Language of document : ECLI:EU:C:2001:664

PARECER 2/00 DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

6 de Dezembro de 2001

«Protocolo de Cartagena - Celebração - Fundamento jurídico - Artigos 133.° CE, 174.°, n.° 4, CE e 175.°, n.° 1, CE - Organismos vivos modificados - Protecção do ambiente - Política comercial comum»

Deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça, em 27 de Outubro de 2000, um pedido de parecer apresentado pela Comissão das Comunidades Europeias nos termos do artigo 300.°, n.° 6, CE, que dispõe:

«O Conselho, a Comissão ou qualquer Estado-Membro podem obter previamente o parecer do Tribunal de Justiça sobre a compatibilidade de um projecto de acordo com as disposições do presente Tratado. Um acordo que tenha sido objecto de parecer negativo do Tribunal de Justiça só pode entrar em vigor nas condições previstas no artigo 48.° do Tratado da União Europeia.»

Índice

    I - Exposição do contexto do pedido de parecer

I - 2

        A - A Convenção sobre a Diversidade Biológica

I - 2

        B - O protocolo de Cartagena

I - 3

    II - Questões da Comissão e tramitação processual no Tribunal de Justiça

I - 6

        A - Questões da Comissão

I - 6

        B - Tramitação processual

I - 6

    III - Observações dos Estados-Membros e das instituições

I - 7

        A - Quanto à admissibilidade do pedido

I - 7

        B - Quanto ao mérito

I - 10

            1. Resumo

I - 10

            2. Desenvolvimento

I - 11

    Tomada de posição do Tribunal

I - 33

    I - Quanto à admissibilidade do pedido

I - 34

    II - Quanto ao mérito

I - 37

I - Exposição do contexto do pedido de parecer

A - A Convenção sobre a Diversidade Biológica

A Convenção sobre a Diversidade Biológica (a seguir «convenção») foi assinada em 5 de Junho de 1992 pela Comunidade Económica Europeia e respectivos Estados-Membros, no âmbito da Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente e o Desenvolvimento (CNUAD), designada «Cimeira da Terra», realizada no Rio de Janeiro (Brasil), tendo sido aprovada, em nome da Comunidade, pela Decisão 93/626/CEE do Conselho, de 25 de Outubro de 1993 (JO L 309, p.1). Esta decisão foi adoptada com base no artigo 130.°-S do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 175.° CE).

Os objectivos da convenção, tal como constam do seu artigo 1.°, são «a conservação da diversidade biológica, a utilização sustentável dos seus componentes e a partilha justa e equitativa dos benefícios que advêm da utilização dos recursos genéticos [...]».

Para estes fins, a convenção impõe às partes contratantes, nomeadamente, as seguintes obrigações:

-    o desenvolvimento de estratégias, planos e programas nacionais para a conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica e a integração desses elementos nos seus planos, programas e políticas pertinentes (artigo 6.°);

-    a identificação e a monitorização dos componentes da diversidade biológica e dos eventuais impactos adversos (artigo 7.°);

-    a adopção de medidas de conservação in situ e ex situ (artigos 8.° e 9.°);

-    a adopção de medidas que favoreçam a utilização sustentável dos componentes da diversidade biológica, a investigação e formação científicas, a educação e a sensibilização do público, a avaliação do impacto de projectos sobre a diversidade biológica, o acesso aos recursos genéticos e à tecnologia (incluindo a biotecnologia), bem como o intercâmbio de informação e a cooperação técnica e científica (artigos 10.° a 18.°).

O artigo 19.°, n.° 3, da convenção dispõe que:

«As partes deverão ter em consideração a necessidade e as modalidades de um protocolo que estabeleça procedimentos adequados, incluindo em especial o consentimento prévio fundamentado, em questões de transferência segura, manipulação e utilização de quaisquer organismos vivos modificados resultantes da biotecnologia que possam ter efeitos adversos para a conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica.»

Por outro lado, nos termos do artigo 34.° da convenção:

«1.     A presente convenção e qualquer protocolo deverão estar sujeitos a ratificação, aceitação ou aprovação pelos Estados e pelas organizações regionais de integração económica. [...]

2.     Qualquer organização referida no n.° 1 deste artigo, que se torne parte contratante da presente convenção ou de qualquer protocolo sem que algum dos seus Estados-Membros seja parte contratante, deverá ficar abrangida por todas as obrigações contraídas em virtude da convenção ou do protocolo, conforme o caso. No caso dessas organizações, sendo um ou mais Estados-Membros partes contratantes da presente convenção ou no específico protocolo, a organização e os seus Estados-Membros deverão decidir sobre as suas responsabilidades para o cumprimento das suas obrigações, de acordo com a convenção ou o protocolo, conforme o caso. Nesses casos, a organização e os Estados-Membros não deverão estar autorizados a exercer concomitantemente os direitos previstos na presente convenção ou no respectivo protocolo.

3.     Nos seus instrumentos de ratificação, aceitação ou aprovação, as organizações mencionadas no n.° 1 deste artigo deverão declarar o âmbito da sua competência no que concerne às matérias reguladas pela presente convenção ou pelo respectivo protocolo. Essas organizações deverão também informar o depositário sobre qualquer alteração relevante no âmbito da sua competência.»

B - O protocolo de Cartagena

A Conferência das Partes na Convenção adoptou, em 17 de Novembro de 1997, a Decisão II/5 que mandatou estas últimas para negociarem um protocolo «que tenha expressamente por objecto os movimentos transfronteiriços de organismos vivos resultantes da biotecnologia moderna susceptíveis de terem efeitos adversos para a conservação e utilização sustentável da diversidade biológica, e que estabeleça, em particular, procedimentos adequados de consentimento fundamentado prévio».

Estas negociações resultaram na adopção, em 29 de Janeiro de 2000, em Montreal (Canadá), do Protocolo de Cartagena sobre Biosegurança (a seguir «protocolo»), o qual foi aberto à assinatura em Nairobi (Quénia) em 15 de Maio do mesmo ano e assinado em nome da Comunidade Europeia e dos Estados-Membros em 24 de Maio de 2000.

O protocolo é composto por quarenta artigos e três anexos.

Nos termos do artigo 1.° do protocolo (1):

«De acordo com o princípio da precaução contido no Princípio 15 da Declaração do Rio sobre Ambiente e Desenvolvimento, o objectivo do presente protocolo é contribuir para assegurar um nível adequado de protecção no domínio da transferência, manipulação e utilização seguras de organismos vivos modificados resultantes da biotecnologia moderna que possam ter efeitos adversos sobre a preservação e a utilização sustentável da diversidade biológica, tendo igualmente em conta os riscos para a saúde humana, centrando-se especificamente nas transferências transfronteiriças.»

O Princípio 15 da Declaração do Rio sobre Ambiente e Desenvolvimento prevê:

«Para que o ambiente seja protegido, serão aplicadas pelos Estados, de acordo com as suas capacidades, medidas preventivas. Onde existam ameaças de riscos sérios ou irreversíveis não será utilizada a falta de certeza científica total como razão para o adiamento de medidas eficazes em termos de custo para evitar a degradação ambiental.»

Nos termos do artigo 4.° do protocolo, e sem prejuízo da adopção de disposições particulares quanto aos produtos farmacêuticos e aos organismos vivos modificados (a seguir «OVM») em trânsito ou destinados a utilização confinada (v. artigos 5.° e 6.° do protocolo), aquele «aplicar-se-á às transferências transfronteiriças, ao trânsito, à manipulação e à utilização de todos os organismos vivos modificados que possam ter efeitos adversos sobre a preservação e a utilização sustentável da diversidade biológica, tendo igualmente em conta os riscos para a saúde humana».

O artigo 2.°, n.° 2, do protocolo dispõe:

«As Partes garantirão que o desenvolvimento, a manipulação, o transporte, a utilização, a transferência e a libertação de quaisquer organismos vivos modificados se efectuem de forma a evitar ou a diminuir os riscos para a diversidade biológica, tendo igualmente em conta os riscos para a saúde humana.»

Para esse fim, o protocolo institui vários procedimentos de controlo, em especial o «procedimento de consentimento prévio fundamentado» (artigos 7.° a 10.° e 12.°), o «procedimento relativo a organismos vivos modificados destinados a uso directo para alimentação humana ou animal, ou a transformação» (artigo 11.°) e o «procedimento simplificado» (artigo 13.°).

Outras disposições do protocolo dizem respeito à avaliação e à gestão de riscos associados à utilização, manipulação e aos movimentos transfronteiriços de OVM (artigos 15.° e 16.°), aos movimentos transfronteiriços não intencionais e às medidas de emergência (artigo 17.°), e ainda à manipulação, transporte, embalagem e identificação de OVM (artigo 18.°).

O artigo 19.° do protocolo tem por objecto a designação das autoridades nacionais competentes e dos pontos nacionais de convergência, bem como a difusão de certas informações pelo secretariado; o artigo 20.° prevê um sistema de intercâmbio de informações, cria um Centro de Informação sobre Biosegurança e define as suas atribuições; o artigo 21.° refere-se à garantia de confidencialidade das informações comunicadas em cumprimento dos procedimentos previstos pelo protocolo; o artigo 22.° dispõe que as partes cooperarão para a criação e o reforço de recursos humanos e capacidades institucionais em biosegurança nos países em desenvolvimento que sejam partes no protocolo; o artigo 23.° dispõe que as partes promoverão e facilitarão a sensibilização e a participação do público; o artigo 24.° diz respeito às relações das partes com os Estados que não são partes no protocolo; o artigo 25.° tem por objecto os movimentos transfronteiriços ilegais e prevê a adopção pelas partes de medidas de prevenção e de repressão; o artigo 26.° permite que as partes tenham em conta os factores socioeconómicos decorrentes do impacto dos OVM sobre a preservação e a utilização sustentável da diversidade biológica; o artigo 27.° prevê a formulação de regras e procedimentos internacionais em matéria de responsabilidade civil e de ressarcimento dos danos causados por movimentos transfronteiriços de OVM, e o artigo 28.° diz respeito aos meios de financiamento e aos recursos financeiros destinados à execução do protocolo.

O protocolo contém igualmente disposições de natureza institucional, ou seja, o artigo 29.°, que se refere à «Conferência das Partes», o artigo 30.°, relativo aos órgãos subsidiários, e o artigo 31.°, a respeito do secretariado.

O artigo 32.° do protocolo dispõe que «salvo disposição em contrário no presente Protocolo, as disposições da Convenção relativas aos protocolos da mesma são aplicáveis ao presente Protocolo».

Os artigos 33.° e 34.° do protocolo dizem respeito ao cumprimento das obrigações pelas partes (apresentação de relatórios, aprovação de procedimentos e mecanismos de cooperação). Uma avaliação periódica da eficácia do protocolo a efectuar pela Conferência das Partes encontra-se prevista no artigo 35.°

Os artigos 36.° a 40.° do protocolo contêm as disposições finais relativas à assinatura, à entrada em vigor, à impossibilidade de serem feitas reservas, à denúncia do protocolo e aos textos autênticos do protocolo.

II - Questões da Comissão e tramitação processual no Tribunal de Justiça

A - Questões da Comissão

Antes da apresentação ao Conselho de uma proposta de decisão a respeito da celebração do protocolo, a Comissão, representada por A. Rosas e G. Zur Hausen, bem como por M. Afonso, na qualidade de agentes, apresentou ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 300.°, n.° 6, CE, um pedido de parecer quanto à escolha do fundamento jurídico mais adequado para aquele efeito, tendo em conta as divergências de opinião que surgiram entre a Comissão e o Conselho no âmbito da discussão e da adopção por este último da decisão de autorização de assinatura em nome da Comunidade do referido protocolo. Enquanto a proposta da Comissão tinha por fundamento os artigos 133.° CE e 174.°, n.° 4, CE, em conjugação com o artigo 300.°, n.° 2, primeiro parágrafo, CE, o Conselho adoptou a referida decisão por unanimidade, em 15 de Maio de 2000, fundando-se apenas no artigo 175.°, n.° 1, CE, conjugado com o referido n.° 2, segundo parágrafo, do artigo 300.°

Considerando que a eliminação do artigo 133.° CE do fundamento jurídico da decisão de celebração do protocolo poria em causa a competência externa atribuída pelo Tratado CE à Comunidade em matéria de política comercial comum, a Comissão decidiu submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões:

«1)    Os artigos 133.° e 174.°, n.° 4, conjugados com as disposições pertinentes do artigo 300.° do Tratado CE, constituem o fundamento jurídico apropriado do acto de celebração, pela Comunidade Europeia, do Protocolo de Cartagena sobre Biosegurança?

2)    Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, as competências dos Estados-Membros no domínio da protecção do ambiente, que podem justificar a sua participação no Protocolo de Cartagena sobre Biosegurança, têm carácter residual em relação à competência predominante da Comunidade para assumir compromissos internacionais quanto às matérias tratadas neste protocolo?»

B - Tramitação processual

Nos termos do artigo 107.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, o pedido de parecer foi notificado ao Conselho da União Europeia, ao Parlamento Europeu e aos Estados-Membros. Foram apresentadas observações:

-    pelo Governo dinamarquês, representado por J. Molde, na qualidade de agente,

-    pelo Governo helénico, representado por E. Samoni-Rantou bem como por G. Karipsiadis e P. Patronos, na qualidade de agentes,

-    pelo Governo espanhol, representado por R. Silva de Lapuerta, na qualidade de agente,

-    pelo Governo francês, representado por R. Abraham, D. Colas e G. de Bergues, na qualidade de agentes,

-    pelo Governo italiano, representado por U. Leanza e M. C. Ciciriello, na qualidade de agentes,

-    pelo Governo austríaco, representado por H. Dossi, na qualidade de agente,

-    pelo Governo do Reino Unido, representado por J. E. Collins, na qualidade de agente, assistido por R. Plender, QC,

-    pelo Parlamento Europeu, representado por R. Passos e K. Bradley, na qualidade de agentes,

-    pelo Conselho da União Europeia, representado por J.-P. Jacqué, R. Gosalbo Bono e G. Houttuin, na qualidade de agentes.

