Language of document : ECLI:EU:C:2018:996

Edição provisória

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

HENRIK SAUGMANDSGAARD ØE

apresentadas em 6 de dezembro de 2018 (1)

Processo C‑596/17

Japan Tobacco International SA,

Japan Tobacco International France SAS

contra

Premier ministre,

Ministre de l’Action et des Comptes publics,

Ministre des Solidarités et de la Santé

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França)]

«Reenvio prejudicial – Diretiva 2011/64/UE – Impostos especiais sobre o consumo de tabacos manufaturados – Artigo 15.°, n.° 1 – Livre determinação dos preços máximos de venda a retalho – Regulamentação nacional que impõe aos fabricantes e importadores a fixação de um preço único de venda a retalho expresso por 1 000 unidades ou por 1 000 gramas por cada produto de tabaco sem possibilidade de ajustarem esse preço em função da capacidade das embalagens»






I.      Introdução

1.        O pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Conseil d’État (Conselho de Estado, em função jurisdicional, França) diz respeito à interpretação do artigo 15.° da Diretiva 2011/64/UE, relativa à estrutura e taxas dos impostos especiais sobre o consumo de tabacos manufaturados (2), à luz dos artigos 2.° a 5.° desta diretiva.

2.        Este pedido insere‑se no âmbito de um recurso de anulação de determinadas disposições de dois ofícios, dirigidos pelas autoridades francesas aos fabricantes e fornecedores autorizados de produtos do tabaco, relativos às modalidades de homologação dos preços de venda a retalho dos tabacos manufaturados na França metropolitana. Nos termos destes ofícios, que reiteram as disposições do artigo 572.° do code général des impôts (Código Geral dos Impostos, a seguir «CGI»), um preço único de venda a retalho para cada produto do tabaco é fixado livremente por estes operadores e deve ser expresso por 1 000 unidades ou por 1 000 gramas. Este sistema tem como efeito que o preço unitário por produto seja idêntico qualquer que seja a capacidade da embalagem em que é comercializado. Os fabricantes e importadores não podem, portanto, ajustar o preço de venda a retalho de cada um dos seus produtos em função da embalagem em que são apresentados.

3.        O órgão jurisdicional de reenvio pretende, em substância, saber se uma regulamentação nacional, como o artigo 572.° do CGI, na medida em que produz tal efeito, é compatível com o artigo 15.°, n.° 1, da Diretiva 2011/64. Nos termos desta disposição, os fabricantes ou importadores podem determinar livremente os preços máximos de venda ao público de cada um dos seus produtos, o qual constitui a matéria coletável do imposto especial proporcional aplicável aos tabacos manufaturados.

4.        Na sequência da minha análise, irei concluir que o artigo 15.°, n.° 1, desta diretiva não se opõe a semelhante regulamentação nacional.

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União

5.        De acordo com o seu artigo 1.°, a Diretiva 2011/64 «fixa princípios gerais para a harmonização da estrutura e das taxas dos impostos especiais de consumo a que os Estados‑Membros sujeitam os tabacos manufaturados».

6.        O artigo 2.°, n.° 1, desta diretiva enuncia:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por tabacos manufaturados:

a)      Os cigarros;

b)      Os charutos e as cigarrilhas;

c)      O tabaco de fumar:

i)      o tabaco de corte fino destinado a cigarros de enrolar;

ii)      os restantes tabacos de fumar.»

7.        Os artigos 3.°, 4.° e 5.° da referida diretiva definem, respetivamente, os cigarros, os charutos ou cigarrilhas, e os tabacos para fumar.

8.        O artigo 15.°, n.° 1, da mesma diretiva é formulado da seguinte forma:

«Os fabricantes ou, se for caso disso, os seus representantes ou mandatários na União, bem como os importadores de países terceiros podem determinar livremente os preços máximos de venda ao público de cada um dos seus produtos em cada Estado‑Membro em que se destinem a ser introduzidos no consumo.

O disposto no primeiro parágrafo não obsta, todavia, à aplicação da legislação nacional sobre o controlo do nível de preços ou sobre a observância dos preços fixados, desde que sejam compatíveis com a legislação da União.»

B.      Direito francês

9.        O artigo 572.° do CGI, na sua versão resultante da loi du 26 janvier 2016 de modernisation du système de santé (Lei de 26 de janeiro de 2016 de modernização do sistema de saúde), dispõe:

«O preço de venda a retalho de cada produto, expresso em 1 000 unidades ou 1 000 gramas, é único em todo o território e é livremente determinado pelos fabricantes e fornecedores autorizados. Tal preço é aplicável depois de homologado por despacho conjunto dos ministros responsáveis pela saúde e pelo orçamento, nas condições definidas por decreto do Conseil d’État, Contudo, esse preço não pode ser homologado se for inferior à soma do preço de custo e de todos os impostos.

[...]»

III. Litígio no processo principal, questões prejudiciais e processo perante o Tribunal de Justiça

10.      Em 30 de setembro de 2016 e em 20 de janeiro de 2017, as sociedades Japan Tobacco International SA e Japan Tobacco International France SAS (a seguir, em conjunto, «as sociedades Japan Tobacco») interpuseram, no Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional), recursos de anulação, alegando abuso de poder, de determinadas disposições de dois ofícios, datados de 6 de abril de 2016 e de 22 de novembro de 2016, enviados pelas autoridades francesas aos fabricantes e fornecedores autorizados de produtos do tabaco. Estes ofícios apresentavam as modalidades de homologação dos preços de venda a retalho dos tabacos manufaturados na França metropolitana, tal como previstas no artigo 572.° do CGI.

11.      Esta disposição impõe aos fabricantes e fornecedores a fixação de um preço único de venda a retalho para cada um dos seus produtos do tabaco, expresso por 1 000 unidades ou por 1 000 gramas, independentemente da capacidade da sua embalagem. Nos termos do ofício de 22 de novembro de 2016, cada produto é definido, neste contexto, pela associação de uma marca e de uma denominação comercial. Esta regra, a seguir denominada «regra do preço por 1 000», implica que o preço de cada produto seja idêntico independentemente da embalagem (denominada «referência») em que é apresentado. A regra do preço por 1 000 destina‑se a evitar o aumento do consumo do tabaco que poderia resultar da redução dos preços de certos produtos quando são embalados em maiores quantidades.

