Language of document : ECLI:EU:C:2020:760

DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

30 de setembro de 2020 (*)

«Reenvio prejudicial — Artigo 99.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça — Diretiva 1999/70/CE — Acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo — Artigo 5.° — Contratos de trabalho a termo certo no setor público — Contratos sucessivos — Proibição de conversão de contratos de trabalho a termo certo num contrato de trabalho por tempo indeterminado — Admissibilidade»

No processo C‑135/20,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), por Decisão de 7 de fevereiro de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 12 de março de 2020, no processo

JS

contra

Câmara Municipal de Gondomar,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

composto por: L. S. Rossi, presidente de secção, F. Biltgen (relator) e N. Wahl, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: A. Calot Escobar,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de decidir por despacho fundamentado, nos termos do artigo 99.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça,

profere o presente

Despacho

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 5.° do acordo‑quadro relativo a contratos de trabalho a termo, celebrado em 18 de março de 1999 (a seguir «acordo‑quadro»), que figura no anexo da Diretiva 1999/70/CE do Conselho, de 28 de junho de 1999, respeitante ao acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo (JO 1999, L 175, p. 43).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe JS à Câmara Municipal de Gondomar (Portugal) a respeito da celebração de sucessivos contratos de trabalho a termo certo entre novembro de 2000 e novembro de 2013.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O artigo 5.° do acordo‑quadro, sob a epígrafe «Disposições para evitar os abusos», dispõe:

«1.      Para evitar os abusos decorrentes da conclusão de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo e sempre que não existam medidas legais equivalentes para a sua prevenção, os Estados‑Membros, após consulta dos parceiros sociais e de acordo com a lei, acordos coletivos ou práticas nacionais, e/ou os parceiros sociais deverão introduzir, de forma a que se tenham em conta as necessidades de setores e/ou categorias de trabalhadores específicos, uma ou várias das seguintes medidas:

a)      Razões objetivas que justifiquem a renovação dos supramencionados contratos ou relações laborais;

b)      Duração máxima total dos sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo;

c)      Número máximo de renovações dos contratos ou relações laborais a termo.

2.      Os Estados‑Membros, após consulta dos parceiros sociais, e/ou os parceiros sociais, deverão, sempre que tal seja necessário, [definir em] que condições os contratos de trabalho ou relações de trabalho a termo deverão ser considerados:

a)      Como sucessivos;

b)      Como celebrados sem termo.»

4        O artigo 2.°, primeiro parágrafo, da Diretiva 1999/70 prevê:

«Os Estados‑Membros devem pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva até 10 de julho de 2001 ou devem certificar‑se, até esta data, de que os parceiros sociais puseram em prática as disposições necessárias por via de acordo, devendo os Estados‑Membros tomar qualquer disposição necessária para, em qualquer momento, poderem garantir os resultados impostos pela presente diretiva. Devem informar imediatamente a Comissão do facto.»

 Direito português

5        Nos termos do artigo 92.°, n.° 2, da Lei n.° 59/2008 que Aprova o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, de 11 de setembro de 2008 (Diário da República, 1.ª série, n.° 176, de 11 de setembro de 2008):

«O contrato a termo resolutivo não se converte, em caso algum, em contrato por tempo indeterminado, caducando no termo do prazo máximo de duração previsto no presente Regime ou, tratando‑se de contrato a termo incerto, quando deixe de se verificar a situação que justificou a sua celebração.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

6        JS foi contratada pela Câmara Municipal de Gondomar de forma contínua entre novembro de 2000 e novembro de 2013 ao abrigo de cinco contratos de trabalho a termo certo, alguns dos quais foram objeto de renovações.

7        JS desempenhou sempre as mesmas funções no âmbito dos referidos contratos, tendo trabalhado numa piscina municipal pertencente à recorrida no processo principal. Essas funções consistiam em atender o público, em efetuar inscrições dos utentes da piscina, em receber dinheiro relativo ao pagamento das quotas dos utentes da piscina e em entregar e receber as chaves dos cacifos. Estas funções foram designadas, consoante o contrato, como funções de «bilheteiro», de «fiel de armazém», de «assistente administrativo» ou de «auxiliar técnico de turismo».

8        JS recebeu a comunicação da cessação da relação de trabalho que a vinculava à Câmara Municipal de Gondomar em novembro de 2013.

9        JS instaurou uma ação no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (Portugal) em cujo âmbito pediu que fosse declarado sem termo o seu contrato de trabalho e que fosse considerado ilícito o seu despedimento. Esta ação foi julgada improcedente por sentença que foi posteriormente confirmada pelo Tribunal Central Administrativo Norte (Portugal).

