nos termos da presente convenção. Para este fim, o interesse das organizações não governamentais que satisfaçam os requisitos mencionados no n.° 5 do artigo 2.° serão considerados suficientes para efeitos da alínea a). Presumir‑se‑á igualmente que tais organizações têm direitos susceptíveis de serem ofendidos para efeitos da alínea b).

O disposto no n.° 2 não exclui a possibilidade de interposição de recurso preliminar junto de uma autoridade administrativa e não prejudica o requisito do recurso judicial que consiste no esgotamento prévio dos recursos administrativos, caso tal requisito seja previsto no direito interno.»

 Direito da União Europeia

 A directiva AIA conforme alterada pela Directiva 2003/35

7.        A Convenção de Aarhus foi incorporada na ordem jurídica comunitária através, nomeadamente, da Directiva 2003/35. Esta directiva alterou duas directivas ambientais, designadamente, a directiva AIA e a directiva PCIP (6), «com vista a garantir a sua plena compatibilidade com as disposições da Convenção de Aarhus, em especial com o [n.° 2] do seu artigo 9.°» (7).

8.        O terceiro e o quarto considerandos da Directiva 2003/35 dizem respeito à participação do público. O quarto considerando refere‑se expressamente ao papel das ONG ambientais:

«(3) A efectiva participação do público na tomada de decisões permite ao público exprimir, e ao decidir tomar em consideração, as opiniões e preocupações que podem ser relevantes para essas decisões, aumentado assim a responsabilização e transparência do processo de tomada de decisões e contribuindo para a sensibilização do público às questões ambientais e apoio às decisões tomadas.

(4) A participação, incluindo a participação por parte de associações, organizações e grupos, em especial organizações não governamentais que promovem a protecção do ambiente, deve ser consequentemente incentivada através, nomeadamente, da promoção da educação do público em matéria ambiental».

9.        O artigo 1.°, n.° 2, da directiva AIA, conforme alterada pela Directiva 2003/35, reflecte o artigo 2.°, n.° 5, da Convenção de Aarhus, definindo «público em causa» como «o público afectado ou susceptível de ser afectado pelos processos de tomada de decisão no domínio do ambiente a que se refere o n.° 2 do artigo 2.°, ou neles interessado. Para efeitos da presente definição, consideram‑se interessadas as organizações não governamentais que promovem a protecção do ambiente e cumprem os requisitos previstos na legislação nacional» (8).

10.      A Directiva 2003/35 aditou também um novo artigo – o artigo 10.°‑A – à directiva AIA. Este artigo contém disposições relacionadas com o acesso à justiça. Tem a seguinte redacção:

«Os Estados‑Membros devem assegurar que, de acordo com o sistema jurídico nacional relevante, os membros do público em causa que:

a) Tenham um interesse suficiente ou, em alternativa;

b) Invoquem a violação de um direito, sempre que a legislação de processo administrativo de um Estado‑Membro assim o exija como requisito prévio,

tenham a possibilidade de interpor recurso perante um tribunal ou outro órgão independente e imparcial criado por lei para impugnar a legalidade substantiva ou processual de qualquer decisão, acto ou omissão abrangido pelas disposições de participação do público estabelecidas na presente directiva.

Os Estados‑Membros devem determinar a fase na qual as decisões, actos ou omissões podem ser impugnados.

Os Estados‑Membros devem determinar o que constitui um interesse suficiente e a violação de um direito, de acordo com o objectivo que consiste em proporcionar ao público em causa um vasto acesso à justiça. Para tal, considera‑se suficiente, para efeitos da alínea a) do presente artigo, o interesse de qualquer organização não governamental que cumpra os requisitos referidos no n.° 2 do artigo 1.° Igualmente se considera, para efeitos da alínea b) do presente artigo, que tais organizações têm direitos susceptíveis de ser violados.

O presente artigo não exclui a possibilidade de um recurso preliminar para uma autoridade administrativa e não afecta o requisito de exaustão dos recursos administrativos prévios aos recursos judiciais, caso esse requisito exista na legislação nacional.

O referido processo deve ser justo, equitativo, atempado e não exageradamente dispendioso.

Para melhorar a eficácia das disposições do presente artigo, os Estados‑Membros devem garantir que sejam postas à disposição do público informações práticas relativas ao acesso às vias de recurso administrativo e judicial».

 Legislação nacional

11.      O artigo 19.°, n.° 4, da Lei Fundamental (Grundgesetz) dispõe que «[q]ualquer pessoa cujos direitos tenham sido violados por uma autoridade pública poderá recorrer aos tribunais […]».

12.      O § 42 do Código do Processo Administrativo (Verwaltungsgerichtsordnung, a seguir «VwGO») dispõe o seguinte:

«1.      Pode ser pedida em sede de recurso a anulação de um acto administrativo (recurso de anulação), bem como a condenação na prática de um acto administrativo recusado ou omitido (recurso visando a prática de um acto omitido ou praticado com desrespeito da lei).

2.      Salvo disposição legal em contrário, o recurso só é admissível quando o demandante alegar ter sido lesado nos seus direitos através do acto administrativo ou da recusa ou omissão de um acto administrativo ou de outra prestação.»

13.      O § 113, n.° 1, primeiro período, do VwGO dispõe que «[o] tribunal anula o acto administrativo e a eventual decisão que tenha incidido sobre a reclamação sempre que o acto administrativo seja ilegal e o demandante tenha sido lesado nos seus direitos».

14.      O § 1, n.° 1, da Lei complementar relativa aos recursos em matéria de ambiente de acordo com a Directiva 2003/35/CE (Gesetz über ergänzende Vorschriften zu Rechtsbehelfen in Umweltangelegenheiten nach der EG‑Richtlinie 2003/35/EG, também conhecida como Umwelt‑Rechtsbehelfsgesetz, lei relativa aos recursos em matéria de ambiente, a seguir «UmwRG»), dispõe, nomeadamente, o seguinte:

«1      A presente lei aplica‑se a recursos interpostos:

1.      de decisões, na acepção do § 2, n.° 3, da Lei sobre a avaliação dos efeitos no ambiente (Gesetz über die Umweltverträglichkeitsprüfung, a seguir «UVPG») relativas à admissibilidade de projectos, em relação aos quais, nos termos

a)      da [UVPG],

[...]

possa haver a obrigação de avaliação dos efeitos no ambiente.»

15.      O § 2, n.° 1, da UmwRG dispõe especificamente:

«Uma associação nacional ou estrangeira reconhecida nos termos do § 3 pode, de acordo com o [VwGO], sem que seja necessário invocar a violação dos seus próprios direitos, interpor recurso de uma decisão, na acepção do § 1, n.° 1, primeiro período, ou da sua omissão, sempre que a associação

1.      invoque que uma decisão, na acepção do § 1, n.° 1, primeiro período, ou a omissão de uma decisão, se opõe a uma legislação que tenha por objectivo a protecção do ambiente, que confira direitos aos particulares e que possa ser relevante para a própria decisão».

