Language of document : ECLI:EU:C:2019:250

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

26 de março de 2019 (*)

«Reenvio prejudicial — Proteção dos consumidores — Diretiva 93/13/CEE — Artigos 6.o e 7.o — Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores — Cláusula de vencimento antecipado de um contrato de mútuo hipotecário — Declaração do caráter parcialmente abusivo da cláusula — Poderes do juiz nacional perante uma cláusula qualificada de “abusiva” — Substituição da cláusula abusiva por uma disposição de direito nacional»

Nos processos apensos C‑70/17 e C‑179/17,

que têm por objeto pedidos de decisão prejudicial apresentados, nos termos do artigo 267.o TFUE, respetivamente, pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha), por Decisão de 8 de fevereiro de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 9 de fevereiro de 2017, e pelo Juzgado de Primera Instancia n.o 1 de Barcelona (Tribunal de Primeira Instância n.o 1 de Barcelona, Espanha), por Decisão de 30 de março de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de abril de 2017, nos processos

Abanca Corporación Bancaria SA

contra

Alberto García Salamanca Santos (C70/17),

e

Bankia SA

contra

Alfonso Antonio Lau Mendoza,

Verónica Yuliana Rodríguez Ramírez (C179/17),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, R. Silva de Lapuerta, vice‑presidente, A. Prechal, M. Vilaras, F. Biltgen, K. Jürimäe e C. Lycourgos, presidentes de secção, E. Juhász, M. Ilešič, E. Levits, L. Bay Larsen, D. Šváby e S. Rodin (relator), juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: L. Carrasco Marco, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 15 de maio de 2018,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Abanca Corporación Bancaria SA, inicialmente, por J. Massaguer Fuentes e C. Vendrell Cervantes, abogados, e, em seguida, por D. Sarmiento Ramírez‑Escudero, abogado,

–        em representação da Bankia SA, por J. M. Rodríguez Cárcamo e A. M. Rodríguez Conde, abogados,

–        em representação do Governo espanhol, por M. J. García‑Valdecasas Dorrego, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo húngaro, por M. Z. Fehér, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por J. Baquero Cruz, N. Ruiz García e A. Cleenewerck de Crayencour, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 13 de setembro de 2018,

profere o presente

Acórdão

1        Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO 1993, L 95, p. 29; a seguir «diretiva»), designadamente dos seus artigos 6.o e 7.o

2        O pedido de decisão prejudicial no processo C‑70/17 foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Abanca Corporación Bancaria SA a Alberto García Salamanca Santos a respeito das consequências a tirar da constatação do caráter abusivo da cláusula de vencimento antecipado contida no ponto 6 bis do contrato de mútuo com garantia hipotecária celebrado entre estas duas partes.

3        O pedido de decisão prejudicial no processo C‑179/17 foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Bankia SA a Alfonso Antonio Lau Mendoza e a Verónica Yuliana Rodríguez Ramírez a respeito do pedido de execução hipotecária, pendente no órgão jurisdicional de reenvio, relativo a um bem hipotecado como garantia do pagamento de um empréstimo.

 Quadro jurídico

 Direito da União

4        O vigésimo quarto considerando da Diretiva 93/13 enuncia «que as autoridades judiciárias e órgãos administrativos dos Estados‑Membros devem dispor de meios adequados e eficazes para pôr termo à aplicação das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores».

5        O artigo 1.o, n.o 1, desta diretiva dispõe:

«A presente diretiva tem por objetivo a aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas às cláusulas abusivas em contratos celebrados entre profissionais e consumidores.»

6        O artigo 3.o da referida diretiva tem a seguinte redação:

«1.      Uma cláusula contratual que não tenha sido objeto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa‑fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato.

2.      Considera‑se que uma cláusula não foi objeto de negociação individual sempre que a mesma tenha sido redigida previamente e, consequentemente, o consumidor não tenha podido influir no seu conteúdo, em especial no âmbito de um contrato de adesão.

[…]»

7        O artigo 6.o, n.o 1, da mesma diretiva prevê:

«Os Estados‑Membros estipularão que, nas condições fixadas pelos respetivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor e que o contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas.»

8        Nos termos do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13:

«Os Estados‑Membros providenciarão para que, no interesse dos consumidores e dos profissionais concorrentes, existam meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional.»

 Direito espanhol

9        O artigo 1124.o do Código Civil tem a seguinte redação:

«A faculdade de resolução das obrigações considera‑se implícita nas obrigações sinalagmáticas, no caso de um dos contratantes não cumprir as suas obrigações.

O lesado pode optar por exigir o cumprimento ou a resolução da obrigação, juntamente com o ressarcimento dos danos e o pagamento de juros em ambos os casos. Também pode pedir a resolução, mesmo que já tenha optado pelo cumprimento, quando este se afigure impossível.

O tribunal decreta a resolução requerida, caso não haja fundamentos justificados que o autorizem a fixar um prazo.»

10      Nos termos do artigo 1303.o do Código Civil:

«Declarada a nulidade de uma obrigação, os contratantes devem restituir reciprocamente tudo o que tiver sido prestado, com os respetivos frutos, bem como o preço acrescido de juros, sem prejuízo dos artigos seguintes.»

