Language of document : ECLI:EU:T:2018:320

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção alargada)

31 de maio de 2018 (*)

«Direito institucional — Parlamento Europeu — Regimento do Parlamento — Comportamento que atenta contra a dignidade do Parlamento e o bom andamento dos trabalhos parlamentares — Sanções disciplinares de perda do direito ao subsídio de estadia e de suspensão temporária da participação no conjunto das atividades do Parlamento — Liberdade de expressão — Dever de fundamentação — Erro de direito»

No processo T‑770/16,

Janusz KorwinMikke, residente em Józefów (Polónia), representado por M. Cherchi e A. Daoût, advogados,

recorrente,

contra

Parlamento Europeu, representado por S. Alonso de León e S. Seyr, na qualidade de agentes,

recorrido,

que tem por objeto, por um lado, um pedido apresentado ao abrigo do disposto no artigo 263.o TFUE, com vista à anulação da Decisão do presidente do Parlamento de 5 de julho de 2016 e da Decisão da Mesa do Parlamento de 1 de agosto de 2016, que aplicam ao recorrente a sanção de perda do direito ao subsídio de estadia por um período de dez dias e de suspensão temporária da sua participação no conjunto das atividades do Parlamento por um período de cinco dias consecutivos e, por outro, um pedido apresentado ao abrigo do disposto no artigo 268.o TFUE, com vista à reparação do dano alegadamente sofrido pelo recorrente devido às referidas decisões,

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção alargada),

composto por: G. Berardis, presidente, S. Papasavvas (relator), D. Spielmann, Z. Csehi e O. Spineanu‑Matei, juízes,

secretário: G. Predonzani, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 29 de novembro de 2017,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        O recorrente, Janusz Korwin‑Mikke, é deputado ao Parlamento Europeu.

2        Na sessão plenária do Parlamento, de 7 de junho de 2016 (a seguir «sessão plenária de 7 de junho de 2016»), subordinada ao tema «Ponto da situação dos aspetos externos da Agenda Europeia da Migração: Para um novo “Pacto sobre Migração”», o recorrente declarou em polaco:

«O problema não provém do facto de os imigrantes nos submergirem, mas do facto de serem imigrantes inapropriados. Não querem de todo trabalhar na Bayerische Motorwerke nem no Aldi. Foram‑lhes prometidos importantes subsídios e querem receber importantes subsídios. Já [me referi a eles] uma vez, custou‑me 3 000 euros, mas um diplomata congolês disse que a Europa está submersa pela cloaca africana. Então, podemos estar orgulhosos pelo facto de termos libertado uma parte da África desta cloaca, mas o nosso dever é chamar à razão esta gente. Pois bem, nada melhor do que a fome para chamar à razão. É preciso deixar de lhes pagar subsídios e simplesmente forçá‑los a trabalhar. Mais, dado que não há melhor professor do que o exemplo, temos de lhes dar o exemplo e deixar, igualmente, de pagar a nós próprios subsídios, pois desmoralizamos também a nossa própria gente.»

3        Na sequência destas declarações, a vice‑presidente do Parlamento, que conduzia os debates, convidou o recorrente a “dirigir‑se com respeito à Assembleia”». Imediatamente depois, uma deputada europeia levantou um cartão azul e pediu ao recorrente que apresentasse provas a sustentar as suas afirmações.

4        Em resposta a esta interpelação, o recorrente declarou:

«[…] a América também era explorada e tem um excelente desenvolvimento. No entanto, apenas faço referência à opinião de um diplomata do Congo — país que conhece bem a emigração de África. Uma coisa eu sei: quando se paga as pessoas para não fazerem nada, ficam desmoralizadas. É preciso acabar com todos os subsídios. As pessoas devem viver do trabalho, não dos subsídios.»

5        Posteriormente, o recorrente retomou a palavra para especificar a tradução em inglês de um termo utilizado na sua intervenção.

6        Em 8 de junho de 2016, o recorrente foi convocado pelo presidente do Parlamento para uma audição que se realizou no dia 14 de junho de 2016.

7        Por mensagem de correio eletrónico de 9 de junho de 2016, o recorrente enviou à vice‑presidente do Parlamento, que conduziu os debates em causa, um vídeo do sítio Internet Youtube no qual se podia ouvir as declarações do diplomata congolês a que tinha aludido na sua intervenção de 7 de junho de 2016.

8        Por Decisão de 5 de julho de 2016 (a seguir «decisão do presidente»), o presidente do Parlamento aplicou ao recorrente as sanções de perda do direito ao subsídio de estadia por um período de dez dias e de suspensão temporária da sua participação no conjunto das atividades do Parlamento por um período de cinco dias consecutivos, sem prejuízo do exercício do direito de voto em sessão plenária.

9        Em 18 de julho de 2016, o recorrente interpôs um recurso interno junto da Mesa do Parlamento contra a decisão do presidente, pedindo a anulação das sanções que lhe foram aplicadas, bem como um pedido de desculpas público do presidente do Parlamento, perante o Parlamento, por ter utilizado termos insultuosos a seu respeito.

10      Por Decisão de 1 de agosto de 2016 (a seguir «decisão da Mesa»), notificada ao recorrente em 2 de setembro de 2016, a Mesa do Parlamento decidiu manter as sanções que foram aplicadas ao recorrente pela decisão do presidente.

 Tramitação processual

11      O recorrente interpôs o presente recurso por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 2 de novembro de 2016.