16.      O § 2, n.° 5, da UmwRG estabelece:

«Os recursos previstos nos termos do n.° 1 são fundados,

1.      sempre que uma decisão, na acepção do § 1, n.° 1, primeiro período, ou a omissão de uma decisão viole uma legislação que tenha por objectivo a protecção do ambiente, que confira direitos aos particulares e que possa ser relevante para a própria decisão, e sempre que a violação afecte as exigências de protecção do ambiente abrangidas pelos objectivos prosseguidos pela associação, de acordo com os seus estatutos».

17.      O § 2, n.° 1, primeiro período, da UVPG tem a seguinte redacção:

«A avaliação dos efeitos no ambiente constitui uma parte integrante dos procedimentos administrativos que têm por objectivo apreciar a admissibilidade dos projectos […]».

18.      O § 2, n.° 3, da UVPG dispõe o seguinte:

«Na acepção do n.° 1, primeiro período, constituem decisões:

1.       […] as autorizações, as decisões de aprovação do plano e as restantes decisões administrativas relativas à admissibilidade dos projectos adoptadas no âmbito de um procedimento administrativo […]».

19.      O § 61, n.os 1 e 2, da Lei relativa à protecção da natureza e à preservação da paisagem (Gesetz über Naturschutz und Landschaftspflege, também conhecida como Bundesnaturschutzgesetz), dispõe:

«1. Uma associação reconhecida [...] pode, sem que tenha sido lesada nos seus direitos, interpor recurso, de acordo com o [VwGO], contra:

1.      derrogações de proibições e de exigências para protecção de reservas naturais, parques nacionais e outras zonas protegidas, no âmbito do § 33, n.° 2, bem como contra

2.      decisões de aprovação de planos relativas a projectos relacionados com intervenções no meio natural e na paisagem, assim como autorizações urbanísticas gerais, desde que esteja prevista a participação do público.

[...]

2. Os recursos previstos nos termos do n.° 1 só são admissíveis se a associação

1.      invocar que a adopção de um acto administrativo referido no n.° 1, primeiro período, se opõe às normas da presente lei, às normas adoptadas ou mantidas em virtude ou no âmbito da presente lei, ou às normas que devem ser tidas em conta na adopção do acto administrativo e que devem ter igualmente por objectivo as exigências de protecção da natureza e da preservação da paisagem,

2.      for prejudicada no domínio das actividades definidas nos seus estatutos, na medida em que tenham sido reconhecidas.

[…]»

 Matéria de facto, tramitação processual e questões prejudiciais

20.      A Trianel Kohlekraftwerk Lünen (a seguir «Trianel», interveniente no processo perante o tribunal de reenvio) tenciona construir e explorar uma central eléctrica alimentada a carvão em Lünen, na Renânia do Norte‑Vestefália. O projecto está sujeito a uma avaliação dos efeitos no ambiente obrigatória.

21.      A uma distância não superior a 8 km da localização do projecto encontram‑se cinco sítios denominados zonas de conservação de acordo com a legislação nacional.

22.      Em 6 de Maio de 2008, a Bezirksregierung Arnsberg (administração do distrito de Arnsberg) emitiu uma decisão prévia e uma primeira autorização parcial para o projecto destinada à Trianel. Nessa decisão prévia declara‑se que não existem quaisquer objecções legais à localização do projecto.

23.      Em 16 de Junho de 2008, uma ONG ambiental conhecida como Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland, Landesverband Nordrhein‑Westfalen e.V (Secção da Renânia do Norte‑Vestefália dos Amigos da Terra Alemanha, a seguir «BUND») interpôs recurso contra a administração do distrito de Arnsberg relativamente à decisão prévia e à primeira autorização parcial. A BUND é uma associação reconhecida nos termos do § 3 da UmwRG (a disposição que especifica «os requisitos previstos na legislação nacional» que uma ONG ambiental deve cumprir para efeitos do artigo 1.°, n.° 2, da directiva AIA).

24.      A BUND sustenta que a decisão prévia e a autorização sofrem de vícios formais e substantivos e alega que o projecto viola os princípios da protecção e da precaução consagrados na legislação em matéria de controlo de emissões e as disposições no domínio do direito das águas e da protecção da natureza.

25.      O tribunal considerou que a BUND não tinha legitimidade para interpor esse recurso, porque não invocava a violação de um direito subjectivo material, tal como é exigido na legislação alemã para se ter legitimidade activa. Contudo, o tribunal levantou a questão de saber se o requisito alemão de que uma ONG ambiental invoque a violação de um direito nesse sentido é, em si próprio, compatível com o direito da União Europeia, em particular com o artigo 10.°‑A da directiva AIA.

26.      Consequentemente, o tribunal suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

1.      O artigo 10.°‑A da [directiva AIA], na redacção que lhe foi dada pela Directiva [2003/35], exige que as organizações não governamentais que pretendam recorrer aos tribunais de um Estado‑Membro cuja lei de processo administrativo pressupõe a invocação da violação de um direito possam invocar a violação de quaisquer disposições em matéria de ambiente aplicáveis à aprovação de um projecto, isto é, mesmo a violação daquelas disposições que se destinam a servir apenas os interesses da colectividade e não, pelo menos em parte, a proteger os interesses dos particulares?

2.      Em caso de resposta afirmativa com reservas à primeira questão:

O artigo 10.°‑A da [directiva AIA], na redacção que lhe foi dada pela Directiva [2003/35], exige que as organizações não governamentais que pretendam recorrer aos tribunais de um Estado‑Membro cuja lei de processo administrativo pressupõe a invocação da violação de um direito possam invocar a violação das disposições em matéria de ambiente relevantes para a aprovação de um projecto, criadas directamente pelo direito comunitário ou que transpõem a legislação comunitária em matéria de ambiente para o sistema jurídico nacional, isto é, mesmo a violação daquelas disposições que se destinam a servir apenas os interesses da colectividade e não, pelo menos em parte, a proteger os interesses dos particulares?

a)      Em caso de resposta afirmativa, em princípio, à segunda questão:

A legislação comunitária no domínio do ambiente deve respeitar determinados requisitos materiais para poder ser objecto de recurso?

b)      Em caso de resposta afirmativa à alínea a) da segunda questão:

Quais os requisitos materiais (por exemplo, efeito directo, escopo de protecção, finalidade) que estão em causa?

3.      Em caso de resposta afirmativa à primeira ou à segunda questão:

Uma organização não governamental tem um direito de recurso aos tribunais decorrente directamente da directiva, para além do disposto no sistema jurídico nacional?»

27.      A BUND, a Bezirksregierung Arnsberg, a Trianel, os Governos alemão, grego e italiano, e a Comissão apresentaram observações escritas. A BUND, a Trianel, o Governo alemão e a Comissão apresentaram alegações orais na audiência realizada em 10 de Junho de 2010.

 Observações preliminares

 Processo contra a Alemanha

28.      A Comissão observa que existe um processo pendente contra a Alemanha no Comité de Avaliação do Cumprimento da Convenção de Aarhus, que tem por objecto, no essencial, a mesma questão que a que está em análise no presente processo (9). Contudo, esse processo foi suspenso enquanto se aguarda o resultado do presente pedido de decisão prejudicial e, por isso, não tenciono considerá‑lo em mais pormenor.