12.      Para fundamentar os seus recursos, as sociedades Japan Tobacco invocam, entre outros fundamentos, que o artigo 572.° do CGI, no qual se baseiam os ofícios impugnados, viola o princípio da livre determinação dos preços máximos de venda a retalho dos produtos do tabaco enunciado no artigo 15.°, n.° 1, da Diretiva 2011/64, na medida em que impede que sejam tomadas em consideração, na fixação destes preços, eventuais diferenças nos custos de embalagem associadas às quantidades embaladas.

13.      A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas, em primeiro lugar,quanto ao âmbito de aplicação desta diretiva. Salienta que a referida diretiva pode ser interpretada, em conformidade com o seu objetivo fiscal, no sentido de reger apenas os preços dos produtos do tabaco na medida em que sejam sujeitos a impostos especiais de consumo, ou seja, o preço dos cigarros, charutos, cigarrilhas e tabacos de fumar, tal como são definidos nos artigos 2.° a 5.° da mesma diretiva (3). Por conseguinte, o princípio consagrado no artigo 15.°, n.° 1, da Diretiva 2011/64 não se aplicaria à quantidade embalada desses produtos. Assim, a regra do preço por 1 000, na medida em que proíbe o ajustamento do preço dos produtos em função da capacidade das embalagens, não pode violar este princípio.

14.      Não obstante, o Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) recorda que, em dois acórdãos por incumprimento, proferidos em 2002 (4) e em 2010 (5), o Tribunal de Justiça declarou que eram contrárias a esta disposição duas versões anteriores do artigo 572.° do CGI que instituíam, para além da regra do preço por 1 000, sistemas de preços mínimos obrigatórios para venda a retalho de produtos de tabaco. De acordo com o Tribunal de Justiça, estes sistemas eram suscetíveis de afetar a livre concorrência ao impedir alguns produtores ou importadores de tirar uma vantagem concorrencial dos preços de custo inferiores aos dos seus concorrentes. O órgão jurisdicional de reenvio deseja saber se estes acórdãos traduzem uma vontade do Tribunal de Justiça de fazer prevalecer o princípio da livre concorrência sobre o objetivo fiscal da Diretiva 2011/64. Pergunta igualmente se a fixação dos preços dos produtos do tabaco em função da sua embalagem está abrangida, não obstante as definições previstas nos artigos 2.° a 5.° desta diretiva, pelo âmbito de aplicação da liberdade dos fabricantes e importadores garantida pelo artigo 15.°, n.° 1, da referida diretiva.

15.      Em segundo lugar, na hipótese de o Tribunal de Justiça dar uma resposta afirmativa a esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio questiona o Tribunal de Justiça sobre a compatibilidade do artigo 572.° do CGI, na medida em que proíbe os operadores de ajustarem os seus preços de venda a retalho em função da capacidade das suas embalagens, com o artigo 15.°, n.° 1, da Diretiva 2011/64. A este propósito, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que a regra do preço por 1 000 não os proíbe de repercutirem globalmente nos preços apresentados para homologação as diferenças de preços de custo, independentemente da sua origem, mas apenas de ajustarem esses preços em função do tamanho da embalagem.

16.      Neste contexto, o Conseil d’État decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve a Diretiva [2011/64] ser interpretada no sentido de que, atendendo às definições dos produtos do tabaco que adota nos seus artigos 2.°, 3.° e 4.° […], regula igualmente o preço dos produtos do tabaco embalados?

2)      Em caso de resposta afirmativa à questão anterior, deve o artigo 15.° da Diretiva [2011/64], na medida em que consagra o princípio da livre determinação dos preços dos produtos do tabaco, ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regra de fixação dos preços destes produtos por 1 000 unidades ou por 1 000 gramas que tem por efeito proibir os fabricantes de produtos do tabaco de ajustarem os seus preços em função de eventuais diferenças do custo de embalagem de tais produtos?»

17.      As sociedades Japan Tobacco, os Governos francês, italiano e português, bem como a Comissão Europeia apresentaram observações escritas ao Tribunal de Justiça.

18.      As sociedades Japan Tobacco, o Governo francês e a Comissão estiveram representados na audiência de alegações realizada em 5 de setembro de 2018.

IV.    Análise

A.      Observações preliminares

1.      Quanto ao âmbito das questões prejudiciais

19.      Através das suas duas questões, que irei examinar em conjunto, o Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) procura essencialmente saber se uma regulamentação nacional, como o artigo 572.° do CGI, que obriga os fabricantes e importadores a expressar o preço único de venda a retalho de cada um dos seus produtos por 1 000 unidades ou por 1 000 gramas e os proíbe assim de ajustarem esses preços em função da capacidade das diferentes embalagens em que estes produtos são comercializados, é compatível com o artigo 15.°, n.° 1, da Diretiva 2011/64.

20.      Com a sua primeira questão, este órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça se esta diretiva rege a determinação dos preços dos produtos do tabaco embalado. Como resulta da decisão de reenvio, esta questão refere‑se, mais especificamente, ao âmbito do princípio, consagrado no artigo 15.°, n.° 1, da referida diretiva, da livre determinação, pelos fabricantes e importadores, dos preços máximos de venda a retalho de cada um dos seus produtos.

21.      Por um lado, como alegam todas as partes interessadas com exceção das sociedades Japan Tobacco, a liberdade dos fabricantes e importadores consagrada nesta disposição pode ter por objeto a fixação dos preços a retalho de «cada um dos seus produtos», entendida como referindo‑se a cada tabaco manufaturado de uma marca e tipo que obedeça às definições previstas nos artigos 2.° a 5.° da referida diretiva, independentemente da capacidade da sua embalagem (por exemplo, cada cigarro da marca X e do tipo Y) (6).

