Language of document : ECLI:EU:C:2019:387

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

8 de maio de 2019 (*)

«Reenvio prejudicial — Política social — Trabalho a termo — Contratos celebrados com um empregador do setor público — Medidas destinadas a punir o recurso abusivo aos contratos de trabalho a termo — Transformação da relação laboral em relação laboral por tempo indeterminado — Limitação do efeito retroativo da transformação — Inexistência de ressarcimento financeiro»

No processo C‑494/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Corte d’appello di Trento (Tribunal de Recurso de Trento, Itália), por decisão de 13 de julho de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 14 de agosto de 2017, no processo

Ministero dell’Istruzione, dell’Università e della Ricerca — MIUR

contra

Fabio Rossato,

Conservatorio di Musica F. A. Bonporti,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, vice‑presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de presidente da Primeira Secção, A. Arabadjiev (relator), E. Regan, C. G. Fernlund e S. Rodin, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: R. Schiano, administrador,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de F. Rossato, por A. Mastrolia, avvocatessa,

–        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por L. Fiandaca, C. Colelli e G. D’Avanzo, avvocati dello Stato,

–        em representação da Comissão Europeia, por G. Gattinara e M. van Beek, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 6 de dezembro de 2018,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 5.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro relativo a contratos de trabalho a termo, celebrado em 18 de março de 1999 (a seguir «Acordo‑Quadro»), que figura no anexo da Diretiva 1999/70/CE do Conselho, de 28 de junho de 1999, respeitante ao Acordo‑Quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo (JO 1999, L 175, p. 43).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Ministero dell’Istruzione, dell’Università e della Ricerca — MIUR (Ministério da Educação, das Universidades e da Investigação — MIUR, Itália) a Fabio Rossato e ao Conservatorio di Musica F. A. Bonporti (Conservatório de Música F. A. Bonporti, Itália) a propósito da reparação do prejuízo que F. Rossato alegadamente sofreu devido ao recurso a sucessivos contratos de trabalho a termo no período compreendido entre 18 de novembro de 2003 e 2 de setembro de 2015.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        A Diretiva 1999/70 tem como objetivo, nos termos do seu artigo 1.o, «a aplicação do [A]cordo‑[Q]uadro […] [que figura em anexo], celebrado […] entre as organizações interprofissionais de vocação geral [Confederação Europeia dos Sindicatos (CES), União das Confederações da Indústria e dos Empregadores da Europa (UNICE) e Centro Europeu das Empresas Públicas (CEEP)]».

4        Nos termos do seu artigo 1.o, o Acordo‑Quadro tem por objetivo, por um lado, melhorar a qualidade do trabalho sujeito a contrato a termo garantindo a aplicação do princípio da não discriminação e, por outro, estabelecer um quadro para evitar os abusos decorrentes da utilização de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo.

5        O artigo 5.o do Acordo‑Quadro, intitulado «Disposições para evitar os abusos», prevê:

«1.      Para evitar os abusos decorrentes da conclusão de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo e sempre que não existam medidas legais equivalentes para a sua prevenção, os Estados‑Membros, após consulta dos parceiros sociais e de acordo com a lei, acordos coletivos ou práticas nacionais, e/ou os parceiros sociais deverão introduzir, de forma a que se tenham em conta as necessidades de setores e/ou categorias de trabalhadores específicos, uma ou várias das seguintes medidas:

a)      Razões objetivas que justifiquem a renovação dos supramencionados contratos ou relações laborais;

b)      Duração máxima total dos sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo;

c)      Número máximo de renovações dos contratos ou relações laborais a termo.

2.      Os Estados‑Membros, após consulta dos parceiros sociais, e/ou os parceiros sociais, deverão, sempre que tal seja necessário, definir em que condições os contratos de trabalho ou relações de trabalho a termo deverão ser considerados:

a)      Como sucessivos;

b)      Como celebrados sem termo.»