 O enquadramento jurídico na Alemanha

29.      As observações escritas do Governo alemão ajudaram a clarificar o problema exposto no pedido de decisão prejudicial. Na Alemanha, a norma geral relativa à admissibilidade nos processos administrativos encontra‑se no § 42, n.° 2, do VwGO. O efeito desta disposição, tal como o entendo, é que os pedidos de recurso relativos a actos administrativos apenas são admissíveis se a) se basearem numa disposição legal cujo objectivo seja proteger os direitos dos particulares e b) se o demandante estiver abrangido pelo âmbito da sua protecção.

30.      O Governo alemão declara que o direito de interpor um recurso judicial equivale assim a um «direito que protege particulares», como consagrado no artigo 19.°, n.° 4, da Grundgesetz. No decurso desse recurso, o tribunal pode rever oficiosamente os factos, examinar se dispõe de todos os elementos factuais necessários para tomar uma decisão, avaliar a legalidade da decisão (por exemplo, avaliando se infringe um princípio como a proporcionalidade) e verificar se a decisão não foi tomada ultra vires. O tribunal pode exercer os seus poderes de fiscalização mesmo quando os organismos administrativos possuem uma certa margem de apreciação. O Governo alemão alega que este processo garante um nível particularmente intenso de controlo judicial (10).

31.      No entanto, o Governo alemão observa ainda que os recursos disponíveis para os tribunais alemães são limitados. O facto de o acesso à justiça ser normalmente limitado às pessoas cujos direitos são directamente afectados por uma decisão é, pois, o corolário prático dos níveis intensos de controlo judicial necessários para uma efectiva protecção judicial. Um aumento do número de demandantes que podem intentar acções nos tribunais «bloquearia o sistema». Este facto, por sua vez, reduziria a eficácia com que os tribunais alemães poderiam proteger os direitos dos potenciais demandantes. Com a ampliação do círculo de pessoas com acesso aos tribunais, poderia ser reduzida a protecção judicial oferecida aos particulares cujos direitos foram violados.

32.      O Governo alemão refere também que, quando é interposto um recurso judicial, é suspensa a correspondente instância administrativa. Assim, um aumento no número de recursos interpostos nos tribunais abrandaria significativamente os procedimentos administrativos.

33.      O Governo alemão salienta que, embora a norma geral estabeleça que os demandantes devem «invocar a violação» de um direito subjectivo, o § 2, n.° 1, ponto 1, da UmwRG prevê uma excepção para as ONG ambientais reconhecidas. Estas organizações podem interpor um recurso judicial, desde que as disposições que alegadamente foram violadas confiram direitos aos particulares. Assim, esta excepção coloca as ONG ambientais numa posição mais favorável do que os demandantes particulares.

34.      Parece ser pacífico que na Alemanha o ambiente é protegido não como a expressão de um interesse individual, mas como a expressão de um interesse público geral (11). Assim sendo, e como regra geral, as disposições legais destinadas a proteger o ambiente podem não conferir necessariamente direitos aos particulares.

35.      Na prática, as ONG ambientais não podem, por isso, interpor recurso de um acto administrativo com fundamento em que este viola uma disposição que protege o ambiente e os tribunais alemães não podem apreciar este recurso. As ONG ambientais apenas podem actuar no caso de poderem invocar a violação, ou o risco de violação, de um direito subjectivo material.

36.      Neste contexto, examinarei a primeira questão prejudicial.

 Primeira questão prejudicial

37.      Com a primeira questão, o tribunal de reenvio pergunta se o artigo 10.°‑A da directiva AIA obriga os Estados‑Membros a permitirem que as ONG ambientais recorram aos tribunais invocando a violação de uma disposição em matéria de ambiente relevante para a aprovação de um projecto – incluindo disposições que se destinam apenas a servir os interesses do público em geral, e não a proteger os interesses jurídicos de particulares.

38.      A letra da directiva AIA oferece alguma base para que se considere que o acesso aos tribunais pode depender da existência de direitos subjectivos materiais?

39.      A Comissão salienta que a directiva AIA estabelece uma conexão entre a protecção do ambiente, por um lado, e a protecção dos direitos à saúde dos particulares, por outro. Contudo, em meu entender esta conexão deve ser entendida em termos gerais. A legitimidade para impugnar um alegada falha na aplicação de determinadas disposições da legislação ambiental não deve depender da demonstração de uma conexão determinada ou específica com a saúde humana (12).

40.      Em primeiro lugar, o artigo 10.°‑A da directiva AIA não estabelece expressamente a necessidade de uma tal conexão. Em segundo lugar, quer o artigo 191.° TFUE (13) quer a Directiva 2003/35 consideram a protecção ambiental como um fim em si mesmo, independente da protecção da saúde humana (14). Por estas razões, interpretar as disposições legislativas destinadas a proteger o ambiente como estando indissociavelmente ligadas à saúde humana, na minha opinião, limitaria de forma desnecessária e inadmissível o âmbito dessas disposições.

41.      O Governo alemão alega que o artigo 10.°‑A da directiva AIA não obriga os Estados‑Membros a modificarem os respectivos sistemas jurídicos nacionais de forma a permitir uma actio popularis pela qual qualquer parte dispõe de acesso ilimitado à impugnação de decisões administrativas por motivos ambientais. Esta perspectiva está correcta. Contudo, a questão central na presente instância é a da compatibilidade com a directiva AIA de normas processuais dos Estados‑Membros sobre a legitimidade activa, nos termos das quais nenhuma parte pode intentar uma acção alegando violação de legislação cujo objectivo seja unicamente a protecção do ambiente.

42.      A actio popularis encontra‑se prevista na Convenção de Aarhus no artigo 9.°, n.° 3, que ainda não foi incorporado no direito da União Europeia (15). Consequentemente, não existe neste momento, no direito da UE, a obrigação de os Estados‑Membros permitirem uma actio popularis.

43.      O objectivo do artigo 10.°‑A, tal como inserido na directiva AIA pelo artigo 3.°, n.° 7, da Directiva 2003/35, foi incorporar o artigo 9.°, n.° 2, da Convenção de Aarhus no direito da UE. Ao contrário do artigo 9.°, n.° 3, essa disposição apenas exige que os Estados‑Membros permitam o acesso a um recurso a certos membros do «público em causa», de forma a poderem impugnar a legalidade de decisões, actos ou omissões administrativas. Este requisito está devidamente reproduzido no artigo 10.°‑A da directiva AIA.

44.      O primeiro parágrafo do artigo 10.°‑A exige que os Estados‑Membros reconheçam legitimidade activa a entidades que a) tenham um interesse suficiente ou b) que «invoquem a violação de um direito». As alternativas são necessárias para abranger os diferentes requisitos da legitimidade activa previstos nas várias ordens jurídicas nacionais dos Estados signatários da Convenção de Aarhus (16).

45.      O terceiro parágrafo do artigo 10.°‑A dispõe que os Estados‑Membros devem determinar o que constitui um «interesse suficiente» e a «violação de um direito», de acordo com o objectivo que consiste em proporcionar ao público em causa um vasto acesso à justiça. Refere seguidamente que, para este fim, considera‑se suficiente o interesse das ONG ambientais (17) para efeitos do critério da alínea a), e que tais ONG têm direitos susceptíveis de ser violados, para efeitos do critério da alínea b).