22.      Por outro lado, como alegam as sociedades Japan Tobacco, os termos «cada um dos seus produtos» podem ser interpretados no sentido de que designam cada embalagem de um produto (por exemplo, cada maço de 20, 25 ou 30 cigarros da marca X e do tipo Y). O artigo 15.°, n.° 1, da Diretiva 2011/64 garantiria, então, a liberdade dos fabricantes e importadores de determinarem o preço de retalho de cada referência que comercializam.

23.      A segunda questão só é submetida ao Tribunal de Justiça na eventualidade de, em resposta à primeira questão, este adotar a interpretação do artigo 15.°, n.° 1, da Diretiva 2011/64 exposta no número anterior. O Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) pergunta ao Tribunal de Justiça se uma regulamentação nacional, como a regra do preço por 1 000, em causa no processo principal, viola, então, esta disposição, na medida em que impede os fabricantes e importadores de fixarem livremente a diferença de preços entre embalagens com diferentes capacidades.

24.      No caso de o Tribunal de Justiça considerar, pelo contrário, que os «produtos» na aceção do artigo 15.°, n.° 1, da Diretiva 2011/64 se referem aos produtos do tabaco manufaturado enquanto tais, independentemente da capacidade da sua embalagem, o órgão jurisdicional de reenvio considera que o artigo 572.° do CGI não viola esta disposição. Isto porque a própria letra do artigo 572.° do CGI estabelece que os preços dos produtos assim definidos são livremente determinados.

25.      Embora partilhe este último ponto de vista, irei precisar, na minha análise conjunta das questões prejudiciais, as razões pelas quais uma regulamentação nacional, como a da regra do preço por 1 000, prevista no artigo 572.° do CGI, não limita, mesmo que indiretamente, a liberdade garantida no artigo 15.°, n.° 1, da Diretiva 2011/64. Importa, em particular, explicar em que é que esta regulamentação difere das versões anteriores do artigo 572.° do CGI, censuradas pelo Tribunal de Justiça com o fundamento de que restringiam essa liberdade (7).

2.      Quanto ao efeito da regulamentação nacional em causa no processo principal visado nas questões prejudiciais

26.      Parece‑me igualmente útil salientar, a título preliminar, que, embora o artigo 572.° do CGI produza uma série de efeitos restritivos sobre a política comercial dos fabricantes e importadores de tabacos manufaturados, apenas um deles é objeto do presente reenvio prejudicial. O Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) pergunta ao Tribunal de Justiça se o artigo 15.°, n.° 1, da Diretiva 2011/64 se opõe a esta disposição nacional apenas na medida em que esta obriga os operadores a expressarem o preço de venda a retalho por 1 000 unidades ou por 1 000 gramas, para cada um dos seus produtos, mantendo‑se esse preço idêntico qualquer que seja a capacidade da embalagem em que o produto em causa é comercializado.

27.      Em contrapartida, as questões prejudiciais não dizem respeito à conformidade do artigo 572.° do CGI com o princípio da livre determinação dos preços na medida em que esta disposição tem, além disso, como efeito, em primeiro lugar, exigir que o preço de retalho de cada produto seja uniforme em todo o território da França metropolitana, em segundo lugar, impor um preço mínimo (8), e, em terceiro lugar, impedir os fabricantes e importadores de ajustarem, para cima ou para baixo, o preço de retalho homologado pela autoridade administrativa.

28.      No entanto, nas suas observações, as sociedades Japan Tobacco criticam igualmente esta disposição por produzir este triplo efeito. Em particular, alegam a incompatibilidade do artigo 572.° do CGI com o princípio da livre determinação dos preços com fundamento em que o preço de retalho, determinado de acordo com esta disposição, constitui, depois da homologação, não apenas um preço máximo mas também um preço mínimo e, portanto, um preço fixo de revenda.

29.      A fim de evitar qualquer confusão sobre este ponto, preciso desde já que este aspeto do artigo 572.° do CGI, relativo à política de preços, não é relevante no que diz respeito ao artigo 15.°, n.° 1, da Diretiva 2011/64. Tal como resulta da jurisprudência referida a seguir (9), esta disposição implica apenas queo preço máximo de venda a retalho de cada um dos produtos dos fabricantes e importadores, na medida em que constitui a matéria coletável do imposto especial ad valorem, seja livremente determinado por estes últimos. Esta disposição não obsta a que uma medida nacional imponha o respeito, pelos fabricantes e importadores, de um preço fixo que eles mesmos determinaram livremente.

30.      A este propósito, o Tribunal de Justiça concluiu que a Diretiva 2011/64 não obsta a uma política de preços, desde que não colida com os objetivos desta diretiva, nomeadamente o de excluir uma distorção da concorrência entre diferentes categorias de tabacos manufaturados pertencentes a um mesmo grupo (10).

31.      Nesta ótica, o Tribunal de Justiça decidiu, no Acórdão Etablissements Fr. Colruyt (11), que o artigo 15.°, n.° 1, da referida diretiva não se opõe a uma regulamentação nacional que proíbe aos retalhistas a venda de produtos do tabaco a um preço unitário inferior ao preço que o fabricante ou o importador indicou no selo fiscal aposto nesses produtos, na medida em que este preço foi fixado livremente por este último. Segundo o Tribunal de Justiça, tal regulamentação «não está abrangida pela situação referida no artigo 15.°, n.° 1, da Diretiva 2011/64» (12).

32.      Do mesmo modo, esta disposição não proíbe uma regulamentação nacional que preveja que o preço de venda a retalho homologado seja único – ou seja, fixo, e por conseguinte, máximo e mínimo –, desde que esse preço seja livremente determinado pelos fabricantes ou importadores.

B.      Quanto à interpretação do artigo 15.°, n.° 1, da Diretiva 2011/64

33.      Como referido acima, o Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) insta o Tribunal de Justiça a determinar se a expressão «cada um dos seus produtos», na aceção do artigo 15.°, n.° 1, da Diretiva 2011/64, remete para cada um dos tabacos manufaturados de uma marca ou tipo determinados, comercializados pelos fabricantes e importadores, ou para cada uma das embalagens destes tabacos manufaturados. O órgão jurisdicional de reenvio submete esta questão ao Tribunal de Justiça para poder pronunciar‑se sobre a conformidade com esta disposição da regra do preço por 1 000, na medida em que esta impede o ajustamento do preço de retalho de cada um dos referidos tabacos manufaturados em função da capacidade das suas diferentes embalagens.

