Language of document : ECLI:EU:C:2017:669

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA

apresentadas em 12 de setembro de 2017 (1)

Processos apensos C596/16 e C597/16

Enzo Di Puma

contra

Commissione Nazionale per le Società e la Borsa (Consob) (C596/16)

e

Commissione Nazionale per le Società e la Borsa (Consob)

contra

Antonio Zecca (C597/16)

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Corte suprema di cassazione (Tribunal Supremo, Itália)]

«Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Diretiva 2003/6/CE — Condutas de transmissão de informação privilegiada — Legislação nacional que prevê uma sanção administrativa e uma sanção penal pelos mesmos factos — Sentença penal de absolvição, que declara a inexistência dos factos constitutivos da infração penal — Artigo 267.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Violação do princípio ne bis in idem»






1.        Nas conclusões do processo Menci (2), que se leem em paralelo com estas, analiso em que medida o princípio ne bis in idem é aplicável quando as legislações de alguns Estados‑Membros permitem o cúmulo das sanções administrativas e das sanções penais para punir os não pagamentos do IVA. Este reenvio prejudicial diz respeito a esse problema, embora as condutas punidas por via dupla pertençam, neste caso, ao âmbito do «abuso de mercado» e, concretamente, ao abuso de informação privilegiada.

2.        A harmonização das sanções administrativas neste âmbito foi realizada pela Diretiva 2003/6/CE (3), posteriormente revogada pelo Regulamento (UE) n.o 596/2014 (4). Este último harmonizou completamente o regime administrativo sancionatório, enquanto a Diretiva 2014/57/UE (5) harmonizava também, mas apenas de modo parcial, as sanções penais aplicáveis pelos Estados‑Membros a estas condutas (6).

I.      Quadro jurídico

A.      Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais de 1950 (a seguir «CEDH»)

3.        O Protocolo n.o 7 anexo à CEDH, assinado em Estrasburgo em 22 de novembro de 1984 (a seguir «Protocolo n.o 7»), regula no seu artigo 4.o o «direito a não ser julgado ou punido mais de uma vez», nos seguintes termos:

«1.      Ninguém pode ser penalmente julgado ou punido pelas jurisdições do mesmo Estado por motivo de uma infração pela qual já foi absolvido ou condenado por sentença definitiva, em conformidade com a lei e o processo penal desse Estado.

2.      As disposições do número anterior não impedem a reabertura do processo, nos termos da lei e do processo penal do Estado em causa, se factos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior puderem afetar o resultado do julgamento.

3.      Não é permitida qualquer derrogação ao presente artigo com fundamento no artigo 15.o da Convenção.»

B.      Direito da União

1.      Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

4.        Nos termos do artigo 50.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»):

«Ninguém pode ser julgado ou punido penalmente por um delito do qual já tenha sido absolvido ou pelo qual já tenha sido condenado na União por sentença transitada em julgado, nos termos da lei.»

5.        O artigo 52.o determina o âmbito e a interpretação dos direitos e princípios reconhecidos na Carta:

«1.      Qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos pela presente Carta deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades. Na observância do princípio da proporcionalidade, essas restrições só podem ser introduzidas se forem necessárias e corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros.

[…]

3.      Na medida em que a presente Carta contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos por essa Convenção. Esta disposição não obsta a que o direito da União confira uma proteção mais ampla.

4.      Na medida em que a presente Carta reconheça direitos fundamentais decorrentes das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, tais direitos devem ser interpretados de harmonia com essas tradições.

[…]

6.      As legislações e práticas nacionais devem ser plenamente tidas em conta tal como precisado na presente Carta.»

2.      Direito derivado em matéria de abuso de mercado

a)      Diretiva 2003/6

6.        A Diretiva 2003/6 harmonizou as regras materiais reguladoras das condutas de utilização indevida da informação privilegiada e de manipulação de mercado, prevendo, além disso, a obrigação dos Estados‑Membros aplicarem uma sanção administrativa a este tipo de condutas ilícitas, independentemente da aplicação de medidas penais por regras de direito interno.

7.        O considerando 38 afirma:

«A fim de garantir uma eficácia adequada ao enquadramento [na União] do abuso de mercado, qualquer infração às proibições ou requisitos estabelecidos por força da presente diretiva terá de ser rapidamente detetada, sendo‑lhe aplicada uma sanção. Para este efeito, as sanções devem ser suficientemente dissuasivas e proporcionadas à gravidade da infração e às mais‑valias realizadas e devem ser aplicadas de forma sistemática».

8.        No que diz respeito às condutas de abuso de informação privilegiada, o artigo 2.o, n.o 1, prevê:

«Os Estados‑Membros proíbem qualquer pessoa referida no segundo parágrafo que detenha informação privilegiada de utilizar essa informação ao adquirir ou alienar, tentar adquirir ou alienar, por sua conta ou por conta de terceiro, direta ou indiretamente, os instrumentos financeiros a que essa informação diga respeito.

O disposto no primeiro parágrafo aplica‑se a qualquer pessoa que detenha a informação em questão:

a)      Em virtude da sua qualidade de membro dos órgãos de administração, de gestão ou de fiscalização do emitente;

b)      Em virtude da sua participação no capital do emitente;

c)      Em virtude do acesso a essa informação privilegiada por força do exercício da sua atividade, da sua profissão ou das suas funções; ou

d)      Em virtude das suas atividades criminosas.»

9.        O artigo 2.o é completado pelo artigo 3.o, nos termos do qual:

«Os Estados‑Membros proíbem qualquer pessoa sujeita à proibição estabelecida no artigo 2.o de:

a)      Comunicar informação privilegiada a outra pessoa, exceto se essa comunicação ocorrer no âmbito do exercício normal da sua atividade, da sua profissão ou das suas funções;

b)      Recomendar a outra pessoa que adquira ou aliene, ou induzir outra pessoa a adquirir ou alienar, com base em informação privilegiada, os instrumentos financeiros a que se refere essa informação.»

10.      O artigo 14.o, n.o 1, tem a seguinte redação:

«Sem prejuízo do direito de imporem sanções penais, os Estados‑Membros asseguram, nos termos da respetiva legislação nacional, que possam ser tomadas medidas administrativas adequadas ou aplicadas sanções administrativas relativamente às pessoas responsáveis por qualquer incumprimento das disposições aprovadas por força da presente diretiva. Os Estados‑Membros asseguram que estas medidas sejam efetivas, proporcionadas e dissuasivas.»

b)      Regulamento n.o 596/2014

11.      Nos termos do seu considerando 71:

«[…] deverá assegurar‑se um conjunto de sanções e outras medidas administrativas para garantir uma abordagem comum nos Estados‑Membros e reforçar o seu efeito dissuasor. A autoridade competente deverá dispor da possibilidade de inibição do exercício de funções de gestão nas empresas de investimento. As sanções aplicadas a casos específicos deverão ser determinadas, tendo em conta, se for caso disso, fatores como a restituição de quaisquer benefícios financeiros identificados, a gravidade e duração da infração, quaisquer fatores agravantes ou atenuantes, a necessidade de as coimas terem um efeito dissuasor e, se for caso disso, serem atenuadas por motivos de colaboração com a autoridade competente. Em especial, o montante efetivo das coimas administrativas a impor num caso específico pode atingir o nível máximo previsto no presente regulamento, ou o nível mais elevado previsto na legislação nacional, para infrações muito graves, enquanto coimas significativamente mais baixas do que o nível máximo podem ser aplicadas a infrações menores ou em caso de acordo. O presente regulamento não limita os Estados‑Membros na sua capacidade de estabelecer sanções administrativas mais elevadas ou outras medidas administrativas.»