46.      É aqui que reside o ponto crucial do problema. Que tipo de «direito» pode uma ONG ambiental alegar que está a ser violado? Consequentemente, permite o artigo 10.°‑A que os Estados‑Membros limitem os direitos cuja violação pode ser alegada a uma subcategoria de direitos (ou seja, aos direitos subjectivos materiais)?

47.      O Governo alemão sustenta que o terceiro parágrafo do artigo 10.°‑A da directiva AIA lhe permite especificar que uma ONG demandante, tal como um sujeito privado, apenas pode invocar disposições que protegem os interesses jurídicos dos particulares. Essa disposição estabelece meramente que se deve considerar que as ONG ambientais têm direitos equivalentes aos dos particulares (quando, na verdade, não podem nem têm). As ONG ambientais são assim colocadas a par com os particulares, sem haver alteração da natureza dos direitos que as ONG ambientais devem invocar para ter legitimidade activa, ou sem limitar o poder dos Estados‑Membros de restringir os tipos de direitos que podem ser invocados no decurso da interposição de um recurso judicial. Na medida em que é permitido às ONG ambientais invocar disposições que protegem direitos de terceiros e não os seus próprios direitos subjectivos, as ONG ambientais beneficiam de um direito de acesso à justiça mais amplo que os particulares.

48.      A Comissão considera que o artigo 10.°‑A estabelece simplesmente que as ONG ambientais devem poder propor acções com base na violação de um direito. A existência desse direito, defende a Comissão, é uma questão que compete ao direito nacional – embora a necessidade de garantir um amplo acesso à justiça deva ser tomada em devida consideração.

49.      Aparentemente, a formulação do artigo 10.°‑A («[invocar] a violação de um direito») parece ser mais ou menos neutral, pois não diz que o direito deve ser um determinado tipo de direito, nem diz que um determinado tipo de direito, ou qualquer tipo, são suficientes para efeitos de legitimidade activa. Também não especifica quais os tipo(s) de direitos que um Estado‑Membro pode permitir a um demandante invocar.

50.      Nas conclusões apresentadas no processo Djurgården (18) considerei que o artigo 10.°‑A da directiva AIA confere às ONG ambientais que preenchem os requisitos previstos no artigo 1.°, n.° 2, dessa directiva legitimidade automática perante os tribunais nacionais (19).

51.      Tal como sugeri nessas conclusões (20), o papel especial e correspondentes direitos atribuídos às ONG ambientais ao abrigo da Convenção de Aarhus e da directiva AIA constituem a base de um mecanismo particularmente forte e eficaz na prevenção de danos ambientais. Uma ONG ambiental dá expressão ao interesse colectivo e pode ter um grau de especialização técnica que um indivíduo não possui. Na medida em que uma única acção judicial proposta por uma ONG ambiental pode substituir um conjunto de acções equivalentes que, de outra forma, seriam propostas por particulares, os efeitos podem incluir a racionalização do contencioso, a redução no número de acções pendentes nos tribunais e a melhoria da eficiência com que os limitados meios judiciais aplicam a justiça e protegem os direitos.

52.      O papel proeminente atribuído às ONG ambientais contrabalança também a decisão de não introduzir uma actio popularis obrigatória relativamente às questões ambientais. Além disso, o envolvimento das ONG ambientais nas fases administrativa e judicial da tomada de decisão reforça a qualidade e a legitimidade das decisões tomadas pelas autoridades públicas e melhora a eficácia dos procedimentos destinados a prevenir danos ambientais (21).

53.      Parece‑me ainda mais importante permitir que uma ONG impugne uma decisão administrativa favorável a um projecto se – como parece ser o caso na Alemanha – a correspondente decisão negativa puder sempre ser impugnada pelos gestores do projecto, que podem, por definição, alegar uma violação dos seus direitos subjectivos materiais.

54.      Nas conclusões apresentadas no processo Djurgården, considerei que qualquer ONG ambiental (que cumpra os requisitos previstos na legislação nacional nos termos do artigo 1.°, n.° 2, da directiva AIA) tem automaticamente um direito de acesso à justiça, especialmente porque o artigo 10.°‑A refere expressamente que se considera que uma tal ONG tem «direitos susceptíveis de ser violados» ou um «interesse» considerado «suficiente». Em minha opinião, isto demonstra claramente que as ONG ambientais estão numa posição única e privilegiada.

55.      Indiquei também que, em minha opinião, o facto de o direito de acesso à justiça ser conferido «de acordo com o sistema jurídico nacional» não significa que se esteja a conferir aos Estados‑Membros faculdades adicionais na transposição desta disposição. Esta referência serve meramente para destacar que as disposições sobre o acesso à justiça são aplicáveis no quadro processual de cada Estado‑Membro (22).

56.      No seu acórdão, o Tribunal de Justiça decidiu o processo em termos ligeiramente mais restritivos.

57.      A questão prejudicial específica submetida no processo Djurgården não se referia directamente à questão saber se um Estado‑Membro pode restringir os tipos de direitos que uma ONG pode invocar. Esta pode ser a razão pela qual a linguagem do Tribunal não é totalmente clara na questão agora em causa. Assim, o Tribunal de Justiça declarou que «devem poder exercer esse direito de recurso [...] os membros do público em causa que tenham um interesse suficiente em agir ou, em alternativa, invoquem a violação de um seu direito por uma das operações visadas pela Directiva 85/337, sempre que a legislação nacional assim o exija como requisito prévio» (n.° 34) e que «as pessoas cujos direitos possam […] ser violados [por esse projecto], como as associações de defesa do ambiente, devem poder agir nos tribunais competentes» (n.° 45). No n.° 44, o Tribunal de Justiça declarou que «as [organizações não governamentais] que ‘cumprem os requisitos previstos na legislação nacional’ sejam consideradas, consoante o caso, como tendo um ‘interesse suficiente [em agir]’ ou como titulares de um direito que pode ser violado por uma operação abrangida pela directiva»; e, mais adiante que «os membros do público em causa, com um interesse suficiente em impugnar uma operação ou cujos direitos possam ser prejudicados por esta, devem poder recorrer da decisão que a licencie» (n.° 48).

58.      Este presente processo constitui a oportunidade certa para o Tribunal de Justiça abordar a incerteza que permanece após o acórdão Djurgården.

59.      O artigo 10.°‑A da directiva AIA dispõe que «[o]s Estados‑Membros devem assegurar que [...] os membros do público em causa que [...] [i]nvoquem a violação de um direito, sempre que a legislação de processo administrativo de um Estado‑Membro assim o exija como requisito prévio, tenham a possibilidade de interpor recurso perante um tribunal [...]».

60.      No caso de um particular, isto implica alegar que um direito de que goza é violado, ou está em risco de o ser, por um determinado projecto.

61.      Contudo, se se aplicasse o mesmo critério às ONG ambientais, estas seriam colocadas exactamente na mesma posição que os particulares (se apenas estiverem em causa os seus próprios direitos) ou, então, apenas se lhes permitiria intervir em representação dos particulares (se a sua legitimidade activa dependesse da violação ou da ameaça de violação de direitos dos particulares gozados por outros). Parece‑me, contudo, que se pretendeu que as ONG ambientais tivessem um acesso mais amplo à justiça.