12      Sob proposta da Sexta Secção, o Tribunal Geral decidiu, em aplicação do artigo 28.o do seu Regulamento de Processo, atribuir o processo a uma Secção alargada.

13      Sob proposta do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Sexta Secção alargada) deu início à fase oral e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o do Regulamento de Processo, convidou o Parlamento a juntar aos autos determinados documentos e as partes a darem resposta a algumas questões. As partes cumpriram estes pedidos nos prazos previstos.

14      Na audiência de 29 de novembro de 2017, as partes apresentaram as suas alegações e responderam às questões orais colocadas pelo Tribunal Geral.

 Pedidos das partes

15      O recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão do presidente;

–        anular a decisão da Mesa;

–        determinar a reparação dos danos patrimoniais e não patrimoniais causados pelas decisões do presidente e da Mesa, avaliados em 13 060 euros;

–        condenar o Parlamento nas despesas.

16      O Parlamento conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        julgar inadmissível o pedido de anulação da decisão do presidente;

–        julgar improcedente o pedido de anulação da decisão da Mesa;

–        julgar parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente o pedido de indemnização;

–        condenar o recorrente nas despesas.

17      Na audiência, o recorrente declarou desistir do primeiro pedido, por considerar que a decisão do presidente foi substituída pela decisão da Mesa, que constitui a posição final do Parlamento, o que ficou a constar da ata da audiência.

 Questão de direito

 Quanto ao pedido de anulação

18      O recorrente invoca quatro fundamentos para sustentar o seu pedido de anulação, sendo o primeiro fundamento relativo à violação do artigo 166.o do Regimento do Parlamento (a seguir «Regimento»), da liberdade do uso da palavra e de expressão e do dever de fundamentação. O segundo fundamento é relativo à violação do artigo 6.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), do princípio geral da imparcialidade e do dever de fundamentação. O terceiro fundamento é relativo à violação do artigo 6.o da CEDH, dos direitos de defesa e do artigo 166.o, n.o 1, do Regimento. O quarto fundamento é relativo à violação do princípio da proporcionalidade e do princípio non bis in idem, bem como à violação do dever de fundamentação.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 166.o do Regimento, da liberdade do uso da palavra e de expressão e do dever de fundamentação

19      A título preliminar, há que salientar que, pelo presente fundamento, dividido em três partes, o recorrente invoca, em substância, além da violação da sua liberdade de expressão, a violação do artigo 166.o do Regimento, uma vez que, por um lado, o Parlamento não demonstrou que os requisitos exigidos para a aplicação desta disposição estavam preenchidos e, por outro, a decisão em causa não está suficientemente fundamentada, o que, de resto, foi confirmado na audiência e tomado em consideração.

20      Há que analisar, antes de mais, a terceira parte e, em seguida, a primeira e segunda partes em conjunto.

–       Quanto à terceira parte, relativa à violação do dever de fundamentação

21      O recorrente alega que a decisão da Mesa não cumpre o dever de fundamentação, na medida em que, em primeiro lugar, não dá conta de qualquer repercussão na imprensa ou reação a nível político, em segundo lugar, não afirma que as declarações do recorrente tivessem constituído um incentivo ao ódio e, em terceiro lugar, não considera o facto de as referidas declarações terem sido inicialmente proferidas por um diplomata congolês. Além disso, a fundamentação da decisão em causa não permite saber se o recorrente perturbou de modo excecionalmente grave a sessão plenária de 7 de junho de 2016, nem quais são os princípios definidos no artigo 11.o do Regimento que foram violados.

22      O Parlamento contesta esta argumentação.

23      Há que recordar que o dever de fundamentação constitui uma formalidade essencial que deve ser distinguida da questão da procedência da fundamentação, a qual tem a ver com a legalidade substancial do ato controvertido (v. Acórdão de 22 de maio de 2012, Internationaler Hilfsfonds/Comissão, T‑300/10, EU:T:2012:247, n.o 180 e jurisprudência referida). Com efeito, a fundamentação de uma decisão consiste em exprimir formalmente as razões em que esta assenta. Esta fundamentação pode ser suficiente, apesar de exprimir razões erradas (v. Despacho de 12 de julho de 2012, Dover/Parlamento, C‑278/11 P, não publicado, EU:C:2012:457, n.o 36 e jurisprudência referida).

24      Além disso, não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do artigo 296.o TFUE deve ser apreciada não só à luz da sua letra mas também do seu contexto e do conjunto das regras jurídicas que regem a matéria em causa (v. Acórdão de 22 de maio de 2012, Internationaler Hilfsfonds/Comissão, T‑300/10, EU:T:2012:247, n.o 181 e jurisprudência referida).

25      No caso em apreço, a decisão da Mesa divide‑se em três partes. A primeira (n.os 1 a 27 da decisão) descreve os factos que conduziram à adoção das sanções em causa, as anteriores declarações do recorrente que já foram objeto de sanções e o procedimento de recurso interno instaurado por este último contra a decisão do presidente. A segunda (n.os 28 a 37 da decisão) visa demonstrar que o comportamento do recorrente constitui uma violação do artigo 11.o do Regimento. Por último, a terceira (n.os 38 a 45 da decisão) contém uma apreciação jurídica do artigo 166.o do Regimento.

