Language of document : ECLI:EU:F:2012:97

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA DA UNIÃO EUROPEIA

(Segunda Secção)

11 de julho de 2012

Processo F‑85/10

AI

contra

Tribunal de Justiça da União Europeia

«Função pública ― Agentes temporários ― Concurso interno ― Exclusão do concurso após o resultado obtido na primeira prova escrita ― Reapreciação ― Igualdade de tratamento ― Requalificação do contrato por tempo determinado em contrato por tempo indeterminado ― Não renovação de um contrato de agente temporário por tempo determinado ― Recurso de anulação ― Ação de indemnização»

Objeto: Recurso interposto nos termos do artigo 270.° TFUE aplicável ao Tratado CEEA por força do seu artigo 106.°‑A, em que AI pede, principalmente, por um lado, a anulação da decisão pela qual o júri do concurso interno por prestação de provas n.o CJ 12/09, organizado pelo Tribunal de Justiça, não lhe atribuiu o mínimo de 20 pontos necessário para a primeira prova escrita obrigatória e, por outro, a anulação da decisão do Tribunal de Justiça de não renovar o seu contrato de agente temporário bem como a condenação do mesmo a pagar‑lhe uma indemnização como reparação dos prejuízos material e moral alegadamente sofridos.

Decisão: É negado provimento ao recurso. AI suporta as suas próprias despesas e é condenado a suportar as despesas efetuadas pelo Tribunal de Justiça.

Sumário

1.      Funcionários ― Concurso ― Júri ― Composição ― Estabilidade suficiente para garantir a classificação coerente dos candidatos

(Estatuto dos Funcionários, anexo III, artigo 3.°)

2.      Funcionários ― Concurso ― Princípio da imparcialidade do júri ― Relação de conhecimento entre um membro do júri e um candidato ― Risco de conflito de interesses em caso de existência de relações profissionais entre um membro do júri e o candidato ― Inexistência

(Estatuto dos Funcionários, artigo 11.°‑A)

3.      Funcionários ― Concurso ― Júri ― Rejeição de candidatura ― Dever de fundamentação ― Alcance ― Respeito do segredo dos trabalhos

(Estatuto dos Funcionários, anexo III, artigo 6.°)

4.      Funcionários ― Concurso ― Avaliação das aptidões dos candidatos ― Poder de apreciação do júri ― Fiscalização jurisdicional ― Limites

(Estatuto dos Funcionários, anexo III)

5.      Funcionários ― Agentes temporários ― Agentes temporários abrangidos pelo artigo 2.°, alínea b), do Regime Aplicável aos Outros Agentes ― Renovação após a primeira prorrogação do contrato por tempo determinado ― Requalificação do contrato por tempo determinado em contrato por tempo indeterminado ― Exclusão

[Regime Aplicável aos Outros Agentes, artigos 2.°, alínea b), e 8.°, segundo parágrafo]

6.      Funcionários ― Regime Aplicável aos Outros Agentes ― Medidas destinadas a evitar a utilização abusiva de sucessivos contratos de trabalho de duração determinada ― Duração máxima total dos contratos ou relações laborais a termo sucessivos ― Sanção da utilização abusiva desses contratos ― Inexistência de prejuízo para as finalidades e prescrições mínimas do acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo

[Artigo 288.°, segundo parágrafo, TFUE; Regime Aplicável aos Outros Agentes, artigos 2.°, alínea b), e 8.°, segundo parágrafo; Diretiva 1999/70 do Conselho, anexo, artigo 5.°, n.° 1]

7.      Funcionários ― Agentes temporários ― Recrutamento ― Renovação de um contrato por tempo determinado ― Poder de apreciação da administração ― Fiscalização jurisdicional ― Limites ― Erro manifesto de apreciação ― Conceito

[Regime Aplicável aos Outros Agentes, artigos 8.° e 47.°, n.° 1, alínea b)]

8.      Funcionários ― Agentes temporários ― Recrutamento ― Renovação de um contrato por tempo determinado ― Poder de apreciação da administração ― Dever de solicitude que incumbe à administração ― Tomada em consideração dos interesses do agente em causa

(Regime Aplicável aos Outros Agentes, artigo 47.°)