 Direito italiano

6        O artigo 1.o da legge n.o 107 — Riforma del sistema nazionale di istruzione e formazione e delega per il riordino delle disposizioni legislative vigenti (Lei n.o 107, relativa à reforma do sistema nacional de ensino e formação e à delegação para a reformulação das normas legais em vigor), de 13 de julho de 2015 (GURI n.o 162, de 15 de julho de 2015, a seguir «Lei n.o 107/2015»), dispõe, no seu n.o 95:

«Relativamente ao ano letivo de 2015/2016, o [MIUR] pode implementar um plano extraordinário de recrutamento por tempo indeterminado de pessoal docente para todos os estabelecimentos de ensino públicos, para prover todos os lugares comuns e de apoio aos efetivos “de direito”, que ainda estejam vagos e disponíveis no termo das operações de integração no quadro efetuadas para esse mesmo ano letivo ao abrigo do artigo 399.o do diploma único a que se refere o [decreto legislativo n.o 297 — Approvazione del testo unico delle disposizioni legislative in materia di istruzione (Decreto Legislativo n.o 297, texto único das disposições legislativas aplicáveis em matéria de ensino), de 16 de abril de 1994 (suplemento ordinário do GURI n.o 115, de 19 de maio de 1994) (a seguir «Decreto n.o 297/1994)], findas as quais as listas de aptidão dos concursos com base em título e provas publicados antes de 2012 caducam […]»

7        Nos termos do artigo 1.o, n.o 131, da Lei n.o 107/2015:

«A partir de 1 de setembro de 2016, os contratos de trabalho a termo celebrados com o pessoal docente, educativo, administrativo, técnico e auxiliar dos estabelecimentos escolares e educativos do Estado para prover lugares vagos e disponíveis não podem exceder os 36 meses, ainda que não consecutivos.»

8        O artigo 1.o, n.o 132, da Lei n.o 107/2015 prevê:

«A estimativa do [MIUR] prevê a criação de um fundo para os pagamentos a efetuar por força de decisão judicial que obrigue ao ressarcimento dos danos causados em virtude do recurso a contratos [de trabalho] a termo por períodos que excedam, no total, 36 meses, ainda que não consecutivos, para lugares vagos e disponíveis, com uma dotação de 10 milhões de euros para cada um dos anos 2015 e 2016 […]»

9        O artigo 399.o do Decreto n.o 297/1994 prevê que o recrutamento de pessoal docente é efetuado através de concursos e de listas de aptidão permanentes.

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

10      F. Rossato foi contratado como professor de acordeão pelo Conservatório de Música F. A. Bonporti, com base em contratos de trabalho a termo, tendo o primeiro sido celebrado em 18 de novembro de 2003. Esta relação laboral manteve‑se sem interrupção com base em 17 contratos de trabalho a termo sucessivos, para o exercício da mesma função.

11      Em 20 de dezembro de 2011, F. Rossato intentou ações no Tribunale di Rovereto (Tribunal de Primeira Instância de Rovereto, Itália) em que pediu que fosse declarada a ilegalidade das cláusulas que fixavam um termo aos diferentes contratos de trabalho a termo que ele tinha celebrado com o seu empregador e que a sua relação laboral a termo fosse transformada em contrato de trabalho por tempo indeterminado com efeitos retroativos à data da celebração do primeiro contrato. Pediu também, a título subsidiário, o ressarcimento dos danos causados em virtude da utilização abusiva desses contratos de trabalho a termo, bem como a tomada em consideração, ao abrigo do artigo 4.o do Acordo‑Quadro, para o cálculo da sua remuneração, da antiguidade adquirida no âmbito dessa relação laboral. O Tribunale di Rovereto (Tribunal de Primeira Instância de Rovereto) apenas julgou procedente o pedido relativo à contabilização da antiguidade adquirida para efeitos da remuneração. Rejeitou as pretensões fundadas no recurso abusivo a sucessivos contratos de trabalho a termo.

