Language of document : ECLI:EU:T:2019:113

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção)

26 de fevereiro de 2019 (*)

«Auxílios de Estado — Auxílio concedido pelas autoridades espanholas a determinados clubes de futebol profissional — Taxa preferencial de imposto sobre o rendimento aplicada aos clubes autorizados a recorrer ao estatuto de entidade sem fins lucrativos — Decisão que declara o auxílio incompatível com o mercado interno — Liberdade de estabelecimento — Vantagem»

No processo T‑865/16,

Fútbol Club Barcelona, com sede em Barcelona (Espanha), representado por J. Roca Sagarra, J. del Saz Cordero, R. Vallina Hoset, A. Sellés Marco e C. Iglesias Megías e, em seguida, por J. Roca Sagarra, J. del Saz Cordero, R. Vallina Hoset e A. Sellés Marco, advogados,

recorrente,

apoiado por

Reino de Espanha, representado inicialmente por A. Gavela Llopis e J. García‑Valdecasas Dorego e, em seguida, por A. Gavela Llopis, na qualidade de agentes,

interveniente,

contra

Comissão Europeia, representada por G. Luengo, B. Stromsky e P. Němečková, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido, nos termos do artigo 263.o TFUE, de anulação da Decisão (UE) 2016/2391 da Comissão, de 4 de julho de 2016, relativa ao auxílio estatal SA.29769 (2013/C) (ex 2013/NN) concedido por Espanha a determinados clubes de futebol (JO 2016, L 357, p. 1),

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção),

composto por: H. Kanninen (relator), presidente, J. Schwarcz e C. Iliopoulos, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador principal,

vistos os autos e após a audiência de 26 de junho de 2018,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        O artigo 19.o, n.o 1, da Ley 10/1990 del Deporte (Lei 10/1990, relativa ao desporto), de 15 de outubro de 1990 (BOE n.o 249, de 17 de outubro de 1990, p. 30397, a seguir «Lei 10/1990»), obrigou todos os clubes desportivos profissionais espanhóis a converterem‑se em sociedades anónimas desportivas (a seguir «SAD»). O objetivo da lei era incentivar uma gestão mais responsável das atividades dos clubes, adaptando a sua forma jurídica.

2        A sétima disposição adicional da Lei 10/1990 previa, contudo, uma exceção em relação aos clubes desportivos profissionais que tivessem obtido um resultado positivo nos exercícios fiscais anteriores à adoção da lei. O recorrente, o Fútbol Club Barcelona, e três outros clubes de futebol profissional integravam o âmbito de aplicação da exceção prevista na Lei 10/1990. Estas quatro entidades podiam, assim, exercer a opção de continuar a operar sob a forma de clubes desportivos, o que fizeram.

3        Contrariamente às SAD, os clubes desportivos são pessoas coletivas sem fins lucrativos, que, como tal, beneficiam de uma taxa de tributação dos rendimentos específica. Até 2016, essa taxa foi inferior à taxa aplicável às SAD.

4        Por carta de 18 de dezembro de 2013, a Comissão Europeia notificou ao Reino de Espanha a sua decisão de dar início ao procedimento previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE, vista a possibilidade de existência de um tratamento fiscal preferencial concedido a quatro clubes desportivos de futebol profissional, incluindo o recorrente, em comparação com as SAD.

5        No decurso do procedimento formal de investigação, a Comissão recebeu e analisou as observações escritas do Reino de Espanha e de partes interessadas, entre as quais o recorrente.

6        Na sua Decisão (UE) 2016/2391, de 4 de julho de 2016, relativa ao auxílio estatal SA.29769 (2013/C) (ex 2013/NN) concedido por Espanha a determinados clubes de futebol (JO 2016, L 357, p. 1, a seguir «decisão impugnada»), a Comissão concluiu que, com a Lei 10/1990, o Reino de Espanha introduziu ilegalmente um auxílio sob a forma de um privilégio fiscal em matéria de imposto sobre as sociedades em benefício do recorrente, do Club Atlético Osasuna, do Athletic Club e do Real Madrid Club de Fútbol, em violação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE (artigo 1.o da decisão impugnada). Além disso, a Comissão concluiu que esse regime não era compatível com o mercado interno e intimou, em consequência, o Reino de Espanha a suprimi‑lo (artigo 4.o, n.o 4) e a recuperar junto dos beneficiários a diferença entre o imposto sobre as sociedades pago e o imposto sobre as sociedades a que estariam sujeitos se tivessem a forma jurídica de SAD, a partir do exercício fiscal de 2000 (artigo 4.o, n.o 1), reservando, em particular, a hipótese de o auxílio ser um auxílio de minimis (artigo 2.o). Por último, a decisão impugnada obriga o destinatário a dar cumprimento às prescrições constantes do seu dispositivo, de forma imediata e efetiva, no que se refere à recuperação do auxílio concedido (artigo 5.o, n.o 1), e no prazo de quatro meses a contar da sua notificação, no que se refere à aplicação da decisão no seu todo (artigo 5.o, n.o 2).