62.      A interpretação correcta do artigo 10.°‑A torna‑se mais clara se tomarmos em consideração o respectivo terceiro parágrafo.

63.      Esse parágrafo aplica‑se de igual forma às ONG ambientais que agem no âmbito de sistemas que lhes garantem o acesso à justiça com base no critério estabelecido na alínea a) e às que agem no âmbito de sistemas que lhes garantem o acesso à justiça com base no critério estabelecido na alínea b).

64.      Tal funciona não através da atribuição de um direito ou interesse a essas ONG, mas por se considerar que, desde que cumpram os requisitos previstos na legislação nacional, se cumpre necessariamente o requisito de possuir um interesse suficiente ou de ter direitos susceptíveis de serem violados, consoante o caso.

65.      Assim, no que diz respeito ao critério estabelecido na alínea a), deve considerar‑se que todas as ONG ambientais têm interesse suficiente para interporem recurso perante um tribunal ou outro órgão independente e imparcial. As ONG ambientais não precisam de provar que têm esse interesse, mas são tratadas como se, de facto, o tivessem feito. Têm, portanto, legitimidade para impugnar a legalidade material ou processual de todas as decisões, actos ou omissões abrangidos pelo âmbito da directiva AIA.

66.      O mesmo deverá seguramente ser o caso no que diz respeito ao critério estabelecido na alínea b). Uma ONG ambiental deve ter a mesma possibilidade de interpor, sem entraves, um recurso judicial independentemente do critério que um Estado‑Membro aplica. Caso contrário, os Estados‑Membros que aplicam o critério estabelecido na alínea b) teriam mais margem de manobra para recusarem reconhecer legitimidade activa às ONG ambientais do que aqueles que aplicam o critério estabelecido na alínea a), o que implicaria profundas divergências no acesso à justiça entre os Estados‑Membros. A eficácia da directiva AIA como instrumento que garante um controlo adequado dos projectos que tenham um impacto potencialmente significativo no ambiente ficaria debilitada e as divergências poderiam ter uma influência apreciável na escolha da localização dos projectos, sobretudo em zonas fronteiriças.

67.      Por conseguinte, em minha opinião, a interpretação correcta é que, num Estado‑Membro que aplique o critério estabelecido na alínea b) do primeiro parágrafo do artigo 10.°‑A, o terceiro parágrafo desse artigo deve ser entendido no sentido de que o Estado‑Membro deve garantir que as ONG ambientais podem invocar «a violação de um direito» e, assim, que o sistema nacional deve reconhecer que essas ONG dispõem de «um direito» susceptível de ser violado, mesmo que esse direito seja fictício num sistema jurídico nacional que, de outra forma, apenas reconheceria a violação de direitos subjectivos materiais.

68.      Daqui resulta que uma norma jurídica nacional nos termos da qual uma ONG ambiental, para impugnar uma decisão susceptível de afectar o ambiente, tem de poder invocar a violação de um direito subjectivo material para poder ter legitimidade activa, não é compatível com o artigo 10.°‑A da directiva AIA.

69.      Poder‑se‑ia objectar que a primeira frase do terceiro parágrafo do artigo 10.°‑A permite aos Estados‑Membros determinarem o que «constitui um interesse suficiente e a violação de um direito» de acordo com os requisitos previstos no direito nacional. Não autoriza esta frase, expressamente, os Estados‑Membros a aplicarem as suas próprias definições?

70.      Em minha opinião, a sua capacidade para o fazer (igualmente de forma expressa) está sujeita a uma limitação importante. Essa mesma frase clarifica que essa determinação por um Estado‑Membro deve ser feita «de acordo com o objectivo que consiste em proporcionar ao público em causa um vasto acesso à justiça». O objectivo de proporcionar «um vasto acesso» à justiça estabelece os parâmetros no âmbito dos quais os Estados‑Membros podem exercer a sua discricionariedade legislativa.

71.      Alargar o acesso à justiça é um dos objectivos expressos da Convenção de Aarhus. Em particular, o décimo oitavo considerando dispõe que «os mecanismos judiciais [devem] estar acessíveis ao público, incluindo organizações, para que os seus interesses legítimos sejam protegidos e a lei seja cumprida». Por seu lado, o preâmbulo da Directiva 2003/35 refere, no terceiro considerando, que «[aumenta] assim a responsabilização [...] do processo de tomada de decisões», e indica que a «participação, incluindo a participação por parte de associações, organizações e grupos, em especial organizações não governamentais que promovem a protecção do ambiente, deve ser consequentemente incentivada» (quarto considerando).

72.      Além disso, se a posição do Governo alemão estivesse correcta, a legitimidade activa de uma ONG ambiental dependeria, em parte, do acaso. Imagine‑se dois lagos, semelhantes em termos de fauna e flora. O primeiro encontra‑se num local em estado selvagem, num canto remoto de uma vasta região sob o controlo geral da autoridade local (que também avaliará qualquer pedido de intervenção). Ninguém vive perto. O segundo localiza‑se perto de algumas residências. De acordo com a interpretação do Governo alemão, uma ONG ambiental poderia ter legitimidade activa para impugnar uma decisão de licenciamento de um projecto de construção junto ao segundo lago (se se alegasse que os direitos dos moradores tinham sido ou poderiam ser violados), mas não o teria em relação ao primeiro lago. Este não pode ser, seguramente, o objectivo da directiva AIA. O acesso à justiça não pode depender de factores extrínsecos como a localização exacta do projecto que uma ONG ambiental teme poder causar danos ao ambiente.

 Efectividade

73.      Nas suas observações, a Trianel salienta que um «vasto» acesso não é o mesmo que um acesso «ilimitado» e argumenta que as ONG ambientais não devem ter automaticamente acesso à justiça ao abrigo do artigo 10.°‑A da directiva AIA. De igual modo, o Governo alemão sustenta que o direito da UE não exige acesso ilimitado aos tribunais para as ONG ambientais. A Comissão aceita que a Convenção de Aarhus não autoriza que as ONG ambientais escapem o critério de admissibilidade estabelecido na legislação nacional: embora uma ONG ambiental possa invocar a violação de um direito, esse direito deve primeiro existir para que possa ser violado. No entanto, a Comissão recorre ao princípio da eficácia para concluir que a noção de «violação de um direito» deve ser interpretada em sentido amplo.

74.      No caso de o Tribunal não ficar convencido de que tanto a letra como o objectivo do artigo 10.°‑A da directiva AIA levam à conclusão de que as ONG ambientais devem ter automaticamente legitimidade activa, é necessário examinar brevemente a questão da perspectiva do princípio da efectividade, uma vez que as alterações à directiva AIA efectuadas pela Directiva 2003/35 pretenderam, nomeadamente, proporcionar um vasto acesso à justiça.

75.      O Governo alemão argumenta que o princípio da efectividade não é violado pelo facto de a legitimidade activa depender da existência de direitos subjectivos materiais.