11      O artigo 1857.o, n.o 1, deste código enuncia que um requisito essencial dos contratos de hipoteca é serem constituídos «para garantir a execução de uma obrigação principal».

12      O artigo 1858.o do referido código dispõe:

«[…] [outro] elemento essencial destes contratos consiste em que, uma vez vencida a obrigação principal, os bens que constituem o penhor ou a hipoteca possam ser vendidos para pagar ao credor.»

13      Nos termos do artigo 1876.o do mesmo código:

«[…] a hipoteca submete direta e imediatamente os bens que onera, seja qual for o seu possuidor, ao cumprimento da obrigação para que foi constituída a título de garantia.»

14      A Ley 1/2000, de Enjuiciamiento Civil (Lei n.o 1/2000, relativa ao Código de Processo Civil), de 7 de janeiro de 2000 (BOE n.o 7, de 8 de janeiro de 2000, p. 575, a seguir «LEC»), foi alterada pela Ley 1/2013, de medidas para reforzar la protección a los deudores hipotecarios, reestructuración de deuda y alquiler social (Lei n.o 1/2013, relativa às medidas que visam reforçar a proteção dos devedores hipotecários, a reestruturação da dívida e o arrendamento social), de 14 de maio de 2013 (BOE n.o 116, de 15 de maio de 2013, p. 36373), pelo Real Decreto‑ley 7/2013, de medidas urgentes de naturaleza tributaria, presupuestaria y de fomento de la investigación, el desarrollo y la innovación (Real Decreto‑Lei n.o 7/2013, relativo às medidas urgentes de natureza fiscal e orçamental e que promove a investigação, o desenvolvimento e a inovação), de 28 de junho de 2013 (BOE n.o 155, de 29 de junho de 2013, p. 48767), e, em seguida, pelo Real Decreto‑ley 11/2014, de medidas urgentes en materia concursal (Real Decreto‑Lei n.o 11/2014, relativo às medidas urgentes em matéria de insolvência), de 5 de setembro de 2014 (BOE n.o 217, de 6 de setembro de 2014, p. 69767).

15      O artigo 693.o, n.o 2, da LEC, na sua versão em vigor na data da assinatura dos contratos de mútuo hipotecário em causa nos processos principais, dispunha:

«O pagamento total da dívida (capital e juros) pode ser reclamado se o vencimento da totalidade da dívida mutuária tiver sido acordado em caso de não pagamento de uma das prestações estipuladas e o referido acordo estiver inscrito no registo.»

16      Nos termos do artigo 693.o, n.o 2, da LEC, relativo ao vencimento antecipado de dívidas a pagar em prestações, na sua versão posterior à assinatura dos contratos em causa nos processos principais:

«O pagamento total da dívida (capital e juros) pode ser reclamado se o vencimento da totalidade da dívida mutuária tiver sido acordado em caso de não pagamento de, pelo menos, três prestações mensais, sem que o devedor cumpra a sua obrigação de pagamento, ou de um número de prestações tal que pressuponha que o devedor não cumpriu a sua obrigação durante um período, pelo menos, equivalente a três meses, e este acordo constar do contrato de mútuo e do respetivo registo.»

17      O artigo 695.o da LEC, relativo ao processo de oposição à execução hipotecária de imóveis, na sua versão posterior à assinatura dos contratos em causa nos processos principais, tem a seguinte redação:

«1.      Nos processos objeto do presente capítulo, a oposição deduzida pelo executado só pode ser admitida com base nos seguintes fundamentos:

[…]

4)      O caráter abusivo de uma cláusula contratual que constitua o fundamento da execução ou que tenha permitido determinar a quantia exigível.

2.      Deduzida a oposição referida no número anterior, o secretário judicial suspende a execução e convoca as partes para comparecerem no tribunal que proferiu o despacho de execução. Deverá proceder‑se à citação para comparência pelo menos quinze dias antes da realização da audiência em questão. Nessa audiência, o tribunal ouve as partes, admite os documentos apresentados e, no segundo dia, adota a decisão pertinente, sob a forma de despacho.

3.      […]

Se o quarto fundamento for acolhido, é declarada a rejeição da execução quando a cláusula contratual constitua o fundamento da execução. Nos outros casos, a execução prossegue não se aplicando a cláusula abusiva.

4.      Pode ser interposto recurso do despacho que decreta a rejeição da execução, a não aplicação de uma cláusula abusiva ou a improcedência da oposição com o fundamento previsto no n.o 1, ponto 4, anterior.

Nos outros casos, as decisões relativas à oposição a que se refere o presente artigo não são suscetíveis de recurso e os seus efeitos limitar‑se‑ão exclusivamente ao processo de execução em que são proferidas.»

18      O Real Decreto Legislativo 1/2007 por el que se aprueba el texto refundido de la Ley General para la Defensa de los Consumidores y Usuarios y otras leyes complementarias (Real Decreto Legislativo n.o 1/2007, que reformula a lei geral relativa à proteção dos consumidores e dos utentes e outras leis complementares), de 16 de novembro de 2007 (BOE n.o 287, de 30 de novembro de 2007, p. 49181), conforme alterado pela Ley 3/2014 (Lei n.o 3/2014), de 27 de março de 2014 (BOE n.o 76, de 28 de março de 2014, p. 26967), dispõe, no seu artigo 83.o:

«As cláusulas abusivas são nulas de pleno direito e consideram‑se não escritas. Para o efeito, o juiz, após consultar as partes, declara a nulidade das cláusulas abusivas constantes do contrato, o qual continuará, no entanto, a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas.»

 Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

 Processo C‑70/17

19      Por contrato assinado em 30 de maio de 2008, A. García Salamanca Santos e a Sr.a Varela Pena obtiveram um crédito com garantia hipotecária junto do estabelecimento bancário Abanca Corporación Bancaria, por um montante de 100 000 euros, concedido pelo período de trinta anos.

20      A cláusula 6 bis deste contrato, relativa à resolução antecipada, tem a seguinte redação:

«6 bis. Resolução antecipada pela instituição de crédito.

[O banco] pode, sem necessidade de interpelação prévia, declarar o empréstimo exigível e pedir judicialmente o pagamento da totalidade da dívida, tanto dos montantes vencidos como dos vincendos, acrescidos dos respetivos juros, juros de mora, encargos e despesas, nos seguintes casos:

a)      Falta de pagamento de qualquer prestação de juros ou de capital, incluindo todos os elementos que a integrem, pedindo expressamente as partes que esta cláusula seja mencionada no registo predial, em conformidade com o artigo 693.o da Lei n.o 1/2000.

[…]»

21      A. García Salamanca Santos interpôs um recurso no órgão jurisdicional de primeira instância espanhol competente, pedindo a anulação de várias cláusulas do referido contrato de mútuo hipotecário, entre as quais a cláusula 6 bis, com o fundamento de que eram abusivas.

22      Aquele órgão jurisdicional deu provimento ao recurso e anulou, designadamente, a cláusula 6 bis do contrato de mútuo hipotecário.

23      A Abanca Corporación Bancaria recorreu desta decisão para a Audiencia Provincial de Pontevedra (Tribunal Provincial de Pontevedra, Espanha), que negou provimento ao recurso por Acórdão de 14 de maio de 2014, confirmando assim a decisão proferida em primeira instância.

24      A Abanca Corporación Bancaria interpôs recurso de cassação para o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha) contra o acórdão da Audiencia Provincial de Pontevedra (Tribunal Provincial de Pontevedra).

25      O órgão jurisdicional de reenvio começa por considerar que a cláusula 6 bis é abusiva na medida em que prevê o vencimento antecipado do contrato de mútuo hipotecário a partir do momento em que o devedor não pagar uma única prestação mensal do empréstimo. Manifesta dúvidas quanto à possibilidade, tendo em conta o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, de declarar uma cláusula contratual parcialmente abusiva, preservando a parte dessa cláusula que não é considerada abusiva. Entende, a este respeito, em substância, que a exclusão do elemento abusivo de uma cláusula contratual e a manutenção do resto do seu conteúdo que não tem caráter abusivo não constituem uma revisão ou uma substituição do conteúdo contratual.

26      O órgão jurisdicional de reenvio pergunta‑se, em seguida, se é conforme com as disposições da Diretiva 93/13 aplicar supletivamente uma disposição de direito nacional a fim de permitir a prossecução de um processo de execução hipotecária iniciado em aplicação de uma cláusula relativa ao vencimento antecipado de um contrato de mútuo, cujo caráter abusivo foi constatado por um órgão jurisdicional nacional, na medida em que se considera que esse processo é mais favorável aos consumidores do que o processo de execução ordinária.

27      Nestas condições, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 ser interpretado no sentido de que um tribunal nacional, ao apreciar o caráter abusivo de uma cláusula de vencimento antecipado integrada num contrato de [mútuo] hipotecário celebrado com um consumidor, que prevê [o vencimento por falta de pagamento de uma única prestação], além de outras situações de falta [de] pagamento de outras prestações, apenas pode declarar o caráter abusivo do ponto ou da situação de falta de pagamento de uma prestação e que o acordo relativo ao vencimento antecipado por falta de pagamento de prestações, igualmente previsto nessa cláusula em termos gerais, continua a ser válido, independentemente de a apreciação em concreto da validade ou do caráter abusivo dever ser diferida para o momento do exercício dessa faculdade [de declarar o vencimento antecipado do empréstimo]?

2)      Um tribunal nacional, em conformidade com a Diretiva 93/13, uma vez declarado o caráter abusivo de uma cláusula de vencimento antecipado de um contrato de mútuo ou crédito com garantia hipotecária, tem a faculdade de declarar que a aplicação supletiva de uma norma de direito nacional, embora preveja o início ou o prosseguimento do processo de execução contra o consumidor, é mais vantajosa para este do que suspender o referido processo especial de execução hipotecária e permitir ao credor pedir a resolução do contrato de mútuo ou crédito, ou exigir as quantias em dívida, e a subsequente execução da sentença de condenação, sem as vantagens que a execução especial hipotecária confere ao consumidor?»

 Processo C‑179/17

28      Em 22 de junho de 2005, V. Y. Rodríguez Ramírez e A. Lau Mendoza celebraram com o banco Bankia um contrato de mútuo hipotecário por um montante de 188 000 euros, concedido pelo período de 37 anos.

