Language of document : ECLI:EU:C:2019:1115

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

19 de dezembro de 2019 (*)

«Reenvio prejudicial — Tramitação acelerada — Direito institucional — Cidadão da União Europeia eleito para o Parlamento Europeu embora se encontre em situação de prisão preventiva no âmbito de um processo penal — Artigo 14.o TUE — Conceito de “membro do Parlamento Europeu” — Artigo 343.o TFUE — Imunidades necessárias ao cumprimento da missão da União — Protocolo (n.o 7) Relativo aos Privilégios e Imunidades da União Europeia — Artigo 9.o — Imunidades de que beneficiam os membros do Parlamento Europeu — Imunidade de trajeto — Imunidades durante as sessões — Âmbitos de aplicação pessoal, temporal e material destas diferentes imunidades — Levantamento da imunidade pelo Parlamento Europeu — Pedido de levantamento da imunidade apresentado por um órgão jurisdicional nacional — Ato relativo à eleição dos representantes ao Parlamento Europeu por sufrágio universal direto — Artigo 5.o — Mandato — Artigo 8.o — Processo eleitoral — Artigo 12.o — Verificação dos poderes dos membros do Parlamento Europeu na sequência da proclamação oficial dos resultados eleitorais — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 39.o, n.o 2 — Eleição dos membros do Parlamento Europeu por sufrágio universal direto, livre e secreto — Direito de ser eleito»

No processo C‑502/19,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha), por Decisão de 1 de julho de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça no mesmo dia, no processo penal contra

Oriol Junqueras Vies,

com a intervenção de:

Ministerio Fiscal,

Abogacía del Estado,

Partido político VOX,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, R. Silva de Lapuerta, vice‑presidente, J.‑C. Bonichot, A. Arabadjiev, A. Prechal, L.S. Rossi e I. Jarukaitis, presidentes de secção, E. Juhász, J. Malenovský (relator), L. Bay Larsen, C. Toader, N. Piçarra, A. Kumin, N. Jääskinen e N. Wahl, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 14 de outubro de 2019,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de O. Junqueras Vies, por A. Van den Eynde Adroer, abogado,

–        em representação do Ministerio Fiscal, por F. Cadena Serrano, C. Martinez‑Pereda, J. Moreno Verdejo e J. Zaragoza Aguado,

–        em representação do Partido político VOX, por M. Castro Fuertes, abogada, assistida por M. Hidalgo López, procuradora,

–        em representação do Governo espanhol, por S. Centeno Huerta e A. Rubio González, na qualidade de agentes,

–        em representação do Parlamento Europeu, por C. Burgos, F. Drexler e N. Görlitz, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por F. Erlbacher e I. Martínez del Peral, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 12 de novembro de 2019,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 9.o do Protocolo (n.o 7) Relativo aos Privilégios e Imunidades da União Europeia (JO 2012, C 326, p. 266; a seguir «Protocolo Relativo aos Privilégios e Imunidades da União»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um recurso interposto por Oriol Junqueras Vies, que corre termos em separado do processo penal instaurado contra si, de um Despacho do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha) que, após a proclamação oficial dos resultados das eleições ao Parlamento Europeu realizadas em 26 de maio de 2019, recusou proceder ao levantamento de uma medida de prisão preventiva aplicada contra O. Junqueras Vies e que estava em vigor desde o mês de novembro de 2017, para lhe permitir cumprir uma formalidade que, no direito espanhol, condiciona a aquisição da condição de membro do referido Parlamento.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Protocolo Relativo aos Privilégios e Imunidades da União

3        No capítulo III do Protocolo Relativo aos Privilégios e Imunidades da União, relativo aos «[m]embros do Parlamento Europeu», figura, nomeadamente, o artigo 9.o, que enuncia:

«Enquanto durarem as sessões do Parlamento Europeu, os seus membros beneficiam:

a)      No seu território nacional, das imunidades reconhecidas aos membros do Parlamento do seu país.

b)      No território de qualquer outro Estado‑Membro, da não sujeição a qualquer medida de detenção e a qualquer procedimento judicial.

Beneficiam igualmente de imunidade, quando se dirigem para ou regressam do local de reunião do Parlamento Europeu.

A imunidade não pode ser invocada em caso de flagrante delito e não pode também constituir obstáculo ao direito de o Parlamento Europeu levantar a imunidade de um dos seus membros.»

 Ato Eleitoral

4        O Ato Relativo à Eleição dos Representantes ao Parlamento Europeu por Sufrágio Universal Direto, anexo à Decisão 76/787/CECA, CEE, Euratom do Conselho, de 20 de setembro de 1976 (JO 1976, L 278, p. 1), foi alterado, pela última vez, pela Decisão 2002/772/CE, Euratom do Conselho, de 25 de junho de 2002 e de 23 de setembro de 2002 (JO 2002, L 283, p. 1) (a seguir «Ato Eleitoral»).

5        O artigo 1.o, n.o 3, do Ato Eleitoral prevê que a eleição dos membros do Parlamento Europeu se processa por sufrágio universal direto, livre e secreto.

6        O artigo 5.o deste ato tem a seguinte redação:

«1.      O período quinquenal para que são eleitos os deputados do Parlamento Europeu tem início com a abertura da primeira sessão realizada após cada eleição.

[…]

2.      O mandato de cada representante inicia‑se e cessa ao mesmo tempo que o período previsto no n.o 1.»

7        O artigo 6.o, n.o 2, do referido ato prevê:

«Os deputados do Parlamento Europeu beneficiam dos privilégios e imunidades que lhes são aplicáveis por força do [Protocolo Relativo aos Privilégios e Imunidades da União].»

8        O artigo 8.o, primeiro parágrafo, do mesmo ato dispõe:

«Sob reserva do disposto no presente ato, o processo eleitoral será regulado, em cada Estado‑Membro, pelas disposições nacionais.»

9        Nos termos do artigo 11.o, n.os 3 e 4, do Ato Eleitoral:

«3.      Sem prejuízo do disposto no artigo [229.o TFUE], o Parlamento Europeu reúne‑se por direito próprio na primeira terça‑feira posterior ao decurso do prazo de um mês após o termo do período eleitoral.

4.      O Parlamento Europeu cessante permanecerá em funções até à primeira sessão do novo Parlamento Europeu.»

10      O artigo 12.o deste ato prevê:

«O Parlamento verificará os poderes dos representantes. Para o efeito, registará os resultados proclamados oficialmente pelos Estados‑Membros e deliberará sobre as reclamações que possam eventualmente ser feitas com base nas disposições do presente ato, com exceção das disposições nacionais para que ele remete.»

 Direito espanhol

 Constituição espanhola

11      O artigo 71.o da Constituição espanhola enuncia:

«1.      Os deputados e os senadores gozam de inviolabilidade pelas opiniões emitidas no exercício das suas funções.

2.      Durante o respetivo mandato, os deputados e os senadores gozam igualmente de imunidade e só podem ser detidos ou presos em caso de flagrante delito. Não podem ser constituídos arguidos nem podem ser julgados em âmbito de procedimento criminal sem autorização prévia da Câmara a que pertencem.

3.      É competente para conhecer dos processos instaurados contra deputados ou senadores a Secção Penal do Tribunal Supremo [Supremo Tribunal].

