Language of document : ECLI:EU:F:2007:103

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA

(Primeira Secção)

19 de Junho de 2007

Processo F‑54/06

John Davis e o.

contra

Conselho da União Europeia

«Função pública – Funcionários – Pensões – Coeficientes correctores – Aposentação após a entrada em vigor do Estatuto na versão aplicável a partir de 1 de Maio de 2004 – Aplicação de coeficientes correctores calculados em função do custo médio de vida no país de residência dos pensionistas – Regime transitório – Supressão dos coeficientes correctores para os direitos a pensão adquiridos após a entrada em vigor do Estatuto na versão aplicável a partir de 1 de Maio de 2004»

Objecto: Recurso, interposto nos termos dos artigos 236.° CE e 152.° EA, pelo qual J. Davis e três outros funcionários do Conselho pedem a anulação das decisões do Conselho que determinam os seus respectivos direitos à pensão, na medida em que, por um lado, não é aplicado um coeficiente corrector à parte dos seus direitos à pensão adquirida após 30 de Abril de 2004 e, por outro, o coeficiente corrector aplicado à parte dos seus direitos à pensão adquirida antes de 30 de Abril de 2004 é diferente do aplicado à remuneração dos funcionários das Comunidades Europeias em actividade no Reino Unido ou na Dinamarca.

Decisão: É negado provimento ao recurso. Cada parte suportará as próprias despesas.

Sumário

1.      Funcionários – Pensões – Coeficiente corrector – Supressão para os direitos a pensão adquiridos após a entrada em vigor do Regulamento n.° 723/2004

(Estatuto dos Funcionários, artigo 82.°, n.° 1; anexo XIII, artigo 20.°; Regulamento do Conselho n.° 723/2004)

2.       Funcionários – Pensões – Coeficiente corrector – Supressão para os direitos a pensão adquiridos após a entrada em vigor do Regulamento n.° 723/2004

(Estatuto dos Funcionários, artigo 82.°, n.° 1; anexo XIII, artigo 20.°; Regulamento do Conselho n.° 723/2004)

3.       Funcionários – Pensões – Coeficiente corrector – Supressão para os direitos a pensão adquiridos após a entrada em vigor do Regulamento n.° 723/2004

(Estatuto dos Funcionários, artigo 82.°, n.° 1)

4.      Livre circulação de pessoas – Trabalhador – Conceito – Funcionário comunitário – Inclusão – Funcionário comunitário aposentado – Exclusão

(Artigos 18.° e 39.° CE)

5.      Cidadania da União Europeia – Direito de livre circulação e de livre permanência no território dos Estados‑Membros – Funcionários comunitários aposentados

(Artigo 18.° CE; Estatuto dos Funcionários, artigo 82.°, n.° 1)

1.      O princípio da igualdade de tratamento não é violado desde que as diferenças de tratamento entre diferentes categorias de funcionários se justifiquem com base num critério objectivo e razoável e que essas diferenças sejam proporcionais à finalidade prosseguida pela diferenciação em questão.

Quanto à supressão dos coeficientes correctores para os direitos à pensão adquiridos a partir de 1 de Maio de 2004, operada pelo Regulamento n.° 723/2004, que altera o Estatuto dos Funcionários e o Regime aplicável aos outros agentes, a diferença de tratamento entre os funcionários aposentados após a entrada em vigor da reforma estatutária e os aposentados alguns meses antes da sua entrada em vigor, que consiste em que apenas estes últimos beneficiam de um coeficiente corrector sobre a totalidade das suas pensões, é conforme ao princípio da igualdade de tratamento. Esta diferença é justificada com base num critério objectivo e razoável, ou seja, a aposentação dos funcionários antes ou depois da entrada em vigor da reforma estatutária. Por outro lado, à luz dos objectivos da referida reforma estatutária, esta diferença de tratamento respeita a exigência de proporcionalidade porque, apesar de os primeiros terem sido aposentados após a data de entrada em vigor da reforma estatutária, a totalidade dos seus direitos adquiridos anteriormente a essa data continua a ser sujeita a coeficientes correctores e, além disso, aos mesmos coeficientes correctores que se aplicam aos funcionários aposentados antes dessa data. Estas constatações são, ainda, reforçadas pela consideração de que o legislador não adoptou regras que afectam negativamente apenas os direitos à pensão adquiridos a partir de 1 de Maio de 2004, mas também regras que afectam negativamente os direitos à pensão adquiridos antes dessa data, substituindo progressivamente, durante um período transitório terminado em 30 de Abril de 2008, os coeficientes correctores capital por coeficientes correctores país, menos favoráveis aos aposentados.

