Language of document : ECLI:EU:C:2007:771

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

11 de Dezembro de 2007 (*)

«Livre circulação de pessoas – Trabalhadores – Direito de residência de um membro da família que é nacional de um Estado terceiro – Regresso do trabalhador ao Estado‑Membro do qual é nacional – Obrigação do Estado‑Membro de origem do trabalhador de conceder o direito de residência ao membro da família – Existência dessa obrigação nos casos em que esse trabalhador não exerce uma actividade real e efectiva»

No processo C‑291/05,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Raad van State (Países Baixos), por decisão de 13 de Julho de 2005, entrado no Tribunal de Justiça em 20 de Julho de 2005, no processo

Minister voor Vreemdelingenzaken en Integratie

contra

R. N. G. Eind,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, P. Jann, C. W. A. Timmermans, A. Rosas, K. Lenaerts e G. Arestis, presidentes de secção, J. N. Cunha Rodrigues (relator), R. Silva de Lapuerta, K. Schiemann, J. Makarczyk e A. Borg Barthet, juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 6 de Setembro de 2006,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação do Minister voor Vreemdelingenzaken en Integratie, por A. van Leeuwen, advocaat,

–        em representação de R. N. G. Eind, por R. Ketwaru, advocaat,

–        em representação do Governo neerlandês, por H. G. Sevenster, C. Wissels e M. de Grave, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo checo, por T. Boček, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo dinamarquês, por A. Jacobsen, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo alemão, por M. Lumma e C. Schulze‑Bahr, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo grego, por K. Georgiadis, K. Boskovits e Z. Chatzipavlou, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo do Reino Unido, por E. O’Neill, na qualidade de agente, assistida por S. Moore, barrister,

–        em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por G. Rozet e M. van Beek, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 5 de Julho de 2007,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 18.° CE, do Regulamento (CEE) n.° 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (JO L 257, p. 2; EE 05 F1 p. 77), na redacção dada pelo Regulamento (CEE) n.° 2434/92 do Conselho, de 27 de Julho de 1992 (JO L 245, p. 1, a seguir «Regulamento n.° 1612/68»), e da Directiva 90/364/CEE do Conselho, de 28 de Junho de 1990, relativa ao direito de residência (JO L 180, p. 26).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre R. N. G. Eind, de nacionalidade surinamesa, e o Minister voor Vreemdelingenzaken en Integratie (Ministro responsável pelas questões relativas aos estrangeiros e à integração), a respeito de uma decisão do Staatssecretaris van Justitie (Secretário de Estado da Justiça, a seguir «Secretário de Estado») pela qual lhe foi recusada a concessão de uma autorização de residência.

 Quadro jurídico

 Regulamentação comunitária

3        O artigo 10.° do Regulamento n.° 1612/68 dispõe:

«1      Têm o direito de se instalar com o trabalhador nacional de um Estado‑Membro empregado no território de outro Estado‑Membro, seja qual for a sua nacionalidade:

a)      O cônjuge e descendentes menores de vinte e um anos ou a cargo;

[…]»

4        O artigo 1.° da Directiva 90/364 tem a seguinte redacção:

«1.      Os Estados‑Membros concederão o direito de residência aos nacionais dos Estados‑Membros que não beneficiem desse direito por força de outras disposições de direito comunitário e aos membros das respectivas famílias tal como são definidos no n.° 2, na condição de disporem, para si próprios e para as suas famílias, de um seguro de doença que cubra todos os riscos no Estado‑Membro de acolhimento e de recursos suficientes para evitar que se tornem, durante a sua permanência, uma sobrecarga para a assistência social do Estado‑Membro de acolhimento.

[…]

2.      Gozam do direito de se instalar com o titular do direito de residência noutro Estado‑Membro, independentemente da sua nacionalidade:

a)      O seu cônjuge e os seus descendentes a cargo;

[…]»

 Legislação nacional

5        O artigo 1.°, alínea e), da Lei relativa aos estrangeiros (Vreemdelingenwet), de 23 de Novembro de 2000 (Staatsblad 2000, n.° 495), precisa que deve entender‑se por «nacionais comunitários»:

«1.      Os nacionais dos Estados‑Membros da União Europeia que, ao abrigo do Tratado que institui a Comunidade Europeia, tenham o direito de entrar no território de outro Estado‑Membro e de aí permanecer;

2.      Os membros da família das pessoas mencionadas no n.° 1 que tenham a nacionalidade de um Estado terceiro e que, na sequência de uma decisão adoptada em aplicação do Tratado que institui a Comunidade Europeia, tenham o direito de entrar no território de um Estado‑Membro e de aí permanecer […]»

6        Em conformidade com o artigo 1.°, alínea h), da Lei relativa aos estrangeiros, entende‑se por «autorização de residência provisória» o visto para uma permanência superior a três meses requerido pessoalmente por um estrangeiro junto de uma representação diplomática ou consular do Reino dos Países Baixos no país de origem ou de residência permanente e concedido pela referida representação.

