Language of document : ECLI:EU:C:2019:7

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

10 de janeiro de 2019 (*)

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria penal — Princípio do reconhecimento mútuo das decisões de perda — Decisão‑Quadro 2006/783/JAI — Artigo 12, n.os 1 e 4 — Legislação que rege a execução — Legislação do Estado de execução que autoriza o recurso à detenção para o pagamento de uma prestação pecuniária em caso de não execução da medida de perda — Conformidade — Legislação do Estado de emissão que autoriza igualmente o recurso à detenção para o pagamento de uma prestação pecuniária — Falta de incidência»

No processo C‑97/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo rechtbank Noord‑Nederland (Tribunal de Primeira Instância de Noord‑Nederland, Países Baixos), por decisão de 1 de fevereiro de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 12 de fevereiro de 2018, no processo penal contra


ET,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot, presidente de secção, R. Silva de Lapuerta (relatora), vice‑presidente, C. Toader, A. Rosas e L. Bay Larsen, juízes,

advogado‑geral: M. Bobek,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação do Governo neerlandês, por J. M. Hoogveld e M. Bulterman, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo alemão, por T. Henze, M. Hellmann e E. Lankenau, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo austríaco, por G. Hesse, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por R. Troosters e S. Grünheid, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 12.o da Decisão‑Quadro 2006/783/JAI do Conselho, de 6 de outubro de 2006, relativa à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo às decisões de perda (JO 2006, L 328, p. 59).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um processo relativo a um pedido de autorização de execução de uma detenção para o pagamento de uma prestação pecuniária apresentado pelo Openbaar ministerie (Ministério Público, Países Baixos), destinado a garantir a execução, nos Países Baixos, de uma decisão de perda proferida contra ET na Bélgica.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Os considerandos 1, 7, 8 e 13 da Decisão‑Quadro 2006/783 enunciam:

«(1)      O Conselho Europeu, reunido em Tampere em 15 e 16 de outubro de 1999, salientou que o princípio do reconhecimento mútuo se deve tornar a pedra angular da cooperação judiciária na União, tanto em matéria civil como penal.

[…]

(7)      A principal motivação da criminalidade organizada é o lucro. Por conseguinte, para ser eficaz, qualquer tentativa de prevenir e combater essa criminalidade deverá centrar‑se na deteção, congelamento, apreensão e perda dos produtos do crime. Não basta assegurar meramente o reconhecimento mútuo, na União Europeia, de medidas jurídicas temporárias, como o congelamento e a apreensão; um controlo eficaz da criminalidade económica exige também o reconhecimento mútuo das decisões de perda dos produtos do crime.

(8)      A presente decisão‑quadro tem por objetivo facilitar a cooperação entre Estados‑Membros, no que se refere ao reconhecimento mútuo e à execução de decisões de perda de bens, de forma a obrigar um Estado‑Membro a reconhecer e executar no seu território decisões de perda proferidas por um tribunal competente em matéria penal de outro Estado‑Membro. A presente decisão‑quadro está relacionada com a Decisão‑Quadro 2005/212/JAI do Conselho, de 24 de fevereiro de 2005, relativa à perda de produtos, instrumentos e bens relacionados com o crime [JO 2005, L 68, p. 49]. O objetivo dessa decisão‑quadro consiste em assegurar que todos os Estados‑Membros disponham de regras eficazes aplicáveis à perda dos produtos do crime, nomeadamente no que se refere ao ónus da prova relativamente à origem dos bens que se encontrem na posse de uma pessoa condenada pela prática de uma infração relacionada com a criminalidade organizada.

[…]

(13)      A presente decisão‑quadro respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos pelo artigo 6.o [TUE] e refletidos na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, nomeadamente no seu capítulo VI. […]»

4        Nos termos do artigo 1.o desta decisão‑quadro:

«1.      A presente decisão‑quadro tem por objetivo estabelecer as regras segundo as quais um Estado‑Membro reconhecerá e executará no seu território as decisões de perda proferidas por um tribunal competente em matéria penal de outro Estado‑Membro.