12.      No considerando 72 lê‑se:

«Embora nada obste a que os Estados‑Membros estabeleçam regras em matéria de sanções administrativas bem como penais para as mesmas infrações, não se deverá exigir aos Estados‑Membros que estabeleçam regras em matéria de sanções administrativas para as infrações ao presente regulamento que já estejam reguladas pelo Direito Penal nacional em 3 de julho de 2016. Em conformidade com a legislação nacional, os Estados‑Membros não têm a obrigação de impor sanções administrativas e penais para a mesma infração, mas podem fazê‑lo se a sua legislação nacional o permitir. No entanto, a manutenção de sanções penais em vez de sanções administrativas para as infrações ao presente regulamento ou à Diretiva 2014/57/UE não deverá reduzir nem de qualquer outro modo afetar a capacidade das autoridades competentes em termos de cooperação, acesso e intercâmbio de informações, em tempo útil, com as autoridades competentes de outros Estados‑Membros para efeitos do presente regulamento, nomeadamente depois de terem sido remetidos às autoridades judiciais competentes os dados relativos às infrações em causa para efeitos de ação penal».

13.      Nos termos do considerando 77:

«O presente regulamento respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (Carta). Assim, o presente regulamento deverá ser interpretado e aplicado no respeito por esses direitos e princípios […]».

14.      O artigo 14.o diz respeito à proibição de abuso de informação privilegiada e de transmissão ilícita de informação privilegiada, determinando que:

«É proibido:

a)      Cometer ou tentar cometer abuso de informação privilegiada;

b)      Recomendar que alguém cometa abuso de informação privilegiada ou induzir alguém a cometer abuso de informação privilegiada; ou

c)      Transmitir ilicitamente informação privilegiada.»

15.      No que diz respeito ao abuso de informação privilegiada e às recomendações para que terceiros cometam abuso de informação privilegiada, o artigo 8.o determina o seguinte:

«1.      Para efeitos do presente regulamento, existe abuso de informação privilegiada quando uma pessoa que dispõe de informação privilegiada utiliza essa informação ao adquirir ou alienar, por sua conta ou por conta de um terceiro, direta ou indiretamente, instrumentos financeiros a que essa informação diz respeito. […]

2.      Para efeitos do presente regulamento, recomendar ou induzir outra pessoa a cometer abuso de informação privilegiada ocorre quando a pessoa possui informação privilegiada e:

a)      Recomenda ou induz, com base nessa informação, outra pessoa a adquirir ou alienar instrumentos financeiros a que essa informação diz respeito, ou

b)      Recomenda ou induz, com base nessa informação, outra pessoa a cancelar ou alterar uma ordem relativa a um instrumento financeiro a que essa informação diz respeito.

3.      A utilização das recomendações ou induções a que se refere o n.o 2 constitui abuso de informação privilegiada na aceção do presente artigo, caso a pessoa que utiliza a recomendação ou indução saiba, ou deva saber, que ela se baseia em informação privilegiada.

[…]»

16.      No que diz respeito à transmissão ilícita de informação privilegiada, o artigo 10.o prevê:

«1.      Para efeitos do presente regulamento, existe transmissão ilícita de informação privilegiada quando uma pessoa dispõe de informação privilegiada e a transmite a qualquer outra pessoa, exceto se essa transmissão ocorrer exercício normal da sua atividade, profissão ou funções.

[…]»

17.      O artigo 30.o regula as sanções e outras medidas administrativas nestes termos:

«1.      Sem prejuízo de quaisquer sanções penais e sem prejuízo dos poderes de supervisão das autoridades competentes, em conformidade com o artigo 23.o, os Estados‑Membros devem, em conformidade com a legislação nacional, atribuir às autoridades competentes os poderes para aplicarem sanções e outras medidas administrativas adequadas, pelo menos, no caso das seguintes infrações:

a)      Violação dos deveres previstos nos artigos 14.o e 15.o, artigo 16.o, n.os 1 e 2, artigo 17.o, n.os 1, 2, 4, 5 e 8, artigo 18.o, n.os 1 a 6, artigo 19.o, n.os 1, 2, 3, 5, 6, 7 e 11, e artigo 20.o, n.o 1, do presente regulamento; e

b)      Falta de cooperação ou incumprimento numa investigação ou inspeção ou incumprimento de pedido abrangidos pelo artigo 23.o, n.o 2.

Os Estados‑Membros podem decidir não prever regras em matéria de sanções administrativas nos termos do primeiro parágrafo se essas infrações referidas no primeiro parágrafo, alíneas a) e b), já se encontrarem sujeitas a sanções penais de acordo com a sua legislação nacional até 3 de julho de 2016. Neste caso, os Estados‑Membros devem notificar, detalhadamente, à Comissão e à ESMA as regras penais relevantes aplicáveis.

Até 3 de julho de 2016, os Estados‑Membros devem notificar detalhadamente a Comissão e a ESMA as regras a que se referem o primeiro e o segundo parágrafos. Devem notificar, de imediato, a Comissão e a ESMA sobre qualquer alteração subsequente às mesmas.

2.      Os Estados‑Membros devem, em conformidade com a legislação nacional, atribuir às autoridades competentes poderes para aplicarem as seguintes sanções administrativas e adotarem pelo menos as seguintes medidas administrativas, no caso de uma infração referida no n.o 1, primeiro parágrafo, alínea a): […]».

c)      Diretiva 2014/57

18.      Nos termos dos considerandos 22, 23 e 27:

«(22)      As obrigações previstas na presente diretiva de prever sanções na respetiva legislação nacional para as pessoas singulares ou coletivas não isentam os Estados‑Membros da obrigação de preverem na legislação nacional sanções e outras medidas pelas infrações constantes do Regulamento (UE) n.o 596/2014, salvo se tiverem decidido, em conformidade com o disposto no Regulamento (UE) n.o 596/2014, prever apenas sanções penais para tais infrações na respetiva legislação nacional.

(23)      O âmbito de aplicação da presente diretiva está definido de modo a completar e assegurar a execução efetiva do disposto no Regulamento (UE) n.o 596/2014. Ainda que as infrações devam ser punidas de acordo com os termos da presente diretiva, quando cometidas intencionalmente e, pelo menos, nos casos mais graves, sanções por violação do disposto no Regulamento (UE) n.o 596/2014 não exigem que a intenção seja provada ou que as infrações sejam qualificadas como graves. Ao aplicarem a lei nacional que transporá a presente diretiva, os Estados‑Membros deverão certificar‑se de que a imposição de sanções penais por infrações nos termos da presente diretiva e a imposição de sanções administrativas ao abrigo do Regulamento (UE) n.o 596/2014 não viole o princípio do ne bis in idem.

[…]

(27)      A presente diretiva respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (Carta), tal como reconhecidos no TUE. Mais concretamente, deverá ser aplicada no devido respeito pelo direito […] a não ser julgado ou punido penalmente mais do que uma vez pelo mesmo delito (artigo 50.o

19.      No que diz respeito ao abuso de informação privilegiada e à recomendação ou indução de terceiros à prática de abuso de informação privilegiada, o artigo 3.o prevê:

«1.      Os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para assegurar que o abuso de informação privilegiada, a recomendação ou a indução de terceiros à prática de abuso de informação privilegiada previstos nos n.os 2 a 8 constituam infrações penais, pelo menos, em casos graves e quando cometidos com dolo.