34.      Não especificando a redação do artigo 15.°, n.° 1, da Diretiva 2011/64 o alcance da expressão em causa, este deve ser clarificado interpretando esta disposição à luz da economia geral desta diretiva e da finalidade prosseguida pela referida disposição e pela diretiva da qual faz parte (13).

1.      Interpretação à luz da economia geral

35.      Para efeitos da harmonização das estruturas do imposto especial de consumo operada pela Diretiva 2011/64, o preço máximo de venda a retalho de cada um dos produtos dos fabricantes e importadores, ao qual faz referência o artigo 15.°, n.° 1, desta diretiva, serve de base ao cálculo da parte proporcional do imposto especial sobre o consumo de tabacos manufaturados (14).

36.      Neste contexto, os «produtos» mencionados nesta disposição, cujo preço a retalho máximo deve ser fixado livremente por estes operadores, designam, parece‑me a mim, os tabacos manufaturados enquanto sujeitos ao imposto especial de consumo.

37.      A este respeito, o artigo 2.°, n.° 1, da Diretiva 2011/64 precisa que os «tabacos manufaturados» que se inserem no âmbito de aplicação do imposto especial de consumo harmonizado abrangem, em primeiro lugar, os cigarros, em segundo lugar, os charutos e as cigarrilhas, e, em terceiro lugar, o tabaco de fumar. Os artigos 3.° a 5.° desta diretiva definem estas três categorias de tabacos manufaturados em função das suas características e das utilizações a que se destinam (15). Estas definições apenas mencionam a embalagem «primária» que permite o consumo do tabaco (16), sem distinguir os tabacos manufaturados em função da sua embalagem «exterior» (17).

38.      Em contrapartida, a embalagem exterior dos produtos do tabaco, conforme salientaram o Governo francês e a Comissão, foi objeto de medidas de harmonização no âmbito da Diretiva 2014/40. O artigo 2.°, n.° 4, desta diretiva define os «produtos do tabaco». O «cigarro» e o «charuto» são definidos nos n.os 10 e 11 deste artigo por remissão para as definições previstas no artigo 3.° e no artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 2011/64. Estes conceitos distinguem‑se do conceito de «embalagem individual», que o artigo 2.°, n.° 30, da Diretiva 2014/40 define como «a embalagem individual mais pequena de um produto do tabaco ou produto afim que é colocado no mercado». A este propósito, o artigo 14.°, n.° 1, desta diretiva regulamenta o conteúdo mínimo das embalagens individuais de determinados produtos do tabaco.

39.      As disposições da Diretiva 2011/64 relativas ao cálculo do imposto especial de consumo harmonizado, tal como os artigos 2.° a 5.° desta diretiva, também não fazem referência à embalagem individual em que são vendidos os tabacos manufaturados.

40.      No que diz respeito aos cigarros, estes são, nos termos do artigo 7.°, n.° 1, da referida diretiva, sujeitos a um imposto especial ad valorem, calculado sobre o preço máximo de venda a retalho, incluindo os direitos aduaneiros, e a um imposto especial específico calculado por unidade de produto. Ao contrário do que afirmam as sociedades Japan Tobacco, o conceito de «preço máximo de venda a retalho» não remete de forma alguma, neste contexto, para as embalagens individuais dos produtos mas sim para o conceito de «unidade de produto». De facto, o «preço máximo de venda a retalho» distingue‑se da «unidade de produto» na medida em que o primeiro constitui a matéria coletável do imposto especial de consumo proporcional que resulta da aplicação a este preço de uma taxa idêntica para todos os cigarros, ao passo que o segundo serve de base ao cálculo do imposto especial específico cujo montante deve ser o mesmo para todos os cigarros (18).

41.      Como salientou o Governo francês, nenhuma disposição da Diretiva 2011/64 define o maço de cigarros como a unidade de medida para fins de cálculo de um e de outro dos elementos do imposto especial de consumo. E mais, tendo em conta que devem ser idênticos para todos os cigarros, a taxa do imposto especial ad valorem e o montante do imposto especial específico não podem variar em função da capacidade das embalagens.

42.      A meu ver, foi também incorretamente que as sociedades Japan Tobacco alegaram que o conceito de «preço médio ponderado de venda a retalho», que consta do artigo 8.°, n.° 2, e do artigo 10.° da Diretiva 2011/64, só seria útil se o preço unitário de um cigarro pudesse variar em função do tamanho do maço. De facto, este conceito serve de referência para determinar o peso dos impostos especiais específicos de consumo na carga fiscal total e do imposto especial de consumo global mínimo sobre os cigarros. Neste contexto, o «preço médio ponderado de venda a retalho» é calculado em relação ao valor total de todos os cigarros (de todas as marcas) colocados no mercado, com base no preço de venda a retalho, incluindo todas as marcas, dividido pela quantidade total de cigarros colocados no mercado durante o ano civil anterior. A utilidade deste conceito não está, portanto, de modo algum dependente da existência de variações entre os preços do mesmo cigarro em função das diferentes embalagens em que é apresentado.

43.      Os tabacos manufaturados que não sejam cigarros estão sujeitos, nos termos do artigo 14.°, n.° 1, da Diretiva 2011/64, a um imposto especial que pode ser ad valorem (calculado sobre os preços máximos de venda a retalho livremente determinados), específico (expresso por quilograma ou, no caso de charutos ou cigarrilhas, por número de unidades) ou misto. A embalagem também não constitui, neste contexto, uma referência para efeitos de cálculo do imposto especial sobre o consumo.