7        O artigo 14.°, n.° 1, alínea a), da Lei relativa aos estrangeiros habilita o Ministro da Justiça a deferir, indeferir ou não apreciar o pedido de concessão de uma autorização de residência temporária. Nos termos do n.° 2 do mesmo artigo, uma autorização de residência temporária está sujeita a restrições relacionadas com a finalidade para a qual a residência foi autorizada.

8        O artigo 16.°, n.° 1, alínea a), da Lei relativa aos estrangeiros prevê que o pedido de autorização de residência temporária pode ser indeferido se o estrangeiro não dispuser de uma autorização de residência provisória válida cuja concessão tenha sido motivada por uma finalidade correspondente à do referido pedido.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

9        Durante o mês de Fevereiro de 2000, R. Eind, cidadão neerlandês, mudou‑se para o Reino Unido, onde encontrou um emprego. Posteriormente, a sua filha Rachel (a seguir «R. N. G. Eind»), nascida em 1989, juntou‑se a ele, tendo vindo para o Reino Unido directamente do Suriname.

10      Segundo a decisão de reenvio, em 4 de Junho de 2001, as autoridades do Reino Unido informaram R. Eind de que dispunha do direito de residir neste Estado‑Membro ao abrigo do Regulamento n.° 1612/68. Por carta da mesma data, a sua filha foi informada de que, enquanto membro da família de um trabalhador comunitário, beneficiava do mesmo direito. Por conseguinte, R. Eind recebeu um título de residência válido de 6 de Junho de 2001 a 6 de Junho de 2006.

11      Em 17 de Outubro de 2001, R. Eind e a filha entraram nos Países Baixos. Esta última registou‑se nos serviços da polícia de Amesterdão e solicitou a concessão de uma autorização de residência nos termos do artigo 14.° da Lei relativa aos estrangeiros.

12      Perante a comissão administrativa incumbida de examinar esse pedido, R. Eind declarou que, desde que regressara aos Países Baixos, recebia uma prestação de assistência social e não tinha trabalhado ou procurado trabalho porque estava doente. Todavia, também afirmou que tivera uma entrevista no Banenmarkt (Serviço de Emprego) com vista à sua reintegração no mercado de trabalho e que estava à espera de uma segunda entrevista. Resulta igualmente dos autos que R. Eind beneficia, nos Países Baixos, de um seguro de doença.

13      Por decisão de 2 de Janeiro de 2002, o Secretário de Estado indeferiu o pedido de R. N. G. Eind com o fundamento de que esta não dispunha de uma autorização de residência provisória. Essa decisão precisava ainda que não era possível conceder uma autorização de residência à interessada enquanto membro da família de um cidadão comunitário. Com efeito, apesar de o seu pai ter residido num Estado‑Membro diferente do Reino dos Países Baixos, não exercera, desde o seu regresso a este Estado, uma actividade real e efectiva e não era uma pessoa economicamente inactiva, na acepção do Tratado CE. Nestas condições, R. Eind já não podia ser considerado um nacional comunitário, na acepção da Lei relativa aos estrangeiros.

14      A reclamação apresentada por R. N. G. Eind contra a referida decisão foi indeferida por decisão do Secretário de Estado de 5 de Julho de 2002. Todavia, por sentença de 20 de Outubro de 2004, o Rechtbank te ’s‑Gravenhage (Tribunal de Comarca de Haia), invocando os acórdãos de 7 de Julho de 1992, Singh (C‑370/90, Colect., p. I‑4265), e de 26 de Fevereiro de 1991, Antonissen (C‑292/89, Colect., p. I‑745), anulou a decisão do Secretário de Estado de 5 de Julho de 2002 e remeteu o processo ao Minister voor Vreemdelingenzaken en Integratie para efeitos do reexame da reclamação.