2.      A presente decisão‑quadro não tem por efeito alterar a obrigação de respeito dos direitos fundamentais e dos princípios jurídicos fundamentais consagrados no artigo 6.o [TUE], nem prejudica quaisquer obrigações que nesta matéria incumbam às autoridades judiciárias.»

5        Do artigo 2.o da referida decisão‑quadro constam as seguintes definições:

«Para efeitos da presente decisão‑quadro, entende‑se por:

a)      “Estado de emissão”, o Estado‑Membro no qual um tribunal tenha proferido uma decisão de perda no âmbito de uma ação penal;

b)      “Estado de execução”, o Estado‑Membro ao qual tenha sido transmitida uma decisão de perda para efeitos de execução;

c)      “Decisão de perda”, uma sanção ou medida de caráter definitivo, imposta por um tribunal relativamente a uma ou várias infrações penais, que conduza à privação definitiva de um bem;

[…]»

6        O artigo 7.o, n.o 1, dessa decisão‑quadro prevê:

«As autoridades competentes do Estado de execução reconhecerão, sem qualquer outra formalidade, uma decisão de perda transmitida nos termos dos artigos 4.o e 5.o e tomarão de imediato as medidas necessárias à sua execução, a menos que decidam invocar um dos motivos de não reconhecimento ou de não execução previstos no artigo 8.o ou um dos motivos de adiamento da execução previstos no artigo 10.o»

7        O artigo 12.o da Decisão‑Quadro 2006/783, sob a epígrafe «Legislação de execução», dispõe, nos seus n.os 1 e 4:

«1.      Sem prejuízo do disposto no n.o 3, a execução da decisão de perda rege‑se pela legislação do Estado de execução, tendo as autoridades desse Estado competência exclusiva para decidir das modalidades de execução e para determinar todas as medidas com ela relacionadas.

[…]

4.      O Estado de execução não pode aplicar medidas alternativas à decisão de perda, nomeadamente penas privativas de liberdade ou qualquer outra medida que limite a liberdade de uma pessoa, por motivo de uma transmissão efetuada nos termos dos artigos 4.o e 5.o, a menos que o Estado de emissão tenha dado o seu consentimento para tal.»

 Direito neerlandês

8        O artigo 22.o, n.o 1, alínea a), e n.o 3, da Wet wederzijdse erkenning en tenuitvoerlegging geldelijke sancties en beslissingen tot confiscatie (Lei relativa ao reconhecimento mútuo e à execução de sanções pecuniárias e decisões de perda de bens), de 27 de setembro de 2007 (Stb. 2007, n.o 354, a seguir «lei de reconhecimento e de execução»), prevê:

«1.      Uma decisão de perda de bens passível de reconhecimento é reconhecida e executada ao abrigo do direito neerlandês. Se a decisão de perda de bens:

a)      tiver por objeto o pagamento de um montante pecuniário ao Estado, para efeitos da privação de uma vantagem indevidamente obtida, a decisão é executada nos termos dos artigos 577.o‑B, n.o 1, e 577.o‑C do [Wetboek van Strafvordering (Código de Processo Penal)], sendo a [raadkamer van de rechtbank Noord‑Nederland (Secção do Conselho do Tribunal de Primeira Instância de Noord‑Nederland, Países Baixos)] competente para a apreciação do pedido de autorização para a execução de uma detenção para o pagamento de uma prestação pecuniária;

[…]

3.      Uma pena ou medida alternativa só é executada depois de a autoridade competente no Estado‑Membro de emissão ter dado autorização para o efeito. […]»

9        O artigo 577.o‑C, n.o 1, do Código de Processo Penal dispõe, no que se refere à detenção para o pagamento de uma prestação pecuniária:

«Se o condenado não cumprir a sentença ou o acórdão que impõe a obrigação de pagamento de um montante pecuniário ao Estado, para efeitos da privação de uma vantagem indevidamente obtida, e se não for possível invocar os artigos 574.o a 576.o para obter esse montante em relação ao seu património, o juiz pode, a pedido do Procurador do Ministério Público, autorizar a execução de uma detenção até três anos.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

10      Por Acórdão do hof van beroep te Antwerpen (Tribunal de Recurso de Antuérpia, Bélgica), de 20 de dezembro de 2012, ET foi condenado numa pena de perda no montante de 800 000 euros. Este acórdão transitou em julgado e a execução desta decisão de perda foi assumida pelo Reino dos Países Baixos, na qualidade de Estado‑Membro de execução, na aceção do artigo 2.o, alínea b), da Decisão‑Quadro 2006/783.