44.      Além disso, esta disposição precisa que os Estados‑Membros podem fixar um montante mínimo de imposto especial ad valorem ou misto, enquanto o n.° 2 deste artigo prevê determinadas taxas ou montantes mínimos que deve abranger o imposto especial de consumo global. Nos termos do n.° 3 do referido artigo, estas taxas ou montantes aplicam‑se a todos os produtos pertencentes ao grupo de tabacos manufaturados em causa (19), sem distinções dentro de cada grupo em função, nomeadamente, da apresentação. Como alegou o Governo francês, esta disposição pressupõe que as taxas e montantes mínimos do imposto especial de consumo não podem variar de acordo com a embalagem em que são apresentados os produtos de um determinado grupo.

45.      Todas estas considerações indicam que os tabacos manufaturados sujeitos ao imposto especial de consumo harmonizado não consistem em embalagens de produtos do tabaco, mas sim em cigarros, charutos, cigarrilhas e tabacos de fumar, tal como definidos nos artigos 2.° a 5.° da Diretiva 2011/64, independentemente da capacidade da sua embalagem.

46.      A meu ver, esta definição do objeto do imposto especial de consumo harmonizado delimita igualmente os contornos do conceito de «produtos» na aceção do artigo 15.°, n.° 1, desta diretiva. Assim, na medida em que o preço máximo de venda a retalho de cada um dos produtos dos fabricantes e importadores, livremente determinado por estes últimos, constitui a matéria coletável do imposto especial ad valorem, estes produtos designam os tabacos manufaturados conforme definidos no número anterior.

47.      A interpretação que preconizo implica que esta disposição consagra apenas a liberdade de estes operadores fixarem o preço unitário dos seus cigarros, charutos e cigarrilhas ou o preço por unidade de peso dos seus tabacos de fumar de uma determinada marca e tipo, sem garantir que possam ajustar estes preços de acordo com a capacidade das embalagens em que os produtos são apresentados.

48.      A finalidade da referida diretiva, em geral, e do seu artigo 15.°, n.° 1, em particular, corrobora esta interpretação.

2.      Interpretação teleológica

49.      Como enuncia o seu artigo 1.°, a Diretiva 2011/64 tem por objeto fixar princípios gerais para a harmonização da estrutura e das taxas dos impostos especiais de consumo a que os Estados‑Membros sujeitam os tabacos manufaturados. Esta harmonização tem, nomeadamente, como finalidade, como refere o considerando 9 desta diretiva, assegurar «que a concorrência das diferentes categorias de tabacos manufaturados pertencentes a um mesmo grupo não seja falseada em consequência da tributação e que, concomitantemente, se concretize a abertura dos mercados nacionais dos Estados‑Membros». Nos termos do considerando 10 da referida diretiva, «[o]s imperativos de concorrência implicam um regime de preços formados livremente para todos os grupos de tabacos manufaturados».

50.      Nesta ótica, de acordo com a jurisprudência, o artigo 15.°, n.° 1, da Diretiva 2011/64 visa, por um lado, assegurar que a determinação da matéria coletável do imposto especial proporcional sobre os produtos do tabaco, a saber, o preço máximo de venda ao público desses produtos, fique sujeita às mesmas regras em todos os Estados‑Membros. Por outro lado, esta disposição tem por objeto preservar a liberdade destes operadores, que lhes permite beneficiar efetivamente da vantagem concorrencial resultante de eventuais preços de custo inferiores, para oferecer preços de custo mais atrativos (20).

51.      Além disso, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 15.°, n.° 1, da Diretiva 2011/64 implica, no âmbito do mecanismo de tributação do tabaco, que o preço de cada produto, uma vez determinado pelo fabricante ou importador e autorizado pela autoridade pública, se imponha como preço máximo, e deve ser respeitado como tal em todas as fases do circuito de distribuição até à venda ao consumidor. Esta regra permite evitar que, ao ser ultrapassado este preço, seja violada a integridade das receitas fiscais (21). Esta regra garante que no momento da cobrança do imposto, os fabricantes e importadores não comuniquem um preço mais baixo para diminuir a carga fiscal, vendendo de seguida a mercadoria a um preço mais elevado (22).

52.      A realização destes objetivos requer, a meu ver, apenas que estes operadores determinem livremente o preço unitário dos cigarros, charutos ou cigarrilhas, ou o preço por unidade de peso dos tabacos de fumar, de uma determinada marca ou tipo que comercializem. Não implica que o artigo 15.°, n.° 1, da Diretiva 2011/64 seja interpretado de modo a exigir, também, que estes últimos possam ajustar os preços de venda a retalho de cada um destes produtos em função das embalagens em que são apresentados.

53.      No que respeita, em particular, ao objetivo da livre concorrência, o Tribunal de Justiça salientou que o artigo 15.°, n.° 1, da Diretiva 2011/64 prevê que os fabricantes e importadores determinem livremente o preço máximo de venda a retalho de cada um dos seus produtos «para garantir que a concorrência possa efetivamente funcionar entre eles» (o sublinhado é meu) (23). O princípio da livre determinação do preço máximo de venda ao público garante, por conseguinte, que o regime de tributação previsto pela Diretiva 2011/64 não provoque, como efeito secundário, uma distorção da concorrência e um entrave à livre circulação de mercadorias (24).

54.      Neste contexto, parece‑me que a preservação da vantagem concorrencial se refere a qualquer vantagem em termos de preços de custo de que um fabricante ou importador beneficia em relação a outros fabricantes ou importadores(25). Não se refere a uma vantagem que uma embalagem de um tabaco manufaturado de determinada marca ou tipo apresente em relação a outra embalagem deste mesmo tabaco manufaturado vendido pelo mesmo operador.

55.      Esta interpretação não é posta em causa pelos acórdãos em que o Tribunal de Justiça declarou a incompatibilidade com o princípio da livre determinação de preços de regimes de preços mínimos obrigatórios de venda ao público de tabacos manufaturados, previstos anteriormente em vários países, incluindo a França (26).