2.      Para efeitos da presente diretiva, há abuso de informação privilegiada sempre que uma pessoa que possua informação privilegiada utilize essa informação ao adquirir ou alienar, por sua conta ou por conta de um terceiro, direta ou indiretamente, instrumentos financeiros a que essa informação diga respeito.

3.      O presente artigo aplica‑se a qualquer pessoa que possua informação privilegiada em virtude de:

[…]

c)      Ter acesso à informação por força do exercício normal da sua atividade, profissão ou funções; ou

[…]

O presente artigo também se aplica a qualquer pessoa que tenha obtido informação privilegiada em circunstâncias distintas das referidas no primeiro parágrafo, quando que essa pessoa saiba que se trata de informação privilegiada.»

20.      O artigo 4.o, n.o 1, afirma:

«Os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para assegurar que a transmissão ilícita de informação privilegiada, referida nos n.os 2 a 5, constitui uma infração penal, pelo menos, em casos graves e quando cometida com dolo.»

21.      Para o artigo 7.o, relativo às sanções penais aplicáveis às pessoas singulares:

«1.      Os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que as infrações referidas nos artigos 3.o a 6.o sejam puníveis com sanções penais efetivas, proporcionais e dissuasoras.

2.      Os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que os crimes referidos nos artigos 3.o e 5.o sejam puníveis com uma pena máxima de prisão não inferior a quatro anos.

3.      Os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que os crimes referidos no artigo 4.o sejam puníveis com uma pena máxima de prisão não inferior a dois anos.»

22.      Em conformidade com o artigo 13.o, n.o 1, os Estados‑Membros adotam e publicam, até 3 de julho de 2016, as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à diretiva.

C.      Direito italiano

23.      O Decreto Legislativo n.o 58/1998, Testo unico delle disposizioni in materia di intermediazione finanziaria (Texto Único em matéria de intermediação financeira; a seguir «TUF») determinava o seguinte na versão do seu artigo 184.o aplicável aos factos:

«1.      É punido com prisão de um a seis anos e com multa de vinte mil a três milhões de euros quem, detendo informação privilegiada em razão da sua qualidade de membro de órgãos de administração, direção ou fiscalização do emitente, da participação no capital do emitente ou do exercício de uma atividade laboral, de uma profissão ou de uma função, inclusivamente pública, ou de um cargo:

a)      adquirir, vender ou realizar outras operações, direta ou indiretamente, por conta própria ou por conta de terceiros, relativas a instrumentos financeiros utilizando tal informação;

b)      transmitir tal informação a outras pessoas, fora do âmbito do normal exercício da atividade laboral, da profissão, da função ou do cargo;

c)      recomendar ou induzir outras pessoas, com base em tal informação, a realizar uma das operações indicadas na alínea a).

2.      É aplicável a pena prevista no n.o 1 a quem, detendo informação privilegiada em razão da preparação ou prática de atividades criminosas, praticar um dos atos previstos no mesmo n.o 1. […]»

24.      O TUF foi alterado pela legge 18 aprile 2005, n.o 62, disposizioni per l’adempimento di obblighi derivanti dall’appartenenza dell’Italia alle Comunità europee, legge comunitaria 2004 (Lei n.o 62/2005, de 18 de abril, Disposições de execução das obrigações decorrentes de a Itália ser membro das Comunidades Europeias, Lei Comunitária de 2004), com a finalidade de reforçar as competências da Consob, atribuindo‑lhe, entre outras, um poder autónomo para aplicar sanções de caráter administrativo contra as condutas de abuso de informação privilegiada. Concretamente, esta lei introduziu no TUF o artigo 187.o‑A com a seguinte redação:

«1.      Sem prejuízo das sanções penais quando o facto constitua crime, é punido com coima entre cem mil e quinze milhões de euros quem, detendo informação privilegiada em razão da sua qualidade de membro de órgãos de administração, direção ou fiscalização do emitente, da participação no capital do emitente ou do exercício de uma atividade laboral, de uma profissão ou de uma função, inclusivamente pública, ou de um cargo:

a)      adquirir, vender ou realizar outras operações, direta ou indiretamente, por conta própria ou por conta de terceiros, relativas a instrumentos financeiros utilizando tal informação;

b)      transmitir informação a outras pessoas, fora do âmbito do normal exercício da atividade laboral, da profissão, da função ou do cargo;

c)      recomendar ou induzir outras pessoas, com base em tal informação, a realizar uma das operações indicadas na alínea a).

2.      É aplicável a sanção prevista no n.o 1 a quem, detendo informação privilegiada em razão da preparação ou prática de atividades criminosas, praticar um dos atos previstos no mesmo n.o 1.

[…]

4.      A sanção prevista no n.o 1 é igualmente aplicável a quem, detendo informação privilegiada, conhecendo ou podendo conhecer, usando de normal diligência, o caráter privilegiado da mesma, praticar algum dos atos aí descritos. […]»

25.      Nos termos do artigo 187.o‑K, n.o 1, do TUF:

«O processo administrativo declarativo e o processo de oposição previstos no artigo 187.o‑F não podem ser suspensos na pendência de um processo penal que tenha por objeto o mesmo facto ou factos de cujo apuramento dependa a resolução do processo.»

26.      O artigo 187.o‑L, n.o 1, do TUF especifica:

«Quando, pelo mesmo facto, seja aplicada ao réu ou à entidade uma sanção administrativa pecuniária nos termos do artigo 187.o‑F […] a execução da pena pecuniária e da sanção pecuniária decorrente do crime é limitada à parte que exceder a cobrada pela autoridade administrativa».

27.      Em conformidade com o artigo 654.o do codice di procedura penale (Código de Processo Penal), relativamente ao arguido, à parte civil e ao responsável civil que tenha comparecido ou intervindo no processo penal, a sentença penal transitada em julgado de condenação ou de absolvição tem força de caso julgado no processo civil ou administrativo.

II.    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

28.      Segundo a descrição dos factos pelos quais a Consob lhes aplicou sanções (7), A. Zecca e. Puma adquiriram determinadas ações utilizando informação privilegiada. Concretamente, A. Zecca, na sua qualidade de diretor da secção «Transaction Services» da Deloitte Financial Advisory Services S.p.a., dispunha da referida informação relativa a um projeto de oferta pública de aquisição das ações da Guala Closures S.p.a. Dispunha, também, de informação reservada relativa a um projeto de aquisição do controlo da Permasteelisa S.p.a.

29.      A. Zecca transmitiu, em 2008, essa informação a E. Puma, incitando‑o a comprar ações das duas sociedades referidas. Este último, com efeito, comprou, em 30 de setembro de 2008, 4 000 ações da Guala Closures e, conjuntamente com A. Zecca, 2 375 ações da Permasteelisa, em 14 e 17 de outubro de 2008.

30.      A Consob, após instaurar um procedimento administrativo em 17 de setembro de 2009, por decisão de 7 de novembro de 2012 aplicou uma sanção a A. Zecca, como autor de uma infração tipificada no artigo 187.o‑A, n.o 1, alíneas a) e c), do TUF, aplicando‑lhe: i) uma coima de 100 000 euros por ter incitado E. Puma à compra de ações da Guala Closures; ii) outra coima de 100 000 euros por ter transmitido a E. Puma informação privilegiada relativa ao projeto de aquisição do controlo da Permasteelisa; iii) uma terceira coima de 100 000 euros pela aquisição de 2 375 ações da Permaasteelisa; e iv) a perda temporária, por seis meses, dos requisitos de idoneidade necessários para assumir determinados cargos em sociedades cotadas na bolsa (8).