12      A Corte d’appello di Trento (Tribunal de Recurso de Trento), chamada a pronunciar‑se em 5 de março de 2013 num recurso desta sentença interposto pelo MIUR e, posteriormente, em 31 de maio de 2013 num recurso subordinado interposto por F. Rossato, suspendeu o processo em várias ocasiões enquanto se aguardava, por um lado, pelo Acórdão de 26 de novembro de 2014, Mascolo e o. (C‑22/13, C‑61/13 a C‑63/13 e C‑418/13, EU:C:2014:2401), e, por outro, pelas decisões da Corte costituzionale (Tribunal Constitucional, Itália) e da Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália), respeitantes à Lei n.o 107/2015 que tinha sido adotada em 13 de julho de 2015, na sequência do Acórdão de 26 de novembro de 2014, Mascolo e o. (C‑22/13, C‑61/13 a C‑63/13 e C‑418/13, EU:C:2014:2401), para adaptar a legislação nacional às obrigações decorrentes do Acordo‑Quadro estabelecidas pelo Tribunal de Justiça no referido acórdão.

13      Em 2 de setembro de 2015, no decurso do processo no tribunal de recurso, o empregador de F. Rossato procedeu à sua integração no quadro com produção de efeitos retroativos a 1 de janeiro de 2014, conferindo assim uma duração por tempo indeterminado à sua relação laboral. O órgão jurisdicional de reenvio precisa que a integração no quadro de F. Rossato, efetuada ao abrigo do artigo 399.o do Decreto Legislativo n.o 297/1994, resulta da sua posição na lista permanente de aptidão e não de uma implementação do plano extraordinário de recrutamento instaurado pela Lei n.o 107/2015.

14      O órgão jurisdicional de reenvio observa que a Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação), baseando‑se na jurisprudência da Corte costituzionale (Tribunal Constitucional), tinha declarado que as disposições transitórias contidas no artigo 1.o, n.o 95, da Lei n.o 107/2015, relativas ao recrutamento extraordinário dos docentes validamente inscritos nas listas de aptidão, implementavam as normas estabelecidas pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 26 de novembro de 2014, Mascolo e o. (C‑22/13, C‑61/13 a C‑63/13 e C‑418/13, EU:C:2014:2401). Considerou, nomeadamente, que a transformação da relação laboral em relação laboral por tempo indeterminado, prevista por essa lei ao abrigo do plano extraordinário de recrutamento, assim como, e com o mesmo efeito, as outras eventuais transformações em relação laboral por tempo indeterminado, como a integração no quadro em razão da progressão da classificação na lista de aptidão, constituíam, no que respeita aos casos de abusos anteriores à entrada em vigor da Lei n.o 107/2015, medidas proporcionadas, suficientemente eficientes e dissuasivas que permitiam punir esses abusos, de tal forma que um trabalhador que tivesse beneficiado de uma transformação da sua relação laboral, independentemente da razão, não podia receber uma compensação financeira a esse título.

15      O órgão jurisdicional de reenvio indica, porém, ter dúvidas quanto à legalidade de tal interpretação jurisprudencial à luz do Acordo‑Quadro e das normas estabelecidas pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 26 de novembro de 2014, Mascolo e o. (C‑22/13, C‑61/13 a C‑63/13 e C‑418/13, EU:C:2014:2401).

16      Foi nestas condições que a Corte d’appello di Trento (Tribunal de Recurso de Trento) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 5.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro […] ser interpretado no sentido de que se opõe à aplicação das disposições do artigo 1.o, n.os 95, 131 e 132, da Lei n.o 107/2015, que prevê a transformação das relações de trabalho a termo em relações por tempo indeterminado, para o futuro, do pessoal docente contratado a termo, sem efeitos retroativos e sem ressarcimento dos danos, como medidas proporcionadas, suficientemente eficazes e dissuasivas para assegurar a plena eficácia das normas do Acordo‑Quadro no que respeita à violação do mesmo através da renovação abusiva de contratos [de trabalho] a termo durante o período anterior àquele em que as medidas previstas nas referidas normas se destinam a produzir efeitos?»

 Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

17      O Governo italiano contesta a admissibilidade do pedido de decisão prejudicial. Alega, a este respeito, que a questão submetida, na medida em que incide sobre o artigo 1.o, n.os 95, 131 e 132, da Lei n.o 107/2015, é hipotética uma vez que esta legislação não se aplica à situação em causa no processo principal. Afirma que a relação laboral de F. Rossato foi transformada não ao abrigo do artigo 1.o, n.o 95, dessa lei, mas com base nos «anteriores instrumentos de seleção por concurso», conforme eram utilizados antes da entrada em vigor da referida lei, no caso em apreço a integração no quadro em função da posição na lista de aptidão.

18      No entanto, resulta da decisão de reenvio que a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) e a Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação), na sua aplicação da Lei n.o 107/2015, que exclui, regra geral, a indemnização do trabalhador em causa quando ele tiver beneficiado da transformação da sua relação laboral a termo em relação laboral por tempo indeterminado, não estabelecem distinção entre os casos de transformação da relação laboral em aplicação dessa lei, nomeadamente a título do plano extraordinário de recrutamento previsto no seu artigo 1.o, n.o 95, e os resultantes da aplicação dos instrumentos de seleção por concurso instaurados antes da adoção da referida lei. O órgão jurisdicional de reenvio indica que estes órgãos jurisdicionais alargaram o âmbito de aplicação da Lei n.o 107/2015 aos docentes, como F. Rossato, que tiverem beneficiado de uma transformação da sua relação laboral com base nos referidos instrumentos, com o efeito de excluir, também para estes docentes, qualquer direito a uma compensação financeira.

19      Neste contexto, há que recordar que as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que define sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não cabe ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência. A recusa do Tribunal de Justiça de se pronunciar sobre um pedido de decisão prejudicial apresentado por um órgão jurisdicional nacional só é possível se for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (Acórdão de 4 de dezembro de 2018, Minister for Justice and Equality e Commissioner of An Garda Síochána, C‑378/17, EU:C:2018:979, n.o 27 e jurisprudência referida).

20      No caso em apreço, com base nas informações constantes da decisão de reenvio, há que considerar que a questão prejudicial submetida ao Tribunal de Justiça não se reveste de um caráter hipotético e, por isso, que o pedido de decisão prejudicial é admissível.

 Quanto à questão prejudicial

21      Importa recordar que, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe a este dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, incumbe ao Tribunal, se necessário, reformular as questões que lhe são submetidas (v., designadamente, Acórdão de 27 de março de 2014, Le Rayon d’Or, C‑151/13, EU:C:2014:185, n.o 25 e jurisprudência referida).

22      A este respeito, resulta dos fundamentos da decisão de reenvio que F. Rossato beneficiou, em 2 de setembro de 2015, de uma transformação da sua relação laboral a termo em relação laboral por tempo indeterminado com produção de efeitos retroativos a 1 de janeiro de 2014.

23      Por conseguinte, importa entender a questão submetida no sentido de que, em substância, se pretende saber se o artigo 5.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que, tal como aplicada pelos órgãos jurisdicionais nacionais superiores, exclui, para os docentes do setor público que tiverem beneficiado da transformação da sua relação laboral a termo em relação laboral por tempo indeterminado com um efeito retroativo limitado, qualquer direito a uma compensação financeira em razão da utilização abusiva de sucessivos contratos de trabalho a termo.

24      A título preliminar, cabe recordar que o artigo 5.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro impõe aos Estados‑Membros, a fim de prevenir os abusos resultantes da utilização de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo, a adoção de uma ou várias das medidas que enumera, sempre que o seu direito interno não preveja medidas legais equivalentes (Acórdãos de 7 de março de 2018, Santoro, C‑494/16, EU:C:2018:166, n.o 26 e jurisprudência referida, e de 25 de outubro de 2018, Sciotto, C‑331/17, EU:C:2018:859, n.o 32).

25      Os Estados‑Membros dispõem, a este respeito, de uma margem de apreciação, uma vez que têm a escolha de recorrer a uma ou várias das medidas enunciadas no referido artigo 5.o, n.o 1, alíneas a) a c), ou ainda a medidas legais existentes equivalentes, tendo em conta as necessidades de setores específicos e/ou de categorias de trabalhadores (Acórdãos de 7 de março de 2018, Santoro, C‑494/16, EU:C:2018:166, n.o 27 e jurisprudência referida, e de 25 de outubro de 2018, Sciotto, C‑331/17, EU:C:2018:859, n.o 33).