29      A cláusula 6 bis do contrato, intitulada «Resolução antecipada pela instituição de crédito», prevê o seguinte:

«Não obstante a duração estipulada do presente contrato, o banco credor pode declarar o vencimento do empréstimo, considerando o empréstimo resolvido e a dívida antecipadamente vencida na totalidade, designadamente por não pagamento no vencimento de uma, de várias ou de todas as prestações de reembolso previstas na segunda cláusula [relativa à amortização].»

30      Na sequência do não pagamento de 36 prestações mensais pelos recorridos no processo principal, a Bankia apresentou ao Juzgado de Primera Instancia n.o 1 de Barcelona (Tribunal de Primeira Instância n.o 1 de Barcelona, Espanha) um pedido de execução hipotecária do bem hipotecado para garantia do pagamento do empréstimo concedido.

31      O órgão jurisdicional de reenvio salienta que, segundo a jurisprudência do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal), quando um tribunal chamado a apreciar um processo especial de execução hipotecária constata que esse processo se baseia numa cláusula abusiva que prevê, designadamente, o vencimento antecipado do contrato de mútuo em caso de não pagamento de uma única prestação mensal, esse tribunal deve prosseguir com o processo, em vez de rejeitar a execução ao abrigo do artigo 695.o, n.os 1 e 3, da LEC. Para tanto, é necessário substituir tal cláusula pela regra prevista no artigo 693.o, n.o 2, da LEC, na sua versão posterior à assinatura do contrato de mútuo hipotecário referido no n.o 28 do presente acórdão, que permite o vencimento antecipado do empréstimo em caso de não pagamento de, pelo menos, três prestações mensais.

32      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, resulta desta jurisprudência que a rejeição da execução implica que, após essa rejeição, o banco possa invocar o artigo 1124.o do Código Civil, que permite intentar uma ação para que o tribunal ao qual o processo foi submetido declare a resolução do contrato. A decisão judicial resultante dessa ação é objeto de um processo de execução ordinária que permite penhorar todos os bens do devedor, incluindo a sua casa de habitação.

33      O órgão jurisdicional de reenvio observa igualmente que, segundo o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal), quando o bem hipotecado for a casa de habitação do devedor, o processo especial de execução hipotecária apresenta, contrariamente ao processo de execução ordinária, várias particularidades destinadas a proteger esse devedor. Entre essas particularidades destacam‑se, designadamente, a possibilidade de o devedor obter o levantamento da penhora do bem, a aplicação de um preço mínimo abaixo do qual a casa de habitação do devedor não pode ser vendida em leilão, bem como a faculdade de o devedor se liberar da dívida quando o montante resultante da venda em leilão for insuficiente para cobrir a totalidade da dívida. Face a essas particularidades, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) considerou que o processo especial de execução hipotecária é mais favorável aos interesses dos consumidores do que o processo de execução ordinária iniciado na sequência de uma ação declarativa baseada no artigo 1124.o do Código Civil.

34      Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas sobre a compatibilidade da jurisprudência do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) com os artigos 6.o e 7.o da Diretiva 93/13.

35      Por um lado, questiona que o processo de execução hipotecária seja mais vantajoso do que a resolução judicial do contrato de mútuo hipotecário baseada no artigo 1124.o do Código Civil, seguida de um processo de execução ordinária. Salienta a este respeito que, num processo de execução ordinária, o consumidor poderia, na prática, ganhar tempo e evitar momentaneamente ser expulso da sua casa de habitação. Além disso, uma análise da jurisprudência do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) e do teor do artigo 1124.o do Código Civil revela que, no caso dos mútuos hipotecários para a aquisição de uma casa de habitação, é relativamente provável que a ação declarativa baseada no artigo 1124.o do Código Civil seja julgada improcedente porque este artigo não é aplicável aos contratos de mútuo. Mesmo na hipótese de se admitir a aplicabilidade do artigo 1124.o do Código Civil aos contratos de mútuo, o órgão jurisdicional de reenvio afirma que não se pode excluir a improcedência da ação de resolução se o tribunal considerar que se justifica conceder um prazo ao devedor, como permite expressamente este artigo.

36      Por outro lado, a aplicação supletiva do artigo 693.o, n.o 2, da LEC, na sua versão em vigor posteriormente à assinatura do contrato de mútuo hipotecário, em vez da cláusula contratual declarada abusiva, seria, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, problemática sob dois pontos de vista.

37      Em primeiro lugar, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, designadamente o seu Acórdão de 21 de janeiro de 2015, Unicaja Banco e Caixabank (C‑482/13, C‑484/13, C‑485/13 e C‑487/13, EU:C:2015:21), o tribunal nacional apenas pode substituir uma cláusula abusiva por uma disposição nacional supletiva nos «casos em que a invalidação da cláusula abusiva obrigasse o tribunal a anular o contrato no seu todo, expondo assim o consumidor a consequências tais que este seria penalizado».

