Language of document : ECLI:EU:C:2018:585

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

25 de julho de 2018 (*)

«Reenvio prejudicial — Medicamentos para uso humano — Tratamento do vírus da imunodeficiência humana (VIH) — Medicamentos de referência e medicamentos genéricos — Certificado complementar de proteção — Regulamento (CE) n.o 469/2009 — Artigo 3.o, alínea a) — Condições de obtenção — Conceito de “produto protegido por uma patente de base em vigor” — Critérios de apreciação»

No processo C‑121/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division (Patents Court) [Tribunal Superior de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Divisão da Chancelaria (Tribunal das Patentes), Reino Unido], por decisão de 23 de fevereiro de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 8 de março de 2017, no processo

Teva UK Ltd,

Accord Healthcare Ltd,

Lupin Ltd,

Lupin (Europe) Ltd,

Generics (UK) Ltd, agindo sob o nome comercial «Mylan»,

contra

Gilead Sciences Inc.,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, A. Tizzano, vice‑presidente, R. Silva de Lapuerta, M. Ilešič, J. L. da Cruz Vilaça, C. G. Fernlund e C. Vajda, presidentes de secção, J.‑C. Bonichot, A. Arabadjiev, C. Toader, M. Safjan, S. Rodin e K. Jürimäe (relatora), juízes,

advogado‑geral: M. Wathelet,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 20 de fevereiro de 2018,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Teva UK Ltd, por D. Alexander, QC, S. Carter e L. Lane, barristers, mandatados por C. Tunstall, solicitor,

–        em representação da Accord Healthcare Ltd, por D. Alexander, QC, e K. Pickard, barrister, mandatados por S. Ma, solicitor,

–        em representação da Lupin (Europe) Ltd e Lupin Ltd, por D. Alexander, QC, e J. Riordan, barrister, mandatados por D. Rose, solicitor,

–        em representação da Generics (UK) Ltd, agindo sob o nome comercial «Mylan», por D. Alexander, QC, e J. Delaney, barrister, mandatados por M. Royle, solicitor,

–        em representação da Gilead Sciences Inc., por T. Mitcheson, QC, e J. Whyte, barrister, mandatados por S. Moore, solicitor,

–        em representação do Governo do Reino Unido, por G. Brown, na qualidade de agente, assistida por N. Saunders, barrister,

–        em representação do Governo helénico, por M. Tassopoulou, D. Tsagkaraki e S. Papaioannou, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo letão, por I. Kucina, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo neerlandês, por K. Bulterman e M.Gijzen, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por É. Gippini Fournier e J. Samnadda, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 25 de abril de 2018,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 3.o, alínea a), do Regulamento (CE) n.o 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de maio de 2009, relativo ao certificado complementar de proteção para os medicamentos (JO 2009, L 152, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Teva UK Ltd, a Accord Healthcare Ltd, a Lupin Ltd, a Lupin (Europe) Ltd e a Generics (UK) Ltd, agindo sob o nome comercial «Mylan», à Gilead Science Inc. (a seguir «Gilead») a respeito da validade de um certificado complementar de proteção (a seguir «CCP») concedido a esta última para um produto farmacêutico destinado ao tratamento do vírus da imunodeficiência humana (a seguir «VIH»).

 Quadro jurídico

 Convenção sobre a patente europeia

3        Sob a epígrafe «Âmbito de proteção», o artigo 69.o da Convenção sobre a Concessão de Patentes Europeias, assinada em Munique em 5 de outubro de 1973, na versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «CPE»), estipula:

«(1)      O âmbito da proteção conferida pela patente europeia ou pelo pedido de patente europeia é determinado pelas reivindicações. Não obstante, a descrição e os desenhos servem para interpretar as reivindicações.

(2)      Durante o período até à concessão da patente europeia, o âmbito da proteção conferida pelo pedido de patente europeia é determinado pelas reivindicações contidas no pedido tal como publicado. Contudo, a patente europeia, tal como concedida ou modificada no decurso do procedimento de oposição, de limitação ou de revogação determina retroativamente a proteção conferida pelo pedido, desde que esta proteção não seja alargada.»

