Language of document : ECLI:EU:C:2019:318

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

11 de abril de 2019 (*)

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2003/88/CE — Organização do tempo de trabalho — Proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores — Duração máxima do trabalho semanal — Período de referência — Natureza variável ou fixa — Derrogação — Funcionários de polícia»

No processo C‑254/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França), por Decisão de 4 de abril de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 12 de abril de 2018, no processo

Syndicat des cadres de la sécurité intérieure

contra

Premier ministre,

Ministre de l’Intérieur,

Ministre de l’Action et des Comptes publics,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: A. Arabadjiev, presidente de secção, T. von Danwitz, E. Levits, C. Vajda (relator) e P. G. Xuereb, juízes,

advogado‑geral: G. Pitruzzella,

secretário: V. Giacobbo‑Peyronnel, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 29 de novembro de 2018,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação do Syndicat des cadres de la sécurité intérieure, por P. Gernez, avocat,

–        em representação do Governo francês, por R. Coesme, A.‑L. Desjonquères e E. de Moustier, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por C. Valero e M. van Beek, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 28 de fevereiro de 2019,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 6.o, alínea b), do artigo 16.o, alínea b), do artigo 17.o, n.o 3, e do artigo 19.o, primeiro parágrafo, da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho (JO 2003, L 299, p. 9).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Syndicat des cadres de la sécurité intérieure (Sindicato dos Quadros de Segurança Interna) (a seguir «SCSI») ao Premier ministre (Primeiro‑Ministro) (França), ao Ministre de l’Intérieur (Ministro da Administração Interna) (França) e ao ministre de l’Action et des Comptes publics (Ministro da Ação Pública e das Contas Públicas) (França), a respeito do período de referência utilizado para calcular a duração média do trabalho semanal dos funcionários dos serviços da Polícia Nacional que se encontrem no ativo.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Diretiva 89/391/CEE

3        O artigo 2.o da Diretiva 89/391/CEE do Conselho, de 12 de junho de 1989, relativa à aplicação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores no trabalho (JO 1989, L 183, p. 1), enuncia:

«1.      A presente diretiva aplica‑se a todos os setores de atividade, privados ou públicos (atividades industriais, agrícolas, comerciais, administrativas, de serviços, educativas, culturais, de ocupação de tempos livres, etc.).

2.      A presente diretiva não é aplicável sempre que se lhe oponham de forma vinculativa determinadas particularidades inerentes a certas atividades específicas da função pública, nomeadamente das forças armadas ou da polícia, ou a outras atividades específicas dos serviços de proteção civil.

Neste caso, há que zelar por que sejam asseguradas, na medida do possível, a segurança e a saúde dos trabalhadores, tendo em conta os objetivos da presente diretiva.»

 Diretiva 2003/88

4        O considerando 15 da Diretiva 2003/88 tem a seguinte redação:

«Em face das questões suscetíveis de serem originadas pela organização do tempo de trabalho, afigura‑se oportuno prever uma certa flexibilidade na aplicação de determinadas disposições da presente diretiva, assegurando ao mesmo tempo a observância dos princípios da proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores.»

5        O artigo 1.o da Diretiva 2003/88 enuncia:

«[…]

2.      A presente diretiva aplica‑se:

a)      Aos períodos mínimos de descanso diário, semanal e anual, bem como aos períodos de pausa e à duração máxima do trabalho semanal; e

b)      A certos aspetos do trabalho noturno, do trabalho por turnos e do ritmo de trabalho.

3.      A presente diretiva é aplicável a todos os setores de atividade, privados e públicos, na aceção do artigo 2.o da Diretiva 89/391/CEE, sem prejuízo do disposto nos artigos 14.o, 17.o, 18.o e 19.o da presente diretiva.

[…]

4.      O disposto na Diretiva 89/391/CEE é integralmente aplicável às áreas referidas no n.o 2, sem prejuízo de disposições mais restritivas e/ou específicas contidas na presente diretiva.»

6        O artigo 3.o da Diretiva 2003/88, relativo ao descanso diário, dispõe:

«Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem de um período mínimo de descanso de 11 horas consecutivas por cada período de 24 horas.»