38      Em segundo lugar, admitindo que se possa recorrer em abstrato à aplicação supletiva do artigo 693.o, n.o 2, da LEC, na sua versão em vigor posteriormente à assinatura do contrato de mútuo hipotecário, a existência de um acordo entre as partes seria uma condição fundamental prevista por esta disposição para a sua aplicação. No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio considera que tal acordo resultou efetivamente da conclusão do contrato de mútuo hipotecário, mas esse acordo foi precisamente considerado abusivo e declarado nulo.

39      Por todas estas razões, que revelam questões jurídicas que podem ser importantes no contexto da resposta a dar ao pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) no processo C‑70/17, o órgão jurisdicional de reenvio considerou oportuno e necessário apresentar ao Tribunal de Justiça um novo pedido de decisão prejudicial, para que este, sendo caso disso, fosse apensado ao pedido apresentado anteriormente no processo C‑70/17.

40      Nestas condições, o Juzgado de Primera Instancia n.o 1 de Barcelona (Tribunal de Primeira Instância n.o 1 de Barcelona) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      É compatível com os artigos 6.o e 7.o da [Diretiva 93/13] uma jurisprudência (Acórdão do Tribunal Supremo [(Supremo Tribunal)] de 18 de fevereiro de 2016) segundo a qual, apesar do caráter abusivo da cláusula de vencimento antecipado e de esta constituir o fundamento do processo executivo, a execução hipotecária não deve ser arquivada pelo facto de o seu prosseguimento ser mais vantajoso para o consumidor, dado que, [no caso de uma] eventual execução de uma decisão proferida num processo declarativo baseado no artigo 1124.o do Código Civil, o consumidor não poderia beneficiar dos privilégios processuais próprios da execução hipotecária, mas sem ter em conta a referida jurisprudência, que, segundo jurisprudência reiterada e assente do próprio Tribunal Supremo [(Supremo Tribunal)], este artigo 1124.o do Código Civil (previsto para os contratos que dão origem a obrigações sinalagmáticas) não é aplicável ao contrato de mútuo, por se tratar de um contrato real e unilateral que não fica concluído até à entrega do preço e que, por isso, apenas gera obrigações para o mutuário e não para o mutuante (credor), pelo que, se esta jurisprudência do próprio Tribunal Supremo [(Supremo Tribunal)] no processo declarativo fosse seguida, o consumidor poderia obter uma decisão que julgasse improcedente o pedido de resolução e de indemnização, deixando assim de poder sustentar‑se que o prosseguimento da execução hipotecária lhe é mais vantajoso?

2)      Caso se admita a aplicação do artigo 1124.o do Código Civil aos contratos de mútuo ou em todos os casos de contratos de crédito, é compatível com os artigos 6.o e 7.o da [Diretiva 93/13], relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, uma jurisprudência como a indicada, que, para avaliar se é mais vantajoso para o consumidor o prosseguimento da execução hipotecária ou um processo declarativo baseado no artigo 1124.o do Código Civil, não tem em conta o facto de que, neste processo, a resolução do contrato e o pedido de indemnização podem ser julgados improcedentes se o tribunal aplicar a previsão desse mesmo artigo 1124.o do Código Civil segundo a qual “[o tribunal decreta] a resolução requerida, caso não haja fundamentos justificados que o autorizem a fixar um prazo”, tendo em conta que, precisamente no contexto de empréstimos e créditos hipotecários para a aquisição de habitação com duração prolongada (20 ou 30 anos), é relativamente provável que os tribunais apliquem este fundamento de improcedência, especialmente quando o incumprimento efetivo da obrigação de pagamento não tenha sido muito grave?

3)      Caso se aceite que é mais vantajoso para o consumidor o prosseguimento da execução hipotecária com os efeitos do vencimento antecipado, é compatível com os artigos 6.o e 7.o da [Diretiva 93/13], relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, uma jurisprudência como a indicada, que aplica supletivamente uma norma legal (artigo 693.o, n.o 2, da LEC) apesar de o contrato poder subsistir sem a cláusula de vencimento antecipado, e que confere efeitos ao referido artigo 693.o, n.o 2, da LEC embora não se verifique o seu pressuposto essencial: a existência, no contrato, de uma cláusula válida e eficaz de vencimento antecipado, que precisamente foi qualificada de abusiva, nula e inválida?»

 Quanto à apensação dos processos C70/17 e C179/17

41      Dada a conexão entre os processos C‑70/17 e C‑179/17, em conformidade com o artigo 54.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, há que apensá‑los para efeitos do presente acórdão.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial no processo C179/17

42      O Governo espanhol contesta a admissibilidade do pedido de decisão prejudicial no processo C‑179/17 por considerar que este tem por objetivo completar o quadro jurídico exposto pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) no âmbito do processo C‑70/17 a fim de permitir ao Tribunal de Justiça dispor de todos os elementos pertinentes para responder às questões prejudiciais submetidas neste último processo. Ora, segundo o Governo espanhol, a finalidade de um reenvio prejudicial é obter uma interpretação do direito da União, e não corrigir o conteúdo de questões prejudiciais submetidas no âmbito de outros processos pendentes no Tribunal de Justiça. Por outro lado, o Governo espanhol sustenta que as questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio têm unicamente por objeto a interpretação de regras de direito nacional.