III - Observações dos Estados-Membros e das instituições

A - Quanto à admissibilidade do pedido

Para justificar o recurso ao Tribunal de Justiça, a Comissão recorda que, por força do artigo 34.° da convenção, a Comunidade, quando do depósito do instrumento de aprovação, está obrigada a indicar o âmbito da sua competência nas matérias reguladas pelo protocolo. Por conseguinte, a proposta de decisão relativa à celebração do protocolo, que a Comissão submeterá ao Conselho nos termos do artigo 300.°, n.° 2, CE, deverá conter uma declaração sobre a competência da Comunidade, em que se indicará, se for esse o caso, os domínios regidos pelo protocolo que são da competência exclusiva da Comunidade, tais como o domínio abrangido pelo artigo 133.° CE.

A Comissão reconhece que a discussão sobre o fundamento jurídico não tem consequências ao nível do procedimento interno aplicável, incluindo no que diz respeito à participação do Parlamento no mesmo. Com efeito, quer a decisão de celebração do protocolo pela Comunidade seja adoptada com base no artigo 175.°, n.° 1, CE, ou nos artigos 133.° CE e 174.°, n.° 4, CE, em ambos os casos o Conselho delibera por maioria qualificada e após consulta ou, eventualmente, obtenção de parecer favorável do Parlamento Europeu (v. artigo 300.°, n.° 3, segundo parágrafo, CE). Todavia, a resposta do Tribunal de Justiça às questões colocadas permitirá, segundo a Comissão, criar um quadro de certeza jurídica quanto à gestão do referido protocolo, nomeadamente quando do exercício do direito de voto (v., neste sentido, acórdão de 19 de Março de 1996, Comissão/Conselho, C-25/94, Colect., p. I-1469).

A Comissão acrescenta que o exercício de uma competência partilhada cria sempre dificuldades a este respeito. Com efeito, para que as instituições estejam em condições de definir as posições a adoptar em nome da Comunidade nas instâncias previstas pelo protocolo, os Estados-Membros devem reconhecer que deixam de ser competentes, individualmente ou mesmo colectivamente, para agir nos domínios em causa. Em conformidade com o artigo 31.°, n.° 2, da convenção, aplicável ao protocolo por força do artigo 32.° do mesmo «[a]s organizações regionais de integração económica deverão exercer o seu direito de voto nas matérias da sua competência, com um número de votos igual ao número dos seus Estados-Membros que sejam partes contratantes nesta convenção ou no protocolo inerente. Estas organizações não deverão exercer o seu direito de voto se os seus Estados-Membros exercerem o seu e vice-versa».

Os Governos espanhol e francês, bem como o Conselho, contestam a admissibilidade do pedido, tendo em conta as condições previstas no artigo 300.°, n.° 6, CE.

O Governo espanhol sustenta que, segundo esta disposição, pode obter-se o parecer do Tribunal de Justiça relativamente à compatibilidade de um determinado acordo com as disposições do Tratado. Decorre dos pareceres do Tribunal de Justiça, por um lado, que essa compatibilidade pode depender não apenas das regras substantivas, mas também das regras relativas à competência, ao procedimento ou à organização institucional da Comunidade (v. parecer 1/75, de 11 de Novembro de 1975, Colect., pp. 457, 463; parecer 1/76, de 26 de Abril de 1977, Colect., p. 256, n.° 10, e parecer 1/78, de 4 de Outubro de 1979, Recueil, p. 2871, n.° 30) e, por outro lado, que o parecer do Tribunal de Justiça pode ser obtido designadamente sobre as questões que dizem respeito à repartição de competências entre a Comunidade e os Estados-Membros (parecer 1/94, de 15 de Novembro de 1994, Colect., p. I-5267, n.° 9).

Ora, no caso vertente, a Comissão não pede ao Tribunal de Justiça que se pronuncie quanto à compatibilidade do protocolo com o Tratado, nem quanto à repartição das competências entre a Comunidade e os seus Estados-Membros a respeito do protocolo, antes pretende, simplesmente, saber qual é o fundamento jurídico adequado para a adopção deste último.

O Governo francês duvida igualmente que as questões colocadas pela Comissão se integrem completamente na previsão do artigo 300.°, n.° 6, CE, tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça. Este último declarou-se competente para apreciar a compatibilidade de um tratado em vista das dificuldades susceptíveis de resultar das modalidades de adopção escolhidas para o acordo em questão.

Ora, no que diz respeito à primeira questão, a Comissão não contesta que a Comunidade seja competente para celebrar o protocolo nem que os Estados-Membros conservam competências bastantes para justificar a sua participação a par da Comunidade. A questão apenas diz respeito ao fundamento jurídico com base no qual a Comunidade deve celebrar o protocolo. Segundo o Governo francês, tal como é colocada, a primeira questão não é, assim, susceptível de parecer negativo do Tribunal de Justiça.

É certo que um erro quanto ao fundamento jurídico constitui um vício de procedimento susceptível de acarretar a invalidade da decisão relativa à celebração do protocolo em caso de recurso de anulação ou de questão prejudicial. Segundo o Governo francês, tal hipótese parece estar abrangida pela eventualidade de, «tendo em vista [...] o processo adoptado para a sua celebração, o [acordo ser] incompatível com as disposições do Tratado» (parecer 3/94, de 13 de Dezembro de 1995, Colect., p. I-4577, n.° 17).

Todavia, não é esse o caso na presente situação, pois, mesmo na hipótese de cúmulo de fundamentos jurídicos, aplicar-se-ia o procedimento dos artigos 174.° CE ou 175.° CE, já que é o que garante maior protecção das prerrogativas do Parlamento.

Quanto à segunda questão, o Governo francês considera que a mesma se limita a suscitar um problema teórico a respeito do reconhecimento, em direito comunitário, dos novos conceitos de «competência preponderante» da Comunidade e de «competência residual» dos Estados-Membros. O Governo francês não vê a razão pela qual o reconhecimento ou não do carácter residual da competência dos Estados-Membros colocaria em causa a compatibilidade do protocolo com o Tratado, nem em que é que o processo de revisão do Tratado seria afectado por uma eventual resposta do Tribunal de Justiça a esta questão.

O Conselho defende uma posição semelhante. Acrescenta que o objectivo da Comissão era tornar extensiva a competência exclusiva que a Comunidade detém em matéria de política comercial comum ao domínio do ambiente, abstraindo das disposições específicas dos Tratados relativas ao ambiente, no sentido de evitar as dificuldades de ordem prática que envolve a celebração de acordos mistos. Ora, essa argumentação não pode servir de fundamento a uma competência exclusiva da Comunidade.

O Conselho questiona, assim, se o objectivo pretendido pela Comissão não poderia ser atingido através da interposição, nos termos do artigo 230.° CE, de um recurso de anulação da decisão de assinatura do protocolo. Na verdade, o Tribunal de Justiça declarou no parecer 2/92, de 24 de Março de 1995 (Colect., p. I-521, n.° 14), que o facto de determinadas questões poderem ser abordadas no quadro de outras espécies de processos não era susceptível de excluir que as questões fossem previamente submetidas ao Tribunal, nos termos do artigo 300.° CE. Todavia, admitir o pedido da Comissão no caso vertente levaria a iludir as condições relativas ao prazo de interposição do recurso de anulação, o qual deveria ter sido interposto contra a decisão de assinatura do referido protocolo o mais tardar em 15 de Julho de 2000, enquanto o pedido de parecer foi apresentado em 23 de Outubro do mesmo ano.

O Parlamento, em contrapartida, defende expressamente que o pedido de parecer é admissível.

Considera que, no presente caso, a escolha do fundamento jurídico influencia a natureza jurídica da competência da Comunidade e, daí, a repartição das competências entre esta última e os Estados-Membros. Quando a Comunidade age em matéria de política comercial comum, a sua competência é exclusiva, ao passo que, em matéria de protecção do ambiente, essa competência é partilhada com a competência dos Estados-Membros. Ora, é ponto assente que «o parecer do Tribunal, nos termos do artigo [300.°, n.° 6, CE], pode ser pedido designadamente sobre questões que [...] se referem à repartição das competências entre a Comunidade e os Estados-Membros» (parecer 2/92, já referido, n.° 13).

Além disso, mesmo que a escolha do fundamento jurídico não afectasse a natureza da competência da Comunidade, mas apenas o procedimento a seguir para a adopção do acto de celebração de um acordo, o Tribunal de Justiça seria igualmente competente para resolver esta questão nos termos do artigo 300.°, n.° 6, CE.

Segundo o Parlamento, a escolha do fundamento jurídico de um acordo internacional é susceptível de ter repercussões na compatibilidade do mesmo com o Tratado, podendo, por isso, ser apreciada num parecer proferido pelo Tribunal de Justiça em conformidade com o artigo 300.°, n.° 6, CE. É claro que, se a decisão do Conselho que aprova a celebração do protocolo fosse posteriormente anulada, com o fundamento de que assenta num fundamento jurídico errado, tal situação provocaria precisamente o tipo de dificuldades que a instituição do processo de parecer prévio visa evitar.

B - Quanto ao mérito

1. Resumo

A Comissão sustenta, por um lado, que os artigos 133.° CE e 174.°, n.° 4, CE, conjugados com as disposições pertinentes do artigo 300.° CE, constituem o fundamento jurídico adequado para a celebração, pela Comunidade, do protocolo e, por outro lado, que esta última detém, nos domínios cobertos por esse protocolo, uma competência preponderante face às competências que os Estados-Membros conservam em matéria de protecção do ambiente.

Os governos dos Estados-Membros que apresentaram observações escritas e o Conselho consideram, pelo contrário, que o fundamento deve ser o artigo 175.°, n.° 1, CE. Nestes termos, não haveria que responder à segunda questão.

O Parlamento defende igualmente que o artigo 175.°, n.° 1, CE constitui o fundamento jurídico adequado do acto de celebração do protocolo. Todavia, na medida em que este tenha efeitos significativos no comércio dos OVM, é adequado recorrer igualmente ao artigo 133.° CE.

2. Desenvolvimento

A Comissão considera que a celebração do protocolo é, no essencial, em razão dos seus objectivos e do seu conteúdo, da competência exclusiva da Comunidade, nos termos do artigo 133.° CE. A defesa eficaz do interesse global da Comunidade e, por conseguinte, do interesse de todos os Estados-Membros, impõe que o referido protocolo seja celebrado com base nesta disposição.

Contudo, uma vez que o protocolo tem por objecto certas matérias não abrangidas pela política comercial comum, não podendo as disposições em causa ser consideradas acessórias nos termos definidos pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, a competência da Comunidade para assumir as obrigações nacionais correspondentes funda-se no artigo 174.°, n.° 4, CE.

Por seu turno, as competências que os Estados-Membros conservam para adoptarem regras nacionais e subscreverem compromissos internacionais nas matérias visadas pelo protocolo têm carácter residual relativamente à competência preponderante da Comunidade. A participação dos Estados-Membros no referido protocolo deveria, por isso, considerar-se limitada ao exercício dessas competências; na realidade, apenas estão em causa as disposições relativas à aplicação de condições de segurança no desenvolvimento, no transporte, na utilização, na transferência e na libertação de quaisquer OVM, fora do comércio internacional, e as que dizem respeito aos movimentos transfronteiriços não intencionais de OVM. A este respeito, a Comissão salienta que, segundo o artigo 174.°, n.° 4, CE, a competência da Comunidade para cooperar e celebrar acordos com países terceiros e organizações internacionais não prejudica a competência externa dos Estados-Membros.

Por conseguinte, a Comissão considera juridicamente justificado o recurso a um duplo fundamento jurídico, ou seja, os artigos 133.° CE e 174.°, n.° 4, CE, embora não excluindo, a priori, a participação dos Estados-Membros no protocolo. Porém, deveria ficar claro, no momento da apresentação da declaração de competência e no âmbito da gestão do protocolo, que a Comunidade detém uma competência exclusiva no essencial das matérias em causa, nos termos do artigo 133.° CE, conservando os Estados-Membros competências concorrentes apenas quanto a um número limitado de questões, isto é, as que não afectam as trocas de OVM entre a Comunidade e os Estados terceiros.

No que se refere mais precisamente ao âmbito do artigo 133.° CE, a Comissão remete para a jurisprudência do Tribunal de Justiça que, desde há muito, adoptou uma interpretação lata da noção de política comercial comum (v. parecer 1/78, já referido, n.° 45). A circunstância de uma regulamentação do comércio internacional de certos produtos prosseguir, a título principal, objectivos de natureza não comercial - como a protecção do ambiente ou da saúde humana, a cooperação para o desenvolvimento, objectivos de política externa e de segurança, ou ainda de política agrícola - não pode ter por consequência afastar a competência exclusiva da Comunidade e justificar o recurso, por exemplo, ao artigo 175.° CE. Na realidade, as medidas de regulamentação do comércio internacional têm, muitas vezes, objectivos múltiplos e diversos, o que não implica que devam ser adoptadas com base nas diferentes disposições do Tratado que prosseguem esses objectivos.

Com efeito, segundo jurisprudência constante, desde que as medidas em causa visem especificamente regulamentar o comércio internacional e, assim, regular as trocas no exterior da Comunidade, enquadram-se no domínio da política comercial comum, ainda que tenham objectivos múltiplos, e apenas a Comunidade é competente para a sua adopção, sem que seja necessário determinar o objectivo que prevalece ou o «centro de gravidade» das medidas em questão [v., neste sentido, os acórdãos de 29 de Março de 1999, Grécia/Conselho, C-62/88, Colect., p. I-1527, n.os 17 a 20 (a seguir «acórdão Chernobil»); de 26 de Março de 1987, Comissão/Conselho, 45/86, Colect., p. 1493, n.os 16 a 20; de 17 de Outubro de 1995, Werner, C-70/94, Colect., p. I-3189, n.os 8 a 11, e Leifer e o., C-83/94, Colect., p. I-3231, n.os 8 a 11; e de 14 de Janeiro de 1997, Centro-Com, C-124/95, Colect., p. I-81, n.os 26 a 29, bem como os pareceres já referidos 1/78, n.os 41 a 46, e 1/94, n.os 28 a 31].