 Tramitação processual e pedidos das partes

7        Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 7 de dezembro de 2016, o recorrente interpôs o presente recurso.

8        Na petição, o recorrente também submeteu ao Tribunal Geral um pedido de apresentação de um documento sobre o processo de recuperação do auxílio.

9        A Comissão apresentou contestação na Secretaria do Tribunal Geral em 27 de fevereiro de 2017.

10      O recorrente apresentou réplica na Secretaria do Tribunal Geral em 19 de abril de 2017.

11      Por decisão de 25 de abril de 2017, o presidente da Quarta Secção do Tribunal Geral admitiu a intervenção do Reino de Espanha em apoio dos pedidos do recorrente.

12      A Comissão apresentou tréplica na Secretaria do Tribunal Geral em 6 de junho de 2017.

13      O Reino de Espanha apresentou articulado de intervenção na Secretaria do Tribunal Geral em 6 de julho de 2017.

14      Em 27 de julho e 23 de agosto de 2017, respetivamente, a Comissão e o recorrente apresentaram observações sobre o articulado de intervenção.

15      Por carta de 3 de setembro de 2017, o recorrente informou que pretendia ser ouvido na audiência.

16      O Tribunal Geral, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o do Regulamento de Processo do Tribunal, colocou questões por escrito à Comissão e ao Reino de Espanha, às quais estes responderam no prazo estabelecido.

17      Na audiência, a Comissão renunciou a contestar a admissibilidade do recurso, o que ficou consignado na ata da audiência.

18      Por carta de 28 de junho de 2018, o recorrente apresentou um pedido de não divulgação de certos dados ao público.

19      Por decisão de 23 de julho de 2018, o presidente da Quarta Secção do Tribunal Geral deu por encerrada a fase oral do processo.

20      O recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        a título principal, anular a decisão impugnada;

–        a título subsidiário, anular os artigos 4.o e 5.o da decisão impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

21      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar o recorrente nas despesas.

22      O Reino de Espanha conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        dar provimento ao recurso interposto pelo recorrente e anular a decisão impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

 Questão de direito

23      O recorrente invoca cinco fundamentos de recurso, relativos:

–        o primeiro, à violação do artigo 49.o TFUE, em conjugação com os artigos 107.o e 108.o TFUE, bem como do artigo 16.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, na medida em que a Comissão violou a sua obrigação de ter em conta, nos procedimentos relativos a auxílios de Estado, as infrações às demais disposições do Tratado;

–        o segundo, em substância, à violação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, em razão, por um lado, de um erro de apreciação da Comissão quanto à existência de uma vantagem e, por outro, da violação do princípio da boa administração, no exame da existência dessa vantagem;

–        o terceiro, à violação dos princípios da proteção da confiança legítima e da segurança jurídica;

–        o quarto, à violação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, dado que a medida em causa é justificada pela lógica interna do sistema fiscal; e

–        o quinto, à violação do artigo 108.o, n.o 1, TFUE e dos artigos 21.o a 23.o do Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o [TFUE] (JO 2015, L 248, p. 9), porquanto a Comissão não respeitou o procedimento previsto para os auxílios existentes.

 Quanto ao pedido de apresentação de um documento

24      Na audiência, o recorrente referiu, em resposta a uma questão do Tribunal Geral, que o documento cuja apresentação tinha solicitado (v. n.o 8, supra) ainda não existia, o que foi confirmado pelo Reino de Espanha. Consequentemente, não é necessário pronunciar‑se sobre este pedido de medida de organização do processo.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 49.o TFUE, em conjugação com os artigos 107.o e 108.o TFUE, bem como do artigo 16.o da Carta dos Direitos Fundamentais

25      O recorrente sustenta que a Comissão, ao ignorar a circunstância especial de que a Lei 10/1990, objeto da decisão impugnada, é contrária ao artigo 49.o TFUE, na medida em que impõe indevidamente aos clubes desportivos profissionais uma forma jurídica, violou a sua obrigação de ter em conta, no procedimento em causa, as infrações às demais disposições do Tratado. Ora, a Lei n.o 10/1990 restringe a liberdade de escolha da forma jurídica e, por conseguinte, a liberdade de estabelecimento, o que a Comissão não teve em conta.