7        O artigo 5.o desta diretiva, sob a epígrafe «Descanso semanal», dispõe:

«Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem, por cada período de sete dias, de um período mínimo de descanso ininterrupto de 24 horas às quais se adicionam as 11 horas de descanso diário previstas no artigo 3.o

[…]»

8        O artigo 6.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Duração máxima do trabalho semanal», tem a seguinte redação:

«Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que, em função dos imperativos de proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores:

[…]

b)      A duração média do trabalho em cada período de sete dias não exceda 48 horas, incluindo as horas extraordinárias[.]»

9        O artigo 16.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Períodos de referência», dispõe:

«Os Estados‑Membros podem prever:

[…]

b)      Para efeitos de aplicação do artigo 6.o (duração máxima do trabalho semanal), um período de referência não superior a quatro meses.

Os períodos de férias anuais remuneradas, atribuídos nos termos do artigo 7.o, e os períodos de ausência por doença não serão tomados em consideração ou serão considerados neutros para cálculo da média;

[…]»

10      O artigo 17.o da Diretiva 2003/88 prevê nomeadamente as seguintes derrogações:

«[…]

2.      As derrogações previstas nos n.os 3, 4 e 5 podem ser estabelecidas por via legislativa, regulamentar ou administrativa, ou ainda por via de convenções coletivas ou de acordos celebrados entre parceiros sociais, desde que sejam concedidos aos trabalhadores em causa períodos equivalentes de descanso compensatório ou que, nos casos excecionais em que não seja possível, por razões objetivas, a concessão de períodos equivalentes de descanso compensatório, seja concedida aos trabalhadores em causa uma proteção adequada.

3.      Nos termos do n.o 2 do presente artigo, são permitidas derrogações aos artigos 3.o, 4.o, 5.o, 8.o e 16.o:

[…]

b)      No caso de atividades de guarda, de vigilância e de permanência caracterizada pela necessidade de assegurar a continuidade do serviço ou da produção, designadamente [a proteção de pessoas e bens, quando se trate de guardas e porteiros ou de empresas de segurança];

c)      No caso de atividades caracterizadas pela necessidade de assegurar a continuidade do serviço ou da produção […]

[…]»

11      O artigo 19.o desta diretiva, sob a epígrafe «Limitações às derrogações de períodos de referência», enuncia no seu primeiro e segundo parágrafos:

«A faculdade de derrogar à alínea b) do artigo 16.o, prevista no n.o 3 do artigo 17.o e no artigo 18.o, não pode ter como efeito a fixação de um período de referência que ultrapasse seis meses.

Todavia, os Estados‑Membros têm a possibilidade, desde que respeitem os princípios gerais de proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores, de permitir que, por razões objetivas, técnicas ou de organização do trabalho, as convenções coletivas ou acordos celebrados entre parceiros sociais fixem períodos de referência que não ultrapassem em caso algum 12 meses.»

 Direito francês

12      O artigo 3.o do décret no 2000‑815, du 25 août 2000, relatif à l’aménagement et à la réduction du temps de travail dans la fonction publique de l’État et dans la magistrature (Decreto n.o 2000‑815, de 25 de agosto de 2000, relativo à organização e à redução do tempo de trabalho na função pública do Estado e na magistratura) (JORF de 29 de agosto de 2000, p. 13301), conforme alterado pelo décret no 2011‑184, du 15 février 2011 (Decreto n.o 2011‑184, de 15 de fevereiro de 2011) (JORF de 17 de fevereiro de 2011, p. 2963), dispõe:

«I.–      A organização do trabalho deve respeitar as garantias mínimas que a seguir se definem.

A duração do tempo de trabalho semanal efetivo, incluindo as horas extraordinárias, não pode exceder nem quarenta e oito horas no decurso de uma mesma semana, nem uma média de quarenta e quatro horas num qualquer período de doze semanas consecutivas, não podendo o repouso semanal, que em princípio inclui o domingo, ser inferior a trinta e cinco horas.