26      Em especial, nos n.os 28 a 31 da sua decisão, após ter recordado, por um lado, a redação do artigo 11.o, n.os 2 e 3, do Regimento e, por outro, o alcance do direito à liberdade do uso da palavra e de expressão, a Mesa do Parlamento sublinhou que este direito podia ser limitado se violasse outros direitos, «nomeadamente se ofend[esse] ou insult[asse] outras pessoas» ou «para assegurar a proteção dos direitos ou da reputação de outras pessoas». Assim, no n.o 32 da referida decisão, a Mesa do Parlamento referiu que o princípio da liberdade do uso da palavra que assiste a todos os deputados ao Parlamento não era aplicável «à linguagem insultuosa, injuriosa ou desrespeitosa» ou «ao comportamento que atenta contra a dignidade do Parlamento […] e constitui uma violação dos valores e princípios fundamentais da União».

27      Quanto ao comportamento imputado ao recorrente, as críticas feitas pelo Parlamento na decisão da Mesa incidem sobre «a linguagem […] deliberadamente ofensiva e provocadora, não só contra as pessoas de origem africana, mas também contra todo o Parlamento» (n.o 33); sobre «[o] método de citar outras pessoas […] utilizado deliberadamente […] com a intenção de dar a sua própria opinião» (n.o 34); sobre o caráter «seguramente insultu[oso] para com os destinatários» da «ideia de forçar as pessoas a trabalhar através da fome», que «atenta contra a dignidade do Parlamento […] e constitu[i] uma violação dos valores e princípios fundamentais da União» (n.o 36) e, por último, sobre o «comportamento» do recorrente que «constitu[i] uma violação do art[igo] 11.o, [n.o] 2[,] do Regimento, uma vez que carece de respeito mútuo, atenta contra os valores e princípios definidos nos atos fundamentais da U[nião] e, nomeadamente, contra a dignidade do Parlamento» (n.o 37).

28      Daqui decorre que, sem prejuízo da apreciação do mérito, que será feita no âmbito da primeira e segunda partes do presente fundamento, a decisão da Mesa contém uma fundamentação conforme com as exigências do artigo 296.o TFUE.

29      Por conseguinte, a terceira parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.

–       Quanto à primeira e segunda partes, relativas, respetivamente, à violação da liberdade de expressão e à violação do artigo 166.o do Regimento

30      O recorrente alega, em substância, que o Parlamento não demonstrou que os requisitos exigidos para a aplicação do artigo 166.o do Regimento estejam preenchidos e que, por conseguinte, lhe foi aplicada uma sanção disciplinar em violação da liberdade de expressão acrescida de que beneficia enquanto parlamentar, em conformidade com a jurisprudência constante do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (a seguir «TEDH»).

31      A este respeito, o recorrente sustenta, em primeiro lugar, que a decisão da Mesa padece de um erro de direito, uma vez que não tem suficientemente em conta o facto de as suas declarações, que foram proferidas no âmbito do exercício das suas funções parlamentares no hemiciclo do Parlamento, constituírem elementos do seu discurso político.

32      Em segundo lugar, o recorrente sustenta que a decisão da Mesa não demonstra que as suas declarações tenham efetivamente perturbado, de modo excecionalmente grave, a sessão plenária de 7 de junho de 2016 ou os trabalhos em violação do artigo 11.o do Regimento, de forma a considerar que os requisitos materiais previstos no artigo 166.o do Regimento se encontram efetivamente preenchidos.

33      Em terceiro lugar, o recorrente alega que resulta dos fundamentos da decisão da Mesa que também foi punido por declarações proferidas à margem da sessão plenária de 7 de junho de 2016 ou no âmbito do exercício dos seus direitos de defesa, que não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 166.o do Regimento.

34      O Parlamento começa por alegar que a apreciação da validade da decisão da Mesa deve ser efetuada unicamente à luz dos direitos fundamentais garantidos pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») e, em especial, à luz do seu artigo 11.o, que consagra a liberdade de expressão, e a sua interpretação pelo juiz da União Europeia. Assim, a jurisprudência do TEDH invocada pelo recorrente não é aplicável ao caso em apreço, e pode, quando muito, servir de fonte de inspiração. Mas, mesmo que o fosse, daí não resulta que a sua liberdade no uso da palavra seja ilimitada.

35      Em seguida, o Parlamento sublinha que, no exercício das competências previstas nos artigos 166.o e 167.o do Regimento, o seu presidente e, se for caso disso, a Mesa do Parlamento dispõem de uma certa margem de apreciação. Assim, a fiscalização do Tribunal Geral deve limitar‑se a verificar se o exercício de tal poder não padece de erro manifesto de apreciação ou de desvio de poder e se as garantias processuais são respeitadas.

36      Por último, o Parlamento defende que, ao contrário da argumentação da recorrente, a decisão da Mesa não foi adotada em violação da liberdade de expressão deste último e está em conformidade com o artigo 11.o, n.os 2 e 3, e o artigo 166.o do Regimento. Além disso, o Parlamento considera que a argumentação do recorrente carece de base factual, na medida em que a referida decisão tem efetivamente em conta a circunstância de as suas declarações terem sido feitas no âmbito do exercício das suas funções parlamentares.

37      Desde já, importa referir que o Parlamento não pode contestar a relevância da CEDH e da jurisprudência do TEDH nesta matéria, para efeitos de apreciação da violação do artigo 166.o do Regimento.