31.      Na mesma decisão, a Consob aplicou a E. Puma, em aplicação do artigo 187.o‑A, n.o 4 e n.o 1, alínea a), do TUF: i) uma coima de 100 000 euros pela compra das ações da Guala Closures; ii) outra coima de 100 000 euros pela aquisição das ações da Permaasteelisa; e iii) a perda temporária, por três meses, dos requisitos de idoneidade necessários para assumir determinados cargos em sociedades cotadas na bolsa.

32.      A. Zecca e E. Puma recorreram, com desfechos diferentes, da decisão da Consob para a Corte di appello di Milano — Sezione Civile (Tribunal de Recurso de Milão, Secção Cível). O recurso de E. Puma foi julgado improcedente (sentença de 4 de abril de 2013), enquanto o de A. Zecca foi julgado procedente (sentença de 23 de agosto de 2013), tendo o referido tribunal constatado um vício de forma na comunicação das acusações, pelo que declarou extintas as sanções que lhe foram aplicadas.

33.      Foram apresentados recursos de ambas as sentenças, o primeiro, por A. Zecca e, o segundo, pela Consob. A Corte suprema di cassazione (Tribunal Supremo, Itália), antes de apreciar os respetivos recursos, submete ao Tribunal de Justiça duas questões prejudiciais.

34.      Além disso, a Consob enviou, em 2 de dezembro de 2011, ao Ministério Público de Milão um relatório com os resultados das suas investigações relativas às atuações de A. Zecca e E. Puma. No processo penal instaurado na sequência desta comunicação, o Tribunale di Milano — Sezione penale (Tribunal de Milão, Secção Penal), absolveu‑os do crime tipificado no artigo 184.o do TUF, com fundamento na inexistência dos factos imputados. O Ministério Público não recorreu da sentença (n.o 6625 de 2014), que assim se transitou em julgado (9).

35.      A. Zecca e E. Puma invocaram esta sentença penal de absolvição nos recursos das sanções da Consob. Alegam, em particular, que o Tribunale di Milano — Sezione penale (Tribunal de Milão, Secção Penal) os absolveu do crime tipificado no artigo 184.o do TUF, com fundamento na inexistência dos factos imputados, e que a referida sentença fazia caso julgado. Como a conduta tipificada nesse artigo é idêntica à qualificada como infração administrativa pelo artigo 187.o‑A do TUF (10), utilizado pela Consob como fundamento para lhes aplicar as sanções, consideram que estão submetidos a dois processos por um mesmo facto, com a consequente violação do princípio ne bis in idem enunciado no artigo 4.o do Protocolo n.o 7 e no artigo 50.o da Carta.

36.      A Corte suprema di cassazione (Tribunal Supremo), após aceitar a invocação da sentença penal de absolvição para decidir relativamente ao seu eventual efeito de caso julgado no que diz respeito às sanções aplicadas pela Consob, recorda que, no acórdão de 4 de março de 2014, Grande Stevens e o. c. Itália (11), o TEDH declarou que as disposições italianas que punem como infração administrativa a manipulação do mercado são incompatíveis com o direito a direito a não ser punido duas vezes por condutas idênticas do ponto de vista material.

37.      Contudo, o tribunal a quo tem dúvidas quanto ao alargamento dessa jurisprudência do TEDH ao artigo 50.o da Carta, à luz do acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson (12).

38.      Neste contexto, a Corte suprema di cassazione (Tribunal Supremo, Itália) submete ao Tribunal de Justiça as duas questões prejudiciais seguintes, idênticas para ambos os processos:

«1)      Deve o artigo 50.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União ser interpretado no sentido de que, depois de ter sido definitivamente constatada a inexistência da conduta que constituía a infração penal, fica excluída, sem necessidade de proceder a qualquer apreciação ulterior por parte do órgão jurisdicional nacional, a possibilidade de abertura ou prosseguimento, pelos mesmos factos, de um novo processo destinado à aplicação de sanções que, pela sua natureza e gravidade, são qualificáveis como penais.

2)      Deve o órgão jurisdicional nacional, ao avaliar o caráter efetivo, proporcional e dissuasivo das sanções, para apurar a violação do princípio ne bis in idem previsto no artigo 50.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, tomar em conta os limites de pena impostos pela Diretiva 2014/57/UE.»

39.      Apresentaram observações escritas A. Zecca, E. Puma, os Governos de Itália, Alemanha e Portugal, bem como a Comissão. Os dois processos foram apensados e atribuídos à Grande Secção do Tribunal de Justiça, tendo‑se realizado a audiência em 30 de maio de 2017, conjuntamente com a dos processos (C‑524/15) e Garlsson Real State e o. (C‑537/16). Na audiência apresentaram observações orais relativas a estes processos apensos os representantes de A. Zecca e de E. Puma, a Consob, os Governos italiano e alemão, além da Comissão.

III. Análise das questões prejudiciais

40.      Com a sua primeira questão, o tribunal de reenvio pretende saber se, de acordo com o artigo 50.o da Carta, as sentenças penais definitivas que declaram a inexistência de uma conduta constitutiva de crime de abuso de mercado excluem a abertura ou o prosseguimento de qualquer outro processo sancionatório pelos mesmos factos, quando este processo possa resultar em sanções cuja natureza e gravidade lhes confira caráter penal.

41.      Na segunda questão, o mesmo tribunal duvida de que, para avaliar o caráter efetivo, proporcionado e dissuasivo das sanções, o órgão jurisdicional nacional deva ter em conta os limites impostos pela Diretiva 2014/57.

42.      Antes de sugerir uma resposta a essas questões, considero oportuno efetuar três clarificações. A primeira consiste no facto de não haver dúvida, neste processo, no que diz respeito à aplicabilidade do artigo 50.o da Carta, uma vez que a legislação nacional relativa ao abuso de mercado, por força da qual foram aplicadas as sanções controvertidas, foi adotada pelo Estado italiano para transpor a Diretiva 2003/6 para o seu direito interno.

43.      O âmbito de aplicação da Carta, no que diz respeito à ação dos Estados‑Membros, encontra‑se definido no seu artigo 51.o, n.o 1, nos termos do qual as disposições da Carta têm por destinatários os Estados‑Membros apenas quando apliquem o direito da União. Os direitos fundamentais garantidos pela Carta devem ser respeitados ao aplicar as normas internas que, por sua vez, refletem ou resultam de normas da União (13). Pelo contrário, o Tribunal de Justiça não tem competência para apreciar uma situação jurídica não abrangida pelo referido âmbito, e as disposições da Carta não podem fundamentar, por si só, essa competência (14).

44.      Uma segunda clarificação diz respeito à opção do legislador italiano ao introduzir, em 2005, um sistema com duplicação de processos e de sanções (administrativas e penais) para punir as condutas de abuso de mercado, em aplicação da Diretiva 2003/6.

45.      Este sistema de via dupla, administrativa e penal (doppio binario sanzionatorio) tem características que o tornam dificilmente compatível com o ne bis in idem do artigo 50.o da Carta, tal como expõe o tribunal de reenvio. Se a Diretiva 2003/6 tivesse implementado tal sistema, teria de questionar‑se a sua eventual nulidade, precisamente pela possível violação do artigo 50.o da Carta.