[…]

II.–      Só podem ser previstas derrogações às regras enunciadas no ponto I nos casos e nas condições seguintes:

a)      Quando o objeto em si mesmo do serviço público em causa o exija a título permanente, nomeadamente para a proteção de pessoas e bens, por decreto do Conseil d’État  [Conselho de Estado, em formação jurisdicional], aprovado após emissão de parecer pelo comité d’hygiène et de sécurité [Comité de Higiene e Segurança] sendo caso disso, do comité technique ministériel [Comité Técnico Ministerial] e do Conseil supérieur de la fonction publique [Conselho Superior da Função Pública], que determine as contrapartidas concedidas às categorias de agentes em causa;

[…]»

13      O artigo 1.o do décret no 2002‑1279, du 23 octobre 2002, portant dérogations aux garanties minimales de durée du travail et de repos applicables aux personnels de la police nationale [Decreto n.o 2002‑1279, de 23 de outubro de 2002, relativo às garantias mínimas da duração do trabalho e do descanso aplicáveis aos funcionários da Polícia Nacional] (JORF de 25 de outubro de 2002, p. 17681), conforme alterado pelo Decreto n.o 2017‑109, de 30 de janeiro de 2017 (JORF de 31 de janeiro de 2017), tem a seguinte redação:

«Para efeitos da organização do trabalho dos funcionários dos serviços da Polícia Nacional que se encontrem no ativo, são derrogadas as garantias mínimas referidas no ponto I do artigo 3.o do Decreto de 25 de agosto de 2000, acima referido, quando as missões de segurança e paz públicas, de polícia judiciária e de serviços de informações de segurança que lhes são confiadas o exijam.

Esta derrogação deve, todavia, respeitar os seguintes requisitos:

1°      A duração do tempo de trabalho semanal medida, em cada período de sete dias, incluindo as horas extraordinárias, não pode em média exceder quarenta e oito horas num período de um semestre do ano civil;

[…]»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

14      Resulta da decisão de reenvio que o Decreto n.o 2002‑1279, conforme alterado pelo Decreto n.o 2017‑109, estabelece regras específicas de duração do trabalho e de descanso aplicáveis ao pessoal da Polícia Nacional francesa. Este decreto prevê, nomeadamente, no seu artigo 1.o, que a duração do tempo de trabalho semanal medida em cada período de sete dias, incluindo as horas extraordinárias, não pode em média exceder 48 horas num período de um semestre do ano civil.

15      Em 28 de março de 2017, o SCSI entregou no Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França) uma petição que tinha por objeto a anulação desta disposição. O SCSI sustenta, designadamente, que, ao selecionar, para efeitos de cálculo da duração média do trabalho semanal, um período de referência expresso em semestres do ano civil, e não um período de referência de seis meses, cujo início e termo se alteram à medida da passagem do tempo, a referida disposição viola as regras da Diretiva 2003/88.

16      O órgão jurisdicional de reenvio pergunta se as disposições conjugadas dos artigos 6.o e 16.o da Diretiva 2003/88 devem ser interpretadas no sentido de que impõem que o período de referência seja definido de forma variável ou no sentido de que é deixada aos Estados‑Membros a opção de conferir a esse período uma natureza variável ou fixa.

17      O órgão jurisdicional de reenvio pergunta também se, no caso de ser possível prever apenas um período de referência variável, o referido período deve conservar a sua natureza variável quando for alargado para seis meses em aplicação da derrogação prevista no artigo 17.o, n.o 3, alínea b), da Diretiva 2003/88.

18      Nestas condições, o Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Devem as disposições dos artigos 6.o e 16.o da Diretiva [2003/88] ser interpretadas no sentido de que impõem um período de referência que é definido de maneira variável ou no sentido de que deixam aos Estados‑Membros a opção de lhe conferir uma natureza variável ou fixa?

2)      No caso de estas disposições virem a ser interpretadas no sentido de que impõem um período de referência variável, a possibilidade conferida pelo artigo 17.o, de derrogar a alínea b) do artigo 16.o, é suscetível de dizer respeito, não apenas à duração do período de referência, mas também à sua natureza variável?»

 Quanto às questões prejudiciais

19      Com as suas duas questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 6.o, alínea b), o artigo 16.o, alínea b), e o artigo 19.o, primeiro parágrafo, da Diretiva 2003/88 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que, para efeitos de cálculo da duração média do trabalho semanal, prevê períodos de referência que começam e terminam em datas de calendário fixas e não períodos de referência definidos de forma variável.

20      Nos termos do artigo 6.o, alínea b), da referida diretiva, «a duração média do trabalho em cada período de sete dias não exced[e] 48 horas, incluindo as horas extraordinárias».