26      A Comissão contesta os argumentos do recorrente.

27      Com este fundamento, o recorrente alega, em substância, que a Comissão devia ter declarado que a obrigação imposta aos clubes desportivos profissionais de se converterem em SAD era contrária ao artigo 49.o TFUE. Ora, essa declaração tê‑la‑ia levado a privilegiar o encerramento do presente procedimento, em benefício da aplicação do artigo 49.o TFUE apenas à medida estatal que obriga os clubes desportivos profissionais a converterem‑se em SAD. Além disso, há que salientar que o recorrente invoca a violação do artigo 16.o da Carta dos Direitos Fundamentais, relativo à liberdade de empresa, sem apresentar argumentação própria e independente da desenvolvida à luz dos artigos 49.o, 107.o e 108.o TFUE.

28      Cabe, desde logo, salientar que a Comissão dispõe, no que diz respeito à escolha de intentar uma ação de incumprimento, de um poder discricionário que exclui o direito de os particulares exigirem dessa instituição que tome posição num determinado sentido (v. Despacho de 24 de novembro de 2016, Petraitis/Comissão, C‑137/16 P, não publicado, EU:C:2016:904, n.o 22 e jurisprudência referida). As opções processuais feitas pela Comissão no presente caso, que consistem em procurar a aplicação dos artigos 107.o e 108.o TFUE em vez da aplicação do artigo 49.o TFUE, escapam, assim, à fiscalização do Tribunal Geral.

29      É jurisprudência constante que, apesar de o procedimento previsto nos artigos 107.o e 108.o TFUE deixar uma margem de apreciação à Comissão para fazer um juízo sobre a compatibilidade de um regime de auxílios de Estado com as exigências do mercado interno, resulta da economia geral do Tratado que esse procedimento não deve nunca atingir um resultado que seja contrário às suas disposições específicas (v. Acórdão de 9 de setembro de 2010, British Aggregates e o./Comissão, T‑359/04, EU:T:2010:366, n.o 91 e jurisprudência referida).

30      Essa obrigação da Comissão impõe‑se sobremaneira no caso em que as demais disposições do Tratado também têm como objetivo uma concorrência não falseada no mercado interno, como, in casu, o artigo 49.o TFUE, que pretende preservar a liberdade de estabelecimento e, assim, a livre concorrência entre os operadores económicos de um Estado‑Membro estabelecidos noutro Estado‑Membro e os operadores económicos deste último Estado‑Membro. Com efeito, ao adotar uma decisão sobre a compatibilidade de um auxílio com o mercado interno, a Comissão não pode ignorar o risco de a concorrência no mercado interno ser afetada por determinados operadores económicos (v., neste sentido, Acórdão de 13 de maio de 2015, Niki Luftfahrt/Comissão, T‑511/09, EU:T:2015:284, n.o 215).

31      No entanto, importa notar que, no caso em apreço, o recorrente não invoca uma contradição no resultado do procedimento, no âmbito do exame da compatibilidade do regime de auxílios, com o princípio da liberdade de estabelecimento consagrado no artigo 49.o TFUE. Em contrapartida, lamenta o facto de a Comissão não ter analisado se a Lei n.o 10/1990, que considerava violar os artigos 107.o e 108.o TFUE, por prever um regime de exceção a favor de quatro clubes de futebol profissional, era, além disso, contrária ao artigo 49.o TFUE, por estabelecer a regra segundo a qual os clubes desportivos profissionais espanhóis se deviam converter em SAD.

32      A este respeito, apesar de a jurisprudência referida nos n.os 29 e 30, supra, consagrar a obrigação da Comissão de não declarar compatível um auxílio de Estado que, em algumas das suas modalidades, viola outras disposições do Tratado (v. Acórdão de 9 de setembro de 2010, British Aggregates e o./Comissão, T‑359/04, EU:T:2010:366, n.o 92 e jurisprudência referida), a mesma não obriga a Comissão a analisar se essa violação ainda existe quando já qualifica a medida em causa de auxílio de Estado ilegal e incompatível.