76.      Durante a audiência, tornou‑se evidente que existe uma grande variedade de legislação ambiental em vigor na Alemanha e que nem toda pode ser facilmente associada à protecção de direitos subjectivos materiais. Tal como a Comissão salienta, o Tribunal de Justiça, em várias ocasiões, interpretou a directiva AIA de forma extensiva (23). Neste contexto, parece‑me que excluir todas as acções baseadas em disposições jurídicas ambientais excepto aquelas que garantem direitos subjectivos materiais não é, claramente, uma implementação eficaz da directiva AIA.

77.      O Governo alemão explicou que o seu sistema de recursos judiciais implica uma fiscalização cuidadosa e detalhada das decisões administrativas, tendo como consequência um nível elevado de protecção dos direitos dos particulares (24). Contudo, tal como um Ferrari com as portas trancadas, um sistema intensivo de recursos é de pouca ajuda prática se o sistema for completamente inacessível a certas categorias de acções. Tal como eu o compreendo, em circunstâncias em que não há um direito subjectivo material em risco de ser violado, nem um particular nem uma ONG ambiental têm legitimidade para interpor um recurso. Ninguém pode agir em nome do próprio ambiente. Há, no entanto, circunstâncias, como, por exemplo, quando um projecto incluído na lista do Anexo I da directiva AIA (e, portanto, sujeito à avaliação obrigatória do impacto ambiental nos termos do artigo 4.°, n.° 1) estiver localizado num sítio em estado selvagem, afastado de habitações, em que a participação efectiva na tomada de decisões relativamente ao ambiente e o acompanhamento efectivo da implementação da directiva AIA tornarem essencial que uma ONG ambiental tenha legitimidade activa que lhe permita interpor um recurso judicial.

78.      O Governo alemão alega que o actual nível muito intenso de fiscalização judicial terá que ser aliviado se os requisitos para se ter legitimidade activa forem facilitados, de forma a evitar a sobrecarga dos tribunais administrativos. A consequência seria, sugere esse governo, uma implementação mais fraca e menos eficaz da directiva AIA.

79.      Logicamente, estes argumentos não dão resposta ao facto de que, de momento, não pode ser intentada uma acção nos tribunais alemães (porque o demandante não tem legitimidade activa) em certas circunstâncias que, no entanto, estão abrangidas pela directiva AIA e para as quais (concomitantemente) o artigo 10.°‑A exige a possibilidade de recurso perante um órgão judicial. Acrescento que, por razões que já expressei (25), permitir que as ONG ambientais possam intentar acções pode, de facto, resultar numa utilização mais eficiente e rentável dos limitados recursos judiciais.

80.      Na audiência, a BUND defendeu que, na realidade, apenas 0,1% das acções judiciais ambientais são propostas por ONG. Se assim é, facilitar ligeiramente as condições de legitimidade dificilmente produzirá um aumento significativo no número total de litigantes. Além disso, acções presumivelmente frívolas ou vexatórias, ainda que admissíveis, podem ser julgadas improcedentes. Não considero, portanto, convincente o argumento de que existiria um aumento significativo no volume de trabalho (26) como razão para não resolver uma lacuna importante no actual sistema.

 Interpretação coerente

81.      O Governo alemão dá a entender que este processo levanta a questão de se saber até onde o direito da União Europeia pode limitar a forma como o sistema jurídico alemão interpreta a legitimidade activa.

82.      Contudo, é claramente reconhecido que mesmo as normas constitucionais dos Estados‑Membros não devem obstar à aplicação do direito da UE (especialmente tornando essa aplicação incondicionalmente dependente de o demandante poder ou não invocar direitos dos particulares). Por conseguinte, se o artigo 10.°‑A da directiva AIA necessita de uma leitura especial para que «invoquem a violação de um direito», então o sistema jurídico alemão deve respeitar esse requisito (27).

83.      A Trianel sugere que a interpretação do artigo 10.°‑A defendida pela BUND significaria que a Alemanha estaria obrigada a abandonar o critério da existência de direitos para reconhecer a legitimidade activa. Em meu entender, está longe de ser óbvio que esse fosse necessariamente o caso.

84.      Segundo o meu entendimento da situação actual, seria possível a um tribunal alemão interpretar o direito nacional em conformidade com os requisitos do artigo 10.°‑A da directiva AIA, permitindo às ONG ambientais intentar acções com base na violação de direitos em matéria ambiental que sejam considerados direitos dos particulares (28). O que está claro é que a Alemanha deve cumprir as suas obrigações por força da directiva AIA, conforme alterada pela Directiva 2003/35. A forma de o fazer compete ao legislador e aos tribunais nacionais.

 Conclusão sobre a questão prejudicial 1

85.      À luz do exposto, concluo que o artigo 10.°‑A da directiva AIA exige que se permita às ONG ambientais, que queiram propor uma acção nos tribunais de um Estado‑Membro no qual a legislação de processo administrativo exija que um demandante invoque a violação de um direito, que aleguem ter havido violação de uma qualquer disposição ambiental relevante para a aprovação de um projecto, incluindo disposições que se destinam apenas a servir os interesses do público em geral e não, pelo menos em parte, a proteger os interesses dos particulares.

 Segunda questão prejudicial

86.      Uma vez que propus que a primeira questão prejudicial fosse respondida na afirmativa e sem reservas, não é necessário responder à segunda questão prejudicial. Acrescentaria apenas que as disposições do artigo 10.°‑A da directiva AIA se aplicam unicamente a questões que estejam abrangidas ratione materiae pelo âmbito dessa directiva.

 Terceira questão prejudicial

87.      Com a terceira questão, o tribunal de reenvio pergunta se a directiva AIA confere directamente às ONG ambientais o direito de recorrer aos tribunais, para além do disposto no ordenamento jurídico nacional. Por outras palavras, se as normas processuais nacionais não reconhecerem a legitimidade activa de uma ONG ambiental (como a BUND) para interpor um recurso judicial, tem esta ONG ambiental o direito de invocar directamente as disposições do artigo 10.°‑A?

88.      O Tribunal de Justiça afirmou, em muitas ocasiões, que quando as disposições de uma directiva são suficientemente claras, precisas e incondicionais podem ser invocadas por particulares nos tribunais nacionais contra o Estado, nos casos em que este não transpôs (ou não transpôs correctamente) essa directiva para o direito interno no termo do prazo estabelecido (29). O Tribunal de Justiça estabeleceu que uma disposição de uma directiva é suficientemente «precisa» quando «prevê uma obrigação em termos inequívocos» (30).

89.      O artigo 10.°‑A da directiva AIA é, decerto, suficientemente claro e preciso para ter efeito directo. Mas será que é suficientemente incondicional?

90.      O Tribunal de Justiça declarou que uma disposição de uma directiva é suficientemente «incondicional» quando «prevê uma obrigação que não é acompanhada de condições nem subordinada, na sua execução ou nos seus efeitos, à intervenção de qualquer acto das instituições da União [Europeia] ou dos Estados‑Membros» (31).