Segundo a Comissão, o artigo 6.° CE está em plena harmonia com esta jurisprudência. Com efeito, nos termos desta disposição, as exigências em matéria de protecção do ambiente devem ser integradas na definição e execução das políticas e acções previstas no artigo 3.° CE. Várias iniciativas recentes da Comissão comprovam, assim, a importância que esta instituição atribui à integração na política económica e comercial da Comunidade das preocupações de natureza não comercial, em particular das preocupações relativas à protecção do ambiente e da saúde pública. A Comissão acrescenta que as considerações de natureza não comercial já são, de resto, reconhecidas e integradas no acordo que institui a Organização Mundial de Comércio (a seguir «acordo OMC») e respectivos anexos, nomeadamente no artigo XX do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio (a seguir «GATT»), no Acordo sobre a Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (a seguir «acordo SFS») e no Acordo sobre os Obstáculos Técnicos ao Comércio (a seguir «acordo OTC»), sem que o Tribunal de Justiça tenha, no entanto, afastado, no n.° 34 do parecer 1/94, já referido, a competência exclusiva da Comunidade para celebrar, ao abrigo do artigo 113.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 133.° CE), todos os acordos multilaterais relativos ao comércio de mercadorias.

Por outro lado, o Tribunal de Justiça já reconheceu que o artigo 133.° CE continua a ser o fundamento jurídico adequado para a celebração pela Comunidade dos acordos relativos ao comércio internacional de produtos, independentemente da questão de saber qual o fundamento jurídico em que deve assentar a adopção das medidas de execução interna desses compromissos. Por conseguinte, as medidas de execução interna de compromissos internacionais assumidos ao abrigo do artigo 133.° CE no domínio agrícola fundam-se no artigo 43.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 37.° CE) (v. parecer 1/94, já referido, n.° 29). A falta de uma harmonização completa no plano intracomunitário num domínio coberto pelos compromissos assumidos pela Comunidade tão-pouco exclui o recurso exclusivamente ao artigo 133.° CE, desde que o acordo em questão tenha por objecto a eliminação de obstáculos desnecessários ao comércio internacional de mercadorias (parecer 1/94, já referido, n.os 30 a 33).

Tendo em conta a multiplicação de acordos que impõem restrições ao comércio internacional em resposta a preocupações supostamente não comerciais, o recurso a outros fundamentos jurídicos levaria a esvaziar de conteúdo o artigo 133.° CE e prejudicaria a coerência da política da Comunidade face aos seus parceiros comerciais, bem como o interesse global da Comunidade, em virtude da participação neste tipo de acordos de todos ou de parte dos Estados-Membros.

Por fim, quanto às disposições do protocolo cujo objecto está fora do âmbito da regulamentação do comércio internacional de OVM, a Comissão contesta que o acórdão de 14 de Julho de 1998, Safety Hi-Tech (C-284/95, Colect., p. I-4301, n.° 43), imponha o recurso ao artigo 175.°, n.° 1, CE, e não ao artigo 174.°, n.° 4, CE. Esta última disposição atribui expressamente à Comunidade competência para celebrar acordos internacionais em matéria de ambiente. A Comissão sustenta que, no que diz respeito às regras processuais aplicáveis, esta disposição remete para o artigo 300.° CE.

Os Estados-Membros apenas conservam a sua competência, nos termos do artigo 174.°, n.° 4, CE, para negociar e celebrar acordos internacionais no âmbito da protecção do ambiente se estes constituírem medidas de protecção reforçada compatíveis com o Tratado e notificadas à Comissão. O estrito respeito destas condições é indispensável para assegurar a unidade do mercado comum e a aplicação uniforme do direito comunitário.

Em conclusão, a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que se digne dar resposta afirmativa às duas questões que colocou.

O Governo dinamarquês afirma que o artigo 175.°, n.° 1, CE, conjugado com as disposições pertinentes do artigo 300.° CE, constitui o fundamento jurídico adequado e suficiente para a celebração do protocolo pela Comunidade.

A este respeito, o Governo dinamarquês, citando vários exemplos, remete para a prática anterior do Conselho quanto à escolha do fundamento jurídico com vista à celebração de acordos em matéria de ambiente, embora consciente de que tal não constitui, em si mesmo, um argumento decisivo. Segundo o mesmo governo, o Conselho baseou-se sistematicamente no artigo 130.°-S do Tratado ou no n.° 1 dessa disposição, excepto num caso isolado, rejeitando assim as propostas da Comissão em sentido diverso.

Esta prática é conforme à jurisprudência do Tribunal de Justiça [v. acórdãos de 17 de Março de 1993, Comissão/Conselho, C-155/91, Colect., p. I-939 (a seguir «acórdão ‘directiva relativa aos resíduos’»), e de 28 de Junho de 1994, Parlamento/Conselho, C-187/93, Colect., p. I-2857], a qual teve em conta o objectivo principal do acto em causa, que é a protecção do ambiente, constituindo a harmonização das condições do mercado interno da Comunidade o seu objectivo acessório.

Segundo o Governo dinamarquês, para determinar o fundamento jurídico adequado para o acto de celebração do protocolo, importa, segundo jurisprudência constante, verificar se, tanto pelo seu objectivo como pelo seu conteúdo, este protocolo diz sobretudo respeito ao domínio do ambiente ou se os aspectos comerciais desempenham um papel equivalente ou, eventualmente, mais importante.

A este respeito, o Governo dinamarquês afirma que o protocolo faz parte de um conjunto de medidas adoptadas pela comunidade internacional para proteger e preservar a diversidade biológica. Em particular, a convenção é um acordo que respeita essencialmente ao ambiente, ao qual a Comunidade aderiu com base no artigo 130.°-S, n.° 1, do Tratado (v., neste sentido, o preâmbulo do protocolo e os seus artigos 1.° e 4.°).

O facto de o protocolo destacar, no artigo 1.°, os movimentos transfronteiriços, deve-se à verificação de que as condições biológicas variam sensivelmente de um Estado para outro, de que as diferenças no nível de desenvolvimento dos Estados em matéria de biotecnologia moderna comportam ameaças concretas para a biodiversidade e de que a regulamentação dos riscos associados aos OVM ficaria incompleta se não existissem regras para disciplinar os movimentos transfronteiriços. Por conseguinte, determinante na elaboração do protocolo não foi a quantidade ou o valor dos OVM objecto desses movimentos, mas sim os riscos potenciais para a diversidade biológica. Além disso, decorre da natureza de um acordo multilateral em matéria de ambiente colocar maior ênfase nos aspectos transfronteiriços do que nos aspectos nacionais. A complexidade da matéria em causa explica igualmente o número elevado de disposições relativas especificamente aos movimentos transfronteiriços. Todavia, isso não significa que as outras disposições do protocolo tenham carácter puramente acessório.

A regulamentação dos movimentos transfronteiriços de OVM, que não tem, de resto, finalidade comercial, não constitui assim o conteúdo principal do protocolo. Este é fundamentalmente um acordo em matéria de ambiente destinado a regulamentar os riscos para a biodiversidade e a saúde humana associados aos OVM.

O Governo dinamarquês não nega, porém, que a jurisprudência do Tribunal de Justiça tenha reconhecido um largo campo de aplicação ao artigo 133.° CE e que a política comercial comum não abrange apenas os instrumentos clássicos de política comercial. Contudo, em sua opinião, deve tratar-se sempre de instrumentos relacionados com uma regulamentação destinada a promover ou a facilitar o comércio. O facto de o Tratado, na versão actualmente em vigor, prever que a protecção do ambiente deve ser integrada nas restantes políticas comunitárias de modo algum pode ser interpretado no sentido de que importa recorrer em menor medida do que até aqui às suas disposições relativas ao ambiente como fundamento jurídico para os acordos que, dados os seus objectivo e conteúdo, são principalmente acordos em matéria de ambiente.

Quanto ao artigo 174.°, n.° 4, CE, o Governo dinamarquês afirma não poder o mesmo servir de fundamento jurídico para a celebração de acordos internacionais em matéria de ambiente. A referida disposição limita-se a fixar os objectivos gerais da acção da Comunidade nessa matéria (v., neste sentido, acórdãos Safety Hi-Tech, já referido, e de 14 de Julho de 1998, Bettati, C-341/95, Colect., p. I-4355). Segundo os seus próprios termos, esta disposição apenas impõe aos Estados-Membros e à Comunidade uma obrigação de cooperar «no âmbito das respectivas atribuições» com os países terceiros e as organizações internacionais.

Por fim, o Governo dinamarquês desenvolve uma argumentação mais política contra a posição da Comissão. Com efeito, afirma que não compreende a razão pela qual esta última utilizou esta ocasião para exprimir a sua hostilidade face aos acordos mistos uma vez que, de qualquer modo, o protocolo não deixaria de ser um acordo misto, mesmo que fosse escolhido o fundamento jurídico preconizado pela Comissão. No caso vertente, a Comunidade e os seus Estados-Membros desempenharam um papel importante nas difíceis negociações do protocolo, as quais foram conduzidas precisamente na perspectiva da celebração de um acordo misto. Essas negociações demonstraram claramente que as dificuldades alegadas pela Comissão não impedem a Comunidade e os Estados-Membros de desempenharem um papel importante na negociação e na celebração de acordos mistos.

Em conclusão, o Governo dinamarquês considera que o Tribunal de Justiça deve responder negativamente à primeira questão, não havendo, por isso, que responder à segunda questão.

O Governo helénico sustenta igualmente que o protocolo se enquadra claramente no direito internacional do ambiente.

Recorda que, segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, a escolha do fundamento jurídico de um acto deve assentar em elementos objectivos susceptíveis de fiscalização jurisdicional, entre os quais figuram a finalidade e o conteúdo do acto no seu conjunto (v. acórdãos de 12 de Novembro de 1996, Reino Unido/Conselho, C-84/94, Colect., p. I-5755, n.° 25, e de 3 de Dezembro de 1996, Portugal/Conselho, C-268/94, Colect., p. I-6177). A mera presença de elementos de política comercial num acordo em matéria de ambiente não tem por efeito transformá-lo num acordo comercial, da mesma forma que a presença de elementos ambientais num acordo de natureza fundamentalmente comercial não altera o seu carácter comercial.

A este respeito, o Governo helénico alega que a análise dos objectivos do protocolo, bem como da economia geral das suas disposições, conduz inelutavelmente à conclusão de que se trata de um acordo internacional de cariz, acima de tudo, ambiental.

De resto, a posição da Comissão não está em conformidade com a abordagem global adoptada pela Comunidade no que diz respeito ao desenvolvimento sustentável, defendida nomeadamente nas negociações do protocolo. Não tem em conta, a este respeito, a importância do artigo 22.° da convenção, nos termos do qual «[a]s disposições da presente convenção não afectam os direitos e obrigações de qualquer parte contratante decorrentes de qualquer acordo internacional existente, excepto quando o exercício desses direitos e obrigações possa causar graves prejuízos ou ameaças para a diversidade biológica». O critério da protecção do ambiente é, assim, determinante para a interpretação do protocolo (v., neste sentido, artigos 1.°, 2.°, n.° 4, 4.°, 7.°, n.° 4, 10.°, n.° 6, 11.°, n.° 8, 15.°, 16.°, n.° 2, 17.° e 26.° do protocolo). Ora, caso o artigo 133.° CE fosse adoptado como o fundamento jurídico, atribuindo assim ao protocolo um carácter essencialmente comercial, o impacto sobre a sua interpretação e aplicação futuras seria «devastador».

O Governo helénico acrescenta que, se o protocolo visasse principalmente regulamentar o comércio internacional, teria sido celebrado no âmbito da OMC, como, aliás, pretendiam os Estados Unidos da América, e não no âmbito da convenção.

O Governo helénico alega igualmente que o protocolo se baseia na aplicação do princípio da precaução, que é um princípio fundamental do direito do ambiente.

A tese da Comissão segundo a qual importa não esvaziar de conteúdo o artigo 133.° CE poderia, de resto, prejudicar a interpretação que a mesma faz dessa disposição, já que conduziria ao esvaziamento de uma série de outras disposições do Tratado do seu conteúdo normativo.

O Governo helénico alega também que, uma vez que o protocolo tem como fundamento os artigos 17.° e 19.°, n.os 3 e 4, da convenção (v. o segundo considerando do respectivo preâmbulo), é juridicamente coerente que a Comunidade aprove o referido protocolo com fundamento na mesma competência, ou seja, com base no artigo 175.° CE, ao qual, de resto, se recorre para qualquer acção em matéria de ambiente.

Em conclusão, o Governo helénico considera que o fundamento jurídico apropriado para a celebração do protocolo é o artigo 175.°, n.° 1, CE.

Acrescenta que a distinção feita pela Comissão entre a competência preponderante da Comunidade e a competência residual dos Estados-Membros é juridicamente inaceitável e denuncia um juízo de valor no que diz respeito às competências mistas, cuja existência corresponde ao sistema actual de repartição das competências entre a Comunidade e os Estados-Membros. Por este motivo, as considerações da Comissão sobre as dificuldades de celebração e gestão de acordos mistos são inoperantes. Com efeito, aceitá-las resultaria em consagrar a competência exclusiva da Comunidade para todas as acções previstas no Tratado, apenas pelo facto de o exercício de competências conjuntamente com os Estados-Membros provocar dificuldades de gestão.

O Governo espanhol sustenta que o protocolo é um acordo internacional de conteúdo essencialmente ambiental, pelo que o único fundamento jurídico para a sua aprovação é o artigo 175.°, n.° 1, CE.

Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a escolha do fundamento jurídico de um acto não pode depender apenas da convicção de uma instituição, devendo assentar em elementos objectivos susceptíveis de fiscalização jurisdicional (v., nomeadamente, acórdão de 26 de Março de 1987, Comissão/Conselho, já referido, n.° 11). Entre esses critérios figuram, nomeadamente, a finalidade e o conteúdo do acto (v., nomeadamente, acórdão de 26 de Março de 1996, Parlamento/Conselho, C-271/94, Colect., p. I-1689, n.° 14), embora seja ponto assente que a finalidade meramente acessória de um acto não pode validamente servir para justificar a escolha do fundamento jurídico (v., por exemplo, acórdão «directiva relativa aos resíduos») e que, na medida em que a competência de uma instituição assenta em duas disposições do Tratado, esta é obrigada a adoptar o acto correspondente com base em ambas as disposições, excepto se o cúmulo de fundamentos jurídicos esvaziar de sentido as prerrogativas do Parlamento [v. acórdão de 11 de Junho de 1991, Comissão/Conselho, C-300/89, Colect., p. I-2867 (a seguir «acórdão dióxido de titânio»)].