4        O protocolo interpretativo deste artigo 69.o, que é parte integrante da CPE em conformidade com o disposto no artigo 164.o, n.o 1, estabelece, no artigo 1.o:

«O artigo 69.o não deve ser interpretado como significando que a extensão da proteção conferida por uma patente europeia é determinada no sentido estrito e literal do texto das reivindicações e que a descrição e os desenhos servem unicamente para dissipar as ambiguidades que poderiam ocorrer nas reivindicações. Nem deve ser considerado como significando que as reivindicações servem unicamente como orientação e que a proteção se estende também ao que, da consideração da descrição e desenhos por um especialista na matéria, o titular da patente pretendeu proteger. Pelo contrário, o artigo 69.o deve ser interpretado como definindo uma posição, entre esses extremos, que assegura simultaneamente uma proteção justa ao titular da patente e um grau razoável de segurança jurídica para terceiros.»

 Direito da União

5        Os considerandos 3 a 5, 7, 9 e 10 do Regulamento n.o 469/2009 enunciam:

«(3)      Os medicamentos, nomeadamente os resultantes de uma investigação longa e onerosa, só continuarão a ser desenvolvidos na [União] e na Europa se beneficiarem de uma regulamentação favorável que preveja uma proteção suficiente para incentivar tal investigação.

(4)      Atualmente, o período que decorre entre o depósito de um pedido de patente para um novo medicamento e a autorização de introdução no mercado do referido medicamento reduz a proteção efetiva conferida pela patente a um período insuficiente para amortizar os investimentos efetuados na investigação.

(5)      Destas circunstâncias resulta uma proteção insuficiente que penaliza a investigação farmacêutica.

[…]

(7)      É conveniente prever uma solução uniforme a nível [da União], evitando assim uma evolução divergente das legislações nacionais que origine novas disparidades suscetíveis de entravar a livre circulação dos medicamentos na [União] e de, por isso, afetar diretamente o funcionamento do mercado interno.

[…]

(9)      A duração da proteção conferida pelo [CCP] deverá ser determinada de forma a permitir uma proteção efetiva suficiente. Para este efeito, o titular de uma patente e de um [CCP] deve poder beneficiar no total de um período máximo de quinze anos de exclusividade a partir da primeira autorização de introdução no mercado da [União] do medicamento em causa.

(10)      No entanto, todos os interesses em causa num setor tão complexo e sensível como o farmacêutico, incluindo os relativos à saúde pública, deverão ser tomados em consideração. Para esse efeito, o [CCP] não pode ser concedido por um período superior a cinco anos. Além disso, a proteção que o certificado confere deverá ser estritamente limitada ao produto abrangido pela autorização da sua introdução no mercado como medicamento.»

6        O artigo 1.o deste regulamento dispõe:

«Para efeitos do presente regulamento entende‑se por:

a)      “Medicamento”: qualquer substância ou associação de substâncias com propriedades curativas ou preventivas em relação a doenças humanas ou animais, bem como qualquer substância ou associação de substâncias que possa ser administrad[a] ao homem ou a animais com vista a estabelecer um diagnóstico médico ou a restaurar, corrigir ou alterar funções orgânicas no homem ou nos animais;

b)      “Produto”: o princípio ativo ou associação de princípios ativos contidos num medicamento;

c)      “Patente de base”: a patente que protege um produto como tal, um processo de obtenção de um produto ou uma aplicação de um produto e que tenha sido designado pelo seu titular para efeitos do processo de obtenção de um [CCP];

[…]»

7        O artigo 3.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Condições de obtenção do [CCP]», prevê:

«O [CCP] é concedido se no Estado‑Membro onde for apresentado o pedido previsto no artigo 7.o e à data de tal pedido:

a)      O produto estiver protegido por uma patente de base em vigor;

b)      O produto tiver obtido, enquanto medicamento, uma autorização válida de introdução no mercado […];

c)      O produto não tiver sido já objeto de um [CCP];

d)      A autorização referida na alínea b) for a primeira autorização de colocação do produto no mercado, como medicamento.»

8        O artigo 4.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Objeto da proteção», dispõe:

«Dentro dos limites da proteção assegurada pela patente de base, a proteção conferida pelo [CCP] abrange apenas o produto coberto pela autorização de colocação no mercado do medicamento correspondente para qualquer utilização do produto, como medicamento, que tenha sido autorizada antes do termo da validade do [CCP].»