91.      O presente processo suscita três pontos que podem levantar dúvidas. Em primeiro lugar, o artigo 10.°‑A refere‑se às ONG ambientais definidas pelo artigo 1.°, n.° 2, deixando assim para o Estado‑Membro a tarefa de identificar quais as ONG ambientais que se encontram no âmbito, nomeadamente, do artigo 10.°‑A. Em segundo lugar, o segundo parágrafo do artigo 10.°‑A dispõe que os Estados‑Membros devem determinar o que constitui um interesse suficiente e a violação de um direito. Em terceiro lugar, o artigo 10.°‑A estabelece dois sistemas diferentes para o reconhecimento da legitimidade activa, mais uma vez deixando para o Estado‑Membro a decisão de qual o sistema que deve aplicar no seu território. Algum destes pontos impede que se considere o artigo 10.°‑A como sendo suficientemente incondicional para satisfazer o critério do efeito directo?

92.      Quanto ao primeiro ponto, o Tribunal de Justiça já declarou que uma disposição pode ter efeito directo quando uma directiva tiver sido parcialmente transposta num Estado‑Membro (32). O facto de a Alemanha ter já especificado os critérios que, nos termos do artigo 1.°, n.° 2, uma ONG deve satisfazer de forma a ser reconhecida como uma ONG ambiental para efeitos da directiva AIA significa que a categoria de «ONG ambientais» é identificada incondicionalmente. Qualquer ONG que satisfaça esses critérios, como a BUND, pode, portanto, invocar as disposições do artigo 10.°‑A.

93.      Em relação ao segundo ponto, e pelas razões que já aduzi, considero que o terceiro parágrafo do artigo 10.°‑A confere automaticamente legitimidade activa às ONG ambientais. A capacidade de um Estado‑Membro para definir o que constitui um interesse suficiente, ou a violação de um direito, é correspondentemente limitada. Essas definições são, em virtude do terceiro parágrafo do artigo 10.°‑A, irrelevantes para as ONG ambientais. Assim, essas ONG podem invocar o efeito directo do artigo 10.°‑A, mesmo que o Estado‑Membro em questão tenha definido «violação de um direito» de tal maneira que os particulares o não possam invocar.

94.      Por último, quanto ao terceiro ponto, ou seja, o facto de o artigo 10.°‑A permitir a escolha entre dois sistemas, o Tribunal de Justiça declarou no acórdão Gassmayr que «[u]ma disposição de direito da União é incondicional quando prevê uma obrigação que não é acompanhada de condições nem subordinada, na sua execução ou nos seus efeitos, à intervenção de qualquer acto das instituições da União ou dos Estados‑Membros» (33). Na presente situação, qualquer sistema jurídico de um Estado‑Membro já reflectirá uma das duas opções estabelecidas nas alíneas a) e b). O Estado‑Membro em questão não é obrigado a tomar qualquer medida particular. De igual modo, a existência de duas opções diferentes não implica que essa disposição seja condicional (34). À semelhança da disposição da Convenção de Aarhus (artigo 9.°, n.° 2), o artigo 10.°‑A foi formulado tal como está precisamente a fim de acomodar os dois sistemas diferentes ao abrigo dos quais a legitimidade activa é normalmente apreciada nos Estados‑Membros da União Europeia (e nos Estados signatários da Convenção de Aarhus). Por este facto, não deve ser considerado condicional, mas sim incondicional.

 Conclusão

95.      Por conseguinte, sugiro que, em resposta às questões prejudiciais submetidas pelo Oberverwaltungsgericht für das Land Nordrhein‑Westfalen, o Tribunal de Justiça declare o seguinte:

1.      O artigo 10.°‑A da Directiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de Junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente, conforme alterada pela Directiva 2003/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Maio de 2003, que estabelece a participação do público na elaboração de certos planos e programas relativos ao ambiente e que altera, no que diz respeito à participação do público e ao acesso à justiça, as Directivas 85/337/CEE e 96/61/CE do Conselho, exige que se permita às ONG ambientais, que queiram propor uma acção nos tribunais de um Estado‑Membro no qual a legislação de processo administrativo exija que um demandante invoque a violação de um direito, que aleguem ter havido violação de uma qualquer disposição ambiental relevante para a aprovação de um projecto, incluindo disposições que se destinam apenas a servir os interesses do público em geral e não, pelo menos em parte, a proteger os interesses dos particulares.

2.      Na falta de uma transposição completa para o direito nacional, uma ONG ambiental tem o direito de invocar directamente as disposições do artigo 10.°‑A da Directiva 85/337/CEE, conforme alterada pela Directiva 2003/35/CE.


1 – Língua original: inglês.


2 – Directiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de Junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente (JO L 175, p. 40; EE 15 F6 p. 9).


3 – Directiva 2003/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Maio de 2003, que estabelece a participação do público na elaboração de certos planos e programas relativos ao ambiente e que altera, no que diz respeito à participação do público e ao acesso à justiça, as Directivas 85/337/CEE e 96/61/CE do Conselho (JO L 156, p. 17, a seguir «Directiva 2003/35»).


4 – Decisão 2005/370/CE do Conselho, de 17 de Fevereiro de 2005, relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia, da Convenção sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente (JO L 124, p. 1; a seguir «Decisão 2005/370»). O texto da Convenção de Aarhus encontra‑se reproduzido na p. 4 e segs. do mesmo Jornal Oficial.


5 –      O significado desta expressão em inglês não é, talvez, inteiramente óbvio. O seu verdadeiro sentido pode estar mais próximo de «que invoquem a violação de um direito», ou seja, a abreviatura de «alegando que um direito é, ou está em risco de ser, violado». Para me manter fiel ao texto, usei geralmente a expressão «invoquem a violação de um direito» sempre que necessário.


6 – Directiva 96/61/CE do Conselho, de 24 de Setembro de 1996, relativa à prevenção e controlo integrados da poluição (JO L 257 p. 26).


7 – Décimo primeiro considerando da Directiva 2003/35.


8 – O artigo 2, n.° 2, refere‑se à integração da avaliação do impacto ambiental quer nos processos existentes de aprovação dos projectos nos Estados‑Membros, quer nos processos que venham a ser estabelecidos para responder aos objectivos da directiva AIA.


9 – Dossier n.° ACCCC/C/2008/31, disponível [em inglês] em: http://www.unece.org/env/pp/compliance/Compliance%20Committee/31TableGermany.htm


10 – A BUND e a Comissão contestaram esta afirmação nas suas alegações orais.


11 – A Comissão, nas suas observações escritas, remete para vários artigos que discutem as consequências de se conceptualizar a protecção ambiental desta forma. Aparentemente, a questão é controversa: v., por exemplo, Spieth, F., e Appel, M., «Umfang und Grenzen der Einklagbarkeit von UVP‑Fehlern nach Umwelt‑Rechtsbehelfsgezetz», NuR, 2009, p. 312, e Koch, H‑J, «Die Verbandsklage im Umweltrecht», NVwZ, 2007, p. 369. V. também Ladeur, K.‑H., e Pelle, R., «Judicial Control of Administrative Procedural Mistakes in Germany: A Comparative European View of Environmental Impact Assessments», in Ladeur, K.‑H. (ed.), The Europeanisation of administrative law, Aldershot, 2002, e os artigos aí referidos.