38      Com efeito, embora seja verdade que a CEDH não constitui, enquanto a União não aderir à mesma, um instrumento jurídico formalmente integrado na ordem jurídica da União (Acórdãos de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson, C‑617/10, EU:C:2013:105, n.o 44, e de 3 de setembro de 2015, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Comissão, C‑398/13 P, EU:C:2015:535, n.o 45) e que, por conseguinte, o exame da validade de um ato de direito derivado da União deve ser realizado unicamente à luz dos direitos fundamentais garantidos pela Carta (Acórdão de 15 de fevereiro de 2016, N., C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84, n.o 46), importa recordar, por um lado, que, nos termos do artigo 6.o, n.o 3, TUE, fazem parte do direito da União, enquanto princípios gerais, os direitos fundamentais tal como os garante a CEDH e que, por outro, resulta do artigo 52.o, n.o 3, da Carta que, na medida em que esta contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela CEDH, o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos pela CEDH. Segundo as anotações relativas a esta disposição, as quais, nos termos do artigo 6.o, n.o 1, terceiro parágrafo, TUE e do artigo 52.o, n.o 7, da Carta, devem ser tomadas em consideração para efeitos da sua interpretação, o sentido e o âmbito dos direitos garantidos são determinados não apenas pelo texto da CEDH mas também, designadamente, pela jurisprudência do TEDH (v. Acórdão de 30 de junho de 2016, Toma e Biroul Executorului Judecătoresc Horațiu‑Vasile Cruduleci, C‑205/15, EU:C:2016:499, n.o 41 e jurisprudência referida). Além disso, resulta das referidas anotações que o artigo 52.o, n.o 3, da Carta visa garantir a coerência necessária entre os direitos contidos na Carta e os direitos correspondentes garantidos pela CEDH, sem que tal afete a autonomia do direito da União e do Tribunal de Justiça da União Europeia (Acórdão de 28 de julho de 2016, JZ, C‑294/16 PPU, EU:C:2016:610, n.o 50). Acresce que deve ser salientado que esta equivalência entre as liberdades garantidas pela Carta e as garantidas pela CEDH foi formalmente declarada relativamente à liberdade de expressão (Acórdão de 4 de maio de 2016, Philip Morris Brands e o., C‑547/14, EU:C:2016:325, n.o 147).

39      No que respeita, em especial, à liberdade de expressão, importa recordar que esta ocupa um lugar fulcral nas sociedades democráticas e constitui, a esse título, um direito fundamental garantido, nomeadamente, pelo artigo 11.o da Carta, pelo artigo 10.o da CEDH e pelo artigo 19.o do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, adotado pela Assembleia‑Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966 (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2011, Patriciello, C‑163/10, EU:C:2011:543, n.o 31).

40      A este respeito, há que referir que resulta da jurisprudência do TEDH que, sem prejuízo do disposto no artigo 10.o, n.o 2, da CEDH, a liberdade de expressão vale não só para as informações ou ideias acolhidas favoravelmente ou consideradas inofensivas ou indiferentes mas também para aquelas que ferem, chocam ou inquietam o Estado ou uma parte da população. Assim o exigem o pluralismo, a tolerância e a abertura de espírito, sem os quais não há sociedade democrática (TEDH, 7 de dezembro de 1976, Handyside c. Reino Unido, CE:ECHR:1976:1207JUD000549372, § 49).

41      Todavia, o direito à liberdade de expressão não constitui uma prerrogativa absoluta e o seu exercício pode ser sujeito, sob determinadas condições, a restrições.

42      Ora, tendo em conta a importância fundamental da liberdade de expressão, as suas restrições devem ser apreciadas restritivamente, e, como resulta do artigo 10.o, n.o 2, da CEDH e do artigo 52.o, n.o 1, da Carta, apenas são permitidas ingerências na liberdade de expressão se estiverem preenchidos três requisitos. Primeiro, a limitação em causa deve estar «prevista na lei». Por outras palavras, a instituição da União que adota as medidas suscetíveis de restringir a liberdade de expressão de uma pessoa deve dispor de uma base legal para esse fim. Em segundo lugar, a limitação em causa deve prosseguir um objetivo de interesse geral, reconhecido como tal pela União. Em terceiro lugar, a limitação em causa não deve ser excessiva, o que implica, por um lado, que deve ser necessária e proporcionada ao objetivo pretendido, e, por outro, a substância dessa liberdade não deve ser prejudicada (v., neste sentido, Acórdão de 15 de junho de 2017, Kiselev/Conselho, T‑262/15, EU:T:2017:392, n.os 69, 84 e jurisprudência referida).

43      Importa ainda especificar que uma ingerência ou uma restrição à liberdade de expressão apenas pode ser considerada «prevista na lei» quando a norma se reveste de precisão suficiente para ser previsível nos seus efeitos e permitir ao seu destinatário pautar a sua conduta (v., neste sentido, TEDH, 17 de fevereiro de 2004, Maestri c. Itália CE:ECHR:2004:0217JUD003974898, § 30).

44      Por outro lado, importa referir que, numa democracia, o Parlamento ou os órgãos comparáveis são tribunas indispensáveis ao debate político. Por conseguinte, uma ingerência na liberdade de expressão exercida no quadro destes órgãos apenas pode justificar‑se por motivos imperiosos (TEDH, 17 de dezembro de 2002, A. c. Reino Unido, CE:ECHR:2002:1217JUD003537397, § 79).