43      Como o advogado‑geral salientou no n.o 43 das suas conclusões, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, no âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267.o TFUE, o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal (Acórdãos de 29 de novembro de 1978, Redmond, 83/78, EU:C:1978:214, n.o 25, e de 14 de junho de 2012, Banco Español de Crédito, C‑618/10, EU:C:2012:349, n.o 76 e jurisprudência referida).

44      Consequentemente, desde que a questão submetida seja relativa à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se. Este só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional quando for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto ou de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (Acórdãos de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 25, e de 20 de dezembro de 2017, Global Starnet, C‑322/16, EU:C:2017:985, n.o 17).

45      No presente caso, o pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 6.o e 7.o da Diretiva 93/13. Acresce que a decisão de reenvio expõe o quadro factual e jurídico de maneira suficiente para permitir determinar o alcance das questões submetidas. Além disso, não se afigura que a interpretação do direito da União solicitada não tenha nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, ou que o problema seja hipotético.

46      Finalmente, atendendo à jurisprudência referida no n.o 44 do presente acórdão, a questão de saber se o órgão jurisdicional de reenvio pretende completar o quadro jurídico do pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) no processo C‑70/17 não é pertinente para apreciar a admissibilidade do pedido de decisão prejudicial no processo C‑179/17.

47      Daqui resulta que o pedido de decisão prejudicial no processo C‑179/17 é admissível.

 Quanto ao mérito

48      Através das suas questões no processo C‑70/17 e no processo C‑179/17, que há que examinar em conjunto, os órgãos jurisdicionais de reenvio perguntam, em substância, se os artigos 6.o e 7.o da Diretiva 93/13 devem ser interpretados no sentido de que, por um lado, quando uma cláusula de vencimento antecipado de um contrato de mútuo hipotecário seja julgada abusiva, pode, não obstante, ser parcialmente mantida suprimindo‑se os elementos que a tornam abusiva, e de que, por outro, no caso contrário, o processo de execução hipotecária iniciado em aplicação dessa cláusula pode, ainda assim, prosseguir aplicando‑se supletivamente uma regra de direito nacional, quando a impossibilidade de recorrer a esse processo pudesse ser contrária aos interesses dos consumidores.

49      Segundo jurisprudência constante, o sistema de proteção estabelecido pela Diretiva 93/13 assenta na ideia de que o consumidor se encontra numa situação de inferioridade relativamente ao profissional, no que respeita tanto ao poder de negociação como ao nível de informação, situação que o leva a aderir às condições redigidas previamente pelo profissional, sem poder influenciar o conteúdo destas (v., designadamente, Acórdão de 3 de junho de 2010, Caja de Ahorros y Monte de Piedad de Madrid, C‑484/08, EU:C:2010:309, n.o 27 e jurisprudência referida).

50      Tendo em conta tal situação de inferioridade, a Diretiva 93/13 obriga os Estados‑Membros a preverem um mecanismo que garanta que qualquer cláusula contratual que não tenha sido negociada individualmente possa ser fiscalizada para apreciar o seu caráter eventualmente abusivo. Neste contexto, incumbe ao juiz nacional determinar, tendo em conta os critérios enunciados no artigo 3.o, n.o 1, e no artigo 5.o da Diretiva 93/13, se, atendendo às circunstâncias específicas do caso em apreço, essa cláusula respeita as exigências da boa‑fé, do equilíbrio e da transparência impostas por esta diretiva (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de março de 2013, RWE Vertrieb, C‑92/11, EU:C:2013:180, n.os 42 a 48, e de 30 de abril de 2014, Kásler e Káslerné Rábai, C‑26/13, EU:C:2014:282, n.o 40).

51      Nos presentes processos, resulta das apreciações dos órgãos jurisdicionais de reenvio que as cláusulas em causa nos processos principais, embora inspiradas no artigo 693.o, n.o 2, da LEC, na sua versão em vigor na data da assinatura dos contratos de mútuo hipotecário em causa nos processos principais nos quais se inseriam, devem ser consideradas abusivas na medida em que preveem que a instituição financeira pode declarar o vencimento antecipado do contrato e exigir o reembolso do empréstimo a partir do momento em que o devedor não pague uma prestação mensal.

52      Neste contexto, importa começar por recordar que, em conformidade com o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, incumbe aos órgãos jurisdicionais de reenvio absterem‑se de aplicar as cláusulas abusivas a fim de que não produzam efeitos vinculativos para o consumidor, salvo se o consumidor a isso se opuser (v., neste sentido, Acórdãos de 4 de junho de 2009, Pannon GSM, C‑243/08, EU:C:2009:350, n.o 35, e de 14 de junho de 2012, Banco Español de Crédito, C‑618/10, EU:C:2012:349, n.o 65).

53      Em seguida, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, quando o juiz nacional declara a nulidade de uma cláusula abusiva num contrato celebrado entre um profissional e um consumidor, o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regra de direito nacional que permite ao juiz nacional completar esse contrato alterando o conteúdo dessa cláusula (Acórdãos de 14 de junho de 2012, Banco Español de Crédito, C‑618/10, EU:C:2012:349, n.o 73, e de 30 de abril de 2014, Kásler e Káslerné Rábai, C‑26/13, EU:C:2014:282, n.o 77).