9.      Política social ― Trabalhadores do sexo masculino e trabalhadores do sexo feminino ― Acesso ao emprego e condições de trabalho ― Igualdade de tratamento ― Diretiva 2006/54 ― Proteção contra as medidas de retaliação ― Âmbito de aplicação

(Diretiva 2006/54 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 1.° e 24.°)

1.      A presença do membro suplente não deve ser tida em conta para apreciar a estabilidade na composição de um júri de concurso se o júri titular esteve completo em cada prova. A estabilidade da composição de um júri de concurso é assegurada quando os trabalhos de correção das provas escritas e o desenrolar das provas orais, bem como as deliberações relativas a essas provas, foram efetuados pela totalidade dos membros titulares do júri.

(cf. n.° 59)

Ver:

Tribunal de Primeira Instância: 7 de fevereiro de 2002, Felix/Comissão, T‑193/00, n.° 37

2.      Uma relação de conhecimento entre um membro de um júri de concurso e um candidato não é suficiente, por si só, para demonstrar que o referido membro do júri tem um «interesse pessoal, nomeadamente familiar ou financeiro» na aceção do artigo 11.°‑A do Estatuto, que seja suscetível enquanto tal de colocar em causa a sua imparcialidade. Com efeito, o facto de um membro de um júri de concurso conhecer pessoalmente um dos candidatos não implica necessariamente que esse membro do júri tenha um juízo antecipado favorável em relação à prestação do referido candidato.

A este respeito, a participação de um membro de um júri de concurso na avaliação de um candidato que trabalha ou trabalhou na mesma unidade ou na mesma direção que ele não leva, por si só, esse membro a comprometer a sua independência e, logo, a sua imparcialidade.

(cf. n.os 80 e 81)

Ver:

Tribunal de Primeira Instância: 12 de março de 2008, Giannini/Comissão, T‑100/04, n.° 223

Tribunal da Função Pública: 30 de abril de 2008, Dragoman/Comissão, F‑16/07, n.° 41

3.      A obrigação de fundamentar qualquer decisão lesiva tem por finalidade, por um lado, fornecer ao interessado as indicações necessárias para saber se a decisão é ou não fundada e, por outro, tornar possível a sua fiscalização jurisdicional. No que respeita às decisões tomadas por um júri de concurso, este dever de fundamentação deve, no entanto, ser conciliado com o respeito do segredo que envolve os trabalhos do júri por força do artigo 6.° do anexo III do Estatuto. O respeito por esse segredo opõe‑se tanto à divulgação das atitudes tomadas pelos membros individuais do júri como à revelação de qualquer elemento relacionado com apreciações de caráter pessoal ou comparativo respeitantes aos candidatos. A exigência de fundamentação das decisões de um júri de concurso deve, nestas condições, ter em conta a natureza dos trabalhos em causa que comportam, em geral, pelo menos duas fases distintas, a saber, em primeiro lugar, o exame das candidaturas para selecionar os candidatos admitidos a participar no concurso e, em segundo, o exame das aptidões dos candidatos para o lugar a prover, a fim de elaborar uma lista de aptidões. A segunda fase dos trabalhos do júri de concurso é, antes de mais, de natureza comparativa e, por esse facto, abrangida pelo segredo inerente a esses trabalhos. Os critérios de correção adotados pelo júri antes das provas fazem parte integrante das apreciações de natureza comparativa a que o júri tem de proceder relativamente aos méritos respetivos dos candidatos. Esses critérios estão, portanto, abrangidos pelo segredo das deliberações, do mesmo modo que as apreciações do júri. As apreciações de natureza comparativa a que o júri tem que proceder refletem‑se nas classificações que este último atribui aos candidatos. Estas são a expressão dos juízos de valor desse mesmo júri relativamente a cada um dos candidatos. Atendendo ao segredo que deve envolver os trabalhos do júri, a comunicação das notas obtidas nas diferentes provas constitui uma fundamentação suficiente das suas decisões. Tal fundamentação não lesa os direitos dos candidatos.