15      O Minister voor Vreemdelingenzaken en Integratie recorreu dessa sentença para o Raad van State, que, considerando que o direito comunitário não dá uma resposta inequívoca ao litígio que lhe foi submetido, decidiu suspender a instância e apresentar ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      a)     Se um nacional de um país terceiro for considerado, pelo Estado‑Membro de acolhimento, membro da família de um trabalhador, na acepção do artigo 10.° do Regulamento […] n.° 1612/68 […], e a validade da autorização de residência concedida por esse Estado‑Membro ainda não tiver expirado, tal implica que o Estado‑Membro de que o trabalhador é nacional não pode, por esse motivo, aquando do regresso do trabalhador, recusar a esse nacional de um país terceiro o direito de entrada e de residência?

b)      Em caso de resposta negativa à questão anterior, tal significa que é permitido a este Estado‑Membro, aquando da chegada do nacional de um país terceiro, apreciar a questão de saber se foram satisfeitas as condições de entrada e de residência previstas no direito nacional ou deve este Estado‑Membro apreciar, em primeiro lugar, a questão de saber se o nacional de um país terceiro, enquanto membro da família do trabalhador, ainda pode beneficiar de direitos com base no direito comunitário?

2)      É relevante para a resposta às [duas] questões [anteriores] o facto de este nacional de um país terceiro, previamente à sua residência no Estado‑Membro de acolhimento, não ter tido um direito de residência fundado no direito nacional no Estado‑Membro de que o trabalhador possui a nacionalidade?

3)      a)     Se o Estado‑Membro de que é nacional um trabalhador (a pessoa em questão), aquando do regresso do trabalhador, puder apreciar se continuam a estar preenchidas as condições do direito comunitário para a concessão de uma autorização de residência [a] um membro da família, um nacional de um país terceiro, membro da família da pessoa em questão que regressa do Estado‑Membro de acolhimento ao Estado‑Membro de que é nacional para aí procurar trabalho, tem nesse Estado‑Membro um direito de residência? Em caso afirmativo, por quanto tempo?

b)      Este direito também existe se a pessoa em questão não exercer neste Estado‑Membro qualquer actividade real e efectiva e não puder ou já não puder ser considerada uma pessoa à procura de emprego, na acepção da Directiva 90/364 […], dada ainda a circunstância de a pessoa em questão receber assistência social em razão da sua nacionalidade neerlandesa?

4)      Qual o significado a atribuir, na resposta às questões antecedentes, ao facto de este nacional de um país terceiro ser membro da família de um cidadão da União que exerceu o direito que lhe é conferido pelo artigo 18.° [CE] e regressa ao Estado‑Membro de que é nacional?»

 Observações preliminares

16      Nas suas observações escritas e na audiência, o Governo do Reino Unido alegou que a autorização de residência que R. N. G. Eind obteve neste Estado‑Membro lhe foi concedida ao abrigo do direito nacional e não com base no artigo 10.° do Regulamento n.° 1612/68. Esse governo precisou que essa autorização de residência não reflectia uma obrigação de direito comunitário, mas antes uma opção política efectuada à luz da legislação nacional.

17      Ao invés, resulta da decisão de reenvio que, por carta de 4 de Junho de 2001, as autoridades do Reino Unido informaram R. N. G. Eind de que, enquanto membro da família de um trabalhador comunitário, dispunha do direito de residir neste Estado‑Membro, ao abrigo do Regulamento n.° 1612/68.

18      Há que recordar a este respeito que, no quadro do processo de cooperação instituído no artigo 234.° CE, não compete ao Tribunal de Justiça, mas ao órgão jurisdicional nacional, apurar os factos que deram origem ao litígio e tirar deles as consequências para a decisão que tem de proferir (v., nomeadamente, acórdãos de 16 de Setembro de 1999, WWF e o., C‑435/97, Colect., p. I‑5613, n.° 32, e de 23 de Outubro de 2001, Tridon, C‑510/99, Colect., p. I‑7777, n.° 28).