26      Desta forma, o artigo 5.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro impõe aos Estados‑Membros um objetivo geral, que consiste na prevenção desses abusos, deixando‑os, no entanto, escolher os meios para o alcançar, desde que não ponham em causa o objetivo ou o efeito útil do Acordo‑Quadro (Acórdãos de 7 de março de 2018, Santoro, C‑494/16, EU:C:2018:166, n.o 28 e jurisprudência referida, e de 25 de outubro de 2018, Sciotto, C‑331/17, EU:C:2018:859, n.o 34).

27      Além disso, quando, como no caso em apreço, o direito da União não prevê sanções específicas para a hipótese de, não obstante, se verificarem abusos, incumbe às autoridades nacionais adotar medidas, que se devem revestir de caráter não só proporcionado mas também suficientemente eficaz e dissuasivo para garantir a plena eficácia das normas adotadas em aplicação do Acordo‑Quadro (Acórdão de 7 de março de 2018, Santoro, C‑494/16, EU:C:2018:166, n.o 29 e jurisprudência referida).

28      Daqui resulta que, quando tenha havido um recurso abusivo a contratos ou a relações laborais a termo sucessivos, uma medida que apresente garantias efetivas e equivalentes de proteção dos trabalhadores deve poder ser aplicada para punir devidamente esse abuso e eliminar as consequências da violação do direito da União (Acórdãos de 3 de julho de 2014, Fiamingo e o., C‑362/13, C‑363/13 e C‑407/13, EU:C:2014:2044, n.o 64; de 26 de novembro de 2014, Mascolo e o., C‑22/13, C‑61/13 a C‑63/13 e C‑418/13, EU:C:2014:2401, n.o 79; e de 7 de março de 2018, Santoro, C‑494/16, EU:C:2018:166, n.o 31).

29      Não compete ao Tribunal de Justiça pronunciar‑se sobre a interpretação de disposições do direito interno, tarefa que incumbe em exclusivo ao órgão jurisdicional de reenvio, que deve, no caso vertente, determinar se as exigências recordadas nos números precedentes são respeitadas pela legislação nacional em causa. Todavia, o Tribunal de Justiça, decidindo a título prejudicial, pode, sendo caso disso, prestar esclarecimentos que permitam orientar o órgão jurisdicional nacional na sua apreciação (v., designadamente, Acórdão de 7 de março de 2018, Santoro, C‑494/16, EU:C:2018:166, n.o 45).

30      Importa, em primeiro lugar, constatar que, no Acórdão de 26 de novembro de 2014, Mascolo e o. (C‑22/13, C‑61/13 a C‑63/13 e C‑418/13, EU:C:2014:2401), o Tribunal de Justiça considerou que a legislação anterior à Lei n.o 107/2015 não previa sanções que se revestissem de um caráter suficientemente eficaz e dissuasivo que permitisse garantir a plena eficácia das normas adotadas em aplicação do Acordo‑Quadro. Em particular, o Tribunal de Justiça considerou que a única possibilidade, para os docentes em causa nesse processo, de obter a transformação da sua relação laboral a termo em relação laboral por tempo indeterminado dependia da sua integração nos quadros obtida em razão da progressão da sua classificação na lista permanente de aptidão e, por isso, de circunstâncias que deviam ser consideradas imprevisíveis e aleatórias na medida em que ocorriam em função da duração global dos contratos de trabalho a termo e dos lugares que entretanto ficavam vagos (v., neste sentido, Acórdão de 26 de novembro de 2014, Mascolo e o., C‑22/13, C‑61/13 a C‑63/13 e C‑418/13, EU:C:2014:2401, n.o 107).

31      O Tribunal de Justiça baseou‑se, a este respeito, na circunstância de que o prazo de integração dos docentes nos quadros era tão variável quanto incerto (v., neste sentido, Acórdão de 26 de novembro de 2014, Mascolo e o., C‑22/13, C‑61/13 a C‑63/13 e C‑418/13, EU:C:2014:2401, n.o 105).