Por outro lado, tendo em conta o amplo poder de apreciação de que goza um júri de concurso para apreciar os resultados das provas de um concurso, o júri não pode ser obrigado, ao fundamentar a reprovação de um candidato numa prova, a precisar as respostas do candidato que foram julgadas insuficientes ou a explicar por que razão estas respostas foram julgadas insuficientes. Um tal grau de fundamentação não é necessário para que o juiz da União possa exercer a sua fiscalização jurisdicional e, por conseguinte, para permitir ao candidato apreciar a oportunidade da apresentação de uma reclamação ou, se aplicável, de um recurso.

(cf. n.os 91 a 93 e 115)

Ver:

Tribunal de Justiça: 4 de julho de 1996, Parlamento/Innamorati, C‑254/95 P, n.° 29

Tribunal de Primeira Instância: 14 de julho de 1995, Pimley Smith/Comissão, T‑291/94, n.os 63 e 64; 27 de março de 2003, Martínez Páramo e o./Comissão, T‑33/00, n.° 48; 19 de fevereiro de 2004, Konstantopoulou/Tribunal de Justiça, T‑19/03, n.os 33 e 34

Tribunal da Função Pública: Dragoman/Comissão, já referido, n.° 63 e jurisprudência referida

4.      As apreciações feitas por um júri de concurso quando avalia os conhecimentos e aptidões dos candidatos são expressão de um julgamento de valor sobre a prestação de cada candidato na prova, fazendo parte do amplo poder de apreciação do júri. Essas apreciações só podem ser fiscalizadas pelo juiz em caso de violação evidente das regras que presidem aos trabalhos do júri. Com efeito, não compete ao Tribunal da Função Pública substituir pela sua própria apreciação a apreciação do júri do concurso.

(cf. n.° 109)

Ver:

Tribunal de Primeira Instância: Giannini/Comissão, já referido, n.° 275

5.      Embora a segunda e terceira prorrogações de um contrato de agente temporário, na aceção do artigo 2.°, alínea b), do Regime Aplicável aos Outros Agentes, tenham ocorrido em violação do artigo 8.°, segundo parágrafo, deste regime, essa violação não implica a transformação deste contrato por tempo determinado em contrato por tempo indeterminado. Com efeito, resulta claramente da redação do artigo 8.°, segundo parágrafo, do Regime Aplicável aos Outros Agentes que o contrato de trabalho na qualidade de agente temporário, na aceção do artigo 2.°, alínea b), do referido regime só pode ser temporário e que a transformação deste contrato em contrato por tempo indeterminado não está prevista.

(cf. n.° 130)

6.      Quanto ao acordo‑quadro relativo a contratos de trabalho a termo, que figura em anexo à Diretiva 1999/70 respeitante ao acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo, e em particular o artigo 5.°, n.° 1, do referido acordo, o legislador da União, no exercício do seu poder legislativo para estabelecer o regime aplicável aos outros agentes, e a entidade habilitada a celebrar contratos de admissão, no exercício do amplo poder de apreciação de que dispõe, no quadro fixado pelas disposições do Regime Aplicável aos Outros Agentes, ao adotar ou ao executar regras que regulam as relações entre a União e os seus agentes, são obrigados a evitar os abusos de direito que podem resultar da utilização de sucessivos contratos de trabalho a termo.

Embora o legislador tenha de evitar de modo eficaz a utilização abusiva, por parte da entidade habilitada a celebrar contratos de admissão, de sucessivos contratos de trabalho a termo, não é menos verdade que dispõe, nos termos do artigo 288.°, segundo parágrafo, TFUE, de uma ampla liberdade de escolha das formas e dos meios mais adequados a este propósito. Assim, o respeito desta obrigação não impõe o dever de prever a conversão dos contratos de trabalho por tempo determinado em contratos por tempo indeterminado, pelo menos quando a regulamentação em causa prevê medidas destinadas a evitar de forma eficaz a utilização abusiva de sucessivos contratos a termo, bem como medidas que permitam aplicar sanções adequadas a esse abuso, eliminando os prejuízos sofridos pelo interessado.

Uma vez que prevê uma das medidas enumeradas no artigo 5.° do acordo‑quadro e que a ausência de outras medidas não impede a sanção de um eventual abuso, o artigo 8.°, segundo período, do Regime aplicável aos outros agentes não prejudica as finalidades e as prescrições mínimas do acordo‑quadro.