11      Neste contexto, o Ministério Público apresentou ao órgão jurisdicional de reenvio, o rechtbank Noord‑Nederland (Tribunal de Primeira Instância de Noord‑Nederland) um pedido baseado no artigo 22.o da lei de reconhecimento e de execução a fim de ser autorizado a executar uma detenção para o pagamento de uma prestação pecuniária contra ET, pelo facto de este continuar a ser devedor de um montante de 652 119,19 euros e de essa autoridade suspeitar da existência de fluxos financeiros ocultos.

12      ET sustenta que o pedido do Ministério Público é inadmissível e, a título subsidiário, improcedente. A este respeito, ET alega que a detenção para o pagamento de uma prestação pecuniária não é apenas uma «medida» na aceção do direito penal neerlandês, mas também uma pena na aceção do artigo 7.o, n.o 1, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), e do artigo 49.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Além disso, ET alega que a aplicação da detenção para o pagamento de uma prestação pecuniária constitui um agravamento da decisão de perda cuja execução é pedida, pelo que é ilegal.

13      Atendendo à jurisprudência do Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal dos Países Baixos), segundo a qual a medida de detenção para o pagamento de uma prestação pecuniária prevista no artigo 577.o‑C do Código de Processo Penal deve ser considerada uma «pena», na aceção do artigo 7.o da CEDH, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à sua compatibilidade com a Decisão‑Quadro 2006/783.

14      Nestas condições, o rechtbank Noord‑Nederland (Tribunal de Primeira Instância de Noord‑Nederland, Países Baixos) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Pode o artigo 12.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro [2006/783] ser interpretado no sentido de que, no caso da execução nos Países Baixos de uma decisão de perda de bens transmitida pelo Estado‑Membro de emissão, pode ser aplicada uma detenção para o pagamento de uma prestação pecuniária (“lijfsdwang”), na aceção do artigo 577.o‑C do Código de Processo Penal […], atendendo designadamente à decisão do Hoge Raad [der Nederlanden (Supremo Tribunal dos Países Baixos)], de 20 de dezembro de 2011, no sentido de que a detenção para o pagamento de uma prestação pecuniária (“lijfsdwang”) deve ser considerada uma pena na aceção do artigo 7.o, n.o 1, da CEDH?

2)      É relevante, para a aplicação de uma detenção para pagamento de uma prestação pecuniária (“lijfsdwang”), que no direito do Estado‑Membro de emissão também exista a possibilidade de aplicação de uma detenção para o pagamento de uma prestação pecuniária?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

15      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 12.o, n.os 1 e 4, da Decisão‑Quadro 2006/783 deve ser interpretado no sentido de que se opõe à aplicação de uma legislação de um Estado de execução, como a que está em causa no processo principal, que, para efeitos da execução de uma decisão de perda proferida num Estado de emissão, autoriza, sendo caso disso, o recurso à detenção para o pagamento de uma prestação pecuniária.

16      Antes de mais, importa salientar que resulta do artigo 1.o da Decisão‑Quadro 2006/783, lido à luz dos seus considerandos 1 e 8, que esta tem por objetivo, com base no princípio do reconhecimento mútuo, pedra angular da cooperação judiciária na União, tanto em matéria civil como penal, e, com vista a facilitar a cooperação entre Estados‑Membros no que se refere ao reconhecimento mútuo, estabelecer as regras segundo as quais um Estado‑Membro reconhecerá e executará no seu território as decisões de perda proferidas por um tribunal competente em matéria penal de outro Estado‑Membro.

17      A este respeito, o Tribunal de Justiça já reconheceu que tanto o princípio da confiança mútua entre os Estados‑Membros como o princípio do reconhecimento mútuo, ele próprio assente na confiança recíproca entre estes últimos, têm, no direito da União, uma importância fundamental, dado que permitem a criação e a manutenção de um espaço sem fronteiras internas [Acórdão de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário), C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.o 36].