32      No caso em apreço, resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que o legislador nacional adotou, com vista a garantir a transição para um novo sistema que contém medidas destinadas a evitar e a punir o recurso abusivo aos contratos de trabalho a termo, um plano de recrutamento extraordinário que prevê a transformação, durante o ano letivo de 2015/2016, de todas as relações laborais a termo celebradas com os docentes com estatuto «precário», pela eliminação progressiva e definitiva das listas de aptidão e das classificações que a administração utilizava para recrutar os docentes a termo.

33      O Governo italiano indicou igualmente que implementava, em paralelo, até ao seu termo, os procedimentos em curso de integração nos quadros dos docentes que já se encontravam inscritos no topo das listas de aptidão. Com efeito, o artigo 1.o, n.o 95, da Lei n.o 107/2015 dispõe, a este respeito, que o plano de recrutamento extraordinário é implementado «para prover todos os lugares […] que ainda estejam [vagos e disponíveis]no termo das operações de integração no quadro efetuadas para esse mesmo ano letivo ao abrigo do artigo 399.o do […] Decreto Legislativo n.o 297/1994», isto é, a integração nos quadros em função da progressão da classificação na lista permanente de aptidão.

34      Afigura‑se, assim, sem prejuízo das verificações a efetuar pelo órgão jurisdicional de reenvio, que o recrutamento extraordinário e os procedimentos ao abrigo do artigo 399.o do Decreto Legislativo n.o 297/1994, como a que conduziu à integração no quadro de F. Rossato, dizem respeito à mesma categoria de pessoal docente, e que, por isso, a relação laboral a termo de F. Rossato seria transformada, o mais tardar, no final do ano letivo de 2015/2016 em relação laboral por tempo indeterminado, quer em razão da conclusão de um procedimento de integração no quadro já em curso, quer ao abrigo do plano de recrutamento extraordinário.

35      Esta circunstância, admitindo que se verifica, permite considerar que a situação de F. Rossato se insere, em razão da reforma efetuada pela Lei n.o 107/2015, num quadro sensivelmente diferente, de um ponto de vista factual e jurídico, do que estava em causa no Acórdão de 26 de novembro de 2014, Mascolo e o. (C‑22/13, C‑61/13 a C‑63/13 e C‑418/13, EU:C:2014:2401).

36      Com efeito, contrariamente à situação dos docentes em causa no processo que deu origem ao referido acórdão, a transformação da relação laboral de F. Rossato não era incerta e não tinha um caráter imprevisível e aleatório uma vez que se tornou obrigatória pela Lei n.o 107/2015.

37      Por isso, o caráter suficientemente eficaz e dissuasivo da sanção prevista por tal legislação não pode ser posto em causa com fundamento no caráter alegadamente imprevisível e aleatório da transformação da relação laboral.

38      No que se refere, em segundo lugar, à inexistência de indemnização em caso de transformação de tal relação laboral, há que recordar, como resulta dos n.os 24 a 26 do presente acórdão, que os Estados‑Membros dispõem de uma ampla margem de apreciação aquando da escolha das medidas suscetíveis de realizar os objetivos da sua política social.

39      Importa, por outro lado, realçar que resulta do artigo 5.o, n.o 2, do Acordo‑Quadro que os Estados‑Membros dispõem da faculdade, ao abrigo de medidas destinadas a prevenir o recurso abusivo a sucessivos contratos de trabalho a termo, de transformar as relações laborais a termo em relações laborais por tempo indeterminado, constituindo a estabilidade do emprego que estas conferem o elemento mais importante para a proteção dos trabalhadores.

40      A este respeito, há que recordar que o Tribunal de Justiça considerou, em substância, que uma legislação que prevê uma norma imperativa segundo a qual, em caso de recurso abusivo a contratos de trabalho a termo, estes últimos se transformam em relação laboral por tempo indeterminado é suscetível de conter uma medida que pune efetivamente essa utilização abusiva (v., designadamente, Acórdão de 3 de julho de 2014, Fiamingo e o., C‑362/13, C‑363/13 e C‑407/13, EU:C:2014:2044, n.o 70 e jurisprudência referida) e, por isso, de respeitar as exigências recordadas nos n.os 27 e 28 do presente acórdão.