56.      A este respeito, no Acórdão de 27 de fevereiro de 2002, Comissão/França (27), o artigo 572.° do CGI, na versão anterior à que está em causa no processo principal, foi declarado contrário ao artigo 9.°, n.° 1, da Diretiva 95/59/CE (28) (cujo conteúdo é retomado no artigo 15.°, n.° 1, da Diretiva 2011/64). Esta versão anterior previa, em relação à versão do artigo 572.° do CGI aplicável ao caso em apreço, uma limitação suplementar, uma vez que o preço por 1 000 unidades dos produtos de uma categoria de cigarros vendidos sob a mesma marca não podia ser inferior, independentemente do modo e da embalagem, ao aplicado ao produto mais vendido dessa marca. O Tribunal de Justiça considerou que a disposição nacional em causa impunha, na realidade, um preço mínimo de venda ao público dos cigarros, apesar de este preço mínimo ser fixado de modo indireto. Ora, segundo o Tribunal de Justiça, a fixação de um preço mínimo de venda ao público pelas autoridades públicas limita inevitavelmente a liberdade dos fabricantes e importadores determinarem o preço máximo de venda a retalho de cada um dos seus produtos porque, em todo o caso, este não pode ser inferior ao preço mínimo obrigatório.

57.      No Acórdão de 4 de março de 2010, Comissão/França (29), o artigo 572.° do CGI, numa versão anterior, que impunha aos fabricantes e importadores um preço mínimo de venda a retalho dos cigarros correspondente a determinada percentagem, fixada por decreto, do preço médio dos cigarros praticado no mercado, foi igualmente considerada contrária ao princípio da livre determinação dos preços. O regime assim previsto era suscetível de suprimir as diferenças entre os preços dos produtos concorrentes e fazer convergir esses preços para o preço do produto mais caro. Ao fazê‑lo, este regime atentava contra a liberdade de os produtores e importadores determinarem o preço máximo de venda a retalho dos seus produtos. O Tribunal de Justiça censurou, no mesmo dia, regimes semelhantes instituídos na Áustria e na Irlanda (30), e, no mesmo ano, um sistema de preço mínimo obrigatório previsto em Itália (31).

58.      O Tribunal de Justiça precisou, nestes quatro acórdãos proferidos em 2010, que seria, pelo contrário, conforme ao princípio de livre determinação dos preços um sistema de preço mínimo estruturado de forma a excluir, em todos os casos, a possibilidade de afetar a vantagem concorrencial que poderia resultar, para alguns produtores ou importadores, de preços de custo inferiores e, por conseguinte, a possibilidade de se verificar uma distorção da concorrência (32).

59.      No presente caso, as sociedades Japan Tobacco alegam que a regra do preço por 1 000 produz o mesmo efeito que um sistema de preço mínimo como o sancionado pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 27 de fevereiro de 2002, Comissão/França (33). De acordo com estas últimas, o fabricante ou importador ver‑se‑ia obrigado a escolher como preço de referência, para cada produto de uma determinada marca ou denominação comercial, o preço de uma das embalagens deste produto e de o aplicar da mesma forma relativamente a todas as embalagens do referido produto. A vantagem concorrencial de que este operador poderia beneficiar devido aos preços de custo inferiores das embalagens com maiores quantidades de tabaco manufaturado seria neutralizada. De facto, este seria impedido de orientar os consumidores para os produtos com um preço unitário inferior pelo facto de estarem embalados em maiores quantidades.

60.      Esta argumentação não me convence.

61.      Recordo, a este propósito, que não está abrangida no objetivo prosseguido pelo artigo 15.°, n.° 1, da Diretiva 2011/64, a possibilidade, de um fabricante ou importador, tirar partido de uma baixa de preços de custo relacionada com a embalagem dos seus produtos em maiores quantidades com a finalidade de canalizar a procura para os maços maiores nos quais são vendidos os seus produtos de tabaco de uma marca e tipo determinados. Importa apenas que este operador possa beneficiar de uma eventual vantagem concorrencial relacionada com os preços de custo inferiores dos seus produtos em relação aos dos seus concorrentes (34).

62.      Ora, uma interpretação desta disposição que não garanta aos fabricantes e importadores a liberdade de ajustar o preço de cada um dos seus tabacos manufaturados em função do conteúdo da sua embalagem e que, por conseguinte, autorize uma regulamentação nacional como a regra do preço por 1 000, em causa no processo principal, não tem como efeito anular essa vantagem concorrencial.

63.      Como salientou o órgão jurisdicional de reenvio, a única limitação induzida por esta regra consiste na impossibilidade de declarar um preço de venda a retalho diferente para um produto de uma mesma marca e de uma mesma denominação comercial consoante a embalagem em que é apresentado. O fabricante ou o importador em causa mantém, além do mais, a sua liberdade quanto à determinação do preço por 1 000 unidades ou por 1 000 gramas deste produto, sem estar limitado pelo preço do maço mais vendido. A regra do preço por 1 000 não limita a possibilidade de os fabricantes e importadores refletirem globalmente, nos preços de venda a retalho dos seus produtos, eventuais preços de custo inferiores aos relativos aos produtos dos seus concorrentes.

64.      De facto, o preço por cigarro, charuto ou cigarrilha e por unidade de peso do tabaco de fumar de uma determinada marca e de um determinado tipo, fixado livremente por esses operadores, destina‑se a integrar uma parte do preço de custo relativo aos produtos desta marca e deste tipo. Os custos de embalagem estão aí incluídos enquanto elementos dos custos de produção, que constituem um elemento do preço de custo. Como salientou a Comissão, a liberdade de os fabricantes e importadores determinarem o preço unitário de cada um dos seus tabacos manufaturados implica a liberdade nele repercutir os custos relacionados com as diferentes embalagens nas quais estes produtos são comercializados, numa medida e de acordo com um método à sua escolha.

65.      Esses operadores podem optar, por exemplo, pela fixação de um preço por cigarro de uma marca e tipo determinados refletindo uma média dos custos de embalagem relativos a cada um dos maços nos quais é vendido este cigarro. É‑lhes igualmente permitido, nomeadamente, determinar um preço que integre os custos de embalagem relativos aos maços para os quais estes custos são os mais, ou os menos, elevados.

66.      Por conseguinte, a regra do preço por 1 000 não impede os fabricantes e importadores de repercutirem no preço de cada um dos seus tabacos manufaturados a eventual vantagem concorrencial retirada do preço de custo, incluindo os custos de embalagem, inferiores aos dos seus concorrentes. Esta vantagem concorrencial deverá, no entanto, ser repartida entre todas as embalagens de um produto de uma mesma marca e de um mesmo tipo.