10      JS interpôs recurso de revista do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte no Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), alegando a violação da Diretiva 1999/70.

11      O órgão jurisdicional de reenvio sublinha que o artigo 92.°, n.° 2, da Lei n.° 59/2008, que vigorava à data dos factos no processo principal, proibia a conversão dos contratos de trabalho a termo resolutivo celebrados por pessoas coletivas de direito público, no termo máximo do seu prazo de duração, em contratos por tempo indeterminado. O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a compatibilidade desta disposição com a Diretiva 1999/70 e, mais concretamente, com o artigo 5.° do acordo‑quadro.

12      Nestas circunstâncias, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O Direito da União [...], [neste caso] o artigo 5.° do [acordo‑quadro], deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que proíbe em absoluto a conversão de contratos de trabalho a termo certo celebrados por entidades públicas em contratos de trabalho por tempo indeterminado?

2)      A Diretiva [1999/70] deve ser interpretada no sentido de que impõe a conversão dos contratos como a única forma de evitar os abusos decorrentes do recurso sucessivo a contratos de trabalho a termo certo?»

 Quanto às questões prejudiciais

13      Com as suas questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.° do acordo‑quadro deve ser interpretado no sentido de que se opõe à legislação de um Estado‑Membro que proíbe de forma absoluta, no setor público, a conversão de uma sucessão de contratos de trabalho a termo certo num contrato por tempo indeterminado.

14      Nos termos do artigo 99.° do seu Regulamento de Processo, quando a resposta a uma questão submetida a título prejudicial possa ser claramente deduzida da jurisprudência ou quando a resposta a tal questão não suscite nenhuma dúvida razoável, o Tribunal de Justiça pode, a qualquer momento, mediante proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, decidir pronunciar‑se por meio de despacho fundamentado.

15      Há que aplicar esta disposição no âmbito do presente processo.

16      Resulta da decisão de reenvio, por um lado, que, entre 2000 e 2013, JS, ao abrigo de uma série de contratos de trabalho a termo certo, trabalhou para a Câmara Municipal de Gondomar e desempenhou sempre as mesmas funções.

17      Por outro lado, à data dos factos no processo principal, o artigo 92.°, n.° 2, da Lei n.° 59/2008 proibia a conversão de contratos de trabalho a termo resolutivo celebrados por pessoas coletivas de direito público em contratos de trabalho por tempo indeterminado.

18      A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou de forma constante que o acordo‑quadro não estabelece uma obrigação geral de os Estados‑Membros preverem a conversão dos contratos de trabalho a termo certo num contrato por tempo indeterminado. Com efeito, o artigo 5.°, n.° 2, do acordo‑quadro deixa, em princípio, aos Estados‑Membros a incumbência de definir em que condições os contratos ou as relações laborais a termo certo são considerados celebrados por tempo indeterminado. Daqui resulta que o acordo‑quadro não estabelece as condições em que se pode fazer uso dos contratos a termo certo (Acórdãos de 4 de julho de 2006, Adeneler e o., C‑212/04, EU:C:2006:443, n.° 91, e de 25 de outubro de 2018, Sciotto, C‑331/17, EU:C:2018:859, n.° 59 e jurisprudência referida).

19      Contudo, o artigo 5.°, n.° 1, do acordo‑quadro impõe aos Estados‑Membros, para evitar a conclusão abusiva de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo, a adoção efetiva e vinculativa de pelo menos uma das medidas que este artigo enumera, quando o seu direito interno não preveja medidas legais equivalentes (Acórdãos de 4 de julho de 2006, Adeneler e o., C‑212/04, EU:C:2006:443, n.° 92, e de 19 de março de 2020, Sánchez Ruiz e o., C‑103/18 e C‑429/18, EU:C:2020:219, n.° 55 e jurisprudência referida).

20      As medidas assim enumeradas no n.° 1, alíneas a) a c), do artigo 5.° do acordo‑quadro, no total de três, referem‑se, respetivamente, a razões objetivas que justificam a renovação de tais contratos ou de tais relações laborais, à duração máxima total daqueles sucessivos contratos de trabalho ou daquelas relações laborais e ao número máximo de renovações destes (Acórdão de 19 de março de 2020, Sánchez Ruiz e o., C‑103/18 e C‑429/18, EU:C:2020:219, n.° 83 e jurisprudência referida).