[…]»

 Lei Eleitoral

12      A Ley orgánica 5/1985, de Régimen Electoral General (Lei Orgânica 5/1985 que Aprova o Regime Eleitoral Geral), de 19 de junho de 1985 (BOE n.o 147, de 20 de junho de 1985, p. 19110), na sua versão aplicável aos factos em causa no processo principal (a seguir «Lei Eleitoral»), enuncia no seu artigo 224.o:

«1.      A Junta Electoral Central [Comissão Eleitoral Central, Espanha] procede, o mais tardar até ao vigésimo dia após as eleições, à contagem dos votos a nível nacional, à atribuição a cada uma das candidaturas do respetivo mandato e à proclamação dos candidatos eleitos.

2.      No prazo de cinco dias a contar da respetiva proclamação, os candidatos eleitos devem jurar ou prometer cumprir a Constituição perante a [Comissão Eleitoral Central]. Decorrido o referido prazo, a [Comissão Eleitoral Central] declara que não foram preenchidos os mandatos que haviam sido atribuídos aos deputados ao Parlamento que não tenham jurado ou prometido cumprir a Constituição e suspende todas as prerrogativas a que estes teriam direito em razão do seu cargo, e isto até que jurem ou prometam cumprir a Constituição.

[…]»

 Regimento da Câmara dos Deputados

13      O Reglamento del Congreso de los Diputados (Regimento da Câmara dos Deputados), de 10 de fevereiro de 1982 (BOE n.o 55, de 5 de março de 1982, p. 5765), prevê no seu artigo 20.o:

«1.      Depois de proclamada a eleição de um deputado, este adquire a plena condição de deputado através do integral cumprimento dos seguintes requisitos:

1)      apresentação na Secretaria-Geral da credencial emitida pelo órgão competente da Administração eleitoral;

2)      preenchimento da sua declaração de atividades nos termos previstos na Lei [Eleitoral];

3)      prestação, na primeira sessão plenária a que assista, de promessa ou de juramento de respeitar a Constituição.

2.      Os direitos e as prerrogativas serão efetivos a partir do momento em que ocorra a proclamação de deputado. No entanto, se depois de terem sido celebradas três sessões plenárias o deputado ainda não tiver adquirido essa condição, em conformidade com o disposto no número anterior, esse deputado não beneficiará destes direitos nem destas prerrogativas até que se concretize a referida aquisição.»

 Código de Processo Penal

14      Nos termos do artigo 384.o‑A da Ley de Enjuiciamiento Criminal (Código de Processo Penal), na sua versão aplicável aos factos em causa no processo principal:

«Quando a decisão de submeter um processo a julgamento se tornar definitiva e tiver sido decretada a prisão preventiva por um crime cometido por quem pertença ou esteja associado a grupos armados ou a indivíduos terroristas ou rebeldes, o arguido que desempenhar funções públicas ou que ocupar um cargo público fica automaticamente suspenso do exercício das suas funções enquanto a situação de prisão preventiva se mantiver.»

15      O artigo 503.o deste código prevê no seu n.o 1:

«1.      A prisão preventiva só poderá ser decretada se estiverem reunidos os seguintes requisitos:

1)      constatação, no processo penal, da existência de um ou vários factos correspondentes a um crime ao qual é aplicável uma pena privativa da liberdade de duração igual ou superior a dois anos de prisão, ou uma pena privativa da liberdade de duração inferior se o arguido tiver sido objeto de condenação penal anterior por crime cometido a título doloso que ainda seja objeto de inscrição no registo criminal e não seja suscetível de anulação.

[…]

2)      existência, no processo penal, de motivos suficientes para considerar que a pessoa contra a qual se deve tomar a decisão de prisão preventiva é criminalmente responsável;

3)      prossecução através da prisão preventiva de um dos seguintes fins:

a)      assegurar a presença do arguido no processo quando existam motivos para suspeitar de um risco de fuga.

[…]»

16      Os artigos 750.o a 754.o do referido código têm a seguinte redação:

«Artigo 750.o

Se o juiz ou o tribunal entenderem que existem fundamentos para instaurar procedimento penal contra um senador ou um deputado com assento [no Senado e na Câmara dos Deputados, Espanha] devido à prática de um crime, o referido procedimento não será instaurado contra um membro [do Senado ou da Câmara dos Deputados] no decurso da legislatura enquanto o corpo legislativo a que aquele pertence não der autorização para tal.

Artigo 751.o

Em caso de flagrante delito, o senador ou o deputado pode ser detido e ser constituído arguido sem que seja concedida a autorização a que se refere o artigo anterior; contudo, a Câmara a que aquele pertence deve ser informada do sucedido nas vinte e quatro horas subsequentes à detenção ou à instauração do procedimento penal.

É igualmente dado conhecimento à respetiva Câmara de qualquer processo pendente que corra contra aquele que, tendo anteriormente sido constituído arguido, tenha sido eleito senador ou deputado [do Senado ou da Câmara dos Deputados].

Artigo 752.o

Se um senador ou um deputado [do Senado ou da Câmara dos Deputados] for constituído arguido durante um interregno parlamentar, o juiz ou o tribunal que conhece do litígio deve informar imediatamente desse facto o respetivo corpo legislativo.

O mesmo acontece se um senador ou um deputado eleito para [o Senado ou a Câmara dos Deputados] tiver sido constituído arguido antes de estas se reunirem.

Artigo 753.o

Em qualquer caso, o secretário judicial suspende a instância no processo a partir da data em que for dado conhecimento [ao Senado ou à Câmara dos Deputados], independentemente de estas estarem ou não em período de sessão, mantendo‑se essa suspensão até que o respetivo corpo legislativo se pronuncie.

Artigo 754.o

Se [o Senado ou a Câmara dos Deputados] recusarem a autorização pedida, o processo é arquivado no que diz respeito ao senador ou ao deputado das Cortes, mas prossegue contra os restantes arguidos.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

17      O recorrente no processo principal, O. Junqueras Vies, era vice‑presidente do Gobierno autonómico de Cataluña (Governo Autonómico da Catalunha, Espanha) no momento em que foram adotadas a Ley 19/2017 del Parlamento de Cataluña, reguladora del referéndum de autodeterminación (Lei 19/2017 do Parlamento da Catalunha sobre o Referendo de Autodeterminação), de 6 de setembro de 2017 (DOGC n.o 7449A, de 6 de setembro de 2017, p. 1), e a Ley 20/2017 del Parlamento de Cataluña, de transitoríedad jurídica y fundacional de la República (Lei 20/2017 do Parlamento da Catalunha de Transitoriedade Jurídica e Fundadora da República), de 8 de setembro de 2017 (DOGC n.o 7451A, de 8 de setembro de 2017, p. 1), bem como no momento em que se realizou, em 1 de outubro de 2017, o referendo de autodeterminação previsto na primeira destas duas leis, cujas disposições tinham, entretanto, sido suspensas por força de uma decisão do Tribunal Constitucional (Tribunal Constitucional, Espanha).

18      Na sequência da adoção das referidas leis e da realização do referido referendo, o Ministerio fiscal (Ministério Público, Espanha), o Abogado del Estado (Representante do Estado, Espanha) e o Partido político VOX (Partido Político VOX) deram início a um processo penal contra várias pessoas, entre as quais O. Junqueras Vies, por considerarem que estas tinham participado num processo de secessão do Estado e cometido, nesse âmbito, atos que se subsomem em três crimes, a saber, primeiro, o crime de «rebelião» ou de «sedição», segundo, o crime de «desobediência» e, terceiro, o crime de «desvio de fundos».