41      A jurisprudência não exige, contudo, medidas cumulativas (v., neste sentido, Acórdãos de 2 de agosto de 1993, Marshall, C‑271/91, EU:C:1993:335, n.o 25, e de 17 de dezembro de 2015, Arjona Camacho, C‑407/14, EU:C:2015:831, n.os 32 e 35).

42      Acresce que nem o princípio da reparação integral do prejuízo sofrido nem o princípio da proporcionalidade impõem o pagamento de danos punitivos (v., neste sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 2015, Arjona Camacho, C‑407/14, EU:C:2015:831, n.o 37).

43      Com efeito, estes princípios impõem aos Estados‑Membros que prevejam uma reparação adequada, que ultrapasse uma indemnização puramente simbólica, sem contudo ultrapassar uma compensação integral (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de abril de 1984, von Colson e Kamann, 14/83, EU:C:1984:153, n.o 28; de 2 de agosto de 1993, Marshall, C‑271/91, EU:C:1993:335, n.o 26; e de 17 de dezembro de 2015, Arjona Camacho, C‑407/14, EU:C:2015:831, n.o 33).

44      De resto, na medida em que F. Rossato invoca uma diferença de tratamento em relação aos trabalhadores que obtiveram a condenação do seu empregador devido ao recurso abusivo a contratos de trabalho a termo antes da entrada em vigor da Lei n.o 107/2015 e que podiam, ao abrigo da legislação anterior, ter acumulado uma indemnização e o benefício de um recrutamento em contrato de trabalho por tempo indeterminado, basta recordar que a diferença de tratamento, resultante de uma reforma da legislação aplicável, entre duas categorias de trabalhadores a termo não está abrangida pelo princípio da não discriminação consagrado no artigo 4.o do Acordo‑Quadro (Acórdão de 21 de novembro de 2018, Viejobueno Ibáñez e de la Vara González, C‑245/17, EU:C:2018:934, n.os 50 e 51).

45      À luz das considerações precedentes, cabe constatar que o Acordo‑Quadro não impõe aos Estados‑Membros prever, em caso de recurso abusivo a contratos de trabalho a termo, um direito à reparação em acréscimo à transformação da relação laboral a termo em relação laboral por tempo indeterminado.

46      Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça sobre a compatibilidade, no que diz respeito ao artigo 5.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro, do efeito retroativo limitado da transformação da relação laboral de que F. Rossato beneficiou. Sublinha, a este respeito, que F. Rossato ensinou na qualidade de professor de música com base em 17 contratos de trabalho a termo durante um período particularmente longo, compreendido entre 18 de novembro de 2003 e 2 de setembro de 2015, antes de beneficiar, no mês de setembro de 2015, de uma transformação da sua relação laboral com efeitos a 1 de janeiro de 2014. O órgão jurisdicional de reenvio salienta, além disso, que a transformação dessa relação laboral no setor privado em razão de um recurso abusivo a contratos de trabalho a termo produziria efeitos retroativos à data da celebração do primeiro contrato de trabalho. Teria resultado para o recorrente no processo principal, nomeadamente, que a antiguidade adquirida ao abrigo dos seus sucessivos contratos de trabalho a termo seria tomada em consideração na íntegra para efeitos da determinação da sua remuneração.

47      A este respeito, há que recordar que, por um lado, a circunstância de a medida adotada pelo legislador nacional no setor privado constituir a proteção mais ampla passível de ser reconhecida a um trabalhador não pode, em si mesma, ter como consequência atenuar o caráter efetivo das medidas nacionais aplicáveis aos trabalhadores do setor público (Acórdão de 7 de março de 2018, Santoro, C‑494/16, EU:C:2018:166, n.o 51).