No caso vertente, segundo o Governo espanhol, a finalidade e o conteúdo do protocolo enquadram-se numa política especificamente ambiental, sendo a sua incidência no comércio internacional de mercadorias meramente acessória. Decorre do artigo 4.° do protocolo que este não tem por objecto regulamentar o comércio dos OVM, mas adoptar medidas que garantam a conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica (v., também neste sentido, os artigos 2.°, 17.°, 20.°, 22.°, 23.° e 26.° do referido protocolo). Os movimentos transfonteiriços de OVM são objecto de uma regulamentação, nos mesmos termos que o respectivo trânsito, manipulação ou utilização, com o objectivo de impedir os efeitos adversos sobre a conservação e a utilização da diversidade biológica.

O Governo espanhol afirma que, embora seja verdade que o Tribunal de Justiça adoptou um conceito amplo de política comercial, que tem em conta a evolução das relações comerciais internacionais, isso não significa, em absoluto, que um acordo internacional, cujo objectivo principal é a protecção do ambiente ou da saúde humana, deva ser adoptado com base no artigo 133.° CE pelo facto de poder ter uma incidência no comércio internacional, já que isso esvaziaria de conteúdo as outras políticas comunitárias.

Por outro lado, as dificuldades ligadas à gestão e à aplicação de um acordo misto não são pertinentes no que diz respeito à questão do fundamento jurídico.

Por fim, no que se refere ao artigo 174.° CE, o Governo espanhol sustenta que esta disposição se limita a definir objectivos gerais (v. acórdão de 14 de Julho de 1994, Peralta, C-379/92, Colect., p. I-3453, n.° 57, bem como os acórdãos já referidos Safety Hi-Tech, n.° 43, e Bettati, n.° 41), embora reconheça a existência, no n.° 4 da mesma disposição, de competências partilhadas entre a Comunidade e os Estados-Membros em matéria de acordos internacionais relativos ao ambiente, sem que, contudo, esteja fixado o procedimento para a sua celebração. Caberia, para tal, recorrer ao artigo 175.° CE. Este artigo é, assim, segundo este governo, a única disposição susceptível de constituir o fundamento jurídico de uma norma ambiental, seja ela interna ou externa.

Esta interpretação é confirmada pela prática constante da Comunidade.

O Governo francês sustenta, a título preliminar, que o protocolo tem por finalidade concretizar os objectivos da convenção, celebrada pela Comunidade com base no artigo 130.°-S do Tratado. Sublinha que, no decurso das negociações que levaram à adopção do protocolo, a Comunidade desempenhou um papel muito activo, tendo-se criado uma coesão perfeita entre a mesma e os Estados-Membros, que permitiu que os objectivos da União Europeia fossem devidamente tomados em consideração.

O Governo francês considera, em geral, que o fundamento jurídico adequado para a celebração do protocolo é apenas o artigo 175.° CE e que os conceitos de competência residual e de competência preponderante, admitindo que existem em direito comunitário, não se aplicam no caso vertente.

Quanto à primeira questão, o Governo francês considera que decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, quando um instrumento internacional permite à Comunidade tomar medidas de protecção ambiental e estas medidas têm um impacto no comércio internacional, sem terem por fim favorecê-lo, o artigo 175.° CE constitui base suficiente para adoptar semelhante acordo. Esta disposição apenas deve ser conjugada com o artigo 133.° CE se as referidas medidas visarem, de forma indissociável, a protecção do ambiente e a promoção do comércio internacional (v., quanto às relações entre o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno, por um lado, e a protecção do ambiente, por outro, os acórdãos dióxido de titânio e «directiva relativa aos resíduos»). O Governo francês refere igualmente o acórdão de 28 de Junho de 1994, Parlamento/Conselho, já referido, bem como os n.os 42 a 44 das conclusões do advogado-geral F. G. Jacobs nesse processo, que distinguem as medidas que contribuem para a realização do mercado interno, para as quais deveria ser utilizado como fundamento jurídico o artigo 100.°-A do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 95.° CE), das medidas com impacto nas trocas comerciais, para as quais a referida disposição não seria um fundamento jurídico necessário.

Por conseguinte, segundo o advogado-geral F. G. Jacobs, uma medida que «define as características que uma mercadoria deve possuir de modo a permitir que circule livremente no mercado interno» impõe o recurso ao fundamento jurídico relativo ao mercado interno - na linha do acórdão dióxido de titânio. Pelo contrário, apenas o artigo 175.° CE permite adoptar medidas que «criem um conjunto de procedimentos harmonizados através dos quais possa ser impedida e controlada a circulação de determinada mercadoria para fins de protecção do ambiente».

O Governo francês remete igualmente para a prática comunitária dos últimos anos, referindo um certo número de «acordos multilaterais ambientais» ou actos internos que dão execução a esses acordos, que se baseiam no artigo 130.°-S do Tratado, e não no seu artigo 113.°, ainda que esses acordos ou actos tenham um impacto notório tanto nas trocas comerciais entre Estados-Membros como nas trocas comerciais entre a Comunidade e os Estados terceiros.

Os exemplos citados pela Comissão em apoio da sua tese não dizem respeito à política ambiental, mas sim à política de desenvolvimento, à política agrícola comum e à política externa e de segurança comum. Ora, a relação destas últimas políticas com a política comercial é bem diferente da que existe entre os acordos internacionais em matéria comercial e os acordos no domínio do ambiente. Além disso, a fundamentação do Tribunal de Justiça que está na base dos acórdãos dióxido de titânio e «directiva relativa aos resíduos» dificilmente se pode transpor para o caso vertente.

Segundo o Governo francês, o exame da finalidade e do conteúdo do protocolo, que são elementos objectivos susceptíveis de fiscalização jurisdicional e sobre os quais, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, se deve fundar a escolha do fundamento jurídico, confirma que é adequado recorrer exclusivamente ao artigo 175.° CE.

O Governo francês invoca vários elementos que, na sua perspectiva, comprovam o objectivo ambiental das medidas previstas pelo protocolo: o mandato dado pela Conferência das Partes na Convenção aos negociadores, o título do protocolo, o seu preâmbulo, bem como os seus artigos 1.° e 4.°

Por outro lado, o simples facto de as referidas medidas terem por objecto os movimentos transfronteiriços de OVM não torna necessário o recurso ao artigo 133.° CE como fundamento jurídico; com efeito, segundo o Governo francês, o facto de o protocolo conter uma regulamentação das trocas transfronteiriças não significa que o mesmo se enquadre na política comercial comum. Essas trocas apenas são mencionadas com o fim de as controlar ou mesmo de as impedir à luz de objectivos de cariz ambiental. Por conseguinte, não se pretende regulamentar o comércio tendo em vista o seu favorecimento.

Quanto ao conteúdo do protocolo, o Governo francês considera que este contém dois tipos distintos de disposições:

-    por um lado, os artigos 7.° a 14.° prevêem as diferentes fases do procedimento de consentimento prévio fundamentado aplicável aos OVM e as regras particulares que se aplicam à categoria dos OVM destinados à alimentação humana ou animal ou a transformação. Estas disposições constituem a regulamentação aplicável às trocas comerciais ou aos intercâmbios de carácter científico e definem as modalidades de uma avaliação do risco para o ambiente de um determinado movimento transfronteiriço de OVM;

-    por outro lado, muitos outros artigos contribuem para a realização dos objectivos do protocolo, contendo compromissos distintos daqueles que são assumidos nos artigos 7.° a 14.° É o caso das disposições relativas à avaliação do risco pelas partes (artigo 15.°), à gestão do risco pelas mesmas (artigo 16.°), aos movimentos transfronteiriços não intencionais (por exemplo acidentais), bem como das medidas de emergência que pode ser necessário adoptar em consequência de tais movimentos (artigo 17.°), das regras de manipulação, transporte, embalagem e identificação (artigo 18.°), da criação de um Centro de Informação (artigo 20.°), das medidas de prevenção dos movimentos transfronteiriços ilícitos (artigo 25.°) e da abertura de consultas internacionais para a instituição de um regime de responsabilidade e de reparação em caso de danos causados por movimentos transfronteiriços de OVM (artigo 27.°).

O Governo francês considera, assim, que não se justifica reduzir o protocolo às regras constantes dos seus artigos 7.° a 14.° Estas disposições tão-pouco justificam uma referência ao artigo 133.° CE, pois, segundo o advogado-geral F. G. Jacobs, no processo Parlamento/Conselho, C-187/93, já referido, os procedimentos que as mesmas instituem podem qualificar-se como um «conjunto de procedimentos harmonizados através dos quais possam ser impedidos ou controlados os movimentos transfronteiriços de OVM por motivos ligados à protecção do ambiente», mas em nenhum caso como «definição das características» que os OVM devem possuir «para entrar livremente na Comunidade».

Em conclusão, segundo o Governo francês, a finalidade e o conteúdo do protocolo demonstram que o fundamento jurídico adequado para este - cujo impacto significativo nas trocas de OVM não é contestado - é exclusivamente o artigo 175.° CE.

Quanto aos acordos SPS e OTC, cuja celebração o Tribunal de Justiça considerou, nos n.os 31 e 33 do parecer 1/94, já referido, que podia validamente fundar-se no artigo 113.° do Tratado, o Governo francês sustenta, por um lado, que, segundo o Tribunal de Justiça, a finalidade essencial destes acordos é limitar o impacto negativo sobre o comércio, encorajando assim as trocas, enquanto o protocolo tem por finalidade controlá-las ou, eventualmente, impedi-las. O mesmo governo defende, por outro lado, que estes dois acordos criam um quadro institucional que visa assegurar que as medidas adoptadas para fazer face a um risco sanitário ou de outra natureza não têm um impacto indevido sobre o comércio, enquanto o protocolo parte da consideração de que existe um risco específico para o ambiente e que esse risco deve ser objecto de medidas de controlo.

Por outro lado, segundo o Governo francês, as dificuldades de aplicação de uma categoria de acordos internacionais não são relevantes na escolha do fundamento jurídico. Considera, pelo contrário, que, no domínio dos acordos ambientais, o princípio da cooperação estreita entre os Estados-Membros e as instituições comunitárias é concretizado de forma satisfatória.

O Governo francês considera que o que na realidade está por detrás das considerações da Comissão relativas ao desmantelamento da política comercial comum é o receio de que, ao aplicar o protocolo, os Estados-Membros ou a Comunidade infrinjam outras obrigações internacionais desta última, particularmente o acordo OMC. Este receio afigura-se perfeitamente legítimo ao Governo francês, mas a escolha de um fundamento jurídico inadequado e injustificado não é a estratégia que permitirá utilmente dissipá-lo.

Em sua opinião, existem outras formas mais adequadas de assegurar que a aplicação do protocolo não tenha um impacto negativo sobre a política comercial comum, as quais podem consistir, por exemplo, na introdução, no preâmbulo da decisão de autorização de celebração do protocolo, de uma frase que afirme claramente que a Comunidade respeitará todos os outros compromissos internacionais, ou na criação de um procedimento de verificação sistemática da conformidade de qualquer decisão adoptada em aplicação do protocolo com os outros compromissos internacionais da Comunidade, ou ainda na instituição de medidas de coordenação especial entre os diferentes serviços em causa.

No que diz respeito, por fim, à escolha entre os artigos 174.°, n.° 4, CE e 175.°, n.° 1, CE, o Governo francês afirma que, mesmo no caso de o Tribunal de Justiça considerar que a primeira questão da Comissão é admissível, este aspecto em particular não o é. Com efeito, esta questão diz respeito, em qualquer caso, a uma competência partilhada e não tem qualquer incidência sobre o procedimento. O Governo francês não compreende por que razão a escolha de um fundamento jurídico em vez de outro afectaria a compatibilidade do protocolo - e mesmo da decisão que autoriza a sua celebração - com o Tratado.

Mesmo admitindo que o artigo 174.°, n.° 4, CE possa constituir um «fundamento jurídico externo», a Comunidade dispõe, em qualquer caso, de dois fundamentos para adoptar actos de direito internacional:

-    o artigo 174.°, n.° 4, CE para os acordos no âmbito da cooperação entre os Estados terceiros e a Comunidade e que digam respeito às diferentes dimensões da política ambiental;

-    o artigo 175.°, n.° 1, CE para os acordos, de natureza mais sectorial, que tenham por fim dar execução, a nível internacional, a competências já exercidas a nível interno (v., neste sentido, acórdão Safety Hi-Tech, já referido).

O Governo francês considera que o protocolo pertence antes a esta última categoria, uma vez que permite a aplicação entre a Comunidade e os Estados terceiros de regras comparáveis às que já existem entre os Estados-Membros.

Em conclusão, na hipótese de o Tribunal de Justiça julgar admissível a primeira questão, o referido governo convida-o a responder no sentido de que:

«A Comunidade dispõe com fundamento no artigo 175.°, n.° 1, [CE] das competências necessárias e suficientes para celebrar, a par dos Estados-Membros, o protocolo [de Cartagena] sobre Biosegurança.»

Nestes termos, a segunda questão deixaria de ter objecto.

O Governo francês contesta, em todo o caso, o conceito de «competência preponderante» da Comunidade, que não é reconhecido em direito comunitário e não está consagrado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça. Este último apenas reconhece que os acordos nos quais apenas a Comunidade pode ser parte, por força da sua competência exclusiva, ou os acordos mistos que são em parte da competência da Comunidade e em parte da competência dos Estados-Membros (v., nomeadamente, acórdão de 19 de Março de 1996, Comissão/Conselho, já referido, n.° 48).

O mesmo governo acrescenta que, visto que a Comissão não contesta que, mesmo que fosse celebrado com fundamento nos artigos 133.° CE e 175.° CE, o protocolo seria um acordo misto, cabe recordar a jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre a exigência de cooperação estreita entre os Estados-Membros e as instituições comunitárias, tanto no processo de negociação e de celebração como na execução do protocolo (v., nomeadamente, acórdão de 19 de Março de 1996, Comissão/Conselho, já referido.)

O Governo italiano sustenta que o protocolo contém uma regulamentação ambiental destinada, como indica o seu artigo 1.°, a lutar contra os efeitos adversos sobre a conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica, bem como sobre a saúde humana, em especial os associados aos movimentos transfronteiriços de OVM. Resulta claramente da análise das disposições do referido protocolo que o seu objecto e a sua finalidade são a criação de um quadro jurídico procedimental aplicável aos movimentos transfronteiriços intencionais de OVM (artigos 4.° a 16.°) e aos movimentos transfronteiriços não intencionais susceptíveis de ter efeitos adversos importantes sobre a diversidade biológica (artigo 17.°).