19      Foi decretada prisão preventiva contra O. Junqueras Vies durante a fase de instrução deste processo penal, em aplicação de uma Decisão de 2 de novembro de 2017 que teve na base o artigo 503.o do Código de Processo Penal. Esta decisão foi, desde então, renovada por diversas vezes, de tal modo que o interessado, à data da apresentação do pedido de decisão prejudicial que está na origem do presente acórdão, ainda se encontrava em prisão preventiva.

20      Depois de iniciada a fase de julgamento do referido processo penal, O. Junqueras Vies candidatou‑se às eleições ao Congreso de los Diputados (Câmara dos Deputados, Espanha) realizadas em 28 de abril de 2019, tendo sido eleito deputado.

21      Por Despacho de 14 de maio de 2019, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) considerou que não havia que pedir à Câmara dos Deputados a autorização prévia prevista no artigo 71.o, n.o 2, da Constituição espanhola, porque a eleição de O. Junqueras Vies como deputado ocorreu depois de se ter iniciado a fase de julgamento do processo penal que corria, designadamente, contra este último. Com efeito, em conformidade com a jurisprudência daquele órgão jurisdicional, a imunidade prevista na referida disposição constitucional só se aplica aos deputados e aos senadores espanhóis em relação a processos penais que ainda não tenham chegado à fase de julgamento na data em que aqueles são eleitos ou em que adquirem a sua condição de deputado ou senador.

22      No mesmo despacho, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal), no seguimento de pedido apresentado nesse sentido por O. Junqueras Vies, concedeu a este último uma autorização extraordinária de saída do estabelecimento prisional para que pudesse participar, sob vigilância policial, na primeira sessão plenária da Câmara dos Deputados e dar cumprimento, nessa ocasião, às exigências necessárias para tomar posse, conforme previstas no artigo 20.o do Regimento da Câmara dos Deputados.

23      Depois de ter cumprido estas exigências, de ter tomado posse e de em seguida ter regressado ao estabelecimento prisional, O. Junqueras Vies foi suspenso do exercício das suas funções de deputado por uma decisão da Mesa da Câmara dos Deputados adotada em 24 de maio de 2019, em conformidade com o disposto no artigo 384.o‑A do Código de Processo Penal.

24      Durante a fase de julgamento do processo penal instaurado, designadamente, contra si, O. Junqueras Vies também se candidatou às eleições ao Parlamento Europeu realizadas em 26 de maio de 2019. O. Junqueras Vies foi eleito membro do Parlamento Europeu, conforme resulta da proclamação oficial dos resultados eleitorais efetuada pela Comissão Eleitoral Central numa Decisão de 13 de junho de 2019 relativa à «Proclamação dos deputados eleitos ao Parlamento Europeu por ocasião das eleições realizadas em 26 de maio de 2019» (BOE n.o 142, de 14 de junho de 2019, p. 62477), em conformidade com o disposto no artigo 224.o, n.o 1, da Lei Eleitoral. Por outro lado, na referida decisão, a Comissão Eleitoral Central procedeu, conforme prevê a mesma disposição, à atribuição aos eleitos, entre os quais se encontrava O. Junqueras Vies, dos lugares de que o Reino de Espanha dispõe no Parlamento Europeu.

25      Por Despacho de 14 de junho de 2019, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) indeferiu um pedido apresentado por O. Junqueras Vies no qual este requeria que lhe fosse concedida uma autorização extraordinária de saída do estabelecimento prisional, sob vigilância policial, para se apresentar perante a Comissão Eleitoral Central e jurar ou prometer cumprir a Constituição espanhola, conforme exigido pelo artigo 224.o, n.o 2, da Lei Eleitoral.

26      Em 20 de junho de 2019, a Comissão Eleitoral Central adotou uma decisão na qual constatou que O. Junqueras Vies não tinha jurado ou prometido cumprir a Constituição espanhola e, em conformidade com o disposto no artigo 224.o, n.o 2, da Lei Eleitoral, declarou vago o lugar no Parlamento Europeu que fora atribuído ao interessado e suspendeu todas as prerrogativas a que este teria direito devido às suas funções.

27      Em 2 de julho de 2019, o Presidente do Parlamento Europeu declarou aberta a primeira sessão da legislatura resultante das eleições ao Parlamento Europeu realizadas em 26 de maio de 2019.

28      O. Junqueras Vies interpôs, no Tribunal Supremo (Supremo Tribunal), recurso do despacho referido no n.o 25 do presente acórdão, no qual invoca as imunidades previstas no artigo 9.o do Protocolo Relativo aos Privilégios e Imunidades da União.

29      Convidados a apresentar observações a este respeito, o Ministério Público, o Representante do Estado e o Partido Político VOX alegaram que o interessado não estava protegido pelas imunidades em causa.

30      Na sua decisão de reenvio, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) sublinha, a título preliminar, que submete à apreciação do Tribunal de Justiça questões de interpretação do direito da União que não se colocam no quadro da preparação do seu acórdão quanto ao mérito no âmbito do processo penal instaurado, designadamente, contra O. Junqueras Vies, mas no quadro do recurso interposto por este último do despacho referido no n.o 25 do presente acórdão. O órgão jurisdicional de reenvio considera, por outro lado, que o tratamento processual deste recurso não condiciona o conteúdo da decisão a tomar quanto ao mérito da causa, sem prejuízo do eventual efeito, que qualifica de «reflexo ou indireto», que possam ter, sobre aquele, os atos que possam ser adotados na sequência de uma autorização ou de uma recusa de autorização de saída do estabelecimento prisional. Por último, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) indica que está obrigado, na sua qualidade de órgão jurisdicional que, em conformidade com o disposto no artigo 71.o, n.o 3, da Constituição espanhola, se pronuncia em primeira e última instâncias sobre o recurso interposto por O. Junqueras Vies, a submeter ao Tribunal de Justiça as questões que figuram na sua decisão de reenvio.

31      Em relação a estas questões, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) enuncia, em primeiro lugar, que o despacho objeto do referido recurso recusa conceder a uma pessoa que foi eleita membro do Parlamento Europeu, embora se encontrasse em situação de prisão preventiva e a fase de julgamento do processo penal instaurado contra si já tivesse tido início, uma autorização extraordinária de saída do estabelecimento prisional para que possa prestar o juramento ou a promessa de respeitar a Constituição espanhola que o artigo 224.o da Lei Eleitoral exige às pessoas eleitas para exercer estas funções.

32      Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio apresenta o contexto em que o seu despacho foi adotado e os elementos que foram tomados em consideração quando da sua adoção, destacando, antes de mais, que os factos de que O. Junqueras Vies é acusado são suscetíveis de constituir crimes especialmente graves e de serem punidos enquanto tais, uma vez que através destes se pretendia comprometer a ordem constitucional.

33      Em seguida, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) indica que foi decretada prisão preventiva contra O. Junqueras Vies por existir risco de fuga.