9        O artigo 5.o do Regulamento n.o 469/2009, relativo aos «[e]feitos do [CCP]», enuncia:

«Sem prejuízo do disposto no artigo 4.o, o [CCP] confere os mesmos direitos que os conferidos pela patente de base e está sujeito às mesmas limitações e obrigações.»

10      O artigo 13.o deste regulamento, sob a epígrafe «Período de validade do [CCP]», prevê, no seu n.o 1:

«O [CCP] produz efeitos no termo legal da validade da patente de base, durante um período que corresponde ao período decorrido entre a data da apresentação do pedido da patente de base e a data da primeira autorização de introdução no mercado na [União], reduzido [de] um período de cinco anos.»

 Direito do Reino Unido

11      A section 60 do UK Patents Act 1977 (Lei das patentes do Reino Unido de 1977, a seguir «Lei das patentes de 1977»), relativa à «[d]efinição de contrafação», tem a seguinte redação:

«1)      Nos termos das disposições da presente section, viola a patente de uma invenção quem, na vigência da patente, praticar no Reino Unido um dos atos seguintes, e unicamente um desses atos, relativos à invenção, sem o consentimento do titular da patente:

a)      quando a invenção seja um produto, fabricar, dispuser, ou disponibilizar, usar ou importar o produto ou o mantiver para disponibilização ou para outro fim;

[…]

2)      Nos termos das disposições seguintes da presente secção, também viola a patente de uma invenção quem (não sendo o titular da patente), na vigência da patente e sem o consentimento do titular, fornecer ou se disponibilizar para fornecer no Reino Unido, um terceiro que não seja o titular de uma licença de exploração ou outra pessoa autorizada a utilizar a invenção, os meios, sejam de que natureza for, relacionados com um elemento essencial da invenção, que permitam executá‑la, sabendo ou, nas mesmas circunstâncias, tendo a obrigação de saber que esses meios são adequados para executar a invenção no Reino Unido e se destinam a esse fim.»

12      Sob a epígrafe «Âmbito da invenção», a section 125 da Lei das patentes de 1977 dispõe:

«(1)      Para os fins da presente lei, a invenção para a qual uma patente foi pedida ou emitida deve, salvo se do contexto resultar diversamente, ser considerada como a especificada numa reivindicação do fascículo do pedido ou da patente, conforme o caso, tal como interpretada com base na descrição e em eventuais desenhos contidos nessa especificação, sendo o âmbito da proteção conferida pela patente ou pelo pedido de patente determinado de maneira correspondente.

[…]

3)      Enquanto estiver em vigor, o protocolo interpretativo do artigo 69.o da [CPE] (este artigo contém uma disposição correspondente à subsection 1, supra) aplica‑se, para efeitos da referida subsection 1, do mesmo modo que se aplica para efeitos daquele artigo.

[…]»

13      Nos termos da section 130, n.o 7, da Lei das patentes de 1977:

«Atendendo a que, por força de uma resolução adotada aquando da assinatura do [CPE], os Governos dos Estados‑Membros da [União] se comprometeram a adaptar a sua legislação sobre as patentes de forma a (nomeadamente) conformar essa legislação com as disposições correspondentes da [CPE] […], declaramos pela presente que as disposições seguintes da presente lei, a saber, as sections […] 60 […] e 125, são concebidas de forma a produzirem, tanto quanto é possível na prática, os mesmos efeitos no Reino Unido que têm as disposições correspondentes da [CPE] […] nos territórios em que [esta convenção é aplicável].»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

14      A Gilead é uma empresa farmacêutica que comercializa, sob o nome TRUVADA, um medicamento antiretroviral indicado para o tratamento de pessoas portadoras do VIH. Este medicamento contém dois princípios ativos, o tenofovir disoproxil (a seguir «TD») e a emtricitabina, que possuem um efeito combinado para este tratamento. Foi‑lhe concedida uma autorização de introdução no mercado (a seguir «AIM») em 21 de novembro de 2005 pela Agência Europeia de Medicamentos (a seguir «AEM»).

15      A Gilead é titular da patente europeia (UK) EP 0 915 894 (a seguir «patente de base em causa»). O pedido de patente, apresentado em 25 de julho de 1997, beneficiava de uma data de prioridade, na aceção do artigo 88.o da CPE, reportada a 26 de julho de 1996. Esta patente foi concedida pelo Instituto Europeu de Patentes (IEP) em 14 de maio de 2003 e expirou em 24 de julho de 2017. Resulta da descrição da invenção, contida na referida patente, que esta cobre, em geral, um conjunto de moléculas úteis para o tratamento terapêutico de diversas infeções virais, no homem ou nos animais, nomeadamente o VIH.