67.      Esta exposição demonstrou que uma regulamentação nacional, como a da regra do preço por 1 000, não pode ser equiparada nos seus efeitos a um sistema de preço mínimo obrigatório. Uma regulamentação deste tipo não restringe a liberdade de os fabricantes e importadores determinarem o preço de venda a retalho máximo dos seus produtos nem limita, portanto, a concorrência efetiva entre esses operadores.

3.      Observações finais

68.      Tendo em conta o que foi dito, considero que a liberdade prevista no artigo 15.°, n.° 1, da Diretiva 2011/64 tem por objeto a fixação, pelos fabricantes e importadores, de um preço máximo de venda a retalho de cada um dos seus produtos de tabaco manufaturado enquanto sujeitos ao imposto especial de consumo. Estes produtos referem‑se aos cigarros, charutos ou cigarrilhas, e tabacos de fumar de determinada marca e tipo, independentemente da capacidade da sua embalagem.

69.      Daqui resulta que esta disposição não se opõe a uma regulamentação nacional, como o artigo 572.° do CGI, que prevê que o preço único de cada produto de uma marca e tipo determinados, fixado livremente por esses operadores, deve ser expresso por 1 000 unidades ou por 1 000 gramas e, por conseguinte, não pode ser ajustado de acordo com a capacidade das embalagens em que é comercializado.

70.      Para ser exaustivo, especifico que esta conclusão não prejudica a questão de saber se, como alegam o Governo italiano e a Comissão, o artigo 15.°, n.° 1, da Diretiva 2011/64, além de não se opor, requer que o preço de retalho máximo de cada produto, que constitui a matéria coletável do imposto especial ad valorem, seja idêntico à unidade (ou ao peso), qualquer que seja a capacidade da embalagem em que é apresentado (35).

71.      Para efeitos de dar ao órgão jurisdicional de reenvio uma resposta que lhe permita resolver o litígio do processo principal, basta esclarecer que esta disposição não garante aos fabricantes e importadores a liberdade de ajustarem os preços dos seus produtos em função da capacidade das suas embalagens e, por conseguinte, não se opõe a uma regulamentação nacional que obsta a esse ajustamento. Não é necessário apreciar se, no âmbito da harmonização das estruturas de imposto especial de consumo operada pela Diretiva 2011/64, os Estados‑Membros conservam ou não a faculdade de autorizar esses operadores a ajustarem o preço de retalho máximo de cada um dos seus produtos, que constitui a matéria coletável do imposto especial proporcional, em função da unidade de embalagem na qual são comercializados.

V.      Conclusão

72.      À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça que responda conjuntamente às questões prejudiciais submetidas pelo Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França) da seguinte forma:

O artigo 15.°, n.° 1, da Diretiva 2011/64/UE do Conselho, de 21 de junho de 2011, relativa à estrutura e taxas dos impostos especiais sobre o consumo de tabacos manufaturados, não se opõe a uma disposição nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê que os fabricantes e importadores determinem livremente um preço único de venda a retalho para cada um dos seus produtos do tabaco manufaturado de uma marca e tipo determinados, expresso por 1 000 unidades ou por 1 000 gramas, não podendo esse preço ser ajustado em função da capacidade das embalagens em que cada um desses produtos é comercializado.


1      Língua original: francês.


2      Diretiva do Conselho, de 21 de junho de 2011 (JO 2011, L 176, p. 24).


3      Apesar de a decisão de reenvio apenas mencionar expressamente os artigos 2.° a 4.° da Diretiva 2011/64, o órgão jurisdicional de reenvio pretendeu, provavelmente, referir‑se igualmente ao artigo 5.° desta diretiva, que define os tabacos para fumar.


4      Acórdão de 27 de fevereiro de 2002, Comissão/França (C‑302/00, EU:C:2002:123).


5      Acórdão de 4 de março de 2010, Comissão/França (C‑197/08, EU:C:2010:111).


6      Os conceitos de «marca» e de «tipo», embora não sejam expressamente utilizados no artigo 15.°, n.° 1, da Diretiva 2011/64 para identificar cada um dos produtos dos fabricantes e importadores, constam do artigo 5.°, n.os 1 e 6, da Diretiva 2014/40/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de abril de 2014, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros no que respeita ao fabrico, apresentação e venda de produtos do tabaco e produtos afins (JO 2014, L 127, p. 1). Por exemplo, um cigarro da marca X pode ser do tipo «light», «blonde» ou «brune». Resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que o conceito de «tipo» corresponde ao conceito de «denominação social» utilizada no ofício de 22 de novembro de 2016, em causa no processo principal.


7      V. Acórdãos de 27 de fevereiro de 2002, Comissão/França (C‑302/00, EU:C:2002:123), e de 4 de março de 2010, Comissão/França (C‑197/08, EU:C:2010:111).


8      O artigo 572.° do CGI prevê que o preço dos produtos do tabaco manufaturado não pode ser inferior à soma do preço de custo e de todos os impostos relativos ao produto. A conformidade deste preço mínimo com o artigo 8.°, n.° 6, da Diretiva 2011/64 que autoriza, em certas condições, os Estados‑Membros a fixarem um limite mínimo de tributação, abaixo do qual o imposto ad valorem não exerce um efeito proporcional, não é contestada no processo em apreço. V., a este respeito, Acórdão de 9 de outubro de 2014, Yesmoke Tobacco (C‑428/13, EU:C:2014:2263, n.° 27).


9      V. n.os 50, 51 e 53 das presentes conclusões.


10      Acórdão de 4 de março de 2010, Comissão/França (C‑197/08, EU:C:2010:111, n.° 47).


11      Acórdão de 21 de setembro de 2016 (C-221/15, EU:C:2016:704, n.os 27 a 31).


12      Acórdão de 21 de setembro de 2016, Etablissements Fr. Colruyt (C‑221/15, EU:C:2016:704, n.° 29 e jurisprudência referida).