45      Além disso, conforme refere, de forma constante, o TEDH na sua jurisprudência, a liberdade de expressão dos parlamentares reveste‑se de particular importância. Com efeito, a liberdade de expressão, sendo valiosa para cada um, é‑o particularmente para um eleito do povo; este último representa os seus eleitores, assinala as suas preocupações e defende os seus interesses. Por conseguinte, as ingerências na liberdade de expressão de um parlamentar da oposição, como o recorrente, exigem uma fiscalização das mais rigorosas pelo juiz (TEDH, 23 de abril de 1992, Castells c. Espanha, CE:ECHR:1992:0423JUD001179885, § 42).

46      Assim, há que considerar que a liberdade de expressão dos parlamentares deve beneficiar de uma proteção acrescida, atendendo à fundamental importância que o Parlamento desempenha numa sociedade democrática.

47      No entanto, sublinhando que qualquer declaração proferida no hemiciclo parlamentar exige um elevado grau de proteção, o TEDH reconheceu recentemente que, face à estreita ligação existente entre o caráter verdadeiramente democrático de um regime político e o funcionamento do Parlamento, o exercício da liberdade de expressão no Parlamento deve por vezes ceder perante os interesses legítimos que são a proteção da boa ordem das atividades parlamentares e a proteção dos direitos dos outros parlamentares (TEDH, 17 de maio de 2016, Karácsony e outros c. Hungria, CE:ECHR:2016:0517JUD004246113, §§ 138 a 141).

48      Importa referir que, por um lado, o TEDH estabeleceu uma ligação entre a possibilidade de um parlamento sancionar o comportamento de um dos seus membros e a necessidade de assegurar a boa ordem dos trabalhos parlamentares e, por outro, reconheceu aos parlamentos uma ampla autonomia para regulamentar o modo, o momento e o local escolhidos pelos parlamentares para as suas intervenções (a fiscalização exercida pelo TEDH sendo, por isso, limitada), mas, em contrapartida, uma muito reduzida margem para enquadrar o teor das declarações proferidas pelos parlamentares (a fiscalização exercida pelo TEDH sendo, assim, mais rigorosa). Na sua jurisprudência, o TEDH apenas se refere, a este propósito, a «um determinado nível de regulamentação […] necessário para obstar a meios de expressão, tais como apelos diretos ou indiretos à violência» (TEDH, 17 de maio de 2016, Karácsony e outros c. Hungria, CE:ECHR:2016:0517JUD004246113, § 140).

49      Daqui resulta que, por um lado, um Regimento de um parlamento apenas pode prever a possibilidade de sancionar as declarações proferidas pelos parlamentares caso estas atentem contra o bom funcionamento do Parlamento ou representem um perigo grave para a sociedade, tais como apelos à violência ou ao ódio racial.

50      Por outro lado, o poder, reconhecido aos parlamentos, de aplicar sanções disciplinares para assegurar o bom andamento das suas atividades ou a proteção de determinados direitos, princípios ou liberdades fundamentais deve ser conciliado com a necessidade de assegurar o respeito pela liberdade de expressão dos parlamentares.

51      Por conseguinte, tendo em conta a particular importância da liberdade de expressão dos parlamentares e os limites rigorosos em que podem ser introduzidas restrições a esta liberdade, em conformidade com os princípios que, neste âmbito, resultam da jurisprudência do TEDH, há que verificar se, ao aplicar a sanção disciplinar em causa, o Parlamento observou os requisitos previstos pelo artigo 166.o, n.o 1, do seu Regimento.

52      No caso em apreço, o Regimento, na sua versão em vigor no momento dos factos conforme aplicada pela Mesa do Parlamento, prevê, no capítulo 4 do seu título VII intitulado «Medidas a adotar em caso de violação das regras de conduta», medidas imediatas que podem ser adotadas pelo presidente da sessão para restabelecer a ordem (artigo 165.o do Regimento) e sanções disciplinares que podem ser adotadas pelo presidente do Parlamento contra um deputado (artigo 166.o do Regimento).

53      Nos termos do artigo 166.o, n.o 1, do Regimento, que foi aplicado no caso em apreço, o presidente do Parlamento aprovará uma decisão fundamentada, na qual será fixada a sanção adequada, «[n]o caso de um deputado perturbar de modo excecionalmente grave a sessão ou os trabalhos do Parlamento, violando os princípios definidos no artigo 11.o […]».

54      Ora, há que salientar que a redação do artigo 166.o, n.o 1, do Regimento difere consoante as suas versões linguísticas. Assim, ao contrário da versão em língua francesa desta disposição, apresentada pelo Parlamento a pedido do Tribunal Geral e acima referida no n.o 53 e no n.o 38 da decisão da Mesa, bem como, designadamente, das versões em língua alemã, italiana, espanhola, neerlandesa e grega, a versão em língua inglesa não menciona a perturbação dos «trabalhos» ou da «atividade» do Parlamento, mas utiliza a expressão «disruption of Parliament». Segundo o Parlamento, esta expressão não incide apenas sobre os trabalhos parlamentares no hemiciclo, mas designa uma situação mais ampla que a sessão, incluindo também o impacto sobre a sua reputação ou a sua dignidade enquanto instituição.

55      A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, a necessidade de uma interpretação uniforme de uma disposição exige, em caso de divergência entre as suas diferentes versões linguísticas, que a disposição em questão seja interpretada em função do contexto e da finalidade da regulamentação de que constitui um elemento (v., neste sentido, Acórdão de 23 de novembro de 2016, Bayer CropScience e Stichting De Bijenstichting, C‑442/14, EU:C:2016:890, n.o 84 e jurisprudência referida).