46.      Contudo, na minha opinião, a Diretiva 2003/6 não força os Estados‑Membros a aplicar um sistema de via dupla, administrativa e penal, para punir este tipo de condutas ilícitas, pelo que não considero que essa diretiva seja incompatível com o artigo 50.o da Carta.

47.      Nas minhas conclusões no processo Garlsson Real State e o. (15), analiso a compatibilidade da Diretiva 2003/6 com o artigo 50.o da Carta. Faço também referência ao novo regime de sanções aplicáveis às condutas de abuso de mercado, introduzido pelo Regulamento n.o 596/2014 e pela Diretiva 2014/57, que também não obrigam os Estados‑Membros a adotar a via dupla para punir os abusos de mercado e que não são incompatíveis, por esse facto, com o direito ao ne bis in idem.

48.      A terceira clarificação diz respeito à invocação da Diretiva 2014/57 e à eventual inadmissibilidade da segunda questão prejudicial. O Governo italiano alega que essa Diretiva não é aplicável ratione temporis ao litígio uma vez que os factos que fundamentam as sanções ocorreram em 2008 e o prazo para a transposição da Diretiva 2014/57 para os ordenamentos internos terminou em 3 de julho de 2016.

49.      O tribunal de reenvio sabe, naturalmente, que a Diretiva 2014/57 não é aplicável a estes processos, por razões de aplicação no tempo. Por isso, a sua (segunda) questão submetida ao Tribunal de Justiça não diz respeito à interpretação dessa diretiva, mas sim à possibilidade de extrair do novo quadro normativo (Diretiva 2014/57 e Regulamento n.o 596/2014) elementos úteis para analisar o caráter efetivo, proporcionado e dissuasivo das sanções, ao avaliar a violação do princípio ne bis in idem (16). Exposta desta forma, considero que a segunda questão é admissível.

A.      Primeira questão prejudicial: aplicação do ne bis in idem do artigo 50.oda Carta à repetição de processos penais e administrativos por abuso de informação privilegiada

50.      Nas conclusões Menci desenvolvi in extenso as minhas reflexões no que diz respeito:

–        à aplicação do artigo 50.o da Carta ao cúmulo de sanções fiscais e penais, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça, em particular, do acórdão Åkerberg Fransson e de outros anteriores (17).

–        à jurisprudência do TEDH relativa ao ne bis in idem, tanto no que diz respeito à identidade dos factos como à repetição dos processos sancionatórios (18).

–        à incidência do acórdão do TEDH, de 15 de novembro de 2016, A e B c. Noruega (19), no direito da União (20).

–        à possibilidade de explorar a via do artigo 52.o, n.o 1, primeiro período, da Carta para limitar o direito a não ser julgado ou punido penalmente mais do que uma vez pelo mesmo delito (21).

51.      Creio que essas mesmas reflexões são extrapoláveis, mutatis mutandis, para interpretar o alcance da proteção conferida pelo artigo 50.o da Carta em face da duplicação de processos e de sanções, penais e administrativas, por um mesmo facto qualificável como abuso de informação privilegiada. Remeto, portanto, para as mesmas.

52.      O tribunal de reenvio, na sua primeira questão prejudicial, pretende saber se o artigo 50.o da Carta autoriza que se instaure um procedimento administrativo para punir os autores de condutas ilícitas de abuso de informação privilegiada, quando uma sentença penal definitiva tenha previamente declarado a inexistência das referidas condutas.

53.      A aplicação do princípio ne bis in idem, protegido pelo artigo 50.o da Carta, exige a verificação de quatro condições: 1) a identidade da pessoa julgada ou punida; 2) a identidade dos factos em juízo (idem); 3) a duplicação dos processos sancionatórios (bis); e 4) o caráter definitivo de uma das duas decisões.

54.      Neste litígio, o tribunal de reenvio parece não ter dúvidas no que diz respeito à concordância (identidade) das duas pessoas julgadas ou punidas pelas condutas de abuso de informação privilegiada, ou seja, A. Zecca e E. Puma. Os processos penais que resultaram na sentença de absolvição foram instaurados contra eles, tal como os procedimentos administrativos, no termo dos quais a Consob lhes aplicou as sanções de coima e de perda de requisitos de idoneidade já referidas.

55.      O caráter definitivo de qualquer uma das decisões que põe termo a um dos dois tipos de processos (neste caso, os penais) também não é discutido. No processo penal instaurado pelo Ministério Público contra A. Zecca e E. Puma, o Tribunale di Milano — Sezione penale (Tribunal de Milão, Secção Penal) absolveu‑os do crime tipificado no artigo 184.o do TUF, com fundamento na inexistência dos factos imputados. A sentença transitou em julgado (22).

56.      A identidade material dos factos em juízo (idem) também não parece ser objeto de debate nem suscita dificuldades ao tribunal a quo. Os factos pelos quais A. Zecca e E. Puma foram julgados e absolvidos penalmente são os mesmos (condutas de utilização de informação privilegiada) pelos quais a Consob lhes aplicou as sanções administrativas.

57.      As dúvidas do tribunal de reenvio concentram‑se, portanto, na duplicação ou repetição dos processos sancionatórios (bis). Trata‑se de saber se o artigo 50.o da Carta é violado quando, após a absolvição penal definitiva com fundamento na inexistência da conduta punível, a pessoa absolvida pode ainda ser submetida, pelos mesmos factos, ao procedimento sancionatório da Consob (ou ao prosseguimento do já instaurado), que, eventualmente, resulte na aplicação de sanções formalmente de caráter administrativo que são, na realidade, verdadeiras penas.

58.      Tal como referi nas conclusões Menci (23), o Tribunal de Justiça utilizou, no âmbito do artigo 50.o da Carta, os denominados critérios Engel, como parâmetros para determinar quando é que um processo ou uma sanção, em princípio de natureza administrativa, têm natureza penal (24).

59.      O primeiro critério Engel (a qualificação jurídica da infração no direito interno) é muito pouco relevante neste caso, uma vez que o direito italiano qualifica os processos e as sanções da Consob como administrativos. Contudo, tal não impedirá a sua análise posterior à luz dos outros dois critérios (25).

60.      O segundo critério Engel diz respeito à natureza jurídica da infração. Uma infração nominalmente administrativa terá, na realidade, natureza penal quando reúna uma serie de fatores (entre outros, que a sua punição responda a finalidades de repressão e de prevenção e não se limite à reparação de danos patrimoniais, e salvaguarde bens jurídicos cuja proteção é normalmente garantida mediante regras de direito penal) a que me referi nas conclusões Menci (26).

61.      Para o tribunal de reenvio, tendo em conta a natureza do ilícito, as infrações administrativas punidas pela Consob têm natureza materialmente penal, em conformidade com o segundocritérioEngel, apreciação com a qual concordo. Os bens por elas protegidos (artigo 187.o‑A do TUF) são idênticos aos que abrangem os tipos de delitos homónimos (artigo 184.o do TUF). Procura‑se, com umas e outros, proteger a integridade dos mercados financeiros e a confiança do público na segurança das transações. A atribuição de poder sancionatório à Consob para punir este tipo de infrações tanto tem finalidade preventiva (dissuadir futuros infratores da prática de condutas ilícitas de abuso de informação privilegiada) como repressiva (punir os que tenham praticado este tipo de factos e evitar a sua reincidência) (27).