21      Além disso, quando, como sucede no presente caso, o direito da União não preveja sanções específicas na hipótese de, não obstante, terem sido constatados abusos, incumbe às autoridades nacionais adotarem medidas que devem revestir um caráter não apenas proporcionado mas também suficientemente efetivo e dissuasivo para garantir a plena eficácia das normas adotadas em aplicação do acordo‑quadro (Acórdãos de 4 de julho de 2006, Adeneler e o., C‑212/04, EU:C:2006:443, n.° 94, e de 7 de março de 2018, Santoro, C‑494/16, EU:C:2018:166, n.° 29 e jurisprudência referida).

22      Embora, na falta de regulamentação da União na matéria, as modalidades de transposição daquelas normas façam parte da ordem jurídica interna dos Estados‑Membros por força do princípio da autonomia processual destes últimos, aquelas modalidades não devem no entanto ser menos favoráveis do que as que regulam situações semelhantes de natureza interna (princípio da equivalência) nem tornar impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efetividade) (Acórdãos de 4 de julho de 2006, Adeneler e o., C‑212/04, EU:C:2006:443, n.° 95, e de 7 de março de 2018, Santoro, C‑494/16, EU:C:2018:166, n.° 30 e jurisprudência referida).

23      Quando se tenha verificado que houve um recurso abusivo a sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo certo, deve assim poder ser aplicada uma medida que apresente garantias efetivas e equivalentes de proteção dos trabalhadores para punir devidamente esse abuso e eliminar as consequências da violação do direito da União. Com efeito, de acordo com a própria redação do artigo 2.°, primeiro parágrafo, da Diretiva 1999/70, os Estados‑Membros devem «tomar qualquer disposição necessária para, em qualquer momento, poderem garantir os resultados impostos [por esta] diretiva» (Acórdãos de 4 de julho de 2006, Adeneler e o., C‑212/04, EU:C:2006:443, n.° 102, e de 19 de março de 2020, Sánchez Ruiz e o., C‑103/18 e C‑429/18, EU:C:2020:219, n.° 88 e jurisprudência referida).

24      Daqui resulta que, para que uma regulamentação nacional que proíbe, no setor público, a conversão num contrato de trabalho por tempo indeterminado de uma sucessão de contratos de trabalho a termo certo possa ser considerada conforme com o acordo‑quadro, a ordem jurídica interna do Estado‑Membro em causa deve prever, para o referido setor, outra medida efetiva para evitar e, sendo caso disso, punir a conclusão abusiva de sucessivos contratos a termo certo (Acórdão de 7 de março de 2018, Santoro, C‑494/16, EU:C:2018:166, n.° 34 e jurisprudência referida).

25      Por conseguinte, se o órgão jurisdicional de reenvio vier a constatar que não existe, na regulamentação nacional em causa no processo principal, nenhuma outra medida efetiva para evitar e punir os abusos eventualmente constatados em relação aos trabalhadores do setor público, tal situação é suscetível de prejudicar o objetivo e o efeito útil do artigo 5.° do acordo‑quadro e é, por conseguinte, contrária a este artigo (v., neste sentido, Acórdão de 4 de julho de 2006, Adeneler e o., C‑212/04, EU:C:2006:443, n.os 103 e 104, e, por analogia, Acórdão de 25 de outubro de 2018, Sciotto, C‑331/17, EU:C:2018:859, n.° 66).

26      Atendendo ao que precede, há que responder às questões submetidas que o artigo 5.° do acordo‑quadro deve ser interpretado no sentido de que se opõe à legislação de um Estado‑Membro que proíbe de forma absoluta, no setor público, a conversão de uma sucessão de contratos de trabalho a termo certo num contrato por tempo indeterminado, desde que essa legislação não preveja, para o referido setor, outra medida efetiva para evitar e, sendo caso disso, punir a conclusão abusiva de sucessivos contratos a termo certo.

 Quanto às despesas

27      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

O artigo 5.° do acordoquadro relativo a contratos de trabalho a termo, celebrado em 18 de março de 1999, que figura no anexo da Diretiva 1999/70/CE do Conselho, de 28 de junho de 1999, respeitante ao acordoquadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à legislação de um EstadoMembro que proíbe de forma absoluta, no setor público, a conversão de uma sucessão de contratos de trabalho a termo certo num contrato por tempo indeterminado, desde que essa legislação não preveja, para o referido setor, outra medida efetiva para evitar e, sendo caso disso, punir a conclusão abusiva de sucessivos contratos a termo certo.

Assinaturas


*      Língua do processo: português.