48      Por outro lado, há que constatar que a tomada em consideração da totalidade dos anos trabalhados ao abrigo de contratos de trabalho a termo no momento da integração no quadro do trabalhador em causa equivaleria a efetuar uma reconstituição integral da carreira como a que está reservada aos funcionários que foram aprovados num concurso. Neste contexto, há que recordar que o direito da União não impõe aos Estados‑Membros que tratem de maneira idêntica funcionários do quadro contratados na sequência de um concurso geral e os que são recrutados mediante concurso documental, com base na sua experiência profissional adquirida ao abrigo de contratos de trabalho a termo, desde que essa diferença de tratamento resulte da necessidade, por um lado, de ter em conta as qualificações exigidas e a natureza das tarefas de que os funcionários do quadro devem assumir a responsabilidade e, por outro, de evitar discriminações inversas em desfavor dos últimos (v., designadamente, Acórdão de 20 de setembro de 2018, Motter, C‑466/17, EU:C:2018:758, n.os 46, 47 e jurisprudência referida).

49      Por conseguinte, não é de excluir que a limitação do efeito retroativo da transformação da relação laboral de que F. Rossato beneficiou possa ser justificada, pelo menos em parte, em razão das especificidades do setor público.

50      Contudo, no caso em apreço, há que salientar que a tomada em consideração da antiguidade que foi concedida a F. Rossato é significativamente inferior ao período de trabalho ao abrigo de contratos de trabalho a termo.

51      Sendo certo que um Estado‑Membro tem o direito de, na execução do artigo 5.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro, ter em conta as necessidades de um setor específico como o do ensino, não se pode entender que esse direito o dispensa de respeitar a obrigação de prever uma medida adequada para punir devidamente o recurso abusivo a contratos de trabalho a termo sucessivos (Acórdão de 26 de novembro de 2014, Mascolo e o., C‑22/13, C‑61/13 a C‑63/13 e C‑418/13, EU:C:2014:2401, n.o 118). Tal medida deve ser, nomeadamente, como foi recordado no n.o 28 do presente acórdão, proporcionada.

52      Por conseguinte, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se, considerada, por um lado, a eventual justificação da limitação da tomada em conta da antiguidade adquirida ao abrigo de contratos de trabalho a termo e, por outro, a duração particularmente longa do abuso de que foi objeto F. Rossato, a tomada em conta retroativa da sua antiguidade a 1 de janeiro de 2014 constitui uma medida proporcionada para punir devidamente esse abuso e eliminar as consequências da violação do direito da União na aceção da jurisprudência referida no n.o 28 do presente acórdão.

53      À luz das considerações expostas, há que responder à questão submetida que o artigo 5.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional que, tal como aplicada pelos órgãos jurisdicionais nacionais superiores, exclui, para os docentes do setor público que tiverem beneficiado da transformação da sua relação laboral a termo em relação laboral por tempo indeterminado com um efeito retroativo limitado, qualquer direito a uma compensação financeira em razão da utilização abusiva de sucessivos contratos de trabalho a termo, quando tal transformação não for nem incerta, nem imprevisível, nem aleatória, e a limitação da tomada em consideração da antiguidade adquirida ao abrigo dos referidos sucessivos contratos de trabalho a termo constituir uma medida proporcionada para punir esse abuso, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 Quanto às despesas

54      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

O artigo 5.o, n.o 1, do AcordoQuadro relativo a contratos de trabalho a termo, celebrado em 18 de março de 1999, que figura no anexo da Diretiva 1999/70/CE do Conselho, de 28 de junho de 1999, respeitante ao AcordoQuadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional que, tal como aplicada pelos órgãos jurisdicionais nacionais superiores, exclui, para os docentes do setor público que tiverem beneficiado da transformação da sua relação laboral a termo em relação laboral por tempo indeterminado com um efeito retroativo limitado, qualquer direito a uma compensação financeira em razão da utilização abusiva de sucessivos contratos de trabalho a termo, quando tal transformação não for nem incerta, nem imprevisível, nem aleatória, e a limitação da tomada em consideração da antiguidade adquirida ao abrigo dos referidos sucessivos contratos de trabalho a termo constituir uma medida proporcionada para punir esse abuso, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Assinaturas


*      Língua do processo: italiano.