62.      O terceiro critério Engel diz respeito à natureza e ao grau de severidade da sanção, ponderados em função dos critérios a que também fiz referência nas conclusões Menci (28). Tendo em conta a diversidade das sanções que a Consob pode aplicar e, em particular, o elevado montante das coimas que pode aplicar, o tribunal de reenvio reconhece que se trata de sanções com uma clara natureza penal.

63.      A gravidade das sanções deve ser apreciada em função da sanção que possa ser aplicada a priori à pessoa afetada, e não em função da que lhe seja efetivamente aplicada ou executada: uma eventual redução posterior da pena ou o seu não cumprimento decorrente de um indulto seriam irrelevantes (29). Da mesma forma, a aplicação do artigo 50.o da Carta não está condicionada a que num dos processos tenha sido proferida uma decisão definitiva que declare a responsabilidade do interessado pela infração e que aplique a sanção. Tal como argumenta o próprio tribunal de reenvio no seu despacho, a eficácia das normas sancionatórias deve sempre ser avaliada à luz do apuramento da infração, pelo que se poderia pensar que, se esta tiver sido considerada inexistente, não se deve colocar a questão da efetividade das sanções.

64.      Na minha opinião, a aplicação do direito ao ne bis in idem do artigo 50.o da Carta impede a abertura ou o prosseguimento de um procedimento administrativo sancionatório pelos mesmos factos, depois de os infratores terem sido absolvidos por sentença definitiva num processo penal. O conteúdo essencial do artigo 50.o da Carta seria prejudicado se, na apreciação as violações do ne bis in idem, fossem apenas tidas em conta as decisões sancionatórias e não as de absolvição.

65.      Se se aceitasse a irrelevância das decisões de absolvição no que diz respeito ao ne bis in idem, ninguém beneficiaria da segurança jurídica conferida por este direito, que inclui a garantia de não ser julgado ou punido após uma sentença penal definitiva de absolvição. O Estado não pode utilizar uma segunda vez, pelos mesmos factos, o seu poder repressivo contra um indivíduo absolvido de forma definitiva por via penal. E esta proibição rege tanto para um novo processo penal, como para um procedimento administrativo que resulte em sanções materialmente penais.

66.      Neste sentido, o TEDH confirmou que a garantia inerente ao ne bis in idem é aplicável não apenas aos casos de dupla punição, mas também aos de dupla acusação, ou seja, a quem tenha sido objeto de acusações que terminem sem condenação. Confirmou, também, que é indiferente que o procedimento administrativo seja anterior ou posterior ao processo penal, que a primeira sanção seja compensada com a aplicada no segundo, ou que a pessoa afetada tenha sido absolvida no termo do segundo ou do primeiro processo (30).

67.      Sob outra perspetiva, o direito ao ne bis in idem do artigo 50.o da Carta salvaguarda a segurança jurídica dos indivíduos, por forma a que decisões judiciais definitivas que os beneficiem não possam ser contrariadas por atuações posteriores da Administração, de conteúdo sancionatório. O respeito pelo caso julgado própria das sentenças penais (definitivas) de absolvição seria prejudicado se uma autoridade administrativa, como a Consob, pudesse ignorá‑las, dando como provados os mesmos factos cuja inexistência tinha sido declarada pelo órgão jurisdicional penal.

68.      O próprio tribunal de reenvio faz referência, no seu despacho, a esta interação entre o ne bis in idem e o caso julgado. Salienta o risco de decisões contraditórias no que diz respeito aos atos de A. Zecca e E. Puma, caso a sentença definitiva de absolvição do órgão jurisdicional penal italiano não impedisse a Consob de lhes aplicar as sanções administrativas, como resposta aos mesmos factos de abuso de informação privilegiada (31).

69.      No que diz respeito a esta matéria, é necessário recordar a jurisprudência assente do Tribunal de Justiça relativa à importância que reveste, no ordenamento jurídico da União e nos ordenamentos jurídicos nacionais, o princípio do caso julgado. Para garantir a estabilidade do direito e das relações jurídicas assim como uma boa administração da justiça, é necessário que as decisões judiciais que se tornaram definitivas após esgotamento das vias de recurso disponíveis ou depois de decorridos os prazos previstos para tais recursos já não possam ser postas em causa (32).

70.      O direito da União não obriga um órgão jurisdicional nacional a deixar de aplicar, em todos os casos, as regras processuais internas que conferem autoridade de caso julgado a uma decisão, mesmo que isso permita obviar a uma violação do direito da União por parte da decisão em causa (33). Na falta de regras da União numa determinada matéria, a aplicação do princípio do caso julgado faz parte da ordem jurídica interna dos Estados‑Membros ao abrigo do princípio da autonomia processual destes últimos (34).

71.      Esta jurisprudência do Tribunal de Justiça confirma a ideia anterior, isto é, que o direito ao ne bis in idem do artigo 50.o da Carta potencia o respeito do princípio do caso julgado das sentenças penais nacionais, impedindo a aplicação de sanções posteriores de conteúdo contrário pelos mesmos factos. Não se pode considerar, portanto, que da necessidade de aplicar sanções efetivas, proporcionadas e dissuasivas, prevista no artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2003/6 ou na jurisprudência do Tribunal de Justiça, decorra, para os órgãos jurisdicionais nacionais, a obrigação de não respeitar o caso julgado de uma sentença penal definitiva de absolvição.

72.      Referir‑me‑ei, por último, à eventual incidência que poderia ter, neste litígio, a alteração jurisprudencial do TEDH no seu acórdão A e B c. Noruega (35), proferido após a submissão da questão prejudicial. Segundo esse acórdão, o cúmulo de um procedimento administrativo sancionatório e de um processo penal não viola o artigo 4.o do Protocolo n.o 7 quando existe uma relação material e temporal suficientemente estreita entre eles. Algumas das partes defenderam, nas suas observações escritas e orais, a extrapolação desta jurisprudência para a aplicação do artigo 50.o da Carta, para justificar o modelo italiano de via dupla na punição de condutas de abuso de mercado.

73.      Não concordo com esse argumento, pelos motivos que expliquei mais aprofundadamente nas conclusões Menci (36). Reitero que o Tribunal de Justiça não deveria acolher a interpretação restritiva do direito ao ne bis in idem do artigo 50.o da Carta, recusando seguir o caminho da alteração jurisprudencial do TEDH no que diz respeito ao artigo 4.o do Protocolo n.o 7. Compete‑lhe, pelo contrário, manter um nível de proteção mais elevado do referido direito, em linha com os acórdãos proferidos, até ao momento, relativos ao artigo 50.o da Carta.

74.      Neste processo, o tribunal de reenvio, que se encontra em melhor posição para avaliar se as sanções administrativas sujeitas à sua apreciação revestem, verdadeiramente, caráter penal, defende que as aplicadas pela Consob a A. Zecca e E. Puma revestem esse caráter, e que as infrações que punem servem a mesma finalidade que os crimes de abuso de mercado. Se assim fosse, a aplicação dos critérios Engels ao processo principal levaria a declarar a violação do artigo 50.o da Carta.

75.      De acordo com esta premissa, a dedução mais coerente é que uma regulação interna como a regulação italiana relativa ao abuso de mercado permite a dupla punição, administrativa (mas materialmente penal) e penal, da mesma conduta ilícita, sem articular um mecanismo processual claro para evitar a dupla acusação e a dupla punição aos autores dos factos. Nesta medida, viola o direito ao ne bis in idem protegido pelo artigo 50.o da Carta, uma vez que autoriza a tramitação de um procedimento administrativo para punir os autores de condutas ilícitas de abuso de informação privilegiada, quando uma sentença penal definitiva tenha previamente declarado a inexistência das referidas condutas.