As preocupações ambientais e os riscos para a saúde humana são particularmente tidos em conta nos artigos 10.°, n.° 6, e 11.°, n.° 8, do protocolo, que prevêem as condições em que as partes podem adoptar decisões restritivas no que diz respeito à importação de OVM.

Embora seja verdade que a competência comunitária em matéria comercial é exclusiva tanto no plano interno como no plano externo, as exigências imperativas, reconhecidas pelo Tribunal de Justiça, de protecção do ambiente e de protecção da saúde humana, devem prevalecer sobre o aspecto comercial.

Em conformidade com o artigo 31.° da Convenção de Viena de 1969 sobre o Direito dos Tratados, há que apreciar o contexto em que o protocolo foi adoptado, que inclui, nomeadamente, qualquer acordo que tenha uma relação com o tratado a interpretar e qualquer regra pertinente de direito internacional aplicável às relações entre as partes [artigo 31.°, n.° 2, alínea a)]. Ora, o protocolo foi adoptado no quadro da Convenção sobre a Diversidade Biológica.

O Governo italiano considera que, nestas circunstâncias, o fundamento jurídico da decisão do Conselho, relativo à celebração do protocolo, deve ser encontrado nas disposições relativas à política ambiental comunitária.

Seja qual for o artigo específico no qual deva basear-se aquela decisão de celebração, isto é, o artigo 174.°, n.° 4, CE ou o artigo 175.° CE, o Governo italiano considera que a decisão será, em todo o caso, adoptada por maioria qualificada e após consulta do Parlamento.

Tratando-se de uma competência partilhada entre a Comunidade e os Estados-Membros, estes, segundo o Governo italiano, participarão no protocolo, assumindo as obrigações relativas às matérias em que conservam uma competência residual face à competência comunitária. Por conseguinte, o protocolo deve ser necessariamente um acordo misto. A este respeito, o Governo italiano recorda a posição do Tribunal de Justiça quanto ao dever de cooperação estreita entre os Estados-Membros e as instituições comunitárias, tanto no processo de negociação e de celebração como na execução dos compromissos assumidos (pareceres 2/91, de 19 de Março de 1993, Colect., p. I-1061, n.° 38, e 1/94, já referido, n.° 108).

O Governo austríaco sustenta, em geral, que o protocolo constitui - como decorre da sua génese, da sua finalidade e das suas disposições - um acordo multilateral no domínio do ambiente, baseado no princípio da precaução (artigo 1.° do protocolo). De resto, a sua finalidade ambiental, claramente sublinhada no preâmbulo, deve-se, em grande medida, à iniciativa da Comunidade e dos seus Estados-Membros, tendo a Comissão - tal como o conjunto destes últimos - constantemente destacado essa finalidade no âmbito das negociações.

A finalidade do acordo é, segundo o Governo austríaco, assegurar um nível adequado de protecção na utilização dos OVM, com vista a evitar eventuais efeitos adversos sobre a conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica. Para este fim, é instituído um amplo sistema de informação para permitir que cada Estado tome decisões com conhecimento de causa quanto à possibilidade de utilização dos OVM no seu território.

O Governo austríaco contesta, a este respeito, a posição da Comissão segundo a qual certos artigos do protocolo - nomeadamente o artigo 11.° - têm a natureza de princípios relativamente a outras disposições, qualificadas de acessórias, como as disposições relativas ao financiamento, à responsabilidade, aos aspectos socioeconómicos, ao Centro de Informação e à criação de capacidades. Na falta destas últimas disposições, é impossível dar execução ao protocolo, nomeadamente nos países em desenvolvimento.

Segundo o Governo austríaco, as consequências do protocolo em matéria de política comercial apenas podem ser apreciadas à luz da sua finalidade ambiental. Sublinha, a este respeito, que a noção de «movimentos transfronteiriços» não deve ser exclusivamente aplicada no domínio comercial. Quanto, em especial, aos OVM, os movimentos transfronteiriços para fins de investigação científica constituem um aspecto essencial do protocolo.

O Governo austríaco acrescenta que a referência ao artigo XX do GATT é destituída de pertinência. O GATT é manifestamente um acordo de natureza comercial e o seu artigo XX deverá ser considerado uma disposição derrogatória, que permite às partes contratantes adoptar medidas de salvaguarda por razões bem determinadas.

No que respeita mais concretamente à escolha do fundamento jurídico adequado, o Governo austríaco recorda que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, esta escolha deve fundar-se em elementos objectivos, susceptíveis de fiscalização jurisdicional. As razões que justificam, segundo a Comissão, o recurso ao artigo 133.° CE, em conjugação com o artigo 174.°, n.° 4, CE, ou seja, uma alegada «preocupação legítima» quanto à erosão das competências comunitárias ou à complexidade da gestão dos acordos mistos, carecem de pertinência para responder às questões colocadas.

O Governo austríaco sustenta que o artigo 174.° CE se limita a fixar os objectivos e os princípios que devem guiar a concretização da política comunitária em matéria de ambiente, não criando, contudo, competências próprias (v. acórdãos, já referidos, Peralta, n.° 57, e Bettati, n.° 41). Apenas o artigo 175.°, n.° 1, CE constitui o fundamento jurídico de uma acção do Conselho com vista à realização dos objectivos definidos no artigo 174.° CE. De resto, esta interpretação é confirmada, por um lado, pelo facto de as medidas previstas no artigo 176.° CE, ou seja, as medidas de protecção reforçadas, apenas poderem ser adoptadas se as regulamentações em questão tiverem sido instituídas com base no artigo 175.° CE, bem como, por outro lado, pela prática constante do Conselho, que consiste em fundamentar os acordos internacionais no artigo 175.°, n.° 1, CE e não no artigo 174.°, n.° 4, CE.

Por fim, o Governo austríaco salienta que a escolha do artigo 175.°, n.° 1, CE como fundamento jurídico permite garantir o exercício do poder de co-decisão pelo Parlamento, cujo papel é particularmente importante no contexto ambiental, bem como a consulta do Comité Económico e Social e do Comité das Regiões, enquanto, no contexto do procedimento previsto no artigo 133.° CE, o Parlamento apenas é informado e, no âmbito do artigo 174.°, n.° 4, CE, apenas é consultado.

Em conclusão, o Governo austríaco considera que o protocolo não constitui um acordo de política comercial, mas um acordo de política ambiental. Os aspectos comerciais apenas são referidos em algumas disposições do protocolo, como o artigo 11.°, que tem por objecto os movimentos de mercadorias destinadas a serem utilizadas directamente para a alimentação humana ou animal ou a serem transformadas. As competências dos Estados-Membros não têm, assim, «carácter residual». Pelo contrário, as disposições essenciais do protocolo enquadram-se na competência destes últimos.

O Governo do Reino Unido defende que o fundamento jurídico correcto do acto de celebração do protocolo é o artigo 175.°, n.° 1, CE, conjugado com o artigo 300.°, n.° 2, primeiro parágrafo, primeiro período, CE. À semelhança dos outros Estados-Membros que apresentaram observações, o Governo do Reino Unido invoca, a este respeito, a prática constante do Conselho.

No caso vertente, o protocolo prossegue claramente os dois primeiros objectivos enumerados no artigo 174.°, n.° 1, CE, isto é, a preservação, a protecção e a melhoria da qualidade do ambiente, bem como a protecção da saúde das pessoas. O protocolo prossegue igualmente o terceiro dos objectivos, ou seja, «a utilização prudente e racional dos recursos naturais», partindo do princípio de que a diversidade biológica é um recurso natural. Prossegue ainda, evidentemente, o quarto dos referidos objectivos, já que constitui, no plano internacional, uma medida destinada a fazer face aos problemas regionais ou planetários do ambiente.

O Governo do Reino Unido acrescenta que, o princípio da precaução, referido no artigo 174.°, n.° 2, CE, desempenha um papel preponderante entre os objectivos do protocolo (v., por exemplo, o quarto considerando do seu preâmbulo, bem como os seus artigos 1.°, 10.°, n.° 6, e 11.°, n.° 8). Além disso, nos termos do artigo 174.°, n.° 2, CE, o protocolo respeita o princípio da acção preventiva e o princípio da correcção, prioritariamente na fonte, dos danos causados ao ambiente (v., por exemplo, os quarto e sétimo considerandos do seu preâmbulo, bem como os artigos 3.°, 7.° e 15.° a 18.°). O artigo 27.°, por seu turno, prevê a adopção de regras conformes ao princípio do poluidor-pagador, prevendo a elaboração de regras de direito internacional público para o ressarcimento dos danos decorrentes de movimentos transfronteiriços de OVM.

O Governo do Reino Unido alega, também, que, nos termos do artigo 174.°, n.° 3, CE, o protocolo tem em conta os dados científicos e técnicos disponíveis, as condições ambientais nos territórios das partes contratantes, bem como as vantagens e os encargos que podem resultar da actuação ou da ausência de actuação. Nos termos do n.° 4 da mesma disposição, o protocolo prevê a cooperação com os países terceiros e as organizações internacionais competentes (v., por exemplo, os segundo, terceiro e oitavo considerandos do seu preâmbulo, bem como os artigos 6.°, 10.°, 14.° a 16.°, 20.°, 22.° e 29.°).

Ora, o artigo 175.° CE constitui precisamente o fundamento jurídico para a realização dos objectivos definidos no artigo 174.° CE.

O Governo do Reino Unido recorda, por outro lado, a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual a escolha do fundamento jurídico de um acto a adoptar por uma instituição comunitária deve fundar-se em elementos objectivos susceptíveis de fiscalização jurisdicional. Entre esses elementos contam-se a finalidade e o conteúdo desse acto.

No presente caso, a finalidade ambiental do protocolo está expressa no seu preâmbulo e nos artigos 1.° e 2.° Segundo o referido governo, o conteúdo do protocolo está de acordo com esse objectivo: institui um procedimento de consentimento prévio fundamentado antes do primeiro movimento transfronteiriço intencional de OVM; nos termos do artigo 15.°, são levadas a cabo avaliações de riscos segundo métodos científicos comprovados, as quais se devem basear, pelo menos, em informações fornecidas em conformidade com o procedimento de consentimento prévio supramencionado e nas outras provas científicas disponíveis; segundo o artigo 16.°, as partes criam e aplicam mecanismos com vista a controlar os riscos associados à utilização, à manipulação e aos movimentos transfronteiriços de OVM; nos termos dos artigos 20.° e 22.°, as partes participam num sistema de intercâmbio de informações e no Centro de Informação sobre Biosegurança e colaboram no desenvolvimento e no reforço dos recursos humanos e das capacidades institucionais no domínio da prevenção dos riscos biotecnológicos.

Embora afecte de forma lateral o comércio com os países terceiros, a componente principal ou preponderante do protocolo é, segundo o Governo do Reino Unido, a prossecução do programa ambiental da Comunidade, em conformidade com o artigo 175.°, n.° 1, CE. O artigo 133.° CE é, assim, um fundamento jurídico inadequado para a celebração do protocolo.

O Governo do Reino Unido sublinha que, ao utilizar o termo «movimentos», os redactores do protocolo pretenderam abranger outros movimentos para além dos que dizem respeito ao comércio, tais como os movimentos não intencionais de OVM, os movimentos transfronteiriços ilícitos e os movimentos destes organismos para fins caritativos, de interesse público ou privado, e ainda outros movimentos de natureza não comercial.

Segundo o Governo do Reino Unido, o protocolo tão-pouco tem por objectivo eliminar as restrições às trocas comerciais internacionais nem reduzir as barreiras aduaneiras. Mesmo supondo que afecte o comércio, o protocolo tem como objectivo o controlo ou a vigilância dos movimentos internacionais de OVM (v. acórdão de 28 de Junho de 1994, Parlamento/Conselho, já referido, processo em que o Governo do Reino Unido considerou que tanto o advogado-geral como o Tribunal de Justiça se basearam no facto de o acto em questão não favorecer a liberalização das trocas comerciais em causa, o que terá permitido escolher o artigo 113.° do Tratado como fundamento).

O acordo OMC e, em especial, as considerações de ordem não comercial constantes de alguns dos seus anexos, nomeadamente do artigo XX do GATT, do acordo SPS e do acordo OTC - para cuja celebração o Tribunal de Justiça confirmou que a Comunidade tinha legitimidade, com base no artigo 113.° do Tratado -, não militam a favor da escolha do artigo 133.° CE como fundamento jurídico do protocolo, uma vez que o «centro de gravidade» deste último não é a promoção do comércio, mas a protecção do ambiente.

Por outro lado, o Governo do Reino Unido considera que o artigo 174.°, n.° 4, CE não oferece um fundamento jurídico conjunto adequado, uma vez que não atribui competência para a celebração de acordos internacionais. Aquela disposição apenas impõe aos Estados-Membros e à Comunidade uma obrigação de cooperação com os países terceiros e com as organizações internacionais «no âmbito das respectivas atribuições». O artigo 174.°, n.° 4, segundo parágrafo, CE dispõe mesmo, expressamente, que o seu primeiro parágrafo não prejudica a capacidade dos Estados-Membros para negociar nas instâncias internacionais e celebrar acordos internacionais.

Esta disposição limita-se a definir os objectivos gerais da Comunidade em matéria de ambiente, estando a cargo do Conselho, nos termos do artigo 175.° CE, decidir a acção a empreender com vista à concretização desses objectivos (v. acórdãos, já referidos, Peralta, n.° 57, e Safety Hi-Tech, n.° 43, bem como o n.° 76 das conclusões do advogado-geral P. Léger nos referidos processos Safety Hi-Tech e Bettati; v. igualmente as conclusões do advogado-geral F. G. Jacobs no processo Parlamento/Conselho, C-187/93, já referido).

Por fim, as dificuldades ligadas à gestão e à aplicação de um acordo misto tão-pouco confortam a tese da Comissão. Em todo o caso, segundo o Governo do Reino Unido, aquela instituição sobrevaloriza essas dificuldades. Os acordos mistos são «realidades bem conhecidas que continuarão, sem qualquer dúvida, a existir enquanto a Comunidade e os seus Estados-Membros estiverem habilitados a celebrar Tratados». Desde que o Acto Único Europeu introduziu no Tratado CE um título sobre o ambiente, passou a ser expressamente reconhecida a existência de uma competência mista nessa matéria. A própria Comissão salienta que a Comunidade Europeia e os seus Estados-Membros desempenharam um papel fundamental nas difíceis negociações do protocolo, que se prolongaram por quatro anos. A Comissão dificilmente poderia desempenhar esse papel se os obstáculos tivessem sido tão grandes como agora alega. Além disso, as alegadas dificuldades não poderiam ser consideradas relevantes pelo Tribunal de Justiça, que deve fundar a sua decisão em elementos objectivos, susceptíveis de fiscalização jurisdicional.