56      Daqui resulta que a tese sustentada pelo Parlamento na audiência, segundo a qual é necessário basear‑se na versão inglesa do artigo 166.o do Regimento para interpretar a vontade do legislador e o conjunto das versões linguísticas, não pode ser acolhida.

57      Com efeito, tendo em conta o seu contexto e a sua finalidade, o artigo 166.o do Regimento refere‑se aos casos que atentam contra o bom funcionamento do Parlamento ou a boa ordem dos trabalhos parlamentares e visa, portanto, sancionar o comportamento de um deputado, que participa na sessão ou nos trabalhos parlamentares, que compromete gravemente o seu andamento. Aliás, esta interpretação corresponde, como foi acima recordado nos n.os 48 a 50, ao objetivo geralmente prosseguido por um regulamento disciplinar de um parlamento cujo caráter legítimo foi reconhecido pelo TEDH (v., neste sentido, TEDH, 17 de maio 2016, Karácsony e outros c. Hungria, CE:ECHR:2016:0517JUD004246113, §§ 138 a 140).

58      Por outro lado, há que salientar que a redação do artigo 166.o do Regimento considera que dois tipos de casos podem ser sancionados, ou seja, o facto de «perturbar de modo excecionalmente grave a sessão» ou «perturbar os trabalhos do Parlamento, violando os princípios definidos no artigo 11.o […]».

59      Importa referir, a este respeito, que não resulta da decisão da Mesa, nem dos articulados das partes, que as declarações proferidas pelo recorrente perante o Parlamento na sessão plenária de 7 de junho de 2016 tenham criado qualquer perturbação da referida sessão, na aceção da primeira alternativa prevista no artigo 166.o, n.o 1, do Regimento. Quando muito, a referida decisão limita‑se a referir que, na sequência do discurso do recorrente, a vice‑presidente do Parlamento, que conduzia os debates, o chamou à ordem e que, a seguir, uma deputada recorreu ao procedimento do «cartão azul» — perfeitamente habitual e não indicativo de qualquer perturbação da sessão — para pedir ao recorrente que apresentasse provas a sustentar as suas afirmações.

60      Além disso, o Parlamento confirmou, nas suas respostas escritas às questões do Tribunal Geral e, também, na audiência, que não ocorreu nenhuma perturbação excecionalmente grave da sessão nem nenhuma perturbação dos trabalhos no seu hemiciclo, aquando da sessão plenária de 7 de junho de 2016 e no âmbito dos respetivos debates, na sequência da intervenção do recorrente. No entanto, o Parlamento afirmou que, ainda assim, a situação do recorrente se encontrava abrangida pela segunda alternativa prevista no artigo 166.o, n.o 1, do Regimento, ou seja, o facto de «perturbar […] os trabalhos», que é a consequência direta da violação dos princípios definidos no artigo 11.o do Regimento, que estabelece regras de conduta para os deputados. A este respeito, o Parlamento alegou que a «perturba[ção]» que justificou a aplicação das sanções disciplinares ao recorrente se tinha manifestado fora da sessão, sob a forma de uma ofensa à sua reputação e à sua dignidade enquanto instituição. Além disso, o Parlamento especificou que a perturbação dos trabalhos prevista no artigo 166.o, n.o 1, do Regimento não se encontra limitada aos debates ou aos trabalhos no seu seio, e que lhe deve ser atribuída uma aceção mais ampla, que inclua o Parlamento no seu conjunto, a sua dignidade, a sua reputação e, por conseguinte, o seu funcionamento.

61      Esta argumentação não pode ser acolhida.

62      Com efeito, em primeiro lugar, verifica‑se que a afirmação do Parlamento, na audiência, segundo a qual a situação do recorrente está abrangida pela segunda alternativa prevista no artigo 166.o, n.o 1, do Regimento, ou seja, a perturbação dos trabalhos do Parlamento, não resulta da decisão da Mesa, que não indica com precisão qual é a razão da infração específica que foi considerada, no caso em apreço, entre as previstas na referida disposição. Além disso, a referida decisão concluiu, no seu n.o 40, pela violação dos princípios definidos no artigo 11.o do Regimento e, assim, pela existência de uma perturbação excecionalmente grave da sessão ou dos trabalhos do Parlamento. Ora, basta recordar a este respeito que é efetivamente o artigo 166.o do Regimento, e não o seu artigo 11.o, que determina os requisitos para a aplicação de uma sanção a um deputado. Com efeito, o artigo 11.o do Regimento, que contém regras de conduta que recordam os princípios e valores pelos quais os deputados devem pautar o seu comportamento, limita‑se a prever que a violação das referidas regras pode levar à aplicação de medidas, nos termos dos artigos 165.o, 166.o e 167.o do referido Regimento. Daqui resulta que a conclusão constante do n.o 40 da decisão da Mesa, segundo a qual a violação dos princípios definidos no artigo 11.o do Regimento implica, ipso facto, a verificação de uma «perturba[ção] […] excecionalmente grave [d]a sessão ou [d]os trabalhos do Parlamento», não decorre de nenhum modo da referida disposição.