21      O artigo 16.o alínea b), da mesma diretiva dispõe que os Estados‑Membros podem prever, para efeitos de cálculo da duração média do trabalho semanal, um período de referência não superior a quatro meses.

22      O período de referência a que se refere o artigo 16.o, alínea b), da Diretiva 2003/88 pode, nos termos do artigo 19.o, primeiro parágrafo, desta diretiva, ser alargado a título derrogatório até seis meses em alguns casos ou para determinadas atividades previstas, designadamente, no artigo 17.o, n.o 3, da referida diretiva, como «as atividades de guarda, de vigilância e de permanência caracterizada[s] pela necessidade de assegurar a [proteção de pessoas e bens]» ou «as atividades caracterizadas pela necessidade de assegurar a continuidade do serviço ou da produção». No processo principal, a República Francesa aplicou este regime derrogatório aos funcionários dos serviços da Polícia Nacional que se encontrem no ativo.

23      Assim, resulta das disposições referidas nos n.os 21 e 22 do presente acórdão que o cálculo da duração média do trabalho semanal pode não ter por base períodos de sete dias, mas períodos ditos de «referência» que podem ir até quatro meses no âmbito do regime comum e até seis meses no âmbito do regime derrogatório. O cálculo da duração média do trabalho semanal nestes períodos de referência visa, nos termos do considerando 15 da Diretiva 2003/88, conferir uma certa flexibilidade na aplicação do artigo 6.o, alínea b), desta diretiva, podendo qualquer ultrapassagem da duração máxima do trabalho semanal em determinados momentos do período de referência ser compensada com uma redução equivalente noutros momentos do período. Por conseguinte, não é exigida uma repartição igual do número de horas de trabalho ao longo de todo o período de referência (Acórdão de 9 de novembro de 2017, Maio Marques da Rosa, C‑306/16, EU:C:2017:844, n.o 43).

24      Decorre também das disposições citadas nos n.os 21 e 22 do presente acórdão que o conceito de «período de referência» é, por um lado, um conceito único que tem o mesmo significado no âmbito do regime comum e no âmbito do regime derrogatório e que, por outro, é um conceito que não faz nenhuma remissão para o direito nacional dos Estados‑Membros e que deve, assim, ser entendido como um conceito autónomo do direito da União que deve ser interpretado de modo uniforme no território desta, independentemente das qualificações utilizadas nos Estados‑Membros, tendo em conta os termos das disposições em causa bem como o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação em que se integram (v., por analogia, Acórdão de 9 de novembro de 2017, Maio Marques da Rosa, C‑306/16, EU:C:2017:844, n.o 38 e jurisprudência referida).

25      Por conseguinte, importa determinar, à luz dos termos e do contexto dos artigos 16.o e 19.o da Diretiva 2003/88 bem como dos objetivos prosseguidos por esta última, se os períodos de referência podem ser definidos como períodos que se iniciam e terminam em datas de calendário fixas, isto é, períodos de referência fixos, ou como períodos cujo início e termo variam permanentemente ao longo do período de tempo decorrido, isto é, períodos de referência variáveis.

26      Em primeiro lugar, não se pode deixar de observar, conforme o advogado‑geral salientou no n.o 46 das suas conclusões, que os artigos 16.o e 19.o da Diretiva 2003/88 são omissos quanto à questão de saber se os períodos de referência devem ser definidos de forma fixa ou variável, e que, por conseguinte, a redação destes artigos não se opõe mais à utilização de um destes métodos do que à utilização de outro método.

27      Em segundo lugar, conforme o advogado‑geral salientou no n.o 58 das suas conclusões, o contexto em que se inscrevem os artigos 16.o e 19.o da Diretiva 2003/88 também não permite responder a esta questão.

28      É certo que, tal como sublinhado pelo Governo francês e pela Comissão Europeia nas suas respetivas observações escritas, o Tribunal de Justiça declarou, a respeito do «período de sete dias» referido no artigo 5.o da Diretiva 2003/88, relativo ao descanso semanal e qualificado pelo Tribunal de Justiça de «período de referência», na aceção desta diretiva, que um período de referência pode ser definido, neste contexto, como um período fixo no qual deve ser concedido um certo número de horas consecutivas de descanso, independentemente do momento em que essas horas são concedidas (Acórdão de 9 de novembro de 2017, Maio Marques da Rosa, C‑306/16, EU:C:2017:844, n.o 43). Da utilização do termo «fixo» no n.o 43 deste acórdão, o Governo francês deduz que o conceito de «período de referência» deverá ser entendido como um período definido de forma fixa.