(cf. n.os 136 a 140)

Ver:

Tribunal Geral da União Europeia: 21 de setembro de 2011, Adjemian e o./Comissão, T‑325/09 P, n.os 58, 61 e 66

7.      A administração dispõe de um amplo poder de apreciação em matéria de renovação de contratos, e na organização dos seus serviços em função das missões que lhes são confiadas e, tendo‑as em vista, na afetação do pessoal que se encontra à sua disposição, desde, no entanto, que essa afetação se faça no interesse do serviço e com respeito pela equivalência dos lugares. Também a fiscalização do juiz se deve limitar à questão de saber se, atendendo às vias e aos fundamentos que podem ter conduzido a administração à sua apreciação, esta se manteve dentro de limites não censuráveis e não utilizou o seu poder de maneira manifestamente errada.

Ora, um erro só pode ser qualificado de manifesto quando é facilmente percetível e pode ser detetado de forma evidente à luz dos critérios a que o legislador considerou dever subordinar o exercício pela administração do seu poder de apreciação. Portanto, demonstrar que a administração cometeu um erro manifesto na apreciação dos factos suscetível de justificar a anulação da decisão tomada com base nessa apreciação pressupõe que os elementos de prova, que o recorrente deve apresentar, sejam suficientes para descredibilizar as apreciações feitas pela administração.

(cf. n.os 152 e 153)

Ver:

Tribunal de Primeira Instância: 12 de dezembro de 1996, AIUFFASS e AKT/Comissão, T‑380/94, n.° 59; 12 de fevereiro de 2008, BUPA e o./Comissão, T‑289/03, n.° 221

Tribunal da Função Pública: 24 de março de 2011, Canga Fano/Conselho, F‑104/09, n.° 35, objeto de um recurso pendente no Tribunal Geral da União Europeia, processo T‑281/11 P; 13 de junho de 2012, Davids/Comissão, F‑105/11, n.° 38 e jurisprudência referida

8.      O dever de solicitude da administração relativamente aos seus agentes, bem como o princípio da boa administração implica, nomeadamente, que, quando decide sobre a situação de um funcionário, a autoridade competente tome em consideração todos os elementos suscetíveis de determinar a sua decisão e que, deste modo, tenha em consideração não só o interesse do serviço, mas também o do funcionário ou agente em questão.

A este respeito, a administração não pode ser obrigada a propor uma nova afetação a um agente temporário cujas prestações profissionais são julgadas insatisfatórias. Por maioria de razão, a administração não pode ser obrigada a renovar o contrato de um agente temporário cujas prestações profissionais são julgadas insatisfatórias.

Com efeito, embora o dever de solicitude da administração implique que a autoridade competente tenha em consideração, quando aprecia o interesse do serviço, todos os elementos suscetíveis de determinar a sua decisão, nomeadamente o interesse do agente em causa, a tomada em conta do interesse pessoal deste último não pode chegar ao ponto de proibir a referida autoridade de não renovar um contrato por tempo determinado apesar da oposição do referido agente, quando o interesse do serviço o exija.

(cf. n.os 166 a 168)

Ver:

Tribunal de Primeira Instância: 6 de fevereiro de 2003, Pyres/Comissão, T‑7/01, n.os 51 e 87

Tribunal da Função Pública: 27 de novembro de 2008, Klug/EMEA, F‑35/07, n.os 67 e 79 e jurisprudência referida; 7 de julho de 2010, Tomas/Parlamento, F‑116/07, F‑13/08 e F‑31/08, n.° 166; 4 de fevereiro de 2011, Verheyden/Comissão, F‑54/10, n.° 37

9.      O artigo 24.º da Diretiva 2006/54, relativa à aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à atividade profissional, deve ser interpretado à luz do objeto da diretiva que, segundo o seu artigo 1.º, visa assegurar a aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no emprego e na atividade profissional. Assim, visa uma proteção contra as medidas de retaliação adotadas pelo empregador em reação a queixas ou ações judiciais destinadas a exigir o cumprimento do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à atividade profissional.

(cf. n.º 184)