Por maioria de razão, a diferença de tratamento de modo nenhum pode ser considerada uma discriminação arbitrária ou manifestamente inadequada à luz dos objectivos da reforma estatutária. Com efeito, só em presença de tais discriminações se pode acolher o fundamento relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação quando é alegado contra medidas adoptadas num domínio em que o legislador dispõe de um poder discricionário, como é o caso em matéria de adaptação do sistema de pensões.

(cf. n.os 64, 74 e 75)

Ver:

Tribunal de Primeira Instância: 16 de Março de 2004, Afari/BCE, T‑11/03, ColectFP, pp. I‑A‑65 e II‑267, n.° 65

Tribunal da Função Pública: 23 de Janeiro de 2007, Chassagne/Comissão, F‑43/05, ainda não publicado na Colectânea, n.° 91

2.       Num domínio em que o legislador dispõe de um poder discricionário, como é o caso em matéria de adaptação do sistema de pensões, o juiz, no seu controlo do respeito pelo princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação, limita‑se a verificar se a instituição em causa não procedeu a uma diferenciação arbitrária ou manifestamente inadequada.

O legislador não excedeu estes limites ao suprimir o coeficiente corrector para os direitos à pensão adquiridos a partir de 1 de Maio de 2004, supressão operada pelo Regulamento n.° 723/2004, que altera o Estatuto dos Funcionários e o Regime aplicável aos outros agentes. Com efeito, não existe um princípio superior de direito comunitário «de igualdade de tratamento em termos de poder de compra» dos pensionistas comunitários, mas um princípio geral de igualdade de tratamento e de não discriminação que incumbe ao legislador aplicar pela via e pelos meios que considerar mais adequados. Tendo em conta o poder discricionário do legislador em matéria de adaptação do sistema das pensões, o Conselho podia perfeitamente adoptar um sistema destinado a aplicar o princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação ao abolir os coeficientes correctores e ao garantir que, perante uma contribuição igual, os funcionários receberiam uma pensão nominal igual, o que, aliás, acontece, regra geral, nos regimes de aposentação existentes noutras organizações internacionais. Para esse efeito, era legítimo que considerasse que a integração europeia tornava cada vez menos necessária a existência de coeficientes correctores e que os pensionistas escolheriam cada vez mais fixar a sua residência no seu antigo país de afectação ou noutro Estado‑Membro que não o de origem; o Conselho podia, por outro lado, ter em conta o desejo de evitar quer as fraudes quer os dispendiosos e difíceis procedimentos de verificação do local de residência efectiva dos pensionistas.

O legislador é, além disso, livre de alterar o Estatuto ao adoptar disposições mais desfavoráveis para os funcionários em causa do que as aplicáveis anteriormente e essa liberdade não pode ser entravada pela alegação de um qualquer princípio da igualdade «em termos de poder de compra». Todavia, quando existam direitos adquiridos dos funcionários, o legislador é obrigado a fixar um período transitório de duração suficiente destinado, no âmbito do regime de pensões, a evitar uma alteração inesperada das modalidades de liquidação dos direitos à pensão. A este respeito, admitindo que essa protecção se estende aos funcionários aposentados após a entrada em vigor da reforma estatutária, só poderia aplicar‑se aos direitos por eles adquiridos antes dela.