16      Esta descrição divulga uma série de fórmulas farmacêuticas que podem ser utilizadas para os compostos reivindicados, sem visar especificamente determinados compostos nem uma particular utilidade desses compostos. Entre esses compostos reivindicados, o TD é expressamente objeto da reivindicação 25 da patente de base em causa.

17      A referida descrição menciona igualmente o facto de estes compostos poderem, se for caso disso, ser associados a «outros ingredientes terapêuticos». Todavia, os termos «outros ingredientes terapêuticos» não estão definidos nem explicados na patente de base em causa.

18      A este respeito, a reivindicação 27 da patente de base em causa enuncia:

«Uma composição farmacêutica que compreende um composto em conformidade com uma das reivindicações 1 a 25, juntamente com um excipiente que seja admitido pela farmacologia e, se for caso disso, outros ingredientes terapêuticos.»

19      No decurso do ano de 2008, a Gilead obteve um CCP com base na reivindicação 27 da patente de base em causa e da AIM (a seguir «CCP em causa»). Este CCP diz respeito a uma «composição que contém [TD], se for o caso, sob a forma de um sal, hidrato, tautómero ou solvato que seja admitido pela farmacologia e emtricitabina».

20      A decisão de reenvio indica que nada demonstra que a emtricitabina fosse, à data de prioridade da patente de base em causa, um agente eficaz conhecido pelo especialista na matéria para o tratamento do VIH em seres humanos. A AEM só homologou a emtricitabina em 2003.

21      As recorrentes no processo principal, que pretendem comercializar no Reino Unido versões genéricas do TRUVADA, interpuseram no órgão jurisdicional de reenvio, a High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division (Patents Court) [Tribunal Superior de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Divisão da Chancelaria (Tribunal das Patentes), Reino Unido], um recurso destinado a contestar a validade do CCP em causa.

22      Como fundamento do recurso, as recorrentes no processo principal alegam que este CCP não cumpre a condição fixada no artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 469/2009. Recordam que, para preencher a exigência prevista nesta disposição, o produto em questão deve, em conformidade com o decidido no Acórdão de 24 de novembro de 2011, Medeva (C‑322/10, EU:C:2011:773), «figurar no texto das reivindicações». Para o caso de o produto ser objeto de uma definição funcional na reivindicação pertinente, esta deve visar implícita mas necessariamente o produto em causa, de uma forma específica, em conformidade com os termos utilizados pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 12 de dezembro de 2013, Eli Lilly and Company (C‑493/12, EU:C:2013:835). Ora, as recorrentes no processo principal consideram que a emtricitabina não figura na redação da reivindicação 27 da patente de base em causa e que a expressão «outros ingredientes terapêuticos» aí utilizada não define nenhum agente ativo, nem estruturalmente nem funcionalmente. A combinação TD/emtricitabina não pode, portanto, ser considerada protegida por uma patente de base em vigor, na aceção do artigo 3.o, alínea a) do Regulamento n.o 469/2009.

23      Em contrapartida, a Gilead defende, em substância, que, para verificar se a condição prevista no artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 469/2009 está preenchida, é necessário e suficiente que o produto em questão esteja abrangido pelo âmbito da proteção de, pelo menos, uma das reivindicações da patente de base. Ora, a expressão «outros ingredientes terapêuticos» utilizada na reivindicação 27 da patente de base em causa remete, implícita mas necessariamente, para a emtricitabina, em conformidade com o decidido no Acórdão de 12 de dezembro de 2013, Eli Lilly and Company (C‑493/12, EU:C:2013:835). A combinação TD/emtricitabina preenche, portanto, a condição prevista neste artigo.

24      O órgão jurisdicional de reenvio considera que, não obstante os acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça sobre a interpretação do artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 469/2009, o sentido a atribuir a esta disposição não se afigura claro.

25      É verdade que resulta inequivocamente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o conceito de «produto protegido por uma patente de base», na aceção do artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 469/2009, não remete para as regras relativas à contrafação mas para as relativas à extensão da proteção. Além disso, resulta do n.o 28 do Acórdão de 24 de novembro de 2011, Medeva (C‑322/10, EU:C:2011:773), que, para serem considerados «protegidos por uma patente de base», na aceção desta disposição, os princípios ativos devem ser mencionados no texto das reivindicações da patente em questão.