18      Em seguida, importa salientar que, em conformidade com o artigo 7.o da Decisão‑Quadro 2006/783, as autoridades competentes do Estado de execução devem reconhecer, sem qualquer outra formalidade, uma decisão de perda transmitida nos termos das disposições dessa decisão‑quadro e tomar de imediato as medidas necessárias à sua execução.

19      Assim, apenas os motivos expressamente previstos na referida decisão‑quadro habilitam, sendo caso disso, o Estado de execução a recusar o reconhecimento ou a execução da decisão de perda, nos termos do artigo 8.o, ou a diferir a sua execução, nos termos do artigo 10.o da referida decisão.

20      Por último, segundo o artigo 12.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2006/783, a execução da decisão de perda rege‑se pela legislação do Estado de execução, tendo as autoridades desse Estado competência exclusiva para decidir das modalidades de execução e para determinar todas as medidas com ela relacionadas.

21      Nos termos do n.o 4 do referido artigo, é necessário o consentimento prévio do Estado de emissão para que seja adotada uma medida alternativa à decisão de perda.

22      Resulta, assim, de uma interpretação conjugada destes dois números do artigo 12.o da referida decisão‑quadro que, regra geral, cabe às autoridades competentes do Estado de execução decidir, em conformidade com a legislação desse Estado, as modalidades de execução e as medidas mais adequadas para efeitos da execução da decisão de perda. Contudo, como regra especial, nos termos do n.o 4 desse artigo, exige‑se o consentimento prévio do Estado de emissão se a medida prevista pelo Estado de execução se afigurar alternativa à referida decisão.

23      É à luz destas considerações que há que examinar se a Decisão‑Quadro 2006/783 se opõe a uma medida de execução de detenção para o pagamento de uma prestação pecuniária, como a prevista pela legislação neerlandesa e conforme interpretada pelo Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal dos Países Baixos).

24      A título preliminar, há que recordar que, no que se refere à interpretação de disposições da ordem jurídica nacional, o Tribunal de Justiça tem, em princípio, que se basear nas qualificações resultantes da decisão de reenvio. Com efeito, segundo jurisprudência constante, o Tribunal de Justiça não é competente para interpretar o direito interno de um Estado‑Membro (Acórdão de 16 de fevereiro de 2017, Agro Foreign Trade & Agency, C‑507/15, EU:C:2017:129, n.o 23 e jurisprudência referida).

25      Ora, a detenção para o pagamento de uma prestação pecuniária pode, segundo os elementos resultantes dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça, ser aplicada a pedido do Ministério Público contra a pessoa objeto de uma decisão de perda na condição de essa pessoa não liquidar voluntariamente o montante em cujo pagamento foi condenada e de não estar em insolvência. Esta medida de execução deixa subsistir a obrigação de pagamento, pelo que a pessoa a quem foi imposta uma detenção para o pagamento de uma prestação pecuniária pode, em qualquer momento, eximir‑se da mesma liquidando a dívida. A detenção para o pagamento de uma prestação pecuniária é limitada no tempo, na medida em que a duração da detenção não pode exceder três anos e a duração imposta depende, entre outros, dos pagamentos parciais eventualmente efetuados.

26      A este respeito, resulta da decisão de reenvio que, segundo o artigo 22.o, n.o 1, alínea a), da lei de reconhecimento e de execução, a detenção para o pagamento de uma prestação pecuniária é um meio de executar, em conformidade com o direito neerlandês, uma decisão de perda, proferida noutro Estado‑Membro, que tenha por objeto o pagamento ao Estado de uma quantia pecuniária indevidamente obtida caso a pessoa condenada não cumpra a sentença ou o acórdão que impôs tal pagamento. Nos termos do artigo 3.o desse artigo, uma pena ou medida alternativa só é executada depois de a autoridade competente no Estado‑Membro de emissão ter dado autorização para o efeito.