19      Por conseguinte, cumpre responder às questões submetidas pelo tribunal de reenvio partindo da premissa em que este último se baseou, mais precisamente de que R. N. G. Eind residiu no Reino Unido ao abrigo do artigo 10.° do Regulamento n.° 1612/68.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão, alínea a)

20      Com esta questão, o tribunal de reenvio pergunta, no essencial, se, em caso de regresso de um trabalhador comunitário ao Estado‑Membro do qual é nacional, o direito comunitário impõe às autoridades deste Estado que reconheçam a um nacional de um Estado terceiro, membro da família desse trabalhador, o direito de entrada e de residência apenas pelo facto de, no Estado‑Membro em que este último exerceu uma actividade assalariada, esse nacional ter uma autorização de residência ainda válida, concedida com base no artigo 10.° do Regulamento n.° 1612/68.

21      Importa recordar a este respeito que, nos termos do artigo 10.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 1612/68, o cônjuge e os descendentes menores de vinte e um anos ou a cargo de um trabalhador nacional de um Estado‑Membro empregado no território de outro Estado‑Membro têm o direito de se instalar neste último com o trabalhador, seja qual for a sua nacionalidade.

22      Resulta designadamente do quinto considerando do Regulamento n.° 1612/68 que este visa eliminar os obstáculos à mobilidade dos trabalhadores, «nomeadamente no que se refere ao direito ao reagrupamento familiar e às condições de integração da família no país de acolhimento».

23      O direito ao reagrupamento familiar previsto no artigo 10.° do Regulamento n.° 1612/68 não confere aos membros da família dos trabalhadores migrantes um direito próprio de livre circulação, antes aproveitando esta disposição ao trabalhador migrante a cuja família pertence o cidadão de um Estado terceiro (v., a respeito do artigo 11.° do Regulamento n.° 1612/68, acórdão de 30 de Março de 2006, Mattern e Cikotic, C‑10/05, Colect., p. I‑3145, n.° 25).

24      Decorre do exposto que o direito de um nacional de um Estado terceiro, membro da família de um trabalhador comunitário, de se instalar com este último só pode ser invocado no Estado‑Membro em que este trabalhador reside.

25      No quadro do Regulamento n.° 1612/68, os efeitos do título de residência concedido pelas autoridades de um Estado‑Membro a um nacional de um Estado terceiro que é membro da família de um trabalhador comunitário são limitados ao território desse Estado‑Membro.

26      Tendo em conta o que precede, cumpre responder à primeira questão, alínea a), que, em caso de regresso de um trabalhador comunitário ao Estado‑Membro do qual é nacional, o direito comunitário não impõe às autoridades deste Estado que reconheçam a um nacional de um Estado terceiro, membro da família desse trabalhador, um direito de entrada e de residência apenas pelo facto de, no Estado‑Membro de acolhimento em que este último exerceu uma actividade assalariada, esse nacional ter uma autorização de residência ainda válida, concedida com base no artigo 10.° do Regulamento n.° 1612/68.

 Quanto à segunda questão e à terceira questão, alínea b)

27      Com estas questões, que devem ser examinadas em conjunto, o tribunal de reenvio pergunta, no essencial, se, quando um trabalhador regressa ao Estado‑Membro do qual é nacional, após ter exercido uma actividade assalariada noutro Estado‑Membro, um nacional de um Estado terceiro, membro da família desse trabalhador, dispõe, ao abrigo do direito comunitário, de um direito de residência no Estado‑Membro do qual o trabalhador é nacional, se este último não exercer uma actividade económica real e efectiva neste Estado. O tribunal de reenvio pergunta igualmente se o facto de o nacional do Estado terceiro, previamente à sua residência no Estado‑Membro de acolhimento em que o trabalhador exerceu uma actividade assalariada, não ter tido um direito de residência, fundado no direito nacional, no Estado‑Membro do qual o trabalhador possui a nacionalidade, tem alguma influência sobre o direito de residência do referido nacional.

28      A título liminar, há que recordar que o direito dos nacionais de um Estado‑Membro de residirem no território de outro Estado‑Membro sem aí exercerem uma actividade assalariada ou não assalariada não é incondicional. Nos termos do artigo 18.°, n.° 1, CE, o direito de residir no território dos Estados‑Membros só é reconhecido a qualquer cidadão da União sob reserva das limitações e das condições previstas no Tratado e nas disposições adoptadas em sua aplicação (v., neste sentido, acórdãos de 7 de Setembro de 2004, Trojani, C‑456/02, Colect., p. I‑7573, n.os 31 e 32, e de 19 de Outubro de 2004, Zhu e Chen, C‑200/02, Colect., p. I‑9925, n.° 26).