26      No entanto, os Acórdãos de 12 de dezembro de 2013, Actavis Group PTC e Actavis UK (C‑443/12, EU:C:2013:833), de 12 de dezembro de 2013, Eli Lilly and Company, C‑493/12 (EU:C:2013:835), e de 12 de março de 2015, Actavis Group PTC e Actavis UK (C‑577/13, EU:C:2015:165), permitem pensar que os princípios descritos no número precedente não bastam para determinar se um «produto está protegido por uma patente de base» e que deve ser tido igualmente em conta «o objeto da invenção coberta pela patente» ou «o cerne da atividade inventiva» visada pela referida patente. Ora, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, não resulta de modo evidente desta jurisprudência se essas exigências são pertinentes para a interpretação do artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 469/2009.

27      Além disso, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, existem divergências em vários Estados‑Membros no que respeita à possibilidade, em causa no processo principal, de obter um CCP para a combinação TD/emtricitabina e, mais genericamente, no que respeita à interpretação do artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 469/2009.

28      Nestas circunstâncias, a High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division (Patents Court) [Tribunal Superior de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Divisão da Chancelaria (Tribunal das Patentes)] decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Quais os critérios para decidir se o produto está “protegido por uma patente de base em vigor” na aceção do artigo 3.o, alínea a) do Regulamento n.o 469/2009?»

 Quanto à questão prejudicial

29      A título preliminar, deve observar‑se que resulta das indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que, no processo principal, o produto objeto do CCP em causa é composto por dois princípios ativos identificados como TD, por um lado, e emtricitabina, por outro. Ora, as reivindicações da patente de base em causa apenas mencionam expressamente o primeiro desses dois princípios ativos, só podendo o segundo ser abrangido pela expressão «outros ingredientes terapêuticos», que figura na reivindicação 27 da referida patente.

30      A este respeito, esse órgão jurisdicional questiona‑se acerca dos critérios de interpretação aplicáveis às reivindicações de uma patente de base para determinar se um produto está «protegido por uma patente de base em vigor», na aceção do artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 469/2009. Pretende, em especial, saber, por um lado, quais as normas do direito das patentes aplicáveis para o efeito e, por outro, se, tendo em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça, basta que os princípios ativos do produto objeto do CCP sejam mencionados estejam implicitamente mas necessariamente visados nas reivindicações de uma patente de base em vigor para que a condição prevista no artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 469/2009 esteja preenchida ou se se impõe aplicar um critério adicional.

31      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, na falta de harmonização, ao nível da União, do direito das patentes aplicável ao processo principal, o alcance da proteção conferida por uma patente de base só pode ser determinado à luz das normas que regulam esta última, as quais não estão abrangidas pelo direito da União (v., nesse sentido, Acórdão de 12 de dezembro de 2013, Eli Lilly and Company, C‑493/12, EU:C:2013:835, n.o 31 e jurisprudência referida).

32      O Tribunal de Justiça precisou que as regras destinadas a determinar o que é «protegido pela patente de base em vigor», na aceção do artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 469/2009, são as relativas ao alcance da invenção objeto dessa patente, à semelhança do previsto, no processo principal, no artigo 69.o da CPE e no seu protocolo interpretativo, que passaram a vigorar no Reino Unido através da section 125 da Lei das patentes de 1977 (v., neste sentido, Acórdão de 12 de dezembro de 2013, Eli Lilly and Company, C‑493/12, EU:C:2013:835, n.o 32).

33      A este respeito, por um lado, para efeitos da aplicação do artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 469/2009, não se pode recorrer às regras relativas às ações por contrafação, como as que, no processo principal, resultam da section 60 da Lei das patentes de 1977 (v., neste sentido, Acórdão de 12 de dezembro de 2013, Eli Lilly and Company, C‑493/12, EU:C:2013:835, n.o 33).

34      Por outro lado, o Tribunal de Justiça sublinhou reiteradamente o papel essencial das reivindicações para determinar se um produto está protegido por uma patente de base na aceção desta disposição (v., neste sentido, Acórdão de 12 de dezembro de 2013, Eli Lilly and Company, C‑493/12, EU:C:2013:835, n.o 34 e jurisprudência referida).