63      Em segundo lugar, quanto ao requisito relativo à perturbação dos trabalhos do Parlamento, importa referir que, embora o artigo 166.o, n.o 1, do Regimento remeta para os princípios definidos no artigo 11.o do mesmo Regimento, uma interpretação literal da primeira destas disposições leva a considerar que a violação dos referidos princípios não constitui um motivo de incriminação autónomo, mas um requisito suplementar necessário para poder sancionar a perturbação dos trabalhos do Parlamento, o que, aliás, foi confirmado pelo Parlamento na audiência. Daqui resulta que a violação dos princípios definidos no artigo 11.o do Regimento, caso seja comprovada, não pode, por si só, ser sancionada enquanto tal, mas apenas se for acompanhada de uma perturbação dos trabalhos do Parlamento, o que também foi confirmado pelo Parlamento na audiência.

64      Em terceiro lugar, contrariamente ao afirmado pelo Parlamento na audiência, a perturbação dos trabalhos do Parlamento prevista no artigo 166.o, n.o 1, do Regimento, que se teria concretizado fora do hemiciclo devido às repercussões que tiveram as declarações do recorrente fora do Parlamento, não pode ser entendida como uma ofensa à reputação ou à dignidade deste enquanto instituição. Aliás, a decisão da Mesa não dá qualquer indicação nesse sentido e não contém qualquer apreciação sobre os critérios que levaram a Mesa do Parlamento a verificar uma pretensa ofensa à dignidade do Parlamento. Além disso, por não terem sido determinados critérios objetivos para a apreciação da existência da referida ofensa e dado o caráter, no mínimo, vago do conceito de «dignidade do Parlamento» ou de ofensa a este, bem como a importante margem de apreciação de que dispõe o Parlamento nesta matéria, tal interpretação teria por efeito restringir a liberdade de expressão dos parlamentares de forma arbitrária.

65      Além disso, há que salientar que o artigo 11.o, n.o 2, primeiro parágrafo, do Regimento visa o «comportamento» dos deputados e dispõe que este deve respeitar determinadas obrigações, nomeadamente, deve ser pautado pelo respeito mútuo, basear‑se nos valores e princípios da União, preservar a dignidade do Parlamento e não comprometer o bom andamento dos trabalhos, nem a tranquilidade nas instalações do Parlamento. Do mesmo modo, o artigo 166.o, n.o 2, do Regimento visa, também, o comportamento dos deputados e prevê que, para efeitos da sua apreciação, cumpre ter em conta o caráter pontual, recorrente ou permanente do mesmo, bem como o seu grau de gravidade, com base nas diretrizes que figuram no anexo XV do referido Regimento. Em contrapartida, as declarações, as palavras ou os discursos não são mencionados e, portanto, não podem ser, enquanto tais, objeto de medida punitiva.

66      Esta leitura é corroborada pelo artigo 11.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regimento, nos termos do qual «[a] aplicação do presente artigo não obsta de modo algum à vivacidade dos debates parlamentares nem à liberdade que assiste aos deputados no uso da palavra». Ademais, esta interpretação do artigo 11.o, n.o 2, do Regimento é reforçada pela recente alteração deste último, que entrou em vigor em 16 de janeiro de 2017 e visa o alargamento do âmbito de aplicação das sanções disciplinares. Com efeito, a proibição expressa de qualquer linguagem ou de comportamentos ofensivos, racistas ou xenófobos foi acrescentada no novo artigo 11.o, n.o 3, segundo parágrafo, do Regimento. Além disso, o n.o 3, primeiro parágrafo, do artigo 11.o do Regimento, que passou a artigo 11.o, n.o 4, primeiro parágrafo, do referido Regimento, foi igualmente alterado e prevê agora que «[a] aplicação do presente artigo não obsta de forma alguma à vivacidade dos debates parlamentares nem prejudica a liberdade que assiste aos deputados no uso da palavra». Daqui decorre que, no presente processo, mesmo admitindo que as declarações proferidas no âmbito das funções parlamentares possam ser equiparadas a um comportamento e possam, a este título, constituir uma violação dos princípios definidos no artigo 11.o, n.o 2, do Regimento, conforme aplicável à época dos factos, não podem ser objeto de sanção na falta de uma perturbação excecionalmente grave da sessão ou dos trabalhos do Parlamento.

67      De resto, a distinção estabelecida no n.o 1 do anexo XV das diretrizes a que se refere o artigo 166.o, n.o 2, do Regimento (v. n.o 65 supra) entre, por um lado, os comportamentos de caráter visual, que podem ser tolerados em determinadas circunstâncias, e, por outro, «os comportamentos que acarretem a perturbação ativa de qualquer das atividades parlamentares» não permite considerar que as declarações proferidas em sessão parlamentar possam ser incluídas nesta última categoria de comportamentos e, a este título, sancionadas, na falta de verificação de uma perturbação excecionalmente grave da sessão ou dos trabalhos do Parlamento.

68      Tendo em conta o que precede, bem como a particular importância que reveste a liberdade de expressão dos parlamentares e os limites estritos em que podem ser‑lhe introduzidas restrições, recordados nos n.os 37 a 50 supra, os artigos 11.o e 166.o do Regimento, na sua versão aplicável ao presente processo, devem ser interpretados no sentido de que não permitem sancionar um deputado pelas declarações feitas no âmbito das suas funções parlamentares. Mesmo admitindo que tais declarações possam ser equiparadas ao comportamento do deputado, estas, de qualquer modo, não poderiam ser objeto de sanções, tendo em conta a falta de perturbação excecionalmente grave da sessão ou dos trabalhos do Parlamento, em violação do artigo 11.o do Regimento.