12 – Foi feita referência aos acórdãos de 4 de Junho de 2009, Mickelsson y Roos (C‑142/05, Colect., p. I‑4273, n.° 33) e de 25 de Julho de 2008, Janecek (C‑237/07, Colect., p. I‑6221, n.° 38), nos quais o Tribunal de Justiça analisou conjuntamente os dois conceitos. Contudo, estes dois acórdãos não estão relacionados com a Directiva 85/337.


13 – Ex‑artigo 174.° CE.


14 – Durante a fase de preparação da Convenção de Aarhus, a delegação belga sugeriu expressamente estabelecer uma conexão entre o ambiente e a saúde humana: v. os trabalhos preparatórios correspondentes à primeira sessão do Grupo de Trabalho do Comité Económico e Social (CEP/AC.3/2, p. 2). Este tema provou ser controverso [ver os detalhes da segunda sessão (CEP/A.C3/4, p. 2)], embora na oitava sessão (CEP/AC.3/16, p. 2) a embrionária Convenção de Aarhus contivesse aquela que viria a ser a redacção final do artigo 1.°, que refere o «direito de todos os indivíduos, das gerações presentes e futuras, a viver num ambiente propício à sua saúde e bem‑estar […]».


15 – V. n.° 76 e segs. das minhas conclusões apresentadas no processo Lesoochranárske Zoskupenie, C‑240/09, (acórdão pendente).


16 – Ver os trabalhos preparatórios correspondentes à quinta sessão do Grupo de Trabalho do Comité Económico e Social (CEP/AC.3/10, p. 11), na qual «uma delegação defendeu que qualquer mecanismo de recurso deve estar subordinado às disposições constitucionais e legais relevantes de cada parte contratante». Em geral, houve consenso que aqueles que podiam participar no processo de tomada de decisão deviam ter acesso a uma via de recurso, mas «algumas delegações defenderam que tais pessoas ou organizações teriam de invocar a violação dos seus direitos subjectivos». Esta afirmação parece ter levado à formulação dos critérios a) e b), cuja redacção apareceu pela primeira vez nos trabalhos preparatórios correspondentes à oitava sessão (já referidos na nota 16, p. 9). Entretanto, porém, as palavras «violação dos seus direitos subjectivos» foram alteradas para «violação de um direito».


17 – Tal como definido no artigo 1.°, n.° 2, da directiva AIA, conforme alterada. Não se contestou que a BUND preenche os critérios dessa definição.


18 – Acórdão de 15 de Outubro de 2009, Djurgården‑Lilla Värtans Miljöskyddsförening (C‑263/08, Colect., p. I‑9967).


19 – N.os 42 a 45 das minhas conclusões.


20Ibid., n.os 59 a 65.


21 – Este tema é tratado na doutrina relativa a este ramo do direito: v., por exemplo, Ryall, A., «EIA and Public Participation: Determining the Limits of Member State Discretion», (2007) 19 Journal of Environmental Law Vol. 2, p. 247, no qual o acórdão de 9 de Novembro de 2006 do Tribunal de Justiça, Comissão/Irlanda (C‑216/05 Colect., p. I‑10787) é criticado por não ter em conta os efeitos cumulativos possíveis de se aplicar uma taxa de participação às ONG ambientais. Este aspecto reflectiu‑se também no Guia de Implementação da Convenção de Aarhus (p. 31), nos trabalhos preparatórios da Convenção de Aarhus [para dar dois exemplos, no Projecto de elementos (CEP/AC.3/R.1, p. 2) e na Resolução adoptada em Aarhus (ECE/CEP/43/Add.1/Rev.1)], e na Directiva 2003/35: v., por exemplo, a proposta da Comissão [COM(2000) 839 final, p. 2] – embora o Comité das Regiões tenha indicado, durante o debate sobre essa directiva, que os grupos de pressão e interesse ambiental poderiam ser capazes de atrasar a implementação de projectos necessários (JO 2001, C 357, p. 58, ponto 1.5). Na redacção da Convenção de Aarhus, o Conselho Económico e Social das Nações Unidas tomou em consideração as opiniões de várias ONG envolvidas em questões ambientais [v., por exemplo, o Relatório da Primeira Sessão (CEP/AC.3/2 p. 1)], louvando‑as na Resolução «pela participação activa e construtiva na elaboração da Convenção». Pode inferir‑se daqui que os redactores da Convenção de Aarhus consideraram valiosas as opiniões das ONG ambientais no processo de redacção e, de facto, em momentos posteriores.


22 – Isto é, quer as pessoas singulares e colectivas quer as organizações ambientais permanecem sujeitas às normas gerais em matéria de competência dos tribunais nacionais, prazos, capacidade legal, etc., que fazem parte do direito processual nacional.


23 – Acórdãos de 24 de Outubro de 1996, Kraaijeveld (C‑72/95, Colect., p. I‑5403, n.° 31); de 16 de Setembro de 1999, WWF (C‑435/97, Colect., p. I‑5613, n.° 40); de 13 de Junho de 2002, Comissão/Espanha (C‑474/99, Colect., p. I‑5293, n.° 46); e de 25 de Julho de 2008, Ecologistas en Acción‑CODA (C‑142/07, Colect., p. I‑6097, n.° 28).


24 – Ver n.° 30, supra.


25 – Ver as minhas conclusões no processo Djurgården, já referido na nota 18, n.° 51 e n.° 61.


26 – Argumento aduzido pelo Governo alemão e referido no n.° 31, supra.


27 – V., recentemente, para considerações mais gerais sobre o dever de uma interpretação coerente, acórdão de 19 de Janeiro de 2010, Kücükdeveci (C‑555/07, ainda não publicado na Colectânea, n.° 44 e segs. e jurisprudência aí referida).


28 – V. acórdão de 5 de Outubro de 2004, Pfeiffer e o. (C‑397/01 a C‑403/01, Colect., p. I‑8835, n.os 113 a 119), em que o Tribunal solicita ao tribunal de reenvio que utilize todos os instrumentos à sua disposição para chegar a uma interpretação da legislação nacional que seja consistente com os requisitos da directiva.


29 – V. Acórdão Pfeiffer e o., já referido na nota 28, n.° 103).


30 – V., muito recentemente, acórdão de 1 de Julho de 2010, Gassmayr (C‑194/08, ainda não publicado na Colectânea, n.os 44 e 45).


31 – Acórdão Gassmayr, já referido na nota 30, n.° 45.


32 – Esta doutrina vem já desde, pelo menos, o acórdão de 10 de Abril de 1984, Vol Colson e Karmann (C‑14/83, Recueil, p. I‑1891, n.° 27) e pode considerar‑se que se tornou parte de um critério mais abrangente para a «transposição incorrecta», referido mais recentemente no acórdão de 14 de Outubro de 2010, Fuß (C‑243/09, ainda não publicado na Colectânea, n.° 56).


33 – Já referido na nota 30, n.° 45.


34 – Pode estabelecer‑se um paralelo, a este respeito, com os acórdãos do Tribunal de Justiça no domínio das relações externas, por exemplo, acórdão de 8 de Maio de 2003, Deutscher Handballbund (C‑438/00, Colect., p. I‑4135, n.° 29) e acórdão de 12 de Abril de 2005, Simutenkov (C‑265/03, Colect., p. I‑2579, n.os 24 e 25).