33      Com efeito, a obrigação de ter em conta a violação de outras disposições do Tratado no âmbito de um procedimento em matéria de auxílios de Estado deve entender‑se à luz do imperativo de o procedimento não ter um resultado contrário às referidas disposições do Tratado, produzindo um impacto negativo no mercado interno (v., neste sentido, Acórdão de 3 de dezembro de 2014, Castelnou Energía/Comissão, T‑57/11, EU:T:2014:1021, n.o 189) e representando, no contexto de uma violação do artigo 49.o TFUE, o risco de afetação da concorrência por parte de determinados operadores económicos.

34      Ademais, já foi declarado que a circunstância de uma medida, como a obrigação de conversão em SAD dos clubes desportivos profissionais estabelecidos em Espanha, ser, se for caso disso, contrária a disposições do direito da União Europeia diferentes dos artigos 107.o e 108.o TFUE não permitia excluir da qualificação de «auxílio de Estado» a isenção dessa medida, de que beneficiavam certas empresas, enquanto a medida em questão produzisse efeitos em relação às demais empresas e não tivesse sido revogada nem declarada ilegal e, por conseguinte, inaplicável (v., neste sentido, Acórdãos de 3 de março de 2005, Heiser, C‑172/03, EU:C:2005:130, n.o 38, e de 21 de dezembro de 2016, Comissão/Aer Lingus e Ryanair Designated Activity, C‑164/15 P e C‑165/15 P, EU:C:2016:990, n.o 69).

35      Segue‑se que, no âmbito de um procedimento aberto em matéria de auxílios de Estado, a Comissão não é competente para concluir pela existência de uma violação autónoma do artigo 49.o TFUE e daí retirar as consequências jurídicas que se impõem, fora da hipótese, restrita, coberta pela jurisprudência referida nos n.os 29 e 30, supra, de a incompatibilidade da medida de auxílio em causa decorrer da violação do direito 49.o TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 19 de setembro de 2000, Alemanha/Comissão, C‑156/98, EU:C:2000:467, n.o 76).

36      Resulta do que precede que o presente fundamento assenta numa confusão do recorrente quanto ao alcance da obrigação de ter em conta, se for caso disso, a violação de outras disposições do Tratado FUE no âmbito de um procedimento relativo a auxílios de Estado.

37      Na falta de uma obrigação da Comissão de analisar, por ocasião do procedimento que levou à adoção da decisão impugnada, a existência de uma eventual violação do artigo 49.o TFUE, na medida em que a decisão impugnada qualifica a medida em causa de auxílio de Estado ilegal e incompatível, há que julgar o presente fundamento improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo, em substância, à violação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, em razão, por um lado, de um erro de apreciação da Comissão quanto à existência de uma vantagem e, por outro, da violação do princípio da boa administração, no exame da existência dessa vantagem

38      O recorrente, apoiado pelo Reino de Espanha, entende que a Comissão procedeu a uma comparação formal das taxas de tributação aplicáveis, respetivamente, às sociedades anónimas e às entidades sem fins lucrativos, sem examinar o alcance das deduções fiscais, distintas, a que umas e outras têm direito. Ao fazê‑lo, não verificou se, durante o período que abrange os anos de 1995 a 2016, a taxa efetiva de tributação dos quatro clubes de futebol em causa era, ou não, mais vantajosa. Assim, a Comissão violou a sua obrigação de proceder a uma análise exaustiva e imparcial de todos os elementos pertinentes e não teve em conta as consequências acumuladas da intervenção estatal em causa e, por conseguinte, os seus efeitos reais. A Comissão devia, ainda, ter procurado ativamente, incluindo através de pedidos de informação, os elementos de acusação e ilibatórios. Ora, uma análise comparada dos efeitos cumulativos da taxa de imposto e das deduções aplicáveis revela que, na realidade, o regime em causa produziu efeitos negativos em relação ao recorrente, em comparação com o regime aplicável às sociedades anónimas. Para além do caso do recorrente, o sistema fiscal espanhol visa, no seu conjunto, neutralizar as diferenças de taxas de tributação entre sociedades anónimas e entidades sem fins lucrativos. O Reino de Espanha acrescenta que a medida controvertida só se destinava a estabelecer um quadro para sanar a situação dos clubes de futebol profissional.