29      Entre essas limitações e condições, resulta do artigo 1.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da Directiva 90/364 que os Estados‑Membros podem exigir aos cidadãos da União economicamente inactivos que pretendam usufruir do direito de residência no seu território que disponham, para si próprios e para os membros da sua família, de um seguro de doença que cubra todos os riscos no Estado‑Membro de acolhimento e de recursos suficientes para evitar que se tornem, durante a sua permanência, uma sobrecarga para a assistência social deste Estado.

30      O direito de residência que assiste aos membros da família de um cidadão da União economicamente inactivo, nos termos do artigo 1.°, n.° 2, da Directiva 90/364, está ligado ao direito de que esse cidadão dispõe ao abrigo do direito comunitário.

31      No processo principal, dado que R. Eind é um nacional neerlandês, o seu direito de residência no território do Reino dos Países Baixos não lhe pode ser recusado nem subordinado a condições.

32      Com efeito, como observou o advogado‑geral nos n.os 101 a 106 das suas conclusões, o direito do trabalhador migrante de entrar e de residir no Estado‑Membro do qual é nacional, após ter exercido uma actividade assalariada noutro Estado‑Membro, é conferido pelo direito comunitário, na medida em que é necessário para assegurar o efeito útil do direito de livre circulação que o artigo 39.° CE confere aos trabalhadores, bem como das disposições adoptadas com vista à aplicação do referido direito, como as do Regulamento n.° 1612/68. Esta interpretação é corroborada pela criação do estatuto de cidadão da União, que tende a ser o estatuto fundamental dos nacionais dos Estados‑Membros.

33      Os Governos neerlandês e dinamarquês defenderam nas suas observações escritas que a perspectiva de não poder prosseguir, por ocasião do seu regresso ao Estado‑Membro de origem, uma vida familiar eventualmente estabelecida no Estado‑Membro de acolhimento, não é susceptível de dissuadir o nacional comunitário de se deslocar para este último Estado com o objectivo de aí exercer uma actividade assalariada. Em particular, o Governo neerlandês salientou que R. Eind não podia ser dissuadido de exercer a referida liberdade, mudando‑se para o Reino Unido, pela impossibilidade de a sua filha com ele residir após o seu regresso ao seu Estado de origem, na medida em que, à época dessa mudança, R. N. G. Eind não dispunha de um direito de residência nos Países Baixos.

34      Essa tese não pode ser acolhida.

35      O nacional de um Estado‑Membro poderia ser dissuadido de abandonar o Estado‑Membro do qual é nacional a fim de exercer uma actividade assalariada no território de outro Estado‑Membro se não tivesse a certeza de poder regressar ao Estado‑Membro de origem, independentemente de exercer ou não uma actividade económica neste último Estado.

36      Esse efeito dissuasivo produzir‑se‑ia igualmente perante a simples perspectiva de o mesmo cidadão não poder prosseguir, após o seu regresso ao Estado‑Membro de origem, uma vida em comum com os seus familiares mais próximos, eventualmente iniciada por efeito do casamento ou do reagrupamento familiar, no Estado‑Membro de acolhimento.

37      Os obstáculos ao reagrupamento familiar são, portanto, susceptíveis de lesar o direito de livre circulação que o direito comunitário confere aos nacionais dos Estados‑Membros, dado que o regresso de um trabalhador comunitário ao Estado‑Membro do qual é nacional não pode ser considerado uma situação puramente interna.

38      Daqui se conclui que, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, R. N. G. Eind dispõe do direito de se instalar com o pai, R. Eind, nos Países Baixos, não obstante este ser um cidadão economicamente inactivo.

39      Esse direito está sujeito às condições fixadas no artigo 10.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 1612/68, que são aplicáveis por analogia.

40      Assim, uma pessoa que se encontra na situação de R. N. G. Eind pode beneficiar do referido direito enquanto não tiver atingido a idade de vinte e um anos ou enquanto estiver a cargo do pai.

41      Essa conclusão não pode ser posta em causa pelo facto de R. N. G. Eind, previamente à sua residência no Estado‑Membro de acolhimento no qual o seu pai exerceu uma actividade assalariada, não ter tido um direito de residência, fundado no direito nacional, no Estado‑Membro do qual R. Eind é nacional.