34      Por último, o referido órgão jurisdicional precisa que, quando adotou o despacho através do qual recusou conceder uma autorização extraordinária de saída do estabelecimento prisional a O. Junqueras Vies, não só tomou em consideração os elementos expostos nos dois pontos anteriores do presente acórdão, à luz do artigo 503.o do Código de Processo Penal, como também procedeu a uma ponderação entre os diferentes direitos e interesses que, no seu entender, deviam ter sido tomados em consideração neste contexto.

35      A este respeito, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) explica que, em última análise, deu prevalência à prisão preventiva de O. Junqueras Vies face ao direito de este participar politicamente nos trabalhos do Parlamento Europeu com o objetivo de proteger o processo penal instaurado, designadamente, contra o interessado, que teria irremediavelmente ficado prejudicado se este último tivesse sido autorizado a abandonar o território espanhol. O Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) considera, quanto a esta questão, que é necessário distinguir, por um lado, a eleição de O. Junqueras Vies à Câmara dos Deputados, em resultado da qual foi possível autorizá‑lo sem dificuldade a apresentar‑se na sede deste órgão legislativo para depois regressar ao estabelecimento prisional, e, por outro lado, a sua eleição ao Parlamento Europeu. Com efeito, uma participação do interessado na primeira sessão da nova legislatura desta instituição, que pressuporia a sua deslocação para fora do território espanhol, teria implicado a perda de controlo sobre a medida de prisão preventiva que lhe foi aplicada, num contexto caracterizado pela existência de limites à cooperação judiciária em matéria penal implementada na União Europeia.

36      Em terceiro lugar, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) justifica as suas duas primeiras questões prejudiciais com a necessidade de determinar qual é o momento em que se adquire a condição de membro do Parlamento Europeu.

37      A este respeito, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) observa que, nos Acórdãos de 12 de maio de 1964, Wagner (101/63, EU:C:1964:28), e de 10 de julho de 1986, Wybot (149/85, EU:C:1986:310), o Tribunal de Justiça interpretou o artigo 9.o, primeiro parágrafo, do Protocolo Relativo aos Privilégios e Imunidades da União considerando, por um lado, que o conceito de «sessões» que consta da referida disposição deve ser definido de forma autónoma, e não por remissão para o direito interno dos Estados‑Membros, para garantir que todos os membros do Parlamento Europeu beneficiam das imunidades durante um período idêntico, e, por outro, que o âmbito de aplicação temporal destas imunidades deve ser definido de modo amplo, abrangendo a totalidade do período durante o qual a referida instituição realiza sessões ordinárias.

38      No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que esta jurisprudência não se pronuncia sobre a questão de saber se as imunidades previstas no artigo 9.o, primeiro e segundo parágrafos, do Protocolo Relativo aos Privilégios e Imunidades da União são aplicáveis no período que antecede o início da primeira sessão realizada pelo Parlamento Europeu após cada eleição. Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio acrescenta que, atendendo à redação destas disposições, à sua finalidade e ao contexto normativo em que se inserem, como demonstrado pelo Tribunal de Justiça nos seus Acórdãos de 7 de julho de 2005, Le Pen/Parlamento (C‑208/03 P, EU:C:2005:429), e de 30 de abril de 2009, Itália e Donnici/Parlamento (C‑393/07 e C‑9/08, EU:C:2009:275), é possível considerar que as imunidades previstas nas referidas disposições só se aplicam aos membros do Parlamento Europeu que tomaram posse do seu lugar nesta instituição ou, pelo menos, às pessoas que foram incluídas, pelas autoridades nacionais competentes, na lista de candidatos que cumpriram os requisitos exigidos, nos termos do direito interno dos Estados‑Membros, para adquirir a condição de membro do Parlamento Europeu. Contudo, tanto esta interpretação como a interpretação segundo a qual as referidas imunidades se aplicam a todas as pessoas eleitas membros do Parlamento Europeu suscitam dúvidas, devido às suas consequências práticas.

39      Em quarto e último lugar, no caso de as imunidades previstas no artigo 9.o, primeiro e segundo parágrafos, do Protocolo Relativo aos Privilégios e Imunidades da União serem aplicáveis, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) questiona‑se, em substância, sobre as consequências que daí decorrem no âmbito do recurso interposto por O. Junqueras Vies do despacho referido no n.o 25 do presente acórdão. Em especial, através da sua terceira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se, e em caso afirmativo como e por quem, é possível proceder a uma ponderação entre a proteção conferida pelas referidas imunidades e os restantes direitos e interesses a tomar em consideração para efeitos do tratamento de semelhante recurso, à luz do artigo 39.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e das correspondentes disposições do artigo 3.o do Protocolo Adicional n.o 1 à Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950.

40      Foi nestas condições que o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O artigo 9.o do [Protocolo Relativo aos Privilégios e Imunidades da União] é aplicável antes do início do período de “sessões” a uma pessoa acusada de crimes graves que esteja em prisão preventiva, decretada judicialmente com base em factos anteriores ao início de um processo eleitoral em resultado do qual essa pessoa foi proclamada eleita para o Parlamento Europeu, mas a quem foi recusada, por decisão judicial, uma autorização extraordinária de saída de prisão que lhe permitiria cumprir os requisitos previstos pela legislação eleitoral interna para a qual remete o artigo 8.o do [Ato Eleitoral]?

2)      Em caso de resposta afirmativa, caso o órgão designado pela legislação eleitoral nacional tivesse comunicado ao [Parlamento Europeu] que a pessoa eleita, por não cumprir os requisitos estabelecidos em matéria eleitoral (impossibilidade resultante da limitação à sua liberdade de deslocação devido à sua situação de prisão preventiva no âmbito de um processo por crimes graves), não adquiriria a condição de deputado enquanto não cumprisse esses requisitos, seria a interpretação extensiva da expressão “sessões” mantida, apesar da rutura transitória da sua expectativa de tomar posse do seu lugar?

3)      Se a resposta for no sentido da interpretação extensiva, no caso de a pessoa eleita estar em prisão preventiva no âmbito de um processo por crimes graves instaurado com bastante antecedência relativamente ao início do processo eleitoral, a autoridade judicial que decretou a prisão é obrigada, tendo em conta a expressão “quando se dirigem para ou regressam do local de reunião do Parlamento Europeu” que figura no artigo 9.o do [Protocolo Relativo aos Privilégios e Imunidades da União], a revogar em absoluto a situação de prisão e de modo praticamente automático, para permitir o cumprimento das formalidades e deslocações ao [Parlamento Europeu], ou deve ter‑se em conta um critério relativo de ponderação, caso a caso, dos direitos e dos interesses decorrentes do interesse da justiça e da regularidade do processo, por um lado, e dos relativos ao instituto da imunidade, por outro, quer quanto ao respeito do funcionamento e da independência do Parlamento [Europeu] quer quanto ao direito da pessoa eleita de exercer cargos públicos?»

41      Em 14 de outubro de 2019, o órgão jurisdicional de reenvio proferiu uma decisão quanto ao mérito no processo penal instaurado contra, entre outros, O. Junqueras Vies (a seguir «Acórdão de 14 de outubro de 2019»), por meio da qual o referido órgão jurisdicional condenou este último, por um lado, numa pena de prisão de treze anos e, por outro, numa pena de treze anos de incapacidade absoluta da qual decorre a perda definitiva de todos os seus cargos e de todas as suas funções públicas, incluindo funções eletivas, bem como a impossibilidade de obter ou de exercer novas funções.