39      O recorrente sustenta igualmente, no âmbito do presente fundamento, que a decisão impugnada violou o artigo 107.o, n.o 1, TFUE, por inexistência de distorção da concorrência.

40      Por último, o recorrente sustenta que a decisão impugnada atenta contra a presunção de inocência.

41      A Comissão conclui pela improcedência do presente fundamento, dado que cumpriu as condições impostas pela jurisprudência em matéria de regimes de auxílio, pois a análise do auxílio individualmente concedido intervém apenas na fase da recuperação. Salienta ainda que o argumento de que procedeu apenas à comparação das taxas de tributação aplicáveis, sem ter em conta as taxas efetivas, não tem fundamento. A comparação das taxas efetivas, com base nos dados prestados pelas autoridades espanholas durante o procedimento administrativo, revela a existência de uma vantagem. A Comissão acrescenta que a medida em causa não previa um mecanismo automático para eliminar a vantagem assim conferida. A este respeito, a invocação, pelo recorrente, das deduções fiscais adicionais sob o regime das SAD resultante de um possível reinvestimento dos lucros na aquisição de novos jogadores é inoperante, porque se baseia em elementos hipotéticos. De um modo geral, a alegada neutralização das diferenças nas taxas de tributação entre sociedades anónimas e entidades sem fins lucrativos através das deduções para reinvestimento resulta de um cálculo simplista e potencialmente incorreto do recorrente, que, além disso, não tem em conta outras diferenças entre os regimes que afetam a taxa efetiva de tributação. No tocante à acusação relativa à violação da obrigação de exame diligente e imparcial, a Comissão alega que não é sustentável e que, em todo o caso, o recorrente não alegou durante o procedimento administrativo que a diferença nas taxas é compensada pela diferença nos limites máximos de deduções para reinvestimento.

42      Segundo jurisprudência constante, o conceito de «auxílio de Estado», conforme definido no Tratado, tem natureza jurídica e deve ser interpretado com base em elementos objetivos. Por esta razão, o juiz da União deve, em princípio e tendo em conta tanto os elementos concretos do litígio que lhe foi submetido como o caráter técnico ou complexo das apreciações feitas pela Comissão, exercer uma fiscalização integral da questão de saber se uma medida entra no âmbito de aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (v. Acórdão de 4 de setembro de 2014, SNCM e França/Corsica Ferries France, C‑533/12 P e C‑536/12 P, EU:C:2014:2142, n.o 15 e jurisprudência referida).

43      Assim sucede com a questão de saber se uma medida confere ou não uma vantagem a uma empresa.

44      Cabe recordar que são considerados auxílios de Estado as intervenções que, independentemente da forma que assumam, sejam suscetíveis de favorecer direta ou indiretamente empresas, ou que devam ser consideradas uma vantagem económica que a empresa beneficiária não teria obtido em condições normais de mercado (v. Acórdão de 16 de abril de 2015, Trapeza Eurobank Ergasias, C‑690/13, EU:C:2015:235, n.o 20 e jurisprudência referida).

45      O conceito de auxílio abrange não só prestações positivas, como subvenções, mas igualmente intervenções que, sob formas diversas, aliviam os encargos que normalmente oneram o orçamento de uma empresa e que, por essa razão, não sendo subvenções na aceção estrita da palavra, têm a mesma natureza e produzem efeitos idênticos (Acórdãos de 19 de maio de 1999, Itália/Comissão, C‑6/97, EU:C:1999:251, n.o 15; de 21 de março de 2013, Comissão/Buczek Automotive, C‑405/11 P, não publicado, EU:C:2013:186, n.o 30; e de 20 de setembro de 2017, Comissão/Frucona Košice, C‑300/16 P, EU:C:2017:706, n.o 20).

46      A este respeito, uma medida através da qual as autoridades públicas atribuem a certas empresas um tratamento fiscal vantajoso, que, embora não implique uma transferência de recursos do Estado, coloca os beneficiários numa situação financeira mais favorável do que a dos outros contribuintes, constitui um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (Acórdãos de 15 de março de 1994, Banco Exterior de España, C‑387/92, EU:C:1994:100, n.o 14, e de 9 de outubro de 2014, Ministerio de Defensa e Navantia, C‑522/13, EU:C:2014:2262, n.o 23).