54      Assim, se fosse possível ao juiz nacional alterar o conteúdo das cláusulas abusivas desse contrato, essa faculdade poderia frustrar a realização do objetivo a longo prazo previsto no artigo 7.o da Diretiva 93/13. Na verdade, essa faculdade contribuiria para eliminar o efeito dissuasivo exercido sobre os profissionais pela não aplicação pura e simples de tais cláusulas abusivas ao consumidor, pois os profissionais seriam tentados a utilizar as referidas cláusulas, sabendo que, mesmo que viessem a ser invalidadas, o contrato poderia sempre ser integrado, na medida do necessário, pelo juiz nacional, garantindo desse modo o interesse dos referidos profissionais (Acórdãos de 14 de junho de 2012, Banco Español de Crédito, C‑618/10, EU:C:2012:349, n.o 69, e de 30 de abril de 2014, Kásler e Káslerné Rábai, C‑26/13, EU:C:2014:282, n.o 79).

55      Nos presentes processos, a simples supressão do motivo de vencimento que torna as cláusulas em causa nos processos principais abusivas implicaria, em última análise, alterar o conteúdo dessas cláusulas, afetando a sua substância. Por conseguinte, não pode ser admitida a manutenção parcial das referidas cláusulas, sob pena de afetar diretamente o efeito dissuasivo recordado no número anterior do presente acórdão.

56      Todavia, o Tribunal já declarou que não decorre da jurisprudência referida nos n.os 53 e 54 do presente acórdão que, numa situação em que um contrato celebrado entre um profissional e um consumidor não pode subsistir após a supressão de uma cláusula abusiva, o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 se opõe a que o juiz nacional, em aplicação de princípios do direito dos contratos, suprima a cláusula abusiva substituindo‑a por uma disposição de direito nacional supletiva em situações em que a invalidação da cláusula abusiva obrigasse o tribunal a anular o contrato no seu todo, expondo assim o consumidor a consequências particularmente prejudiciais, de modo que este seria penalizado por isso (v., neste sentido, Acórdão de 30 de abril de 2014, Kásler e Káslerné Rábai, C‑26/13, EU:C:2014:282, n.os 80, 83 e 84).

57      A este respeito, o Tribunal declarou que tal substituição é plenamente justificada face à finalidade da Diretiva 93/13. Com efeito, é conforme com o objetivo do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, uma vez que esta disposição pretende substituir o equilíbrio formal que o contrato estabelece entre os direitos e as obrigações dos contratantes por um equilíbrio real suscetível de restabelecer a igualdade entre estes, e não anular todos os contratos que contenham cláusulas abusivas (v., neste sentido, Acórdão de 30 de abril de 2014, Kásler e Káslerné Rábai, C‑26/13, EU:C:2014:282, n.os 81 e 82 e jurisprudência referida).

58      Se, numa situação como a descrita no n.o 56 do presente acórdão, não fosse permitido substituir uma cláusula abusiva por uma disposição de direito nacional supletiva, obrigando o juiz nacional a anular o contrato no seu todo, o consumidor poderia ser exposto a consequências particularmente prejudiciais, de modo que o caráter dissuasivo resultante da anulação do contrato poderia ficar comprometido. Com efeito, relativamente a um contrato de mútuo, tal anulação teria, em princípio, por consequência tornar imediatamente exigível o montante do empréstimo remanescente em dívida, numa medida suscetível de exceder as capacidades financeiras do consumidor, e, por esse facto, tenderia a penalizar mais este último do que o mutuante, que, por consequência, não seria dissuadido de inserir tais cláusulas nos contratos que propõe (v., neste sentido, Acórdão de 30 de abril de 2014, Kásler e Káslerné Rábai, C‑26/13, EU:C:2014:282, n.os 83 e 84).

59      Por motivos análogos, deve considerar‑se que, numa situação em que um contrato de mútuo hipotecário celebrado entre um profissional e um consumidor não pode subsistir após a supressão de uma cláusula abusiva cujo teor se inspira numa disposição legislativa aplicável em caso de acordo entre as partes do contrato, o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 não pode ser interpretado no sentido de que se opõe a que o juiz nacional, com vista a evitar a nulidade desse contrato, substitua essa cláusula pela nova redação desta disposição legislativa de referência introduzida posteriormente à celebração do contrato, na medida em que a anulação do contrato poderia expor o consumidor a consequências particularmente prejudiciais.

60      Nos presentes processos, os contratos em causa nos litígios principais têm por objeto, por um lado, a concessão de empréstimos por um banco e, por outro, a constituição de garantias hipotecárias relativas a esses empréstimos. As cláusulas em causa nos litígios principais, inspiradas na redação do artigo 693.o, n.o 2, da LEC, na sua versão em vigor na data da assinatura desses contratos, permitem, em substância, aos bancos em questão declarar o vencimento do empréstimo e exigir o pagamento do seu montante remanescente, em caso de não pagamento de qualquer prestação mensal. Incumbe aos órgãos jurisdicionais de reenvio verificar, em conformidade com as regras do direito interno e segundo uma abordagem objetiva (v., neste sentido, Acórdão de 15 de março de 2012, Pereničová e Perenič, C‑453/10, EU:C:2012:144, n.o 32), se a supressão dessas cláusulas teria por consequência que os contratos de mútuo hipotecário não pudessem subsistir.