42      Contrariamente ao que é alegado pelos Governos neerlandês, dinamarquês e alemão, a impossibilidade de invocar esse direito não é relevante para efeitos do reconhecimento do direito de entrada e de permanência de um filho nessa situação, enquanto membro da família de um trabalhador comunitário, no Estado‑Membro do qual este último é nacional.

43      Em primeiro lugar, a exigência desse direito não resulta, expressa ou implicitamente, de nenhuma disposição do direito comunitário relativa ao direito de residência na Comunidade de nacionais de Estados terceiros que são membros da família de trabalhadores comunitários. Ora, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, a regulamentação comunitária de direito derivado em matéria de deslocação e de residência não pode ser interpretada de modo restritivo (v., nomeadamente, a respeito do Regulamento n.° 1612/68, acórdãos de 13 de Fevereiro de 1985, Diatta, 267/83, Recueil, p. 567, n.os 16 e 17, e de 17 de Setembro de 2002, Baumbast e R, C‑413/99, Colect., p. I‑7091, n.° 74).

44      Em segundo lugar, essa exigência seria contrária ao objectivo do legislador comunitário, que reconheceu a importância de assegurar a protecção da vida familiar dos nacionais dos Estados‑Membros, a fim de eliminar os obstáculos ao exercício das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado (acórdãos de 11 de Julho de 2002, Carpenter, C‑60/00, Colect., p. I‑6279, n.° 38, e de 25 de Julho de 2002, MRAX, C‑459/99, Colect., p. I‑6591, n.° 53).

45      Tendo em conta todas as considerações que precedem, deve responder‑se à segunda questão e à terceira questão, alínea b), que, quando um trabalhador regressa ao Estado‑Membro do qual é nacional, após ter exercido uma actividade assalariada noutro Estado‑Membro, um nacional de um Estado terceiro, membro da família desse trabalhador, dispõe, ao abrigo do artigo 10.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 1612/68, disposição que é aplicável por analogia, de um direito de residência no Estado‑Membro do qual o trabalhador é nacional, mesmo que este último aí não exerça uma actividade económica real e efectiva. O facto de um nacional de um Estado terceiro, membro da família de um trabalhador comunitário, não ter tido, antes de residir no Estado‑Membro em que este trabalhador exerceu uma actividade assalariada, um direito de residência, fundado no direito nacional, no Estado‑Membro do qual o referido trabalhador possui a nacionalidade, é irrelevante para a apreciação do direito de esse nacional residir neste último Estado.

 Quanto à primeira questão, alínea b), à terceira questão, alínea a), e à quarta questão

46      Atendendo às respostas dadas à primeira questão, alínea a), à segunda questão e à terceira questão, alínea b), não é necessário responder às demais questões submetidas pelo tribunal de reenvio.

 Quanto às despesas

47      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

1)      Em caso de regresso de um trabalhador comunitário ao Estado‑Membro do qual é nacional, o direito comunitário não impõe às autoridades deste Estado que reconheçam a um nacional de um Estado terceiro, membro da família desse trabalhador, um direito de entrada e de residência apenas pelo facto de, no Estado‑Membro de acolhimento em que este último exerceu uma actividade assalariada, esse nacional ter uma autorização de residência ainda válida, concedida com base no artigo 10.° do Regulamento (CEE) n.° 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade, na redacção dada pelo Regulamento (CEE) n.° 2434/92 do Conselho, de 27 de Julho de 1992.

2)      Quando um trabalhador regressa ao Estado‑Membro do qual é nacional, após ter exercido uma actividade assalariada noutro Estado‑Membro, um nacional de um Estado terceiro, membro da família desse trabalhador, dispõe, ao abrigo do artigo 10.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 1612/68, na redacção dada pelo Regulamento n.° 2434/92, disposição que é aplicável por analogia, de um direito de residência no Estado‑Membro do qual o trabalhador é nacional, mesmo que este último aí não exerça uma actividade económica real e efectiva. O facto de um nacional de um Estado terceiro, membro da família de um trabalhador comunitário, não ter tido, antes de residir no Estado‑Membro em que este trabalhador exerceu uma actividade assalariada, um direito de residência, fundado no direito nacional, no Estado‑Membro do qual o referido trabalhador possui a nacionalidade, é irrelevante para a apreciação do direito de esse nacional residir neste último Estado.

Assinaturas


* Língua do processo: neerlandês.