42      Por carta do mesmo dia, o órgão jurisdicional de reenvio comunicou o referido acórdão ao Tribunal de Justiça, indicando que o seu pedido de decisão prejudicial mantinha o seu interesse e utilidade, porquanto as respostas às questões formuladas na sua decisão de reenvio se destinavam a produzir efeitos independentemente do facto de a situação de prisão em que O. Junqueras Vies se encontrava revestir um caráter provisório ou resultar de uma decisão de condenação.

 Tramitação processual no Tribunal de Justiça

 Quanto à tramitação acelerada

43      Na sua decisão de reenvio, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) solicitou que o reenvio prejudicial na origem do presente acórdão fosse submetido a tramitação acelerada em conformidade com o disposto no artigo 105.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. Em apoio do seu pedido, o referido órgão jurisdicional alega, no essencial, que as suas questões prejudiciais diziam respeito à condição de membro do Parlamento Europeu e à composição desta instituição, que das respostas do Tribunal de Justiça a estas questões prejudiciais poderia indiretamente resultar a suspensão da situação de privação de liberdade em que O. Junqueras Vies se encontrava e que esta situação de privação de liberdade correspondia à situação prevista no artigo 267.o, quarto parágrafo, TFUE.

44      O artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo prevê que, a pedido do órgão jurisdicional de reenvio ou, a título excecional, oficiosamente, o presidente do Tribunal de Justiça pode, quando a natureza do processo exija o seu tratamento dentro de prazos curtos, ouvidos o juiz relator e o advogado‑geral, decidir submeter um reenvio prejudicial a tramitação acelerada.

45      No caso em apreço, em 19 de julho de 2019, o presidente do Tribunal de Justiça decidiu, ouvidos o juiz relator e o advogado‑geral, deferir o pedido do órgão jurisdicional de reenvio referido no n.o 43 do presente acórdão. Esta decisão foi motivada, primeiro, pelo facto de O. Junqueras Vies se encontrar em situação de prisão preventiva aquando da apresentação do pedido de decisão prejudicial, pelo que se devia considerar que as questões prejudiciais submetidas pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) foram suscitadas em processo pendente relativamente a uma pessoa que se encontra detida, na aceção do artigo 267.o, quarto parágrafo, TFUE, e, segundo, pelo facto de estas questões visarem obter a interpretação de uma disposição de direito da União que, pela sua própria natureza, podia ter impacto na manutenção em situação de detenção de O. Junqueras Vies, na hipótese de esta disposição lhe ser aplicável [v., neste sentido, Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 30 de setembro de 2011, Achughbabian, C‑329/11, não publicado, EU:C:2011:630, n.os 9 a 12, e, por analogia, Acórdão de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário) (C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.os 29 a 31)].

 Quanto ao pedido de reabertura da fase oral do processo

46      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 12 de novembro de 2019, na sequência da apresentação das conclusões do advogado‑geral, O. Junqueras Vies solicitou ao Tribunal de Justiça que ordenasse a reabertura da fase oral do processo invocando a ocorrência de um facto novo, nomeadamente a notificação do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal), em 30 de outubro de 2019, de um despacho que suspendia a execução da pena de incapacidade absoluta que lhe fora aplicada pelo Acórdão de 14 de outubro de 2019.

47      A este respeito, o artigo 83.o do Regulamento de Processo prevê que o Tribunal de Justiça pode, a qualquer momento, ouvido o advogado‑geral, ordenar a reabertura da fase oral do processo, designadamente se considerar que não está suficientemente esclarecido, ou quando, após o encerramento dessa fase, uma parte invocar um facto novo que possa ter influência determinante na sua decisão, ou quando o processo deva ser resolvido com base num argumento que não foi debatido entre as partes ou os interessados.

48      No caso em apreço, há, todavia, que constatar que o facto novo invocado no pedido de reabertura da fase oral do processo ocorreu, como decorre dos próprios termos deste pedido, no contexto do processo penal referido no n.o 30 do presente acórdão e não no âmbito do recurso interposto do despacho indicado no n.o 25 do presente acórdão, que levou o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) a submeter o pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça.

49      Atendendo a este elemento, o Tribunal de Justiça considera, ouvido o advogado‑geral, que este facto novo não é suscetível de ter uma influência determinante na sua decisão.

50      Por conseguinte, não há que ordenar a reabertura da fase oral do processo.

 Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

51      Questionado, na audiência no Tribunal de Justiça, sobre o eventual impacto do Acórdão de 14 de outubro de 2019 no pedido de decisão prejudicial e sobre a aplicação que o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) irá fazer das respostas que o Tribunal de Justiça irá dar às questões prejudiciais que foram submetidas, o Ministério Público respondeu que compete ao órgão jurisdicional de reenvio determinar as consequências do acórdão proferido no processo principal e, no caso de deste acórdão resultar que O. Junqueras Vies beneficia de imunidade em conformidade com o artigo 9.o do Protocolo Relativo aos Privilégios e Imunidades da União, compete‑lhe precisar os efeitos resultantes dessa imunidade no âmbito do recurso interposto pelo interessado do despacho referido no n.o 25, supra.

52      Por sua vez, o Governo espanhol considerou, em substância, que, no caso de O. Junqueras Vies beneficiar de imunidade ao abrigo do artigo 9.o, primeiro parágrafo, alínea a), do Protocolo Relativo aos Privilégios e Imunidades da União, essa imunidade não terá nenhum impacto.

53      Com efeito, o conteúdo material da referida imunidade definir‑se‑á por remissão para o direito interno dos Estados‑Membros, e o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) recordou, no seu despacho referido no n.o 21 do presente acórdão, que o direito espanhol só garante uma imunidade aos deputados e aos senadores espanhóis em relação a processos penais que ainda não tenham chegado à fase de julgamento na data em que são eleitos ou em que adquirem a condição de deputado ou de senador. Ora, no caso em apreço, a decisão de reenvio precisa que a fase de julgamento do processo penal a que se refere o n.o 30 do presente acórdão teve início antes da eleição de O. Junqueras Vies ao Parlamento Europeu. Consequentemente, nenhuma imunidade impede que o interessado continue em prisão preventiva. Ademais, O. Junqueras Vies já não se encontra em situação de prisão preventiva, encontrando‑se a cumprir uma pena privativa de liberdade devido à sua condenação em 14 de outubro de 2019.

54      Desta forma, o Governo espanhol parece considerar que as questões prejudiciais, na parte em que se referem, em substância, à existência de uma imunidade, revestem um caráter hipotético, sobretudo após a prolação do Acórdão de 14 de outubro de 2019, pelo que existem dúvidas quanto à admissibilidade do pedido de decisão judicial.

55      Ora, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça (Acórdão de 10 de dezembro de 2018, Wightman e o., C‑621/18, EU:C:2018:999, n.o 26 e jurisprudência aí referida).

56      Daqui se conclui que as questões submetidas pelos órgãos jurisdicionais nacionais gozam de uma presunção de pertinência e que o Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre estas questões se for manifesto que a interpretação solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou o objeto do litígio no processo principal, se o problema for hipotético ou ainda se o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às referidas questões (v., neste sentido, Acórdão de 10 de dezembro de 2018, Wightman e o., C‑621/18, EU:C:2018:999, n.o 27 e jurisprudência aí referida).