Em conclusão, o Governo do Reino Unido considera que os artigos 133.° CE e 174.°, n.° 4, CE, em conjugação com as disposições pertinentes do artigo 300.° CE, não constituem o fundamento jurídico adequado para a celebração do protocolo em nome da Comunidade Europeia. Por conseguinte, não é necessário responder à segunda questão.

A título subsidiário, o Governo do Reino Unido alega, em resposta à segunda questão, que até agora a Comunidade adoptou relativamente poucas regras comuns em matéria de biosegurança. Os principais instrumentos adoptados nesta matéria são a Directiva 90/219/CEE do Conselho, de 23 de Abril de 1990, relativa à utilização confinada de microrganismos geneticamente modificados (JO L 117, p. 1), com a redacção dada pela Directiva 98/81/CE do Conselho, de 26 de Outubro de 1998 (JO L 330, p. 13), e a Directiva 90/220/CEE do Conselho, de 23 de Abril de 1990, relativa à libertação deliberada no ambiente de organismos geneticamente modificados (JO L 117, p. 15).

Nenhuma destas directivas tem por objectivo contribuir para assegurar um nível adequado de protecção para a transferência, a manipulação e a utilização seguras de OVM resultantes da biotecnologia moderna, que podem ter efeitos adversos na conservação e na utilização sustentável da diversidade biológica, «centrando-se especificamente nas transferências transfronteiriças» (artigo 1.° do protocolo). É, assim, impossível estabelecer uma competência comunitária preponderante, e muito menos exclusiva, para celebrar o protocolo, e isto com base no princípio in foro interno, in foro externo [v., neste sentido, acórdão de 31 de Março de 1971, Comissão/Conselho, 22/70, Colect., p. 69, n.° 17 (a seguir «acórdão AETR»)].

O Parlamento recorda, a título preliminar, que, no parecer 1/91, de 14 de Dezembro de 1991 (Colect., p. I-6079, n.° 14), o Tribunal de Justiça reconheceu que, nos termos do artigo 31.° da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, «um tratado deve ser interpretado de boa fé, segundo o sentido comum atribuível aos termos do tratado no seu contexto, e à luz dos respectivos objecto e fim». Quando um acordo está estreitamente ligado a um ou vários instrumentos ou iniciativas já adoptados, é correcto considerar que estes instrumentos ou iniciativas fazem parte do contexto no qual os termos do acordo devem ser interpretados, o que, segundo o Parlamento, se deve revelar particularmente útil no presente caso, dada a estreita conexão que se verifica entre o protocolo e a convenção.

Segundo o Parlamento, não pode defender-se que, em virtude dessa estreita conexão, o protocolo foi negociado e assinado a título principal por razões relativas ao comércio internacional de OVM. Pelo contrário, se foi decidido tratar os movimentos transfronteiriços desses produtos como uma questão prioritária, não foi para regulamentar o seu comércio, mas porque estes movimentos e as actividades conexas constituem um risco particular para a conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica.

O Parlamento considera que a tese defendida pela Comissão parece não ter em conta o ensinamento fundamental do já referido parecer 1/94, em particular do seu n.° 42, segundo o qual o âmbito da política comercial comum, por mais amplo que possa ser, em princípio, é limitado pelo «sistema do Tratado, no seu conjunto», nomeadamente pela existência de disposições específicas que regem as competências da Comunidade noutros domínios.

Tendo em conta os critérios em que se deve fundar a escolha do fundamento jurídico de um acto, tal como resultam da jurisprudência do Tribunal de Justiça, o Parlamento alega que decorre da finalidade e do conteúdo do protocolo que este diz especificamente respeito aos OVM e não às trocas comerciais internacionais.

Por conseguinte, não há qualquer dúvida quanto ao objectivo de natureza ambiental do protocolo (v. artigo 1.° do mesmo).

Quanto ao conteúdo material do protocolo, o Parlamento considera que a preocupação ambiental dos seus autores se reflecte tanto no terceiro considerando do preâmbulo como nas suas disposições materiais (artigos 1.°, 2.°, n.os 2 e 4, 14.°, 22.°, 23.°, 25.°, 27.° e 28.°).

Dois elementos, em especial, demonstram a importância do protocolo para a protecção do ambiente. Por um lado, o facto de reconhecer expressamente, talvez pela primeira vez num acordo internacional, a necessidade de uma regulamentação específica dos OVM, e de admitir que estes produtos, por razões ligadas à protecção do ambiente, não podem ser tratados como um produto qualquer. Por outro lado, segundo o Parlamento, o protocolo aplica de forma muito concreta o princípio da precaução, um dos princípios fundadores da política da Comunidade no domínio do ambiente, a fim de determinar o alcance exacto das obrigações dos países importadores. Assim, tanto o artigo 10.°, n.° 6, como o artigo 11.°, n.° 8, dispõem que «[a] falta de certeza científica [...] quanto à extensão dos potenciais efeitos adversos de um organismo vivo modificado sobre a preservação e a utilização sustentável da diversidade biológica [...] não impede [a] Parte [importadora] de tomar uma decisão, conforme for apropriado, no que se refere à importação do organismo vivo modificado em causa». Importa sublinhar que, tal como formulado nestas disposições, o princípio da precaução justificaria a recusa de autorização de importação «tendo em vista evitar ou minimizar esses efeitos adversos potenciais».

Assim, na opinião do Parlamento, o protocolo adopta a versão «permissiva» do referido princípio, o que é característico dos acordos sobre a protecção do ambiente, e não a versão «restritiva» que se encontra em certos acordos comerciais, nomeadamente no artigo 5.°, n.° 7, do acordo SPS. Esta última disposição tem por objectivo limitar as condições em que um membro pode recorrer ao princípio da precaução para restringir a importação de produtos.

Por outro lado, o Parlamento afirma ser possível transpor para o caso vertente o raciocínio desenvolvido pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 28 de Junho de 1994, Parlamento/Conselho, já referido. Em contrapartida, o acórdão Chernobil, referido pela Comissão em apoio da sua interpretação, não é susceptível de confortar a tese da mesma instituição, já que aquele acórdão dizia respeito a uma medida «clássica» de política comercial. Com efeito, o regulamento contestado no processo que resultou no acórdão Chernobil mais não fez do que sujeitar a colocação em livre prática de determinados produtos agrícolas à observância de tolerâncias máximas de radioactividade, mesmo que a sua adopção se tenha justificado com base em razões de protecção da saúde pública. Por conseguinte, o Tribunal de Justiça declarou, no n.° 16 do referido acórdão, que aquele regulamento «tem como objecto regular as trocas entre a Comunidade e os países terceiros; a este título, insere-se na política comercial comum, na acepção do artigo 113.° do Tratado CEE». Por conseguinte, o protocolo não é, como pretende a Comissão, «um acto relativo ao comércio internacional de OVM», mas sim um acordo que, no propósito de preservar, proteger e melhorar a qualidade do ambiente, estabelece normas mínimas, nomeadamente de procedimento, para a realização de actividades que envolvam certos riscos para a preservação da diversidade biológica.

Todavia, o Parlamento reconhece que, embora a componente ambiental do protocolo seja preponderante, este último também produz efeitos no comércio de OVM. Se se demonstrasse que tais efeitos acrescem, de forma significativa, à protecção do ambiente prevista no artigo 175.°, n.° 1, CE, o Parlamento considera que o referido protocolo poderia, nesse caso, ser qualificado de instrumento relativo ao comércio internacional, o que exigiria uma referência ao artigo 133.° CE no fundamento jurídico do acto relativo à celebração deste instrumento.

O Parlamento afirma não defender uma concepção restritiva da política comercial. Recorda que, nas suas propostas à última conferência intergovernamental, defendeu, com um sucesso muito relativo, uma extensão considerável do âmbito do artigo 133.° CE. É necessário, contudo, atribuir o justo valor aos outros fundamentos jurídicos previstos no Tratado, incluindo os relativos à protecção do ambiente. O facto de afirmar que um acordo, de primordial importância para a protecção do ambiente a nível internacional, não entra no domínio da política comercial, não significa «esvaziar de conteúdo o artigo 133.° CE». Embora o Parlamento possa compreender a intenção da Comissão de evitar as dificuldades relacionadas com a partilha de competências, essas considerações não podem influenciar a escolha do fundamento jurídico. No n.° 107 do seu parecer 1/94, já referido, o Tribunal de Justiça declarou, nomeadamente, que «o problema da repartição da competência não pode ser decidido em função das dificuldades eventuais que possam surgir na gestão dos acordos».

Por fim, quanto à escolha entre o artigo 174.°, n.° 4, CE e o artigo 175.°, n.° 1, CE, o Parlamento reconhece que a primeira destas disposições, que prevê que «a Comunidade [...] [coopera] com os países terceiros e as organizações internacionais competentes», poderia parecer mais específica do que a segunda, para justificar a competência em razão da matéria da Comunidade para celebrar o protocolo. Recorda, contudo, que o Tribunal de Justiça julgou, no acórdão de 30 de Janeiro de 2001, Espanha/Conselho (C-36/98, Colect., p. I-779, n.os 42 e 43), que importa «examinar se as regras comunitárias internas correspondentes às disposições da convenção são adoptadas com base» no n.° 1 ou no n.° 2 do artigo 175.° CE, pois a escolha de uma ou de outra destas disposições determina o procedimento de adopção do acto, designadamente, as modalidades de voto do Conselho. Além disso, o Parlamento salienta que, em conformidade com o n.° 9 do acórdão de 26 de Março de 1987, Comissão/Conselho, já referido, «[uma] referência explícita [ao fundamento jurídico] é [...] indispensável, quando, na falta dela, os interessados e o Tribunal são deixados na incerteza quanto ao fundamento jurídico preciso». Por conseguinte, o Parlamento não vê o interesse da solução proposta pela Comissão, que consiste em apenas citar como fundamento jurídico o artigo 174.°, n.° 4, CE, uma vez que os interessados e o Tribunal de Justiça desconhecem a razão pela qual o Conselho deliberou por unanimidade e não por maioria qualificada, ou inversamente.

Em conclusão, o Parlamento propõe ao Tribunal de Justiça que responda às questões, por um lado, que o artigo 175.°, n.° 1, CE constitui o fundamento jurídico apropriado do acto de celebração do protocolo pela Comunidade e, por outro lado, que, na medida em que os efeitos do referido protocolo no comércio internacional excedam o âmbito do artigo 175.°, n.° 1, CE, seria adequado acrescentar uma referência ao artigo 133.° CE na fundamentação jurídica desse acto.

O Conselho alega que, em conformidade com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, para determinar se o duplo fundamento jurídico, composto pelos artigos 133.° CE e 174.°, n.° 4, CE, é adequado, importa examinar se, pela sua finalidade e o seu conteúdo, o protocolo diz respeito, ao mesmo tempo, ao ambiente e ao comércio - sendo ambos os aspectos essenciais -, caso em que um duplo fundamento jurídico é necessário para autorizar a celebração do protocolo pela Comunidade, ou se este apenas acessoriamente tem efeitos na política ambiental ou na política comercial, caso em que basta um fundamento único para permitir a celebração.

O Conselho reconhece que o protocolo remete, no seu preâmbulo, para os artigos 19.°, n.os 3 e 4, 8.°, alínea g), e 17.° da convenção, bem como para a Decisão II/5 da Conferência das Partes na mesma convenção. Faz, assim, parte de um conjunto de medidas adoptadas pela comunidade internacional para proteger e preservar a diversidade biológica.

O Conselho remete igualmente para os artigos 1.° e 2.°, n.° 2, do protocolo, para sublinhar o objectivo ambiental deste último.

Segundo o Conselho, é incontestável que o protocolo foi negociado tendo por objectivo principal a criação de meios, tais como o estabelecimento de um procedimento de «consentimento prévio fundamentado», previsto no artigo 19.°, n.° 3, da convenção, destinados a controlar os riscos para a preservação e a utilização sustentável da diversidade biológica, bem como para a saúde humana, riscos que estão associados à utilização e à libertação de OVM resultantes da biotecnologia.

Na opinião do Conselho, a política da Comunidade no domínio do ambiente, cujas finalidades estão definidas no artigo 174.° CE, corresponde inteiramente ao objectivo do protocolo.

O conteúdo do acordo comprova também a predominância de elementos que visam a preservação da biodiversidade, estando os aspectos comerciais subordinados às disposições relativas à protecção do ambiente, como as que dizem respeito, nomeadamente, ao princípio da precaução e à avaliação dos riscos segundo métodos científicos comprovados.

O Conselho considera, assim, que, tendo em conta a sua finalidade e o seu conteúdo, o protocolo e, por conseguinte, o acto de celebração deste último se enquadram no âmbito da política prosseguida pela Comunidade em matéria de ambiente. Por conseguinte, a decisão relativa à celebração do protocolo deveria fundar-se no artigo 175.°, n.° 1, CE.

Considera que esta última disposição constitui o único fundamento jurídico possível do acto de celebração do protocolo, com excepção do artigo 133.° CE, já que a componente principal ou predominante do protocolo, na acepção do acórdão de 28 de Junho de 1994, Parlamento/Conselho, já referido, é, na verdade, a protecção do ambiente.

O Conselho considera que a jurisprudência à qual se refere a Comissão em apoio de uma interpretação lata do âmbito da política comercial comum diz respeito a medidas comerciais clássicas (v. acórdão Chernobil, n.os 18 e 19, bem como o parecer 1/94, já referido, n.° 31, no qual o Tribunal de Justiça entendeu, a propósito do acordo SPS, que um acordo apenas tem carácter puramente comercial se a sua componente principal ou predominante disser respeito ao comércio). O Conselho recorda, citando vários exemplos, que numerosos acordos em matéria de ambiente, com aspectos ligados ao comércio internacional, foram celebrados pelo legislador comunitário com base quer no artigo 130.°-S do Tratado quer no artigo 235.° do Tratado CE (actual artigo 308.° CE), no período em que o Tratado não previa um fundamento jurídico específico em matéria de protecção do ambiente.