47      Cabe igualmente notar que as intervenções estatais assumem formas diversas e devem ser analisadas em função dos respetivos efeitos. Consequentemente, quando uma intervenção estatal tem consequências diversas para os beneficiários, a Comissão deve ter em conta o efeito cumulativo dessas consequências, a fim de analisar a existência de uma eventual vantagem (Acórdão de 13 de setembro de 2013, Poste Italiane/Comissão, T‑525/08, não publicado, EU:T:2013:481, n.o 61). Com efeito, a Comissão tem a obrigação de considerar globalmente as medidas complexas para determinar se estas conferem às empresas beneficiárias uma vantagem económica que não teriam obtido em condições normais de mercado (Acórdão de 30 de novembro de 2009, França e France Télécom/Comissão, T‑427/04 e T‑17/05, EU:T:2009:474, n.o 199).

48      É o que sucede inclusive com o exame de um regime de auxílios. A este respeito, embora, no caso de um regime de auxílios, a Comissão possa limitar‑se a estudar as características gerais e abstratas do regime em causa, sem ser obrigada a examinar cada caso de aplicação específico, para verificar se contém elementos de auxílio (Acórdão de 15 de dezembro de 2005, Unicredito Italiano, C‑148/04, EU:C:2005:774, n.o 67), este exame deve, todavia, incluir o exame das várias consequências, simultaneamente favoráveis e desfavoráveis para os seus beneficiários, do regime em causa quando o caráter não unívoco da alegada vantagem resulta das próprias características do regime.

49      Por outro lado, também segundo jurisprudência constante, a Comissão está obrigada, no interesse de uma boa administração das regras fundamentais do Tratado relativas aos auxílios de Estado, a conduzir o procedimento de investigação das medidas controvertidas de forma diligente e imparcial, de modo a dispor, quando da adoção da decisão final que estabeleça a existência e, sendo caso disso, a incompatibilidade ou ilegalidade do auxílio, dos elementos o mais completos e fiáveis possíveis para tal (v. Acórdão de 3 de abril de 2014, França/Comissão, C‑559/12 P, EU:C:2014:217, n.o 63 e jurisprudência referida).

50      Além disso, importa esclarecer que a legalidade de uma decisão da Comissão em matéria de auxílios de Estado deve ser apreciada em função dos elementos de informação de que a Comissão podia dispor no momento em que a tomou (Acórdãos de 14 de setembro de 2004, Espanha/Comissão, C‑276/02, EU:C:2004:521, n.o 31, e de 2 de setembro de 2010, Comissão/Scott, C‑290/07 P, EU:C:2010:480, n.o 91; v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 10 de julho de 1986, Bélgica/Comissão, 234/84, EU:C:1986:302, n.o 16).

51      É à luz dos princípios que acabam de ser recordados que há que examinar o presente fundamento, sem que haja que distinguir entre a parte do fundamento relativa ao erro de apreciação e a relativa à violação do princípio da boa administração.

52      No caso em apreço, importa salientar, desde logo, que a medida visada na decisão impugnada resulta da conjugação da aplicação de um tratamento fiscal específico às entidades sem fins lucrativos, que é anterior à entrada em vigor da Lei 10/1990, e de uma limitação da possibilidade de determinados clubes de futebol profissional abrangidos pelo âmbito da exceção introduzida pela Lei 10/1990 recorrerem a essa forma jurídica. Apesar de reservar o benefício da forma jurídica de entidade sem fins lucrativos e, portanto, o regime fiscal que lhe está associado, aos quatro clubes de futebol que integram o âmbito de aplicação da exceção, a Lei 10/1990 não contém nenhuma disposição de natureza fiscal, pelo que deixa intacto, em particular, o conteúdo do regime fiscal das entidades sem fins lucrativos, regulado por textos distintos. Daqui resulta que a medida em causa se resume a um estreitamento, no setor do desporto profissional espanhol, do âmbito de aplicação pessoal do regime fiscal das entidades sem fins lucrativos.

53      Neste contexto, para apreciar, em especial, se esta medida é suscetível de conferir uma vantagem, os diferentes componentes do regime fiscal das entidades sem fins lucrativos devem ser apreciados em conjunto, na medida em que constituem um todo indissociável que a Lei 10/1990 só alterou, indiretamente, no que respeita ao seu âmbito de aplicação pessoal.

54      Assim, há que examinar se a Comissão fez prova bastante, na decisão impugnada, de que o regime fiscal das entidades sem fins lucrativos, considerado no seu todo, era suscetível de colocar os seus beneficiários numa situação mais vantajosa que se tivessem de operar sob a forma de SAD.