(cf. n.os 65, 78 e 80 a 82)

Ver:

Tribunal de Primeira Instância: 30 de Setembro de 1998, Losch/Tribunal de Justiça, T‑13/97, ColectFP, pp. I‑A‑543 e II‑1633, n.os 113, 121 e 122; 30 de Setembro de 1998, Busacca e o./Tribunal de Contas, T‑164/97, ColectFP, pp. I‑A‑565 e II‑1699, n.os 49, 58 e 59; 6 de Julho de 1999, Séché/Comissão, T‑112/96 e T‑115/96, ColectFP, pp. I‑A‑115 e II‑623, n.os 127 e 132; 8 de Janeiro de 2003, Hirsch e o./BCE, T‑94/01, T‑152/01 e T‑286/01, ColectFP, pp. I‑A‑1 e II‑27, n.° 51; 26 de Fevereiro de 2003, Drouvis/Comissão, T‑184/00, ColectFP, pp. I‑A‑51 e II‑297, n.° 57, confirmado pelo Tribunal de Justiça, 29 de Abril de 2004, Drouvis/Comissão, C‑187/03 P, não publicado na Colectânea; 29 de Novembro de 2006, Campoli/Comissão, T‑135/05, ColectFP, pp. I‑A‑2‑297 e II‑A‑2‑1527, n.os 71, 72, 78, 79, 85, 87, 97 e 105

Tribunal da Função Pública: 23 de Janeiro de 2007, Chassagne/Comissão, F‑43/05, ainda não publicado na Colectânea, n.° 62

3.      A supressão dos coeficientes correctores para os direitos à pensão adquiridos a partir de 1 de Maio de 2004, operada pelo Regulamento n.° 723/2004, que altera o Estatuto dos Funcionários e o Regime aplicável aos outros agentes, não viola, nos que respeita aos pensionistas residentes num Estado‑Membro com um custo de vida elevado, o princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação relativamente a um pensionista residente num Estado‑Membro com um custo de vida menos elevado. Esta conclusão também é válida no que respeita à comparação entre os pensionistas que não residem na Bélgica e os que aí residem.

Com efeito, por um lado, embora a referida supressão dos coeficientes correctores acarrete diferenças em termos de poder de compra entre pensionistas, consoante estes últimos se estabeleçam em países com um custo de vida elevado ou baixo, tais diferenças são baseadas num critério objectivo e razoável, isto é, o montante igual das quotizações pagas pelos funcionários durante a sua carreira e, por outro, pelo menos durante os primeiros anos de aplicação do novo sistema de pensão, essas diferenças são proporcionais aos objectivos da reforma estatutária. Durante esses anos, os funcionários aposentados após a entrada em vigor da reforma estatutária adquiriram, efectivamente, a grande maioria dos seus direitos à pensão e beneficiaram, por conseguinte, de coeficientes sintéticos bastante próximos daqueles de que teriam beneficiado se a reforma estatutária tivesse conservado o sistema dos coeficientes correctores. Só se, contrariamente às previsões do Conselho, as diferenças do custo de vida entre Estados‑Membros persistirem no futuro é que a diferença de tratamento entre pensionistas estabelecidos em locais onde o custo de vida é elevado e pensionistas estabelecidos em locais em que esse custo de vida é baixo poderia, tendo em conta a falta de coeficientes correctores sobre uma parte substancial dos direitos à pensão e desde que o Conselho não adopte medidas correctivas, afigurar‑se desproporcional relativamente aos objectivos da reforma estatutária.

Do mesmo modo, com base nas mesmas considerações e tendo em conta o poder discricionário do legislador em matéria de adaptação do sistema de pensões, as consequências da supressão dos coeficientes correctores não podem constituir discriminações arbitrárias ou manifestamente inadequadas relativamente aos objectivos da reforma estatutária.