Quanto à questão de saber se o fundamento jurídico substantivo da decisão de celebração do protocolo - por oposição ao fundamento jurídico «procedimental», ou seja, o artigo 300.° CE - deveria ser o artigo 175.°, n.° 1, CE ou o artigo 174.°, n.° 4, CE, o Conselho reitera as suas dúvidas quanto à admissibilidade do pedido de parecer. Considera que o objectivo do processo previsto no artigo 300.°, n.° 6, CE é determinar a compatibilidade de um acordo com as disposições do Tratado, incluindo as questões de repartição das competências entre a Comunidade e os Estados-Membros, e não determinar o fundamento jurídico apropriado de uma decisão de celebração de tal acordo.

Em todo o caso, esta questão já foi resolvida pelos acórdãos, atrás referidos, Safety Hi-Tech e Bettati.

Quanto à segunda questão apresentada ao Tribunal de Justiça, o Conselho afirma que tem dificuldade em compreender o seu alcance e a sua relevância. Não obstante os problemas ligados aos acordos mistos evocados pela Comissão, esta última admite, em todo o caso, a natureza mista do protocolo. A determinação do âmbito da competência - residual ou não - dos Estados-Membros dependerá da fase de desenvolvimento da legislação comunitária interna à data da celebração do protocolo. Actualmente, a legislação comunitária só muito parcialmente cobre as obrigações decorrentes do protocolo.

Em conclusão, o Conselho pede ao Tribunal de Justiça, a título principal, que se digne julgar o pedido inadmissível e, a título subsidiário, no caso de o pedido ser julgado admissível, que responda à primeira questão que:

«os artigos 133.° e 174.°, n.° 4, em conjugação com as disposições pertinentes do artigo 300.° do Tratado CE, não constituem o fundamento jurídico adequado para o acto relativo à celebração, pela Comunidade Europeia, do Protocolo, devendo este acto fundar-se no artigo 175.°, n.° 1, em conjugação com as disposições pertinentes do artigo 300.° do Tratado CE».

A título ainda mais subsidiário, no caso de o Tribunal de Justiça responder, contudo, afirmativamente à primeira questão, o Conselho pede a este último que se digne:

«declarar que as competências dos Estados-Membros para celebrarem o protocolo não têm carácter residual relativamente à competência comunitária».

Tomada de posição do Tribunal

I - Quanto à admissibilidade do pedido

1.
    Decorre das questões colocadas que o Tribunal de Justiça é, no essencial, convidado, por um lado, a pronunciar-se sobre a escolha do fundamento jurídico apropriado do acto pelo qual o Conselho se propõe celebrar o protocolo e, em particular, sobre a questão de saber se há que fundar o consentimento da Comunidade para se vincular àquele nos artigos 133.° CE e 174.°, n.° 4, CE, e, por outro lado, a examinar se as competências, que os Estados-Membros continuariam a exercer por força da sua participação no protocolo a par da Comunidade, têm, a respeito das matérias abrangidas, carácter residual ou preponderante face às da Comunidade.

2.
    Segundo os Governos espanhol e francês e o Conselho, essas questões não se enquadram no objecto do artigo 300.°, n.° 6, CE, pois não dizem respeito à compatibilidade do acordo projectado com o Tratado nem à repartição das competências entre a Comunidade e os Estados-Membros a respeito do referido acordo.

3.
    A título preliminar, cabe recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o parecer deste último, ao abrigo do artigo 300.°, n.° 6, CE, pode ser obtido designadamente sobre as questões que dizem respeito à repartição das competências entre a Comunidade e os Estados-Membros para celebrarem um determinado acordo com países terceiros (v., nomeadamente, pareceres, já referidos, 1/75, em especial p. 462; 1/78, n.° 30; 2/91, n.° 3; e 1/94, n.° 9). O artigo 107.°, n.° 2, do Regulamento de Processo corrobora esta interpretação.

4.
    No caso vertente, nem a Comissão nem os Estados-Membros que apresentaram observações, nem o Conselho ou o Parlamento duvidam que a Comunidade dispõe da competência para aprovar o protocolo. A compatibilidade das disposições substantivas deste com o Tratado também não é colocada em causa no Tribunal de Justiça. Apenas se discute o fundamento da competência da Comunidade e a sua natureza, exclusiva ou partilhada, bem como a sua delimitação relativamente à competência dos Estados-Membros.

5.
    A este respeito, importa acentuar que a escolha do fundamento jurídico adequado reveste uma importância de natureza constitucional. Com efeito, dado que a Comunidade apenas dispõe de competências de atribuição, deve associar o protocolo a uma disposição do Tratado que a habilite a aprovar esse acto. O recurso a um fundamento jurídico errado é, assim, susceptível de invalidar o próprio acto de celebração e, portanto, de viciar o consentimento da Comunidade para se vincular pelo acordo que a mesma subscreveu. É esse o caso, nomeadamente, quando o Tratado não atribui à Comunidade uma competência suficiente para ratificar o acordo no seu conjunto, o que exige que se analise a repartição das competências entre a Comunidade e os Estados-Membros para celebrarem o acordo projectado com países terceiros, ou ainda quando o fundamento jurídico adequado para esse acto de celebração prevê um processo legislativo diferente daquele que foi efectivamente seguido pelas instituições comunitárias.

6.
    Com efeito, a invalidade do acto de celebração do acordo, devido ao erro quanto ao fundamento jurídico desse acto, é susceptível de originar, tanto a nível comunitário como na ordem jurídica internacional, complicações que o processo excepcional do recurso prévio (parecer) ao Tribunal de Justiça, previsto no artigo 300.°, n.° 6, CE, visa, justamente, evitar (v. pareceres 1/75, já referido, pp. 462 e 463, bem como 2/94, de 28 de Março de 1996, Colect., p. I-1759, n.os 3 a 6).

7.
    Por conseguinte, importa apreciar a admissibilidade do pedido de parecer à luz das considerações precedentes.

8.
    Quanto à primeira questão, não se exclui, numa primeira análise, ao ler o pedido de parecer, que a celebração do protocolo seja da competência exclusiva da Comunidade, ao abrigo do artigo 133.° CE.

9.
    Nesta fase da apreciação do pedido de parecer, há que reconhecer, assim, que a primeira questão colocada, relativa à escolha do fundamento jurídico para a celebração do protocolo, diz respeito à própria existência de uma competência exclusiva da Comunidade, no âmbito da política comercial comum, para decidir essa celebração e que a resposta a esta questão poderá influenciar o processo legislativo comunitário a seguir. Esta conclusão basta para justificar a admissibilidade da primeira questão.

10.
    O Conselho acrescenta, todavia, que cabia à Comissão interpor recurso de anulação da decisão de 15 de Maio de 2000 relativa à assinatura do protocolo em nome da Comunidade, questionando o fundamento jurídico fixado nessa ocasião, pelo que, em sua opinião, a Comissão já não podia contestar, invocando esse mesmo motivo, o acto que o Conselho se propõe adoptar para aprovação do protocolo.

11.
    A este respeito, basta recordar que o acto que autoriza a assinatura do acordo internacional e aquele que decreta a sua celebração constituem dois actos jurídicos distintos que criam obrigações fundamentalmente distintas para as partes interessadas, não constituindo o segundo, de modo nenhum, uma confirmação do primeiro. Nestas circunstâncias, a falta de recurso de anulação contra o primeiro acto supramencionado não obsta à interposição de semelhante recurso contra o acto de celebração do acordo projectado, nem torna inadmissível um pedido de parecer que suscite a questão da sua compatibilidade com o Tratado.

12.
    Em todo o caso, importa recordar que a circunstância de certas questões serem susceptíveis de apreciação no âmbito de outras vias de recurso, nomeadamente de um recurso de anulação ao abrigo do artigo 230.° CE, não constitui um argumento que permita excluir que o problema seja previamente submetido ao Tribunal, nos termos do artigo 300.°, n.° 6, CE (v. parecer 2/92, já referido, n.° 14).

13.
    A segunda questão colocada parte da hipótese de que a Comunidade não dispõe de uma competência exclusiva, ao abrigo do artigo 133.° CE, para celebrar o protocolo no seu conjunto, devendo assumir compromissos perante as outras Partes Contratantes, com base, conjuntamente, nos artigos 133.° CE e 174.°, n.° 4, CE. Nesta hipótese, o protocolo deveria ser celebrado, ao mesmo tempo, pela Comunidade, no uso das suas competências em matéria de política comercial e de protecção do ambiente, e pelos Estados-Membros, no uso das competências que conservam nesta última matéria. Por conseguinte, a Comissão pretende ser esclarecida quanto à eventual influência do alcance das competências respectivas da Comunidade e dos seus Estados-Membros na gestão do referido protocolo.

14.
    Segundo o Governo francês, esta questão é puramente teórica e não tem qualquer influência sobre a compatibilidade do protocolo com o Tratado. Deveria, assim, ser julgada inadmissível.

15.
    A este respeito, cabe salientar que, estando demonstrada a sua existência, o alcance das competências respectivas da Comunidade e dos Estados-Membros em matéria de protecção do ambiente não pode, enquanto tal, reflectir-se na própria competência da Comunidade para celebrar o protocolo nem, de um modo mais geral, na validade material ou na regularidade formal deste último à luz do Tratado.

16.
    É evidente que o alcance das competências respectivas da Comunidade e dos Estados-Membros nas matérias regidas pelo protocolo determina o âmbito da sua responsabilidade respectiva no que diz respeito ao cumprimento das obrigações daquele decorrentes. O artigo 34.°, n.os 2 e 3, da convenção tem precisamente em conta esse facto, designadamente, ao convidar as organizações regionais de integração económica, partes na convenção ou em qualquer dos seus protocolos, a indicar o alcance das suas competências nos seus instrumentos de aprovação e a informar o depositário sobre qualquer alteração relevante do alcance dessas competências.

17.
    Todavia, esta consideração não é, por si só, susceptível de justificar o recurso ao processo do artigo 300.°, n.° 6, CE, destinado, como já foi sublinhado no n.° 6 do presente parecer, a evitar as dificuldades que poderiam surgir tanto ao nível internacional como ao nível comunitário, quando se verificasse, após a sua celebração pela Comunidade, que um acordo internacional não é compatível com o Tratado. Este processo não tem como objectivo regular as dificuldades ligadas à execução de um acordo projectado abrangido nas competências partilhadas entre a Comunidade e os Estados-Membros.

18.
    Cabe recordar, a este respeito, que, de qualquer forma, quando se verifica que a matéria de um acordo internacional é em parte da competência da Comunidade e em parte da competência dos Estados-Membros, importa assegurar uma cooperação estreita entre estes últimos e as instituições comunitárias tanto no processo de negociação e de celebração como na execução dos compromissos assumidos. Esta obrigação de cooperação decorre da exigência de uma unidade de representação internacional da Comunidade (v. decisão 1/78, de 14 de Novembro de 1978, Colect., p. 711, n.os 34 a 36; pareceres, já referidos, 2/91, n.° 36, e 1/94, n.° 108).

19.
    Em face das considerações que precedem, cabe reconhecer a admissibilidade do presente pedido de parecer unicamente na medida em que diz respeito à questão de saber se o protocolo se enquadra na competência exclusiva da Comunidade ou na competência partilhada entre esta última e os Estados-Membros.

II - Quanto ao mérito

20.
    Segundo a Comissão, o protocolo enquadra-se, no essencial, no âmbito de aplicação do artigo 133.°, n.° 3, CE, embora não exclua que certas matérias mais especificamente relacionadas com a protecção do ambiente ultrapassem o âmbito desta disposição. Em consequência, a Comissão sustenta que os artigos 133.° CE e 174.°, n.° 4, CE constituem o fundamento jurídico adequado para a celebração do referido protocolo.

21.
    Esta interpretação é contestada pelo Conselho e pelos Estados-Membros que apresentaram observações. Estes últimos consideram que, devido, fundamentalmente, à finalidade e ao conteúdo do protocolo, a sua celebração apenas pode fundar-se no artigo 175.°, n.° 1, CE. O Parlamento alega igualmente que esta última disposição constitui o fundamento jurídico adequado do acto relativo à celebração do referido protocolo, mas não exclui uma referência adicional ao artigo 133.° CE, na medida em que se prove que os seus efeitos no comércio de OVM acrescem de forma significativa à protecção do ambiente, que é a finalidade principal deste protocolo.

22.
    A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, a escolha do fundamento jurídico de um acto, incluindo de um acto adoptado com vista à celebração de um acordo internacional, não resulta apenas da convicção do seu autor, antes devendo assentar em elementos objectivos susceptíveis de fiscalização jurisdicional. Entre esses elementos figuram, designadamente, a finalidade e o conteúdo do acto (v. acórdãos Portugal/Conselho, já referido, n.° 22; de 4 de Abril de 2000, Comissão/Conselho, C-269/97, Colect., p. I-2557, n.° 43; e Espanha/Conselho, já referido, n.° 58).

23.
    Se a análise de um acto comunitário demonstrar que ele prossegue uma dupla finalidade ou que tem duas componentes e se uma destas for identificável como principal ou preponderante, enquanto a outra é apenas acessória, o acto deve ter por base um único fundamento jurídico, ou seja, o que for exigido pela finalidade ou componente principal ou preponderante (v. acórdãos directiva relativa aos resíduos, n.os 19 e 21; de 23 de Fevereiro de 1999, Parlamento/Conselho, C-42/97, Colect., p. I-869, n.os 39 e 40; bem como Espanha/Conselho, já referido, n.° 59). Excepcionalmente, quando se provar que o acto prossegue, ao mesmo tempo, vários objectivos, que se encontram ligados de forma indissociável, sem que um seja secundário e indirecto relativamente ao outro, esse acto pode assentar nos diferentes fundamentos jurídicos correspondentes (v., neste sentido, acórdãos dióxido de titânio, n.os 13 e 17, bem como de 23 de Fevereiro de 1999, Parlamento/Conselho, já referido, n.° 38).

24.
    Quanto à interpretação de um acordo internacional, importa recordar, além disso, que, por força do artigo 31.° da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, «um tratado deve ser interpretado de boa fé, segundo o sentido comum atribuível aos termos do tratado no seu contexto e à luz dos respectivos objecto e fim».

25.
    No caso vertente, a aplicação destes critérios de apreciação concretiza-se em perguntar se o protocolo constitui, tendo em conta o seu contexto, a sua finalidade e o seu conteúdo, um acordo adoptado principalmente em matéria de protecção do ambiente, susceptível de ter implicações acessórias no comércio de OVM, ou se, pelo contrário, tem principalmente o carácter de um acordo em matéria de política comercial internacional que tem em consideração, de forma acessória, certas exigências ambientais, ou ainda se diz respeito, de forma indissociável, simultaneamente, à protecção do ambiente e ao comércio internacional.

