Language of document : ECLI:EU:F:2012:80

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA DA UNIÃO EUROPEIA

(Terceira Secção)

13 de junho de 2012

Processo F‑31/10

Christian Guittet

contra

Comissão Europeia

«Função pública ― Antigo funcionário ― Segurança social ― Acidente ― Encerramento do procedimento de aplicação do artigo 73.° do Estatuto ― Aplicação no tempo da tabela anexa à nova versão da regulamentação relativa à cobertura dos riscos de acidente e de doença profissional ― Duração do procedimento»

Objeto: Recurso interposto nos termos do artigo 270.° TFUE, aplicável ao Tratado CEEA por força do seu artigo 106.°‑A, em que C. Guittet, antigo funcionário da Comissão, requer, nomeadamente, a anulação da decisão de 27 de julho de 2009 pela qual a Autoridade Investida do Poder de Nomeação encerrou o procedimento iniciado nos termos do artigo 73.° do Estatuto dos Funcionários da União Europeia (a seguir «Estatuto») e fixou os danos causados à sua integridade física e psíquica (a seguir «DIFP») em 64,5%.

Decisão: A decisão de 27 de julho de 2009 é anulada. A Comissão é condenada a pagar ao recorrente a quantia de 2 500 euros a título do prejuízo moral. É negado provimento ao recurso quanto ao restante. A Comissão suporta as suas próprias despesas e é condenada a suportar as despesas efetuadas pelo recorrente.

Sumário

1.      Funcionários ― Segurança social ― Seguro de acidentes e doenças profissionais ― Invalidez ― Subsídio ― Direito ao pagamento ― Requisitos ― Consolidação total das lesões

(Estatuto dos Funcionários, artigo 73.°; Regulamentação relativa à cobertura dos riscos de acidente e de doença profissional, artigo 19.°, n.° 3)

2.      Atos das instituições ― Aplicação no tempo ― Tabela anexa à regulamentação relativa à cobertura dos riscos de acidente e de doença profissional dos funcionários da União ― Aplicação da tabela em vigor à data da consolidação total das lesões ― Aplicação da nova tabela elaborada após essa data ― Violação do princípio da confiança legítima

(Estatuto dos Funcionários, artigo 73.°; Regulamentação relativa à cobertura dos riscos de acidente e de doença profissional, artigo 30.°)

1.      O artigo 73.° do Estatuto prevê que o funcionário «está coberto, desde a data de início de funções» contra os riscos de doença profissional e os riscos de acidente. Esta disposição prevê igualmente que as prestações que cobrem esses riscos são «garantidas» ao funcionário.

Todavia, embora o legislador da União tenha instituído um regime de seguro contra os riscos de acidente e de doença profissional, as instituições, agindo nos termos do artigo 73.°, n.° 1, do Estatuto, fizeram depender a data do início do direito às prestações de seguro em causa, e, por conseguinte, o seu pagamento, da observância de um certo número de requisitos.

Assim, por força do disposto no artigo 19.°, n.° 3, da Regulamentação comum relativa à cobertura dos riscos de acidente e de doença profissional dos funcionários, a decisão relativa à fixação do grau dos danos causados à integridade física e psíquica só pode ocorrer após a consolidação das lesões do segurado, sendo a consolidação o estado de uma vítima cujas lesões estabilizaram de tal forma que já não se afiguram suscetíveis de cura ou de melhoras, não sendo já um tratamento, em princípio, indicado, a não ser para evitar o seu agravamento. Isso significa que o direito ao pagamento do subsídio referido no artigo 73.°, n.° 2, alínea c), do Estatuto, em caso de invalidez permanente parcial só se constitui no momento da consolidação de todas as lesões. Por isso, só a partir dessa data o segurado dispõe de um direito à fixação dos danos causados à sua integridade física e psíquica.

(cf. n.os 52 a 55)

Ver:

Tribunal de Justiça: 14 de julho de 1981, Suss/Comissão, C‑186/80, n.° 15

Tribunal de Primeira Instância: 21 de maio de 1996, W/Comissão, T‑148/95, n.° 36

Tribunal da Função Pública: 17 de fevereiro de 2011, Strack/Comissão, F‑119/07, n.° 88

2.      No âmbito de um procedimento iniciado nos termos do artigo 73.° do Estatuto dos Funcionários da União, caso a situação do segurado, em relação ao seu direito à fixação do grau dos danos causados à sua integridade física e psíquica (DIFP), esteja inteiramente constituída no momento da consolidação das suas lesões, ao segurado deve, em princípio, aplicar‑se a tabela de avaliação dos DIFP que esteja em vigor à data dessa consolidação.

Se a data de adoção pela Autoridade Investida do Poder de Nomeação do projeto de decisão que fixa o grau dos DIFP do segurado e o montante do capital correspondente fosse a data relevante para a determinação da tabela de avaliação dos DIFP aplicável, tal como resulta do artigo 30.° da nova versão da regulamentação comum relativa à cobertura dos riscos de acidente e de doença profissional dos funcionários da União, tal poderia conduzir à aplicação de regras diferentes a pessoas cuja consolidação das lesões tivesse, no entanto, ocorrido no mesmo momento, em função do grau de celeridade demonstrada pela administração no momento do processamento dos respetivos processos, ficando assim as situações sujeitas a riscos de arbitrariedade.

Tendo em conta as considerações que precedem, afigura‑se que o artigo 30.° da referida regulamentação, na parte em que prevê que a tabela que lhe é anexada é aplicável, na falta de projeto de decisão da Autoridade Investida do Poder de Nomeação que fixe o grau dos DIFP aos segurados, vítimas de um acidente ou de uma doença profissional, cujas lesões se consolidaram antes da data da sua entrada em vigor, ou seja, antes de 1 de janeiro de 2006, visa, no tocante a esses segurados, situações inteiramente constituídas na vigência da tabela de avaliação dos DIFP anexa à antiga regulamentação de cobertura. O artigo 30.° da regulamentação dá, assim, nesse aspeto, um âmbito retroativo à tabela que lhe foi anexada.

A aplicação da tabela de avaliação dos DIFP anexa à nova versão da referida regulamentação a segurados, que tenham sido vítimas, antes da entrada em vigor, em 1 de janeiro de 2006, desta regulamentação, de um acidente ou de uma doença profissional e cujas lesões se consolidaram antes desta mesma data, violou necessariamente a confiança legítima desses segurados. Assim, a nova regulamentação deve ser declarada ilegal na parte em que prevê a aplicação da tabela que lhe está anexada aos segurados, vítimas de um acidente ou de uma doença profissional, cujas lesões foram consolidadas antes da sua entrada em vigor.

(cf. n.os 56, 60, 62, 66 e 68)

Ver:

Tribunal Geral da União Europeia: 18 de outubro de 2011, Purvis/Parlamento, T‑439/09, n.os 39 e 40