69      Nestas condições, e não obstante o caráter particularmente chocante dos termos utilizados pelo recorrente na sua intervenção, na sessão plenária de 7 de junho de 2016, o Parlamento não podia, no caso em apreço, aplicar‑lhe qualquer sanção disciplinar com base no artigo 166.o, n.o 1, do seu Regimento. De resto, o Parlamento não pode utilmente alegar, como o fez na audiência, que o que sancionou, na realidade, foi a linguagem utilizada pelo recorrente no seu discurso e não o conteúdo deste, tendo em conta, nomeadamente, a redação dos n.os 34 e 36 da decisão da Mesa, que fazem referência à «intenção [do requerente] de proferir a sua própria opinião» ou à «ideia» expressa pelo recorrente.

70      Além disso, mesmo que se admita que a perturbação dos trabalhos não se limita stricto sensu ao seio do hemiciclo, dado que a referência à «sessão» no artigo 166.o, n.o 1, do Regimento apenas existe na primeira alternativa prevista, ou seja, a perturbação excecionalmente grave da sessão, uma aceção tão ampla como a defendida pelo Parlamento não pode vingar pelos motivos expostos no n.o 64 supra.

71      Resulta do que precede que o primeiro fundamento deve ser acolhido, sem que seja necessário este Tribunal pronunciar‑se sobre a argumentação do recorrente de que, também, teria sido sancionado por declarações proferidas à margem da sessão plenária de 7 de junho de 2016 ou no âmbito do exercício dos seus direitos de defesa.

72      Em face do exposto, há que julgar procedente o segundo pedido e anular a decisão da Mesa, sem que seja necessário examinar os outros fundamentos invocados para sustentar o pedido de anulação. Nestas condições, não tem de haver uma pronúncia sobre a adoção da medida de organização do processo requerida pelo recorrente, que diz respeito ao segundo fundamento.

 Quanto aos pedidos de indemnização

73      Para sustentar os seus pedidos de indemnização, o recorrente alega que a anulação da decisão da Mesa não lhe permite obter a reparação de todos os danos sofridos. Assim, o recorrente pede, por um lado, a reparação dos danos patrimoniais resultantes da perda do direito ao subsídio de estadia, que ascende ao montante de 3 060 euros. Por outro lado, o recorrente pede a condenação do Parlamento no pagamento da quantia de 10 000 euros a título de indemnização pelos danos não patrimoniais resultantes da suspensão da sua participação nas atividades do Parlamento, bem como da ofensa à sua reputação e à sua honorabilidade.

74      O Parlamento alega que o pedido de indemnização pelos danos patrimoniais é inadmissível. Além disso, considera que a anulação da decisão da Mesa constitui uma reparação adequada dos danos não patrimoniais do recorrente. A título subsidiário, considera que o montante máximo de 1 000 euros seria apropriado.

75      No caso em apreço, em primeiro lugar, quanto ao pedido de indemnização pelos danos patrimoniais resultantes da perda do direito ao subsídio de estadia, basta referir que o recorrente não expõe a razão pela qual, mesmo no caso de anulação da decisão da Mesa, o facto de já ter sofrido a sanção em causa não lhe permite obter a reparação de todos seus danos, até porque se limita a pedir o pagamento do montante correspondente ao subsídio que teria recebido na falta da sanção aplicada, ou seja, 3 060 euros. Ora, tendo em conta a anulação da decisão da Mesa e em conformidade com o artigo 266.o TFUE, incumbirá ao Parlamento tomar as medidas necessárias à execução do presente acórdão, o que implica o reembolso dos montantes correspondentes ao subsídio de estadia cujo pagamento foi suspenso.

76      Daqui resulta que o pedido de indemnização pelos danos patrimoniais deve ser rejeitado.

77      Em segundo lugar, quanto ao pedido de indemnização pelos danos não patrimoniais alegadamente sofridos pelo recorrente, importa referir que, segundo jurisprudência constante, a anulação de um ato ferido de ilegalidade pode constituir, em si mesma, a reparação adequada e, em princípio, suficiente, de qualquer dano moral que esse ato possa ter causado (Acórdãos de 9 de julho de 1987, Hochbaum e Rawes/Comissão, 44/85, 77/85, 294/85 e 295/85, EU:C:1987:348, n.o 22, e de 9 de novembro de 2004, Montalto/Conselho, T‑116/03, EU:T:2004:325, n.o 127), a não ser que o recorrente demonstre ter sofrido um dano moral destacável da ilegalidade em que assenta a anulação e insuscetível de ser integralmente reparado pela anulação (v. Acórdão de 25 de junho de 2015, EE/Comissão F‑55/14, EU:F:2015:66, n.o 46 e jurisprudência referida).

78      No caso em apreço, nada nos autos permite concluir que a decisão do presidente e a decisão da Mesa foram adotadas em condições que causaram um dano não patrimonial ao recorrente independentemente do ato anulado. Por conseguinte, o pedido de indemnização pelos danos não patrimoniais deve ser rejeitado.

 Quanto às despesas

79      Nos termos do artigo 134.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas. No caso em apreço, na medida em que apenas o pedido de anulação foi julgado procedente, há que decidir que cada parte suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção alargada)

decide:

1)      A Decisão da Mesa do Parlamento Europeu de 1 de agosto de 2016 é anulada.

2)      O pedido de indemnização é julgado improcedente.

3)      Janusz KorwinMikke e o Parlamento suportarão, cada um, as suas próprias despesas.

Berardis

Papasavvas

Spielmann

Csehi

 

Spineanu‑Matei

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 31 de maio de 2018.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.