B.      Segunda questão prejudicial: exigência de efetividade das sanções como possível restrição do direito ao ne bis in idem do artigo 50.o da Carta

76.      Com a sua segunda questão, a Corte suprema di cassazione (Tribunal Supremo) pretende saber se um órgão de jurisdição nacional deve ter em conta os limites de pena impostos pela Diretiva 2014/57 para avaliar o caráter efetivo, proporcionado e dissuasivo das sanções e apurar, em conformidade com os referidos limites, se se verifica uma violação do artigo 50.o da Carta.

77.      O tribunal de reenvio interpreta o acórdão Åkerberg Fransson no sentido de que o órgão de jurisdição nacional, confrontado com o artigo 50.o da Carta, estaria obrigado a apreciar o caráter efetivo, proporcionado e dissuasivo das sanções «restantes» após a aplicação do ne bis in idem. Para esta apreciação, tem de saber se pode ter como referência os limites de penas impostos pela Diretiva 2014/57 (37).

78.      A partir desta leitura do acórdão Åkerberg Fransson, o tribunal de reenvio argumenta que, como de uma sentença penal de absolvição (como a relativa a A. Zecca e E. Puma) decorre a não aplicação de sanções nos processos penais, o artigo 50.o da Carta poderia não se opor à aplicação posterior de sanções administrativas (de caráter penal), como as aplicadas pela Consob (38).

79.      Não concordo com esta interpretação do acórdão Åkerberg Fransson. Na minha opinião, do seu n.o 36 (39) não se infere que o âmbito de aplicação do direito ao ne bis in idem do artigo 50.o da Carta esteja condicionado a que, em caso de sentença penal de absolvição, possam ser aplicadas outras sanções efetivas, proporcionadas e dissuasivas, por factos idênticos. Este condicionamento também não decorre do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2003/6 nem do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2014/57.

80.      Entendo, tal como a Comissão, que a exigência de efetividade das sanções não constitui uma limitação do direito ao ne bis in idem do artigo 50.o da Carta. A obrigação de aplicar sanções efetivas, proporcionadas e dissuasivas impende sobre os Estados de forma geral e independentemente de adotarem um sistema de via dupla (penal e administrativa) ou de via única (penal) para punir os abusos de mercado. Seja qual for o mecanismo escolhido, o regime sancionatório tem de ser efetivo e, em qualquer caso, respeitar o direito ao ne bis in idem consagrado no artigo 50.o da Carta.

81.      Tal como expus nas conclusões Menci (40) e Garlsson Real State e o. (41) apenas a cláusula horizontal do artigo 52.o, n.o 1, da Carta permitiria apreciar se a efetividade das sanções contra as condutas de abuso de informação privilegiada pode qualificar‑se de «objetivo de interesse geral» suscetível de justificar exceções ao artigo 50.o da Carta (42).

82.      Nos termos da cláusula horizontal do artigo 52.o, n.o 1, primeira frase, da Carta, a restrição do direito ao ne bis in idem deverá ser prevista por lei e respeitar o seu conteúdo essencial. Nos termos da segunda frase do mesmo número, na observância do princípio da proporcionalidade, essas restrições ao ne bis in idem só podem ser introduzidas se forem necessárias e corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros (43).

83.      Dos quatro requisitos indispensáveis para legitimar a restrição do direito fundamental, o primeiro e o último não apresentariam, neste caso, especiais dificuldades. A lei nacional autorizaria a dupla punição e esta responderia a um objetivo de interesse geral reconhecido pelo próprio direito da União (isto é, a proteção da integridade dos mercados financeiros).

84.      Duvido, contudo, que, neste contexto, fosse respeitado o conteúdo essencial do direito a não ser julgado ou punido mais do que uma vez pela mesma infração. Em todo o caso, e este é o fator chave, a restrição aqui analisada parece‑me desnecessária, na aceção do artigo 52.o, n.o 1, da Carta.

85.      O facto de a regulação dos Estados‑Membros prever soluções diferentes para esta situação demonstra, por si só, na minha perspetiva, a ausência de necessidade desta restrição. Se fosse realmente imprescindível, de acordo com o artigo 52.o, n.o 1, da Carta, sê‑lo‑ia para todos e não apenas para alguns dos referidos Estados‑Membros. Há Estados‑Membros que implementaram sistemas de via única para a punição das condutas de abuso de mercado e outros que mantiveram a via dupla, mas estabelecendo mecanismos processuais (o «aiguillage» em França) que impedem o cúmulo de sanções (44).

86.      A capacidade dissuasiva de uma sanção depende da sua gravidade: indubitavelmente, as penas de prisão são mais dissuasivas (ou seja, as previstas para os crimes) do que as pecuniárias (próprias do regime administrativo). Um sistema que combine, sem as duplicar, estas últimas para os ilícitos menos graves e reserve as primeiras para os mais graves respeitará o propósito de prevenir a multiplicação destes abusos.

87.      No que diz respeito à efetividade, não vejo por que motivo, quando se trate de sanções materialmente penais, e, portanto, sujeitas às garantias inerentes ao direito punitivo, a atuação dos órgãos da Administração teria de ser, necessariamente, mais expeditiva que a dos órgãos judiciais. Competirá aos Estados‑Membros estabelecer as medidas (legislativas, administrativas e de ordem jurisdicional) adequadas para fazer face à luta contra os abusos de mercado, conjugando a sua eficácia com o respeito pelos direitos que a Carta protege.

88.      Consequentemente, o caráter efetivo, proporcionado e dissuasivo das sanções não constitui uma restrição do âmbito de aplicação do direito ao ne bis in idem protegido pelo artigo 50.o da Carta.

IV.    Conclusão

89.      Atendendo a todas as considerações efetuadas, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais suscitadas pela Corte suprema di cassazione (Tribunal Supremo, Itália) nos seguintes termos:

«O artigo 50.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia:

1)      Opõe‑se a uma legislação nacional que permite a tramitação de um procedimento para aplicar sanções administrativas de caráter materialmente penal aos autores de condutas de abuso de mercado, quando uma sentença penal anterior, de absolvição e definitiva, tenha declarado, relativamente aos mesmos factos e às mesmas pessoas, a inexistência dessas condutas.

2)      Não pode ser restringido, em circunstâncias como as do processo principal, pela exigência de que as sanções aplicáveis às condutas de abuso de mercado revistam caráter efetivo, proporcionado e dissuasivo.»


1      Língua original: espanhol.


2      Processo C‑524/15 (a seguir «conclusões Menci»).


3      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2003, relativa ao abuso de informação privilegiada e à manipulação de mercado (abuso de mercado) (JO 2003, L 96, p. 16).


4      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativo ao abuso de mercado (regulamento abuso de mercado) e que revoga a Diretiva 2003/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e as Diretivas 2003/124/CE, 2003/125/CE e 2004/72/CE da Comissão (JO 2014, L 173, p. 1). O Regulamento n.o 596/2014 substituiu a Diretiva 2003/6 a partir de 3 de julho de 2016.


5      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativa às sanções penais aplicáveis ao abuso de informação privilegiada e à manipulação de mercado (abuso de mercado) (JO 2014, L 173, p. 179).


6      Nem o Regulamento n.o 596/2014 nem a Diretiva 2014/57 são aplicáveis ratione temporis ao processo dos autos, cujos factos remontam a 2005.