13      V., nomeadamente, Acórdãos de 1 de julho de 2008, Suécia e Turco/Conselho (C‑39/05 P e C‑52/05 P, EU:C:2008:374, n.° 41), e de 16 de julho de 2015, CHEZ Razpredelenie Bulgaria (C‑83/14, EU:C:2015:480, n.° 55).


14      V. artigo 7.°, n.° 1, artigo 9.°, n.° 2, alínea b), e artigo 14.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2011/64. V., igualmente, n.os 40 e 43 das presentes conclusões.


15      V., a este respeito, o considerando 4 da Diretiva 2011/64.


16      Por exemplo, o artigo 3.°, n.° 1, alíneas b) e c), da Diretiva 2011/64 inclui, na categoria dos cigarros, «os rolos de tabaco que, mediante uma simples manipulação não industrial, são introduzidos em tubos de papel de cigarro» e «os rolos de tabaco que, mediante uma simples manipulação não industrial, são envolvidos em folhas de papel de cigarro». Nos termos do artigo 4.°, n.° 1, alínea a), desta diretiva, a categoria dos charutos e cigarrilhas abrange, «se puderem ser fumados tal como se apresentam, os rolos de tabaco revestidos de uma capa exterior de tabaco natural».


17      Contudo, observo que o artigo 5.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva 2011/64 engloba, na categoria dos «tabacos para fumar», «os resíduos de tabaco embalados para venda a retalho». Esta referência à embalagem não se destina a distinguir as diferentes embalagens dos resíduos, mas sim a separar os resíduos que estão sujeitos ao imposto especial de consumo harmonizado, na medida em que se destinam à venda a retalho, de outros resíduos.


18      V. artigo 7.°, n.° 2, da Diretiva 2011/64.


19      Resulta do artigo 13.° da Diretiva 2011/64 que os grupos de tabacos manufaturados que não sejam cigarros compreendem o grupo dos charutos e cigarrilhas, o grupo dos tabacos de corte fino destinados a cigarros de enrolar e o grupo dos outros tabacos de fumar.


20      V., nomeadamente, Acórdãos de 4 de março de 2010, Comissão/França (C‑197/08, EU:C:2010:111, n.° 36), e de 21 de setembro de 2016, Etablissements Fr. Colruyt (C‑221/15, EU:C:2016:704, n.° 24).


21      Acórdão de 21 de setembro de 2016, Etablissements Fr. Colruyt (C‑221/15, EU:C:2016:704, n.° 25).


22      V. Acórdão de 16 de novembro de 1977, GB‑Inno‑BM (13/77, EU:C:1977:185, n.° 17), bem como as Conclusões da advogada‑geral J. Kokott nos processos Comissão/Irlanda, Comissão/França e Comissão/Áustria (C‑197/08, C‑198/08 e C‑221/08, EU:C:2009:655, n.° 23).


23      V. Acórdãos de 19 de outubro de 2000, Comissão/Grécia (C‑216/98, EU:C:2000:571, n.° 20); de 4 de março de 2010, Comissão/Áustria (C‑198/08, EU:C:2010:112, n.° 28); de 4 de março de 2010, Comissão/França (C‑197/08, EU:C:2010:111, n.° 36); de 4 de março de 2010, Comissão/Irlanda (C‑221/08, EU:C:2010:113, n.° 39), e de 24 de junho de 2010, Comissão/Itália (C‑571/08, não publicada, EU:C:2010:367, n.° 38).


24      V. Conclusões da advogada‑geral J. Kokott nos processos Comissão/Irlanda, Comissão/França e Comissão/Áustria (C‑197/08, C‑198/08 e C‑221/08, EU:C:2009:654, n.os 40 e 41). V., igualmente, Acórdão de 21 de junho de 1983, Comissão/França (90/82, EU:C:1983:169, n.os 20 e 21).


25      V., igualmente, neste sentido, Conclusões do advogado‑geral N. Wahl no processo Etablissements Fr. Colruyt (C‑221/15, EU:C:2016:288, n.os 23 e 24). Além disso, o princípio da livre determinação dos preços pressupõe também, naturalmente, que os fabricantes e importadores diferenciem livremente os preços dos seus produtos de acordo com a sua marcar e o seu tipo (v., a este respeito, n.° 30 das presentes conclusões).


26      V. Acórdão de 19 de outubro de 2000, Comissão/Grécia (C‑216/98, EU:C:2000:571, n.° 21), e a jurisprudência mencionada nos n.os 56 e 57 das presentes conclusões.


27      C‑302/00, EU:C:2002:123, n.os 14 e 15.


28      Diretiva do Conselho, de 27 de novembro de 1995, relativa aos impostos que incidem sobre o consumo de tabacos manufaturados, com exceção dos impostos sobre o volume de negócios (JO 1995, L 291, p. 40).


29      C‑197/08, EU:C:2010:111, n.° 55.


30      Acórdãos de 4 de março de 2010, Comissão/Áustria (C‑198/08, EU:C:2010:112, n.° 45), e Comissão/Irlanda (C‑221/08, EU:C:2010:113, n.° 41).


31      Acórdão de 24 de junho de 2010, Comissão/Itália (C‑571/08, não publicado, EU:C:2010:367, n.° 44).


32      V. Acórdãos de 4 de março de 2010, Comissão/França (C‑197/08, EU:C:2010:111, n.° 38); de 4 de março de 2010, Comissão/Áustria (C‑198/08, EU:C:2010:112, n.° 30); de 4 de março de 2010, Comissão/Irlanda (C‑221/08, EU:C:2010:113, n.° 41), e de 24 de junho de 2010, Comissão/Itália (C‑571/08, não publicado, EU:C:2010:367, n.° 40).


33      C‑302/00, EU:C:2002:123, n.os 14 e 15.


34      V. n.° 54 das presentes conclusões.


35      Em apoio desta posição, o Governo italiano alega que a fixação de um preço diferente para cada embalagem de um mesmo produto correria o risco, devido à sua incidência no cálculo do imposto especial de consumo, de prejudicar a integridade das receitas fiscais.