35      Em especial, no que se refere à patente europeia, importa salientar que, nos termos do artigo 69.o da CPE, o âmbito da proteção conferida por essa patente é determinado pelas reivindicações. As indicações que figuram no artigo 1.o do protocolo interpretativo desse artigo 69.o esclarecem que as reivindicações devem assegurar simultaneamente uma proteção justa ao titular da patente e um grau razoável de segurança jurídica para terceiros. Assim, nem devem servir unicamente de linhas diretrizes nem ser lidas no sentido de que significam que o âmbito da proteção conferido por uma patente é determinado pelo sentido estrito e literal do texto das reivindicações.

36      A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 469/2009, em princípio, não se opõe a que um princípio ativo que corresponde à definição funcional constante das reivindicações de uma patente emitida pelo IEP possa ser considerado como estando protegido por aquela patente, na condição, porém, de que, com base nessas reivindicações, interpretadas designadamente à luz da descrição da invenção, conforme previsto no artigo 69.o da CPE e no protocolo interpretativo do mesmo, seja possível concluir que essas reivindicações visavam, implícita mas necessariamente, o princípio ativo em causa, de forma específica (Acórdão de 12 de dezembro de 2013, Eli Lilly and Company, C‑493/12, EU:C:2013:835, n.o 39).

37      Em consequência, um produto só pode ser considerado protegido pela patente de base em vigor, na aceção do artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 469/2009, quando o produto objeto do CCP seja expressamente mencionado, ou seja necessária e especificamente visado, nas reivindicações dessa patente.

38      Para o efeito, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 36 do presente acórdão, há que atentarna descrição e nos desenhos da patente de base, conforme prescreve o artigo 69.o da CPE, lido à luz do protocolo interpretativo do mesmo, dado que esses elementos permitem determinar se o produto objeto do CCP é visado nas reivindicações da patente de base e é efetivamente abrangido pela invenção coberta por essa patente.

39      Esta exigência é conforme com o objetivo do CCP, que consiste em restabelecer um período suficiente de proteção efetiva da patente de base, permitindo ao seu titular beneficiar de um período suplementar de exclusividade após a expiração dessa patente, destinado a compensar, pelo menos parcialmente, o atraso sofrido na exploração comercial da sua invenção, devido ao lapso de tempo decorrido entre a data do depósito do pedido de patente e a da obtenção da primeira AIM na União. A este respeito, o considerando 4 do Regulamento n.o 469/2009 precisa que a concessão deste período suplementar de exclusividade tem por finalidade incentivar a investigação e, para tal, visa permitir a amortização dos investimentos efetuados na investigação (v., neste sentido, Acórdão de 12 de dezembro de 2013, Eli Lilly and Company, C‑493/12, EU:C:2013:835, n.os 41 e 42 e jurisprudência referida).

40      Em contrapartida, o CCP não se destina a ampliar o âmbito da proteção conferida por esta patente para lá da invenção coberta pela referida patente. Com efeito, seria contrário ao objetivo do Regulamento n.o 469/2009, recordado no número precedente do presente acórdão, conceder um CCP para um produto que não fosse abrangido pela invenção coberta pela patente de base, na medida em que esse CCP não teria por objeto os resultados da investigação reivindicados por essa patente.

41      Além disso, atendendo à necessidade, recordada no considerando 10 do Regulamento n.o 469/2009, de considerar todos os interesses em jogo, incluindo os da saúde pública, admitir que um CCP possa conferir uma proteção mais ampla ao titular da patente de base do que a assegurada por esta patente a título da invenção por ela coberta seria contrário à ponderação que deve ser feita, no que se refere ao incentivo da investigação na União através dos CCP, dos interesses da indústria farmacêutica com os da saúde pública (v., por analogia, Acórdão de 12 de março de 2015, Actavis Group PTC e Actavis UK, C‑577/13, EU:C:2015:165, n.o 36 e jurisprudência referida).

42      Importa acrescentar que, atendendo aos interesses referidos nos considerandos 4, 5, 9 e 10 do Regulamento n.o 469/2009, não é admissível que o titular de uma patente de base em vigor possa obter um CCP de cada vez que introduzir no mercado de um Estado‑Membro um medicamento que contenha, por um lado, um princípio ativo, protegido, enquanto tal, pela sua patente de base, que constitui o objeto da invenção coberta por essa patente, e, por outro lado, outra substância que não é o objeto da invenção coberta pela patente de base (v., nesse sentido, Acórdão de 12 de março de 2015, Actavis Group PTC e Actavis UK, C‑577/13, EU:C:2015:165, n.o 37).