26.
    Há que reconhecer, em primeiro lugar, que o protocolo foi elaborado em conformidade com a decisão II/5 da Conferência das Partes na Convenção, realizada nos termos do disposto no artigo 19.°, n.° 3, da convenção, convidando as referidas partes a examinar a oportunidade de adoptar medidas, nomeadamente de ordem procedimental, «em questões de transferência segura, manipulação e utilização de quaisquer organismos vivos modificados resultantes da biotecnologia que possam ter efeitos adversos para a conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica».

27.
    É certo que a convenção, que foi, de resto, celebrada pela Comunidade com base no artigo 130.°-S do Tratado, é um instrumento que se enquadra no domínio da protecção do ambiente. É o resultado da Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente e o Desenvolvimento (CNUAD), realizada no Rio de Janeiro, em Junho de 1992. O artigo 1.° da convenção dispõe, em particular, que os seus objectivos são «a conservação da diversidade biológica, a utilização sustentável dos seus componentes e a partilha justa e equitativa dos benefícios que advêm da utilização dos recursos genéticos».

28.
    Nos termos do artigo 31.° da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, é por referência a este contexto relativo à Convenção sobre a Diversidade Biológica que importa identificar a finalidade e precisar o objecto do protocolo, cujos segundo e terceiro considerandos remetem para certas disposições da referida convenção, nomeadamente para o seu artigo 19.°, n.° 3, e para a decisão II/5 da Conferência das Partes na Convenção. Inúmeras disposições do protocolo, em especial os artigos 3.°, 7.°, 16.°, 18.°, 20.°, 22.°, 27.° a 35.° e 37.°, referem-se igualmente à convenção ou à Conferência das Partes na Convenção.

29.
    De seguida, quanto à finalidade do protocolo, resulta indubitavelmente do seu artigo 1.°, o qual remete para o Princípio 15 da Declaração do Rio sobre Ambiente e Desenvolvimento, que o protocolo prossegue um objectivo de natureza ambiental, acentuado pela referência ao princípio da precaução, que é um princípio fundamental da protecção do ambiente, consagrado no artigo 174.°, n.° 2, CE.

30.
    O objectivo de assegurar um «nível adequado» de protecção para a transferência, a manipulação e a utilização seguras de OVM decorre também, claramente, do título do protocolo, cuja designação visa expressamente a «biosegurança», bem como dos seus quinto a oitavo considerandos, que destacam os riscos da biotecnologia para a saúde humana, a necessidade de a mesma ser utilizada em condições de segurança adequadas para o ambiente e a saúde humana, bem como «a importância crucial para a humanidade dos centros de origem e dos centros de diversidade genética».

31.
    Por fim, quanto ao conteúdo do protocolo, a obrigação fundamental imposta às partes no artigo 2.°, n.° 2, de, no desenvolvimento, na manipulação, no transporte, na utilização, na transferência e na libertação de qualquer OVM, evitar ou diminuir os riscos para a diversidade biológica traduz bem a sua finalidade ambiental.

32.
    Pode igualmente inferir-se do artigo 4.° do protocolo, na medida em que prevê, no que respeita ao seu âmbito de aplicação, que é aplicável a todos os OVM «que possam ter efeitos adversos sobre [...] a diversidade biológica, tendo igualmente em conta os riscos para a saúde humana», que o objecto intrínseco do protocolo é a protecção do ambiente.

33.
    No mesmo sentido, a fim de permitir às partes o cumprimento da sua obrigação fundamental, prevista no artigo 2.°, n.° 2, do protocolo, este cria vários procedimentos de controlo (v. artigos 7.° a 13.°), entre os quais o «procedimento de consentimento prévio fundamentado», que constitui um instrumento característico da política ambiental (v., a propósito da criação de um sistema de notificação e de autorização prévias em matéria de transferência de resíduos entre Estados-Membros, o acórdão de 28 de Junho de 1994, Parlamento/Conselho, já referido, n.os 23, 25 e 26). O protocolo trata igualmente da avaliação e da gestão dos riscos ligados à utilização, à manipulação e aos movimentos transfronteiriços de OVM (artigos 15.° e 16.°), aos movimentos transfronteiriços não intencionais e às medidas de emergência (artigo 17.°), à manipulação, ao transporte, à embalagem e à identificação de OVM (artigo 18.°). Por fim, os artigos 19.° a 28.° do protocolo, cujo objecto foi brevemente recordado na exposição do contexto do pedido de parecer, aplicam-se a qualquer tipo de movimentos transfronteiriços e têm igualmente como objectivo, no essencial, permitir às partes respeitarem a sua obrigação fundamental prevista no artigo 2.°, n.° 2, do referido protocolo.

34.
    Decorre, assim, da análise efectuada nos n.os 26 a 33 do presente parecer, a respeito do contexto, do objectivo e do conteúdo do protocolo, que a finalidade ou a componente principal deste último é a protecção da diversidade biológica contra os efeitos negativos que poderiam resultar das actividades que implicam o tratamento dos OVM, nomeadamente dos seus movimentos transfronteiriços.

35.
    A Comissão considera, apesar disso, que o protocolo faz parte, no essencial, do domínio da regulamentação do comércio internacional. Refere-se, a este respeito, à jurisprudência do Tribunal de Justiça que, desde há muito, terá adoptado uma concepção ampla da noção de política comercial comum (v. parecer 1/78, já referido, n.° 45). A circunstância de uma regulamentação do comércio internacional de certos produtos prosseguir, a título principal, objectivos de ordem não comercial - tais como a protecção do ambiente ou da saúde humana, a cooperação para o desenvolvimento, objectivos de política externa e de segurança ou de política agrícola - não pode, segundo a Comissão, ter por consequência excluir a competência exclusiva da Comunidade e justificar o recurso, por exemplo, ao artigo 175.° CE, já que as medidas em causa pretendem especificamente reger as trocas comerciais externas da Comunidade (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, de 26 de Março de 1987, Comissão/Conselho, n.os 16 a 20; Chernobil, n.os 17 a 20; Werner, n.os 8 a 11; Leifer e o., n.os 8 a 11; e Centro-Com, n.os 26 a 29; bem como os pareceres, já referidos, 1/78, n.os 41 a 46, e 1/94, n.os 28 a 34). Na realidade, as medidas de regulamentação do comércio internacional prosseguem, muitas vezes, objectivos múltiplos e diversos, o que não implica que devam ser adoptadas com base nas diferentes disposições do Tratado relativas a estes objectivos.

36.
    A Comissão acrescenta que foram integradas considerações de ordem não comercial no acordo OMC e respectivos anexos, nomeadamente no artigo XX do GATT e nos acordos SPS e OTC, sem que o Tribunal de Justiça tenha, contudo, excluído, no n.° 34 do seu parecer 1/94, já referido, a competência exclusiva da Comunidade para celebrar, ao abrigo do artigo 113.° do Tratado, o conjunto dos acordos multilaterais relativos ao comércio de mercadorias.

37.
    A este respeito, é verdade que, segundo os próprios termos do artigo 1.° do protocolo, o «nível adequado de protecção» pretendido tem por objecto, nomeadamente, a «transferência» de OVM, devendo-se «centra[r]» nos «movimentos transfronteiriços» destes últimos. Também é verdade que inúmeras disposições do protocolo dizem precisamente respeito ao controlo destes movimentos, em particular quando os OVM se destinam a ser utilizados directamente para a alimentação humana ou animal ou a ser transformados, no sentido de permitir às autoridades nacionais evitar ou reduzir os riscos que comportam para a diversidade biológica e para a saúde humana. Todavia, mesmo admitindo, como sustenta a Comissão, que os procedimentos de controlo instituídos pelo protocolo sejam aplicados na maior parte dos casos ou, pelo menos, em termos de valor de mercado, de forma preponderante, às trocas comerciais de OVM, não deixa de ser verdade que, como resulta da análise efectuada nos n.os 26 a 33 do presente parecer, o protocolo é, tendo em conta o seu contexto, a sua finalidade e o seu conteúdo, um instrumento destinado essencialmente a prevenir os riscos biotecnológicos e não a promover, a facilitar ou a regular as trocas comerciais.

38.
    Com efeito, importa, em primeiro lugar, sublinhar que, nos termos do artigo 3.°, alínea k), do protocolo, a expressão «movimento transfronteiriço» «significa a transferência de um organismo vivo modificado de uma Parte para outra Parte, excepto que, para os fins dos artigos 17.° e 24.°, o conceito de ‘movimento transfronteiriço’ abrange a transferência entre Partes e Estados que não são Partes». Tal definição, particularmente ampla, tende a cobrir todas as formas de movimentação de OVM entre Estados, quer esses movimentos tenham ou não fins comerciais. Assim, são abrangidas não apenas as transferências de OVM de carácter agrícola, «destinados a uso directo como alimentação humana ou animal, ou a transformação», mas igualmente as transferências transfronteiriças ilícitas, «não intencionais», e as transferências para fins caritativos, científicos ou de interesse público.

39.
    Do mesmo modo, a justaposição dos termos «transferência», «manipulação» e «utilização» de OVM, nos artigos 1.° e 2.°, n.° 2, do protocolo, indica a vontade das Partes de abranger todos os tipos de tratamento de OVM, no sentido de garantir um «nível adequado de protecção» da biodiversidade.

40.
    Em segundo lugar, o facto de existirem inúmeros acordos internacionais em matéria de comércio que prosseguem objectivos múltiplos e a interpretação lata da noção de política comercial comum, conforme resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, não são susceptíveis de pôr em causa a conclusão de que o protocolo é um instrumento fundamentalmente de política ambiental, ainda que as medidas de prevenção sejam susceptíveis de afectar as trocas comerciais relativas aos OVM. A ser admitida, a interpretação da Comissão resultaria num esvaziamento de grande parte do sentido das disposições específicas do Tratado que dizem respeito à política de protecção do ambiente, na medida em que, quando se demonstrasse que a acção comunitária era susceptível de ter implicações nas trocas comerciais, o acordo projectado deveria ser classificado na categoria dos que dizem respeito à política comercial comum. A este respeito, importa salientar que a política ambiental é expressamente mencionada no artigo 3.°, n.° 1, alínea l), CE, da mesma forma que a política comercial comum, à qual se faz referência na mesma disposição, alínea b).

41.
    Em terceiro lugar, qualquer que seja a sua dimensão, as dificuldades práticas ligadas à execução dos acordos mistos, invocadas pela Comissão para justificar o recurso ao artigo 133.° CE - o qual atribui à Comunidade uma competência exclusiva em matéria de política comercial comum -, não podem considerar-se relevantes para determinar a escolha do fundamento jurídico de um acto comunitário (v. parecer 1/94, já referido, n.° 107).

42.
    Em contrapartida, decorre do conjunto das considerações precedentes que a celebração do protocolo, em nome da Comunidade, deve assentar num fundamento jurídico único, que seja específico da política ambiental.

43.
    A este respeito, como o Tribunal de Justiça já julgou (v. acórdãos, já referidos, Peralta, n.° 57, e Safety Hi-Tech, n.° 43), o artigo 174.° CE define os objectivos a prosseguir no âmbito da política ambiental, ao passo que o artigo 175.° CE constitui o fundamento jurídico para a adopção dos actos comunitários. É certo que o artigo 174.°, n.° 4, CE prevê especificamente que as «formas de cooperação da Comunidade» com os países terceiros e as organizações internacionais «podem ser objecto de acordos [...] negociados e celebrados nos termos do artigo 300.°». Todavia, no presente caso, o protocolo não se limita a definir «formas de cooperação» em matéria de protecção do ambiente, antes definindo, nomeadamente, regras precisas relativas aos procedimentos de controlo em matéria de movimentos transfronteiriços, de avaliação e gestão de riscos, de manipulação, de transporte, de embalagem e de identificação de OVM.

44.
    Por conseguinte, o artigo 175.°, n.° 1, CE é o fundamento jurídico adequado para a celebração do protocolo em nome da Comunidade.

45.
    Nestes termos, importa ainda examinar se a Comunidade possui, ao abrigo do artigo 175.° CE, uma competência exclusiva para celebrar o protocolo, tendo em conta que existem actos de direito derivado adoptados a nível comunitário que regulam a matéria da biosegurança e que podem ser afectados em caso de participação dos Estados-Membros no procedimento de celebração do referido protocolo (v. acórdão AETR, n.° 22).

46.
    A este respeito, basta recordar, como fizeram correctamente o Governo do Reino Unido e o Conselho, que a harmonização operada a nível comunitário no domínio de aplicação do protocolo só muito parcialmente abrange esse domínio [v. Directivas 90/219 e 90/220, bem como 2001/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Março de 2001, relativa à libertação deliberada no ambiente de organismos geneticamente modificados (JO L 106, p. 1), cujo artigo 36.°, n.° 1, revoga a Directiva 90/220].

47.
    Resulta das considerações precedentes que a Comunidade e os seus Estados-Membros possuem uma competência partilhada para a celebração do protocolo.

Em conclusão,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, P. Jann, F. Macken, N. Colneric e S. von Bahr, presidentes de secção, C. Gulmann, D. A. O. Edward, A. La Pergola, J.-P. Puissochet, L. Sevón, M. Wathelet (relator), R. Schintgen e V. Skouris, juízes,

ouvidos: S. Alber, primeiro-advogado-geral, F. G. Jacobs, P. Léger, D. Ruiz-Jarabo Colomer, J. Mischo, A. Tizzano, L. A. Geelhoed e C. Stix-Hackl, advogados-gerais,

emite o seguinte parecer:

A competência para celebrar o Protocolo de Cartagena sobre Biosegurança é partilhada entre a Comunidade Europeia e os seus Estados-Membros.

Rodríguez Iglesias

Jann
Macken

Colneric

von Bahr
Gulmann

Edward

La Pergola
Puissochet

Sevón

Wathelet
Schintgen

Skouris

Proferido no Luxemburgo, em 6 de Dezembro de 2001.

O secretário

O presidente

R. Grass

G. C. Rodríguez Iglesias


1:     NT:    À data da publicação do presente parecer, não existia uma versão oficial em língua portuguesa do protocolo de Cartagena.