61      Nessa hipótese, caberá aos órgãos jurisdicionais de reenvio examinar se a anulação dos contratos de mútuo hipotecário em causa nos processos principais poderia expor os consumidores em questão a consequências particularmente prejudiciais. A este respeito, resulta das decisões de reenvio que tal anulação poderia ter efeitos, em especial, sobre as modalidades processuais de direito nacional segundo as quais os bancos podem obter judicialmente o reembolso da totalidade do montante remanescente do empréstimo ainda devido pelos consumidores. Assim, em caso de anulação dos contratos de mútuo hipotecário em causa nos processos principais, a cobrança dos créditos dos bancos deverá ser efetuada através de um processo de execução ordinária, ao passo que, se esses contratos forem mantidos substituindo‑se a cláusula abusiva pela nova versão do artigo 693.o, n.o 2, da LEC, que permite o vencimento antecipado desses mesmos contratos após o devedor não ter pagado, pelo menos, três prestações mensais, continuará a ser aplicável o processo específico de execução hipotecária. Estes dois processos distinguem‑se, designadamente, pela circunstância de o processo específico de execução hipotecária da casa de habitação habitual se caracterizar pela possibilidade de o devedor obter o levantamento da penhora do bem até à data do leilão consignando os montantes devidos, pela possibilidade de obter o perdão parcial da dívida, bem como pela garantia de o bem hipotecado não ser vendido a um preço inferior a 75 % do seu valor estimado.

62      Ora, tal deterioração da posição processual dos consumidores em causa, devido à utilização de um processo de execução ordinária em vez do processo específico de execução hipotecária, é pertinente no quadro da apreciação das consequências da anulação dos contratos em causa e, segundo o que foi declarado no n.o 59 do presente acórdão, poderia desse modo justificar, no caso de expor os referidos consumidores a consequências particularmente prejudiciais, que os órgãos jurisdicionais de reenvio substituíssem as cláusulas abusivas pela versão do referido artigo 693.o, n.o 2, da LEC posterior à assinatura dos contratos em causa nos processos principais. No entanto, dado que as características dos referidos processos de execução são exclusivamente da esfera do direito nacional, cabe unicamente aos órgãos jurisdicionais de reenvio proceder às verificações e comparações necessárias a este respeito.

63      Em contrapartida, se esses mesmos órgãos jurisdicionais concluíssem que os contratos de mútuo hipotecário em questão podem subsistir sem as cláusulas abusivas em causa nos processos principais, deveriam, em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 56 do presente acórdão, abster‑se de aplicar essas cláusulas, salvo se o consumidor a isso se opuser, designadamente na hipótese de este considerar que uma execução hipotecária efetuada com fundamento em tal cláusula lhe seria mais favorável do que a via do processo de execução ordinária. Com efeito, esse contrato deve subsistir, em princípio, sem nenhuma outra alteração para além da resultante da supressão das cláusulas abusivas, na medida em que, em conformidade com as regras do direito interno, a manutenção do contrato seja juridicamente possível (v., neste sentido, Acórdão de 26 de janeiro de 2017, Banco Primus, C‑421/14, EU:C:2017:60, n.o 71).

64      Atendendo às considerações precedentes, há que responder às questões submetidas nos processos C‑70/17 e C‑179/17 que os artigos 6.o e 7.o da Diretiva 93/13 devem ser interpretados no sentido de que, por um lado, se opõem a que uma cláusula de vencimento antecipado de um contrato de mútuo hipotecário julgada abusiva seja parcialmente mantida suprimindo‑se os elementos que a tornam abusiva, quando tal supressão implique a alteração do conteúdo da referida cláusula, afetando a sua substância, e de que, por outro, não se opõem a que o juiz nacional possa sanar a nulidade de tal cláusula abusiva, substituindo‑a pela nova redação da disposição legislativa que inspirou tal cláusula, aplicável em caso de acordo entre as partes no contrato, desde que o contrato de mútuo hipotecário em causa não possa subsistir em caso de supressão da referida cláusula abusiva e que a anulação do contrato no seu todo exponha o consumidor a consequências particularmente prejudiciais.

 Quanto às despesas

65      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

Os artigos 6.o e 7.o da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, devem ser interpretados no sentido de que, por um lado, se opõem a que uma cláusula de vencimento antecipado de um contrato de mútuo hipotecário julgada abusiva seja parcialmente mantida suprimindose os elementos que a tornam abusiva, quando tal supressão implique a alteração do conteúdo da referida cláusula, afetando a sua substância, e de que, por outro, não se opõem a que o juiz nacional possa sanar a nulidade de tal cláusula abusiva, substituindoa pela nova redação da disposição legislativa que inspirou tal cláusula, aplicável em caso de acordo entre as partes no contrato, desde que o contrato de mútuo hipotecário em causa não possa subsistir em caso de supressão da referida cláusula abusiva e que a anulação do contrato no seu todo exponha o consumidor a consequências particularmente prejudiciais.

Assinaturas


*      Língua do processo: espanhol.