43      Daqui resulta que, tendo em conta os objetivos prosseguidos pelo Regulamento n.o 469/2009, as reivindicações não podem permitir ao titular da patente beneficiar, através da obtenção de um CCP, de uma proteção que ultrapasse a que é conferida pela invenção coberta por essa patente. Assim, para efeitos da aplicação do artigo 3.o, alínea a), deste regulamento, as reivindicações da patente de base devem ser entendidas à luz dos limites da invenção divulgada, conforme resulta da descrição e dos desenhos dessa patente.

44      Esta interpretação é corroborada pelo artigo 4.o do Regulamento n.o 469/2009, que precisa que a proteção conferida pelo CCP abrange apenas o produto coberto pela AIM do medicamento correspondente para qualquer utilização do produto, como medicamento, que tenha sido autorizada antes do termo da validade do CCP, mas unicamente «[d]entro dos limites da proteção assegurada pela patente de base».

45      O mesmo sucede com o artigo 5.o deste regulamento, nos termos do qual o CCP confere os mesmos direitos que os conferidos pela patente de base e está sujeito às mesmas limitações e obrigações. Assim, se o titular da patente podia, durante o período de validade desta, opor‑se, invocando a sua patente, a qualquer utilização ou a certas utilizações do seu produto sob a forma de um medicamento que consista nesse produto ou que o contenha, o CCP concedido para esse mesmo produto conferir‑lhe‑á os mesmos direitos para qualquer utilização do produto, enquanto medicamento, que tenha sido autorizada antes de o certificado expirar (Acórdãos de 24 de novembro de 2011, Medeva, C‑322/10, EU:C:2011:773, n.o 39, e de 24 de novembro de 2011, Georgetown University e o., C‑422/10, EU:C:2011:776, n.o 32).

46      Resulta do que precede que o objeto da proteção conferida por um CCP deve limitar‑se às características técnicas da invenção coberta pela patente de base, conforme reivindicadas por essa patente.

47      No que diz respeito à aplicação desta regra, em primeiro lugar importa precisar que, em conformidade com um princípio comum aos direitos das patentes dos Estados‑Membros, refletido no artigo 1.o do protocolo interpretativo do artigo 69.o da CPE, as reivindicações de uma patente devem ser interpretadas por referência ao ponto de vista do especialista na matéria e deve, por conseguinte, ser determinado se o produto objeto de um CCP é necessariamente abrangido pela invenção coberta por essa patente.

48      Para o efeito, há que verificar se o especialista na matéria pode compreender de forma unívoca, com base nos seus conhecimentos gerais e à luz da descrição e dos desenhos da invenção que estão contidos na patente de base, se o produto visado nas reivindicações desta patente constitui uma característica técnica necessária para a solução do problema técnico, divulgada por essa patente.

49      Em segundo lugar, à luz do objetivo do Regulamento n.o 469/2009 recordado no n.o 39 do presente acórdão, para apreciar se um produto é abrangido pela invenção coberta por uma patente de base basta apenas ter em consideração a evolução técnica à data de depósito ou à data de prioridade dessa patente, de modo a que o produto possa ser especificamente identificado pelo especialista na matéria à luz de todos os elementos divulgados pela referida patente.

50      Com efeito, se se admitisse que essa apreciação podia ser efetuada à luz dos resultados da investigação realizada após a data de depósito ou de prioridade da patente de base, um CCP poderia permitir ao seu titular beneficiar indevidamente de uma proteção para esses resultados, apesar de estes ainda não serem conhecidos à data de prioridade ou de depósito da referida patente e, além disso, fora de qualquer processo destinado à obtenção de uma nova patente. Conforme recordado nos n.os 40 e 41 do presente acórdão, isso seria contrário ao objetivo do Regulamento n.o 469/2009.

51      Por conseguinte, para determinar se um produto objeto de um CCP está protegido por uma patente de base, na aceção do artigo 3.o, alínea a), desse regulamento, esse produto deve poder ser especificamente identificado pelo especialista na matéria à luz de todos os elementos divulgados pela patente de base e da evoluçãotécnica existente à data de depósito ou de prioridade dessa patente.