7      Como posteriormente se explicará, a jurisdição penal italiana absolveu os dois presumíveis autores da infração de abuso de mercado.


8      Além disso, ordenou a perda dos seus bens no montante de 23 106,25 euros, equivalente ao benefício gerado pelas infrações praticadas, nos termos do artigo 187.o, n.o 4, do TUF


9      A Consob, que interveio no processo penal como assistente, recorreu, mas o seu recurso, segundo o tribunal de reenvio, não afeta o trânsito da sentença em julgado.


10      Em ambas as disposições pune‑se, como crime ou como infração administrativa, a conduta de compra e revenda de ações de uma sociedade, após ter tido conhecimento de informação privilegiada relativa à referida conduta.


11      TEDH, acórdão de 4 de março de 2014 (CE:ECHR:2014:0304JUD001864010).


12      Processo C‑617/10, a seguir «acórdão Åkerberg Fransson», EU:C:2013:105.


13      Acórdão de 26 de fevereiro de 2013 Åkerberg Fransson, n.os 18 a 22.


14      Assim, em Itália, as sanções fiscais e as sanções penais aplicadas por não pagamento do imposto sobre o rendimento não implicam a aplicação do direito da União, na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta. Por esse motivo, o Tribunal de Justiça declarou‑se incompetente para apreciar uma questão prejudicial no despacho de 15 de abril de 2015, Burzio (C‑497/14, EU:C:2015:251).


15      Conclusões de 12 de setembro de 2017, C‑537/16, n.os 41 a 51.


16      Neste sentido, salienta que, existindo uma norma de direito interno que preveja uma sanção penal de duração máxima superior ao limite indicado na diretiva, está assegurada a efetividade do direito da União e, consequentemente, da previsão de uma sanção administrativa posterior decorreria uma violação do artigo 50.o da Carta.


17      Conclusões Menci, n.os 27 a 34.


18      Ibidem, n.os 35 a 56.


19      CE:ECHR:2016:1115JUD002413011


20      N.os 57 a 77 das conclusões Menci.


21      Ibidem, n.os 78 a 94.


22      A Consob, como assistente, recorreu, mas a Corte suprema di cassazione (Tribunal Supremo) afirma claramente que «a sentença penal de absolvição do recorrente transitou m julgado» (n.o 8 do despacho de reenvio).


23      N.o 31.


24      Acórdãos Åkerberg Fransson (C‑617/10, EU:C:2013:105, n.o 35); e Bonda (C‑489/10, EU:C:2012:319, n.o 37).


25      N.os 46 e 111.


26      Ibidem, n.os 47 e 112 a 115.


27      Neste mesmo sentido, TEDH, acórdão de 4 de março de 2014, Grande Stevens e o. c. Itália (CE:ECHR:2014:0304JUD001864010, § 96).


28      N.os 48 e 119.


29      TEDH, acórdão de 4 de março de 2014, Grande Stevens e o. c. Itália (CE:ECHR:2014:0304JUD001864010, §§ 97 e 98).


30      O TEDH considera ter sido violado o ne bis in idem porque as autoridades fiscais aplicaram coimas quando os tribunais penais tinham absolvido os infratores em processos paralelos ou sucessivos (acórdãos de 30 de abril de 2015, Kapetanios e o. c. Grécia, CE:ECHR:2015:0430JUD000345312; e de 9 de junho de 2016, Sismanidis e Sitaridis c. Grécia, CE:ECHR:2016:0609JUD006660209).


31      O órgão jurisdicional de reenvio salienta que, se o segundo processo devesse continuar mesmo após o apuramento definitivo da inexistência do facto constitutivo da infração, para possibilitar a aplicação de sanções ulteriores, o resultado que daí poderia decorrer seria o do risco de contradição entre decisões transitadas em julgado dentro do Estado‑Membro, uma vez que à sentença penal de absolvição poderia seguir‑se, pelos mesmos factos, uma sentença condenatória relativa à infração administrativa e às respetivas sanções.


32      V., entre outros, acórdãos de 3 de setembro de 2009, Fallimento Olimpiclub (C‑2/08, EU:C:2009:506, n.o 2[1]); de 6 de outubro de 2015, Târșia (C‑69/14, EU:C:2015:662, n.o 28); e de 11 de novembro de 2015, Klausner Holz Niedersachsen (C‑505/14, ECLI:EU:C:2015:742, n.o 38).


33      Acórdãos de 16 de março de 2006, Kapferer (C‑234/04, EU:C:2006:178, n.o 22); de 3 de setembro de 2009, Fallimento Olimpiclub (C‑2/08, EU:C:2009:506, n.o 23); de 10 de julho de 2014, Impresa Pizzarotti (C‑213/13, EU:C:2014:2067, n.o 59); e de 6 de outubro de 2015, Târșia (C‑69/14, EU:C:2015:662, n.o 29).


34      O mecanismo de aplicação não deve ser menos favorável do que o que regula situações semelhantes de natureza interna (princípio da equivalência) nem ser concebido de forma a, na prática, tornar impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efetividade). V. acórdãos referidos na nota anterior e o de 11 de novembro de 2015, Klausner Holz Niedersachsen (C‑505/14, ECLI:EU:C:2015:742, n.o 40).


35      CE:ECHR:2016:1115JUD002413011.


36      N.os 63 a 73.


37      Embora esta diretiva não seja aplicável ratione temporis aos factos do litígio, pode ser utilizada como elemento hermenêutico adicional (v. n.os 49 e 50).


38      O doppio binario sanzionatorio justificar‑se‑ia pela necessidade de assegurar sanções efetivas, proporcionadas e dissuasivas, como resposta às condutas de abuso de mercado. Os Governos italiano, alemão e polaco, bem como a Consob, defenderam nas suas observações que estas características das sanções permitem a restrição do âmbito de aplicação do artigo 50.o da Carta, de forma que a dupla repressão, penal e administrativa, beneficiaria uma luta mais eficaz contra as condutas de abuso de mercado.


39      «Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, à luz destes critérios [critérios Engel], se há que proceder a um exame do cúmulo das sanções fiscais e penais previsto pela legislação nacional em relação aos padrões nacionais na aceção do n.o 29 do presente acórdão, o que pode levar, sendo caso disso, a considerar esse cúmulo como contrário aos referidos padrões, na condição de as sanções serem efetivas, proporcionadas e dissuasivas […]».


40      N.os 78 a 93.


41      Processo C‑537/16, n.os 74 a 80.


42      V. acórdão de 27 de maio de 2014, Spasic (C‑129/14 PPU, EU:C:2014:586, n.o 55).


43      Ibidem, n.o 56.


44      V. amplo estudo de direito comparado realizado por diversos autores na monografia da Revue internationale des services financiers/International Journal for Financial Services, 2015, n.o 1; bem como Lecoqc, A., Principe non bis in idem: vers l’esquisse d’une standardisation de l’Una Via procédural: expériences belges et françaises, Tijdschrift voor rechtspersoon en vennootschap/Revue pratique des sociétés 2016, n.o 6, pp. 645 a 668; Club des juristes, Poursuite et sanction des abus de marché: le droit français à l’épreuve des textes communautaires et des jurisprudences récentes (CEDH, CJUE, Conseil constitutionnel, maio de 2015, www.leclubdesjuristes.com/les‑commissions/rapport‑poursuite‑et‑sanction‑des‑abus‑de‑marche/.