57      No caso em apreço, por um lado, da carta do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) referida no n.o 42 do presente acórdão resulta inequivocamente que o referido órgão jurisdicional considera que continua a ser necessária uma decisão prejudicial para se poder pronunciar sobre o recurso que está na origem do presente processo e que as suas questões continuam a ser relevantes.

58      Por outro lado, resulta claramente daquela carta e das afirmações contidas na decisão de reenvio sintetizadas nos n.os 30, 31 e 36 a 39 do presente acórdão que a interpretação solicitada pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) está diretamente relacionada com o objeto do litígio no processo principal e que o problema suscitado por este litígio e pelo pedido de decisão prejudicial, primeiro, não é hipotético, mas sim real, e, segundo, continua sem solução após a prolação do Acórdão de 14 de outubro de 2019. Com efeito, na data em que o órgão jurisdicional de reenvio apresentou o seu pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) foi chamado, e assim permanece à data da prolação do presente acórdão, independentemente do referido acórdão, a pronunciar‑se, na qualidade de primeira e última instância, sobre o recurso interposto por O. Junqueras Vies do despacho referido no n.o 25 do presente acórdão, através do qual o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) se recusou a conceder‑lhe uma autorização extraordinária de saída do estabelecimento prisional que lhe permitiria cumprir uma exigência imposta pelo direito espanhol na sequência da sua eleição ao Parlamento Europeu. Ademais, o referido órgão jurisdicional pretende saber, para este efeito, se o interessado beneficia de imunidade ao abrigo do artigo 9.o do Protocolo Relativo aos Privilégios e Imunidades da União, bem como, em caso de resposta afirmativa, quais são os efeitos que decorrem dessa imunidade.

59      Daqui resulta que o pedido de decisão prejudicial é admissível e, por conseguinte, que há que responder às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

 Quanto às questões prejudiciais

60      A título preliminar, importa constatar que resulta da decisão de reenvio, conforme sintetizada nos n.os 24 e 25 do presente acórdão, que, depois de O. Junqueras Vies ter sido oficialmente proclamado eleito ao Parlamento Europeu pela autoridade nacional competente, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) se recusou a conceder‑lhe a autorização extraordinária de saída do estabelecimento prisional que lhe teria permitido cumprir uma formalidade que, no direito espanhol, condiciona a aquisição da condição de membro do Parlamento Europeu e, uma vez cumprida esta formalidade, lhe teria permitido deslocar‑se até ao local de reunião desta instituição para participar na primeira sessão da legislatura resultante das eleições ao Parlamento Europeu realizadas em 26 de maio de 2019.

61      Neste contexto, através das suas três questões, que há que examinar em conjunto, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) pergunta, em substância, se o artigo 9.o do Protocolo Relativo aos Privilégios e Imunidades da União deve ser interpretado no sentido de que se deve considerar que uma pessoa que foi oficialmente proclamada eleita ao Parlamento Europeu, embora estivesse sujeita a uma medida de prisão preventiva no âmbito de um processo penal pela prática de crimes graves, mas que não foi autorizada a cumprir determinadas exigências previstas no direito interno após tal proclamação nem a dirigir‑se ao Parlamento Europeu, para participar na primeira sessão deste, beneficia de imunidade ao abrigo deste artigo. Em caso de resposta afirmativa, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, além disso, se esta imunidade implica que seja decretado o levantamento da medida de prisão preventiva aplicada à pessoa em causa, para lhe permitir que se dirija ao Parlamento Europeu e que aí cumpra as formalidades exigidas.

62      A este respeito, nos seus primeiro e segundo parágrafos, o artigo 9.o do Protocolo Relativo aos Privilégios e Imunidades da União prevê imunidades em benefício dos «membros do Parlamento Europeu». No entanto, este artigo não define o conceito de «membro do Parlamento Europeu», que há assim que entender à luz do seu contexto e dos seus objetivos.

63      No que se refere ao contexto, importa recordar, primeiro, que, nos termos do artigo 10.o, n.o 1, TUE, o funcionamento da União se baseia no princípio da democracia representativa, que concretiza o valor de democracia referido no artigo 2.o TUE (v., neste sentido, Acórdão hoje proferido, Puppinck e o./Comissão, C‑418/18 P, n.o 64).

64      Implementando este princípio, o artigo 14.o, n.o 3, TUE prevê que os membros da instituição da União que constitui o Parlamento Europeu são eleitos, por sufrágio universal direto, livre e secreto, por um mandato de cinco anos.

65      Desta disposição resulta que a condição de membro do Parlamento Europeu decorre do facto de uma pessoa ser eleita por sufrágio universal direto, livre e secreto, constituindo o mandato dos membros desta instituição, por seu lado, o principal atributo desta condição.

66      Segundo, no que respeita ao processo de eleição dos membros do Parlamento Europeu, o artigo 223.o, n.o 1, TFUE enuncia que, por um lado, compete ao Parlamento Europeu elaborar um projeto destinado a estabelecer as disposições necessárias para permitir a eleição por sufrágio universal direto, segundo um processo uniforme em todos os Estados‑Membros ou baseado em princípios comuns a todos os Estados‑Membros, e que, por outro lado, compete ao Conselho da União Europeia estabelecer estas disposições.

67      Em 20 de setembro de 1976, foi adotado o Ato Eleitoral que especifica os princípios comuns aplicáveis ao processo de eleição dos membros do Parlamento Europeu por sufrágio universal direto.

68      A este respeito, antes de mais, o artigo 8.o, primeiro parágrafo, do referido ato estabelece que, sob reserva do disposto nesse ato, «o processo eleitoral será regulado, em cada Estado‑Membro, pelas disposições nacionais». Por seu lado, o artigo 12.o do referido ato enuncia, designadamente, que o Parlamento Europeu «verificará os poderes dos representantes» e «registará os resultados [eleitorais] proclamados oficialmente pelos Estados‑Membros».

69      Resulta destas disposições, lidas em conjunto, que, no estado atual do direito da União, os Estados‑Membros continuam em princípio a ser competentes para regulamentar o processo eleitoral e para proceder, no final do mesmo, à proclamação oficial dos resultados eleitorais. Pelo seu lado, o Parlamento Europeu não dispõe de nenhuma competência geral que lhe permita questionar a regularidade de tal proclamação ou controlar a respetiva conformidade com o direito da União (v., neste sentido, Acórdão de 30 de abril de 2009, Itália e Donnici/Parlamento, C‑393/07 e C‑9/08, EU:C:2009:275, n.os 55 a 57, 60 e 67).

70      Além disso, decorre destas mesmas disposições que, ao «registar» os resultados eleitorais proclamados oficialmente pelos Estados‑Membros, o Parlamento Europeu toma necessariamente por adquirido que as pessoas que foram oficialmente proclamadas eleitas se tornaram, por conseguinte, membros desta instituição, razão pela qual incumbe ao Parlamento Europeu exercer a sua competência sobre os mesmos, verificando os seus poderes.

71      Conforme o advogado‑geral salientou no n.o 70 das suas conclusões, as referidas disposições devem, assim, ser entendidas no sentido de que a aquisição da condição de membro do Parlamento Europeu, para efeitos do artigo 9.o do Protocolo Relativo aos Privilégios e Imunidades da União, ocorre devido ao facto e a partir do momento em que é feita a proclamação oficial dos resultados eleitorais realizada pelos Estados‑Membros.