52      Tendo em conta todas estas considerações, um produto é «protegido por uma patente de base em vigor», na aceção do artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 469/2009, desde que, mesmo que não esteja expressamente mencionado nas reivindicações da patente de base, esse produto seja necessária e especificamente visado por uma das reivindicações dessa patente. Para o efeito, o referido produto deve estar necessariamente abrangido, para o especialista na matéria, à luz da descrição e dos desenhos da patente de base, pela invenção coberta por esta patente. O especialista na matéria deve poder identificar especificamente este produto à luz de todos os elementos divulgados pela referida patente, e com base na evolução técnica à data de depósito ou de prioridade da mesma patente.

53      Essa interpretação do artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 469/2009 também deve ser adotada numa situação como a que está em causa no processo principal, em que os produtos objeto de um CCP sejam compostos por vários princípios ativos de efeito combinado.

54      Assim, no que se refere à questão de saber se uma reivindicação, como a reivindicação 27 da patente de base em causa, cobre efetivamente uma combinação como a combinação TD/emtricitabina objeto do CCP em causa, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se a expressão genérica «outros ingredientes terapêuticos», associada ao inciso «eventualmente», preenche o requisito de que o produto deve ser necessária e especificamente visado nas reivindicações da patente em causa.

55      Em especial, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, em conformidade com as considerações que figuram nos n.os 47 a 51 do presente acórdão, se, do ponto de vista do especialista na matéria, a combinação dos princípios ativos que compõem o produto objeto do CCP em causa está necessariamente abrangida pela invenção coberta por essa patente e se cada um desses princípios ativos é especificamente identificável, com base na evolução técnica à data de depósito ou de prioridade da referida patente.

56      No caso em apreço, resulta, por um lado, das indicações contidas na decisão de reenvio que a descrição da patente de base em causa não dá nenhuma indicação quanto à eventualidade de a invenção coberta por essa patente poder dizer especificamente respeito a um efeito combinado do TD e da emtricitabina no tratamento do VIH. Por conseguinte, o especialista na matéria, com base na evolução técnica à data de depósito ou de prioridade dessa mesma patente, não parece estar em condições de compreender como pode a emtricitabina estar necessariamente abrangida, em combinação com o TD, pela invenção coberta por esta patente. Contudo, compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é efetivamente esse o caso. Por outro lado, compete‑lhe ainda determinar se a emtricitabina pode ser especificamente identificada por esse especialista na matéria à luz de todos os elementos contidos na referida patente, e com base na evolução técnica à data de depósito ou de prioridade da mesma patente.

57      Tendo em conta todas estas considerações, importa responder à questão submetida que o artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 469/2009 deve ser interpretado no sentido de que um produto composto por vários princípios ativos de efeito combinado é «protegido por uma patente de base em vigor», na aceção desta disposição, quando a combinação dos princípios ativos que o compõem, mesmo que não esteja expressamente mencionada nas reivindicações da patente de base, é necessária e especificamente visada nessas reivindicações. Para o efeito, do ponto de vista do especialista na matéria e com base na evolução técnica à data de depósito ou de prioridade da patente de base:

–        a combinação desses princípios ativos deve ser necessariamente abrangida, à luz da descrição e dos desenhos da patente, pela invenção coberta por esta, e

–        cada um dos referidos princípios ativos deve ser especificamente identificável, à luz de todos os elementos divulgados pela referida patente.

 Quanto às despesas

58      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

O artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de maio de 2009, relativo ao certificado complementar de proteção para os medicamentos, deve ser interpretado no sentido de que um produto composto por vários princípios ativos de efeito combinado é «protegido por uma patente de base em vigor», na aceção desta disposição, quando a combinação dos princípios ativos que o compõem, mesmo que não esteja expressamente mencionada nas reivindicações da patente de base, é necessária e especificamente visada nessas reivindicações. Para o efeito, do ponto de vista do especialista na matéria e com base na evolução técnica à data de depósito ou de prioridade da patente de base:

–        a combinação desses princípios ativos deve ser necessariamente abrangida, à luz da descrição e dos desenhos da patente, pela invenção coberta por esta, e

–        cada um dos referidos princípios ativos deve ser especificamente identificável, à luz de todos os elementos divulgados pela referida patente.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.