27      Neste contexto, a detenção para o pagamento de uma prestação pecuniária, destinada a obter a execução de uma decisão de perda, não pode ser considerada uma medida alternativa a essa decisão, na aceção do artigo 12.o, n.o 4, da Decisão‑Quadro 2006/783, nem constitui uma sanção adicional ou uma alteração de tal decisão proferida no Estado de emissão. Por conseguinte, a sua adoção não requer o consentimento prévio deste último Estado.

28      Com efeito, como foi sustentado por todas as partes que apresentaram observações, a aplicação da detenção para o pagamento de uma prestação pecuniária destina‑se a realizar o objetivo da Decisão‑Quadro 2006/783 que consiste, conforme recordado no n.o 16 do presente acórdão, em facilitar a cooperação entre Estados‑Membros, nomeadamente, em matéria de execução de decisões de perda de bens, pressionando a pessoa em causa que se recusa a liquidar o montante devido, pese embora estar em condições de o fazer.

29      Esta conclusão não é posta em causa pelo facto de a detenção para o pagamento de uma prestação pecuniária ter sido qualificada de «pena», na aceção do artigo 7.o da CEDH, pelo Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal dos Países Baixos), conforme salienta o órgão jurisdicional de reenvio. Tal qualificação não tem influência na faculdade de a autoridade competente, prevista no artigo 12.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2006/783, determinar as modalidades de execução da decisão de perda e de adotar todas as medidas que considere mais adequadas para proceder a essa execução, a fim de realizar o objetivo da Decisão‑Quadro 2006/783 ao mesmo tempo que respeita, como resulta do seu considerando 13, os direitos fundamentais da pessoa em causa.

30      Atendendo a estas considerações, há que responder à primeira questão que o artigo 12.o, n.os 1 e 4, da Decisão‑Quadro 2006/783 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à aplicação de uma legislação de um Estado de execução, como a que está em causa no processo principal, que, para efeitos da execução de uma decisão de perda proferida num Estado de emissão, autoriza, sendo caso disso, o recurso à detenção para o pagamento de uma prestação pecuniária.

 Quanto à segunda questão

31      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o facto de a legislação do Estado de emissão autorizar igualmente o eventual recurso à detenção para o pagamento de uma prestação pecuniária é relevante para a aplicação de tal medida no Estado de execução.

32      A este respeito, conforme salientado no n.o 17 do presente acórdão, em conformidade com o artigo 12.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2006/783, a execução da decisão de perda rege‑se pela legislação do Estado de execução.

33      Essa disposição baseia‑se no princípio do reconhecimento mútuo, que implica a existência de confiança recíproca de que cada Estado‑Membro aceita a aplicação do direito penal em vigor nos outros Estados‑Membros, mesmo quando a aplicação do seu próprio direito nacional conduza a uma solução diferente (v., neste sentido, Acórdão de 23 de janeiro de 2018, Piotrowski, C‑367/16, EU:C:2018:27, n.o 52).

34      O objetivo prosseguido pela Decisão‑Quadro 2006/783, conforme exposto no n.o 16 do presente acórdão, seria prejudicado se a aplicação de uma medida de execução no Estado‑Membro de execução fosse regida pelo direito nacional do Estado de emissão ou sujeita aos requisitos previstos neste direito.

35      Atendendo a estas considerações, há que responder à segunda questão que o facto de a legislação do Estado de emissão autorizar igualmente o eventual recurso à detenção para o pagamento de uma prestação pecuniária não é relevante para a aplicação de tal medida no Estado de execução.

 Quanto às despesas

36      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

1)      O artigo 12.o, n.os 1 e 4, da DecisãoQuadro 2006/783/JAI do Conselho, de 6 de outubro de 2006, relativa à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo às decisões de perda, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à aplicação de uma legislação de um Estado de execução, como a que está em causa no processo principal, que, para efeitos da execução de uma decisão de perda proferida num Estado de emissão, autoriza, sendo caso disso, o recurso à detenção para o pagamento de uma prestação pecuniária.

2)      O facto de a legislação do Estado de emissão autorizar igualmente o eventual recurso à detenção para o pagamento de uma prestação pecuniária não é relevante para a aplicação de tal medida no Estado de execução.

Assinaturas


*      Língua do processo: neerlandês.