72      Em seguida, o Ato Eleitoral define os limites temporais do mandato para que são eleitos os membros do Parlamento Europeu, prevendo, no seu artigo 5.o, n.os 1 e 2, que este mandato coincide com o período quinquenal que tem início com a abertura da primeira sessão realizada após cada eleição, pelo que o mandato se inicia e cessa ao mesmo tempo que esse período quinquenal.

73      A este respeito, do artigo 11.o, n.os 3 e 4, do Ato Eleitoral resulta que o «novo» Parlamento Europeu se reúne por direito próprio na primeira terça‑feira posterior ao decurso do prazo de um mês após o termo do período eleitoral e que o Parlamento Europeu «cessante» permanecerá em funções até à primeira sessão do «novo» Parlamento Europeu. Ademais, em conformidade com o artigo 12.o deste ato, é no decurso desta primeira reunião que o «novo» Parlamento Europeu verifica os poderes dos seus membros e delibera sobre as reclamações que possam eventualmente ser feitas com base nas disposições do referido ato.

74      Daqui resulta que, ao contrário da condição de membro do Parlamento Europeu, condição essa que, por um lado, se adquire no momento em que uma pessoa é oficialmente proclamada eleita, como enunciado no n.o 71 do presente acórdão, e, por outro, que estabelece um vínculo entre essa pessoa e a instituição de que passa a fazer parte, o mandato de membro do Parlamento Europeu estabelece um vínculo entre a referida pessoa e a legislatura para que esta foi eleita. Ora, esta legislatura só se constitui no momento em que ocorre a abertura da primeira sessão do «novo» Parlamento Europeu realizada após a eleição, que, por definição, é posterior à proclamação oficial dos resultados eleitorais efetuada pelos Estados‑Membros.

75      Por último, no seu artigo 6.o, n.o 2, o Ato Eleitoral precisa que os deputados do Parlamento Europeu beneficiam das imunidades instituídas pelo Protocolo Relativo aos Privilégios e Imunidades da União.

76      No que respeita à fonte jurídica destas imunidades, o artigo 343.o TFUE prevê que a União goza, no território dos Estados‑Membros, dos privilégios e imunidades necessários ao cumprimento da sua missão, nas condições definidas no Protocolo Relativo aos Privilégios e Imunidades da União. Embora este artigo remeta, assim, para este protocolo a determinação das condições em que as imunidades devem ser garantidas, este artigo exige, todavia, que a União e, particularmente, os membros das suas instituições beneficiem das imunidades necessárias ao cumprimento da sua missão. Daqui resulta que estas condições, conforme determinadas no referido protocolo e, na medida em que este último remete para o direito dos Estados‑Membros, nas legislações nacionais, devem garantir que o Parlamento Europeu é plenamente capaz de cumprir as missões que lhe tenham sido atribuídas.

77      A este respeito, como resulta tanto dos termos do artigo 9.o do Protocolo Relativo aos Privilégios e Imunidades da União como do título do seu capítulo III, de que este artigo faz parte, estas imunidades são concedidas aos «membros do Parlamento Europeu» e, por conseguinte, às pessoas que tenham adquirido esta condição como consequência da proclamação oficial dos resultados eleitorais pelos Estados‑Membros, como enunciado no n.o 71 do presente acórdão.

78      No que diz respeito às imunidades assim garantidas aos membros do Parlamento Europeu, o artigo 9.o, primeiro parágrafo, deste protocolo prevê imunidades de que estes beneficiam, de igual modo, enquanto durarem as sessões de uma determinada legislatura do Parlamento Europeu, ainda que este não esteja efetivamente reunido (v., neste sentido, Acórdão de 10 de julho de 1986, Wybot, 149/85, EU:C:1986:310, n.os 12 e 27).

79      Em contrapartida, o artigo 9.o, segundo parágrafo, do Protocolo Relativo aos Privilégios e Imunidades da União tem um âmbito temporal diferente.

80      Com efeito, esta disposição enuncia que os membros do Parlamento Europeu também beneficiam de imunidade quando se dirigem para ou quando regressam do local de reunião desta instituição e, assim também, quando se dirigem para a primeira reunião realizada após a proclamação oficial dos resultados eleitorais, a fim de permitir que a nova legislatura celebre a sua sessão constitutiva e verifique os poderes dos seus membros, conforme indicado no n.o 73 do presente acórdão. Desta forma, os referidos membros beneficiam da imunidade em questão antes do início do seu mandato.

81      Decorre de todas as considerações que precedem que se deve considerar que uma pessoa que foi oficialmente proclamada eleita ao Parlamento Europeu adquiriu, devido a este facto e partir deste momento, a condição de membro desta instituição, para efeitos do artigo 9.o do Protocolo Relativo aos Privilégios e Imunidades da União, e que beneficia, a este título, da imunidade prevista no segundo parágrafo do mesmo artigo.

82      Esta interpretação é corroborada pelos objetivos prosseguidos pelo Protocolo Relativo aos Privilégios e Imunidades da União, que consistem, conforme resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, em garantir às instituições da União uma proteção completa e efetiva contra os entraves ou os riscos suscetíveis de lesar o seu bom funcionamento e a sua independência (v., neste sentido, Acórdão de 10 de julho de 1986, Wybot, 149/85, EU:C:1986:310, n.os 12 e 22; Despacho de 13 de julho de 1990, Zwartveld e o., C‑2/88‑IMM, EU:C:1990:315, n.o 19; e Acórdão de 22 de março de 2007, Comissão/Bélgica, C‑437/04, EU:C:2007:178, n.o 56).

83      Com efeito, no caso do Parlamento Europeu, estes objetivos implicam não só, em conformidade com o princípio da democracia representativa recordado no n.o 63 do presente acórdão e no artigo 14.o TUE, que a sua composição reflita de forma fiel e completa a livre expressão das escolhas feitas pelos cidadãos da União, através de sufrágio universal direto, das pessoas através das quais pretendem ser representadas durante uma determinada legislatura, mas também que o Parlamento Europeu seja protegido, no exercício das suas atividades, contra os entraves ou os riscos suscetíveis de lesar o seu correto funcionamento.

84      No âmbito desta vertente dupla, as imunidades previstas em benefício dos membros do Parlamento Europeu têm por objetivo garantir a independência desta instituição no cumprimento da sua missão, conforme o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem salientou a respeito das diferentes formas de imunidade parlamentar instituídas nos sistemas políticos democráticos (v., neste sentido, TEDH, 17 de maio de 2016, Karácsony e o. c. Hungria, CE:ECHR:2016:0517JUD004246113, § 138, e TEDH, 20 de dezembro de 2016, Uspaskich c. Lituânia, CE:ECHR:2016:1220JUD001473708, § 98).

85      Em conformidade com tais objetivos e com a exigência a que se refere no n.o 76 do presente acórdão, a imunidade prevista no artigo 9.o, segundo parágrafo, do Protocolo Relativo aos Privilégios e Imunidades da União garante a proteção do bom funcionamento e da independência do Parlamento Europeu, como o advogado‑geral referiu nos n.os 92 e 94 das suas conclusões, assegurando a cada um dos seus membros, após a proclamação oficial dos resultados eleitorais, a possibilidade de se dirigir sem entraves à primeira reunião da nova legislatura, para se submeter às operações previstas no artigo 12.o do Ato Eleitoral, permitindo a constituição da nova legislatura.