(cf. n.os 84 a 87)

4.      O funcionário comunitário tem a qualidade de trabalhador migrante e, enquanto nacional comunitário que trabalha num Estado‑Membro diferente do seu Estado de origem não perde a qualidade de trabalhador, na acepção do artigo 39.°, n.° 1, CE, pelo facto de ocupar um cargo numa organização internacional, ainda que as condições de entrada e permanência no país de emprego sejam especialmente reguladas por uma convenção internacional. Em contrapartida, os pensionistas comunitários não podem invocar os princípios da livre circulação e da liberdade de estabelecimento, que se destinam principalmente ao exercício de uma actividade económica, mas apenas o artigo 18.° CE, que garante aos nacionais comunitários o direito de circularem e de permanecerem livremente no território dos Estados‑Membros.

(cf. n.os 96 a 98)

Ver:

Tribunal de Justiça: 15 de Março de 1989, Echternach e Moritz, 389/87 e 390/87, Colect., p. 723, n.° 11; 16 de Dezembro de 2004, My, C‑293/03, Colect., p. I‑12013, n.° 37; 16 de Fevereiro de 2006, Öberg, C‑185/05, Colect., p. I‑1453, n.° 12

5.      O artigo 18.° CE garante aos nacionais comunitários o direito de circularem e de permanecerem livremente no território dos Estados‑Membros, direito que resulta directamente do estatuto do cidadão da União Europeia conferido pelo artigo 17.° CE, que tende a ser o estatuto fundamental dos nacionais dos Estados‑Membros. Sob reserva das limitações e condições previstas pelo Tratado e pelo direito derivado, o artigo 18.° CE pode, por si só, gerar, na esfera jurídica dos cidadãos da União Europeia, direitos que estes podem alegar em juízo. Esta disposição pode, assim, na falta de regra especial prevista para este efeito, fundamentar o direito, dos funcionários comunitários aposentados, de se estabelecerem no Estado‑Membro da sua escolha.

Não só as medidas que contêm proibições e restrições directas, como também as que dissuadem os interessados de se estabelecerem noutro Estado‑Membro, violam o direito à livre circulação. No entanto, não se pode concluir do artigo 18.° CE uma obrigação positiva, por parte do legislador comunitário, de conceder aos titulares de pensões comunitárias um suplemento financeiro sob a forma de coeficientes correctores destinados a compensar o custo de vida mais elevado verificado num Estado‑Membro em que o pensionista se quer estabelecer; com efeito, na medida em que não pode haver desigualdade de tratamento relativamente a outros pensionistas comunitários que tenham escolhido estabelecer‑se no mesmo Estado‑Membro, as desvantagens que o estabelecimento nesse Estado implica, resultantes de situações gerais e objectivas susceptíveis de afectar todo e qualquer pensionista, ou mesmo qualquer outra pessoa que se estabeleça nesse mesmo Estado, são a consequência da livre escolha, pelo interessado, do seu lugar de residência, após considerar todas as desvantagens e inconvenientes dessa escolha, e não podem, de modo nenhum, ser consideradas obstáculos implícitos à livre circulação.

(cf. n.os 98 a 100)

Ver:

Tribunal de Justiça: 1 de Fevereiro de 1996, Perfili, C‑177/94, Colect., p. I‑161, n.os 17 a 19; 17 de Setembro de 2002, Baumbast e R, C‑413/99, Colect., p. I‑7091, n.os 82, 84 e 86; 2 de Outubro de 2003, Garcia Avello, C‑148/02, Colect., p. I‑11613, n.os 21 a 24; 12 de Julho de 2005, Schempp, C‑403/03, Colect., p. I‑6421, n.os 45 a 47; 16 de Fevereiro de 2006, Rockler, C‑137/04, Colect., p. I‑1441, n.os 17 a 19; 26 de Outubro de 2006, Tas‑Hagen e Tas, C‑192/05, Colect., p. I‑10451; 9 de Novembro de 2006, Turpeinen, C‑520/04, Colect., p. I‑10685, n.° 13; 11 de Janeiro de 2007, ITC, C‑208/05, Colect., p. I‑181, n.os 31 e 33; 30 de Janeiro de 2007, Comissão/Dinamarca, C‑150/04, Colect., p. I‑1163, n.os 41 a 45