29      No entanto, tal interpretação do n.o 43 do Acórdão de 9 de novembro de 2017, Maio Marques da Rosa (C‑306/16, EU:C:2017:844), não pode ser acolhida, conforme o advogado‑geral salientou no n.o 55 das suas conclusões. O termo «fixo» utilizado neste último acórdão não deve ser entendido no sentido de «período que coincide necessariamente com o calendário civil», mas como uma «unidade de medida do tempo», ou seja, no referido acórdão, um período que tem uma duração de sete dias.

30      Com efeito, no processo que deu origem ao Acórdão de 9 de novembro de 2017, Maio Marques da Rosa (C‑306/16, EU:C:2017:844), a questão analisada pelo Tribunal de Justiça não dizia respeito ao caráter fixo ou variável do período de referência, mas unicamente à questão de saber se o dia de descanso semanal obrigatório previsto no artigo 5.o da Diretiva 2003/88 devia ser concedido, o mais tardar, no dia subsequente a um período de seis dias de trabalho consecutivos ou se devia sê‑lo dentro de cada período de sete dias. Ao optar por esta última solução, o Tribunal de Justiça entendeu por «período fixo» um período de duração determinada, sem, no entanto, decidir se o início e o termo de tal período deviam ou não coincidir com o calendário civil ou, em termos mais gerais, corresponder a datas cristalizadas como as da semana de calendário.

31      Resulta do que precede que, na medida em que não resultam indicações dos termos e do contexto dos artigos 16.o e 19.o da Diretiva 2003/88, os Estados‑Membros são, em princípio, livres de determinar os períodos de referência de acordo com o método que escolherem, desde que os objetivos prosseguidos por esta diretiva sejam respeitados.

32      No que se refere, em terceiro lugar, aos objetivos prosseguidos pela Diretiva 2003/88, importa recordar que resulta de jurisprudência constante que esta diretiva tem por finalidade garantir uma melhor proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores, prevendo, designadamente, no seu artigo 6.o, alínea b), um limite máximo para a duração média do trabalho semanal. Este limite máximo constitui uma regra do direito social da União que reveste especial importância e da qual cada trabalhador deve beneficiar, enquanto prescrição mínima para assegurar a proteção da sua segurança e da sua saúde (Acórdãos de 14 de outubro de 2010, Fuß, C‑243/09, EU:C:2010:609, n.os 32 e 33 e jurisprudência referida, e de 10 de setembro de 2015, Federación de Servicios Privados del sindicato Comisiones obreras, C‑266/14, EU:C:2015:578, n.os 23 e 24 e jurisprudência referida).

33      Além disso, é necessário que o efeito útil dos direitos conferidos aos trabalhadores pela Diretiva 2003/88 seja integralmente assegurado, o que implica necessariamente a obrigação de os Estados‑Membros garantirem o respeito de cada uma das prescrições mínimas previstas nesta diretiva e impedirem nomeadamente qualquer ultrapassagem da duração média máxima do trabalho semanal, conforme esta se encontra fixada no artigo 6.o, alínea b), da referida diretiva. Com efeito, esta interpretação é a única que é conforme com o objetivo desta diretiva, que consiste em garantir uma proteção eficaz da segurança e da saúde dos trabalhadores, fazendo com que estes beneficiem efetivamente de um tempo de trabalho que, em média, não seja superior ao limite máximo de 48 horas por semana ao longo de todo o período de referência (v., neste sentido, Acórdãos de 7 de setembro de 2006, Comissão/Reino Unido, C‑484/04, EU:C:2006:526, n.o 40 e jurisprudência referida, e de 14 de outubro de 2010, Fuß, C‑243/09, EU:C:2010:609, n.o 51 e jurisprudência referida).