86      Deste modo, a referida imunidade contribui igualmente para assegurar a efetividade do direito de ser eleito garantido no artigo 39.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais, que constitui a expressão, nesta última, do princípio do sufrágio universal direto, livre e secreto consagrado no artigo 14.o, n.o 3, TUE e no artigo 1.o, n.o 3, do Ato Eleitoral (v., por analogia, Acórdão de 6 de outubro de 2015, Delvigne, C‑650/13, EU:C:2015:648, n.o 44), permitindo que as pessoas que foram eleitas membros do Parlamento Europeu efetuem as diligências necessárias para tomarem posse do seu mandato.

87      Por conseguinte, deve considerar‑se que uma pessoa como O. Junqueras Vies, que foi oficialmente proclamada eleita ao Parlamento Europeu embora estivesse sujeita a uma medida de prisão preventiva no âmbito de um processo penal pela prática de crimes graves, mas que não foi autorizada a cumprir determinadas exigências previstas no direito interno após tal proclamação nem a dirigir‑se ao Parlamento Europeu, para participar na primeira sessão deste, beneficia da imunidade prevista no artigo 9.o, segundo parágrafo, do Protocolo Relativo aos Privilégios e Imunidades da União.

88      Nestas condições, há que examinar, como solicita o órgão jurisdicional de reenvio, se esta imunidade implica que seja decretado o levantamento da medida de prisão preventiva aplicada a essa pessoa, para lhe permitir que se dirija ao Parlamento Europeu e que aí cumpra as formalidades exigidas.

89      A este respeito, como indicado no n.o 24 do presente acórdão, O. Junqueras Vies tornou‑se membro do Parlamento Europeu em 13 de junho de 2019, dia em que as autoridades espanholas competentes procederam à proclamação oficial dos resultados das eleições ao Parlamento Europeu realizadas em 26 de maio de 2019. Nesta data, o interessado encontrava‑se em situação de prisão preventiva.

90      Ora, resulta das considerações que figuram nos n.os 83 a 86 do presente acórdão que a imunidade prevista no artigo 9.o, segundo parágrafo, do Protocolo Relativo aos Privilégios e Imunidades da União se opõe, nomeadamente, a que uma medida judicial como a prisão preventiva possa entravar a liberdade de os membros do Parlamento Europeu se dirigirem ao local onde se deve realizar a primeira reunião da nova legislatura, para aí cumprirem as formalidades exigidas pelo Ato Eleitoral.

91      Nestas condições, se o órgão jurisdicional nacional competente considerar que se deve manter uma medida de prisão preventiva que foi aplicada a uma pessoa que adquiriu a condição de membro do Parlamento Europeu, cabe‑lhe, nos termos do terceiro parágrafo do artigo 9.o do Protocolo Relativo aos Privilégios e Imunidades da União, solicitar com a maior brevidade possível ao Parlamento Europeu o levantamento da imunidade concedida pelo segundo parágrafo deste artigo.

92      Atendendo às considerações que precedem, há que responder ao órgão jurisdicional de reenvio que a existência da imunidade prevista no artigo 9.o, segundo parágrafo, do Protocolo Relativo aos Privilégios e Imunidades da União implica que seja decretado o levantamento da medida de prisão preventiva aplicada à pessoa que beneficia desta imunidade, para lhe permitir que se dirija ao Parlamento Europeu e que aí cumpra as formalidades exigidas. Contudo, se o órgão jurisdicional nacional competente considerar que esta medida se deve manter após a aquisição, pela pessoa em causa, da condição de membro do Parlamento Europeu, o referido órgão jurisdicional deverá solicitar com a maior brevidade possível o levantamento da referida imunidade ao Parlamento Europeu, ao abrigo do artigo 9.o, terceiro parágrafo, do mesmo protocolo.

93      Por outro lado, é ao órgão jurisdicional de reenvio que compete apreciar os efeitos que devem ser atribuídos noutros eventuais processos às imunidades de que beneficia O. Junqueras Vies, como os processos referidos no n.o 30 do presente acórdão, no respeito do direito da União e, designadamente, do princípio da cooperação leal visado no artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, TUE (v., neste sentido, Acórdão de 21 de outubro de 2008, Marra, C‑200/07 e C‑201/07, EU:C:2008:579, n.o 41). Neste contexto, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio tomar em consideração, particularmente, os elementos mencionados nos n.os 64, 65, 76 e 82 a 86 do presente acórdão.

94      Atendendo a todas as considerações que precedem, há que responder às questões prejudiciais submetidas que o artigo 9.o do Protocolo Relativo aos Privilégios e Imunidades da União deve ser interpretado no sentido de que:

–        se deve considerar que uma pessoa que foi oficialmente proclamada eleita ao Parlamento Europeu, embora estivesse sujeita a uma medida de prisão preventiva no âmbito de um processo penal pela prática de crimes graves, mas que não foi autorizada a cumprir determinadas exigências previstas no direito interno após tal proclamação nem a dirigir‑se ao Parlamento Europeu, para participar na primeira sessão deste, beneficia de imunidade ao abrigo do segundo parágrafo deste artigo;

–        esta imunidade implica que seja decretado o levantamento da medida de prisão preventiva aplicada à pessoa em causa, para lhe permitir que se dirija ao Parlamento Europeu e que aí cumpra as formalidades exigidas. Contudo, se o órgão jurisdicional nacional competente considerar que esta medida se deve manter após a aquisição, pela referida pessoa, da condição de membro do Parlamento Europeu, o referido órgão jurisdicional deverá solicitar com a maior brevidade possível o levantamento da referida imunidade ao Parlamento Europeu, ao abrigo do artigo 9.o, terceiro parágrafo, do mesmo protocolo.

 Quanto às despesas

95      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

O artigo 9.o do Protocolo (n.o 7) Relativo aos Privilégios e Imunidades da União Europeia deve ser interpretado no sentido de que:

–        se deve considerar que uma pessoa que foi oficialmente proclamada eleita ao Parlamento Europeu, embora estivesse sujeita a uma medida de prisão preventiva no âmbito de um processo penal pela prática de crimes graves, mas que não foi autorizada a cumprir determinadas exigências previstas no direito interno após tal proclamação nem a dirigirse ao Parlamento Europeu, para participar na primeira sessão deste, beneficia de imunidade ao abrigo do segundo parágrafo deste artigo;

–        esta imunidade implica que seja decretado o levantamento da medida de prisão preventiva aplicada à pessoa em causa, para lhe permitir que se dirija ao Parlamento Europeu e que aí cumpra as formalidades exigidas. Contudo, se o órgão jurisdicional nacional competente considerar que esta medida se deve manter após a aquisição, pela referida pessoa, da condição de membro do Parlamento Europeu, o referido órgão jurisdicional deverá solicitar com a maior brevidade possível o levantamento da referida imunidade ao Parlamento Europeu, ao abrigo do artigo 9.o, terceiro parágrafo, do mesmo protocolo.

Assinaturas


*      Língua do processo: espanhol.