34      A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que este objetivo implica que cada trabalhador deve beneficiar, nomeadamente, de períodos de descanso adequados, que devem não só ser efetivos, permitindo às pessoas em causa recuperar da fadiga causada pelo trabalho, mas também revestir um caráter preventivo suscetível de reduzir, tanto quanto possível, o risco de alteração da segurança e da saúde dos trabalhadores que pode representar a acumulação de períodos de trabalho sem o descanso necessário (v., neste sentido, Acórdão de 7 de setembro de 2006, Comissão/Reino Unido, C‑484/04, EU:C:2006:526, n.o 41 e jurisprudência referida).

35      Deve igualmente sublinhar‑se que, conforme resulta do considerando 15 da Diretiva 2003/88, a flexibilidade que esta diretiva confere aos seus artigos 16.o e 19.o no que respeita à aplicação, designadamente, do artigo 6.o, alínea b), da referida diretiva não prejudica o respeito pelos princípios da proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores.

36      Por outro lado, decorre de jurisprudência do Tribunal de Justiça que a interpretação das derrogações previstas no artigo 17.o da Diretiva 2003/88 deve limitar o seu alcance ao estritamente necessário para salvaguardar os interesses que essas derrogações permitem proteger (v., neste sentido, Acórdãos de 26 de julho de 2017, Hälvä e o., C‑175/16, EU:C:2017:617, n.o 31, e de 21 de fevereiro de 2018, Matzak, C‑518/15, EU:C:2018:82, n.o 38).

37      É à luz destas considerações que importa determinar se tanto os períodos de referência fixos como os períodos de referência variáveis são conformes com o objetivo da Diretiva 2003/88, que consiste em assegurar uma proteção eficaz da segurança e da saúde dos trabalhadores.

38      A este respeito, cumpre notar que os períodos de referência fixos e variáveis em si mesmos devem respeitar o referido objetivo da Diretiva 2003/88, na medida em que permitam apurar se o trabalhador não trabalha em média mais de 48 horas por semana ao longo de todo o período em causa e se os imperativos relacionados com a sua saúde e com a sua segurança foram assim respeitados. Para este efeito, não é relevante que o início e o termo do período de referência sejam determinados em função de datas fixas de calendário ou à medida da passagem do tempo.

39      O impacto dos períodos de referência fixos na segurança e na saúde dos trabalhadores depende, no entanto, de todas as circunstâncias que sejam pertinentes, tais como a natureza do trabalho e as condições em que este é exercido, e ainda, nomeadamente, a duração máxima do trabalho semanal e a duração do período de referência escolhidas pelo Estado‑Membro em causa. Com efeito, conforme é facto assente entre todas as partes no presente processo, os períodos de referência fixos, ao contrário dos períodos de referência variáveis, podem dar origem a situações nas quais o objetivo de proteção da saúde e da segurança dos trabalhadores pode não ser alcançado.

40      A este respeito, há que salientar que o método do período de referência fixo pode levar uma entidade patronal a exigir que o trabalhador cumpra, no decurso de dois períodos de referência fixos sucessivos, um tempo de trabalho intenso e, embora sejam respeitados os períodos de repouso referidos nos artigos 3.o e 5.o da Diretiva 2003/88, fazer com que o trabalhador ultrapasse, em média, o limite máximo de trabalho semanal no decurso de um período que, abrangendo parcialmente estes dois períodos fixos, corresponderia a um período de referência variável com a mesma duração. Tal situação não poderá verificar‑se quando o período de referência for determinado a partir de uma base variável, uma vez que, por definição, os períodos de referência variáveis implicam que a duração média de trabalho semanal seja constantemente recalculada.

41      Desta forma, ainda que os períodos de referência fixos e móveis, considerados isoladamente, sejam, por si só, conformes com o objetivo de proteção da saúde e da segurança dos trabalhadores, a combinação de dois períodos de referência fixos sucessivos pode, em função da duração máxima do trabalho semanal e da duração do período de referência escolhidas pelo Estado‑Membro em causa, conduzir a situações em que este objetivo pode ficar comprometido, embora os períodos de repouso referidos nos artigos 3.o e 5.o da Diretiva 2003/88 sejam respeitados.

42      No presente caso, a República Francesa não só esgotou a margem que lhe foi conferida pela Diretiva 2003/88 quanto à duração máxima do trabalho semanal, fixando‑a em 48 horas, como também se socorreu da derrogação prevista no artigo 17.o, n.o 3, desta diretiva, conjugado com o artigo 19.o, primeiro parágrafo, da mesma, para alargar a seis meses o período de referência utilizado para calcular a média do tempo máximo de trabalho semanal. Nestas condições, a utilização de períodos de referência fixos não permite garantir que a duração média máxima do trabalho semanal de 48 horas é respeitada no decurso de todos os períodos de seis meses que abranjam parcialmente dois períodos de referência fixos sucessivos.

43      Ora, atendendo à jurisprudência recordada nos n.os 32 e 33 do presente acórdão, há que considerar que a concretização do objetivo da Diretiva 2003/88 ficaria comprometida se a utilização de períodos de referência fixos não for acompanhada de mecanismos que permitam assegurar que a duração média máxima do trabalho semanal de 48 horas é respeitada no decurso de cada período de seis meses que abranja parcialmente dois períodos de referência fixos sucessivos.

44      Por outro lado, importa recordar que, por força do artigo 19.o, segundo parágrafo, da Diretiva 2003/88, quando um Estado‑Membro pretende alargar o período de referência além de um período de seis meses, é necessário que para esse efeito seja celebrada uma convenção coletiva ou um acordo entre parceiros sociais. Se a definição de um período de referência a que o artigo 19.o, primeiro parágrafo, desta diretiva diz respeito assentar numa base fixa, tal poderá conduzir a que, no decurso de um período de seis meses que abranja parcialmente dois períodos de referência fixos sucessivos, um trabalhador seja levado a trabalhar em média mais de 48 horas por semana, sem que para o efeito se tenha celebrado uma convenção coletiva ou um acordo entre parceiros sociais. Assim, este período que abrange parcialmente dois períodos de referência fixos sucessivos pode conduzir a situações que, na realidade, só seriam possíveis no contexto de um período de referência visado pelo artigo 19.o, segundo parágrafo, da Diretiva 2003/88. Tal resultado comprometeria a derrogação prevista nesta disposição.

45      Por conseguinte, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se a legislação nacional em causa no processo principal previu mecanismos que, conforme resulta do n.o 43 do presente acórdão, permitam assegurar que a duração média máxima do trabalho semanal de 48 horas é respeitada no decurso de cada período de seis meses que abranja parcialmente dois períodos de referência fixos sucessivos.

46      Além disso, importa recordar que as modalidades processuais dos mecanismos judiciais destinados a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos pelo direito da União aos litigantes não devem ser menos favoráveis do que as que respeitam a mecanismos judiciais semelhantes de natureza interna (princípio da equivalência) e não devem tornar impossível ou excessivamente difícil, na prática, o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efetividade) (Acórdão de 24 de outubro de 2018, XC e o., C‑234/17, EU:C:2018:853, n.o 22 e jurisprudência referida).

47      No que se refere mais especificamente ao princípio da efetividade, o órgão jurisdicional de reenvio deve examinar designadamente a efetividade dos mecanismos judiciais previstos no direito nacional para que os trabalhadores em causa possam pôr imediatamente termo, se necessário através de procedimentos com tramitação acelerada ou de medidas cautelares, a qualquer prática que não respeite as exigências do artigo 6.o, alínea b), da Diretiva 2003/88, conforme devem resultar de uma correta transposição para o direito nacional.

48      Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 6.o, alínea b), o artigo 16.o, alínea b), e o artigo 19.o, primeiro parágrafo, da Diretiva 2003/88 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional que prevê, para efeitos de cálculo da duração média do trabalho semanal, períodos de referência que começam e terminam em datas de calendário fixas, desde que esta legislação preveja mecanismos que permitam garantir que a duração média máxima do trabalho semanal de 48 horas é respeitada no decurso de cada período de seis meses que abranja parcialmente dois períodos de referência fixos sucessivos.

 Quanto às despesas

49      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

O artigo 6.o, alínea b), o artigo 16.o, alínea b), e o artigo 19.o, primeiro parágrafo, da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional que prevê, para efeitos de cálculo da duração média do trabalho semanal, períodos de referência que começam e terminam em datas de calendário fixas, desde que esta legislação preveja mecanismos que permitam garantir que a duração média máxima do trabalho semanal de 48 horas é respeitada no decurso de cada período de seis meses que abranja parcialmente dois períodos de referência fixos sucessivos.

Assinaturas


* Língua do processo: francês.