55      A decisão impugnada revela a existência de uma diferença entre as taxas de tributação a que estão sujeitas as entidades sem fins lucrativos e as SAD. Refere, nos considerandos 8 e 34, que as taxas foram diferentes a partir da data da adoção da medida em causa, em 1990, e isto até ao exercício de 2015, tendo a Ley 27/2014 del Impuesto sobre Sociedades (Lei n.o 27/2014, do imposto sobre as sociedades), de 27 de novembro de 2014 (BOE n.o 288, de 28 de novembro de 2014, p. 96939), extinguido, com efeitos a partir de 2016, esta diferença. Essa taxa, mantida em 25 % para as entidades sem fins lucrativos, era, para as SAD, de 35 % até 2006, de 32,5 % em 2007, de 30 % em 2008 e de 28 % em 2015. Embora diferentes, as taxas aplicáveis no Território Histórico de Biscaia (Espanha), por um lado, e em Navarra (Espanha), por outro, onde estão estabelecidos dois dos quatro clubes visados na decisão impugnada (v. considerando 42), são também inferiores quando o clube sujeito ao imposto é uma entidade sem fins lucrativos. Confirma‑se, assim, que aos quatro clubes beneficiários do regime controvertido foi aplicada, durante o período em causa, uma taxa nominal de imposto preferencial em relação aos clubes que operam sob a forma de SAD.

56      No entanto, tal como mencionado nos pontos 53 e 54, supra, tendo em conta a natureza da medida controvertida, o exame da vantagem decorrente da taxa de imposto preferencial não pode ser dissociado do dos demais componentes do regime fiscal das entidades sem fins lucrativos.

57      No que se refere, em especial, à dedução fiscal para reinvestimento de lucros excecionais, o Real Madrid Club de Fútbol salienta, como referido no considerando 68 da decisão impugnada, que esta era mais elevada para as SAD do que para as entidades sem fins lucrativos. Quando uma percentagem máxima de 12 % dos lucros excecionais reinvestidos por uma SAD podia ser deduzida do montante de imposto devido, sob a forma de crédito de imposto, este limite máximo era fixado em 7 % para as entidades sem fins lucrativos. Essas taxas foram alteradas várias vezes, sendo que a decisão impugnada só menciona as últimas taxas aplicáveis. O Real Madrid Club de Fútbol, enquanto parte interessada durante o procedimento administrativo, alegou (considerandos 26 e 27 da decisão impugnada) que, consoante as circunstâncias, essa dedução podia ser muito significativa, o que explicava, nomeadamente, que, no período compreendido entre 2000 e 2013, o regime fiscal das entidades sem fins lucrativos lhe tinha sido «muito mais desfavorável» do que o regime das SAD. A parte interessada baseou‑se, para tal, num relatório elaborado pelos seus consultores fiscais. A este respeito, a alegação da Comissão, formulada pela primeira vez na audiência, de que, na realidade, o Real Madrid Club de Fútbol beneficiou, na maioria dos exercícios em causa, de uma vantagem do regime de auxílios controvertido não tem fundamento e não figura, de qualquer forma, na decisão impugnada.

58      Contudo, a decisão impugnada exclui a possibilidade de a vantagem relativa decorrente do limite máximo superior de deduções fiscais aplicável às SAD compensar a taxa preferencial de imposto de que beneficiavam as entidades sem fins lucrativos, pelo facto, por um lado, de não ter sido provado que esse sistema de deduções fiscais «fosse, em princípio e a longo prazo, mais vantajoso» e, por outro, de a dedução fiscal «só ser concedida sob certas condições, que não se aplicam de forma continuada» (considerando 68).

59      Ora, a Comissão, sobre a qual recaía o ónus da prova da existência de uma vantagem decorrente do regime fiscal das entidades sem fins lucrativos, cujos diversos componentes não podem, neste caso, ser dissociados, não podia concluir pela existência dessa vantagem sem demonstrar que a limitação das deduções fiscais a um nível menos vantajoso para as entidades sem fins lucrativos do que para as SAD não compensava a vantagem decorrente da taxa nominal de tributação inferior (v., neste sentido, Acórdãos de 25 de junho de 1970, França/Comissão, 47/69, EU:C:1970:60, n.o 7, e de 8 de dezembro de 2011, France Télécom/Comissão, C‑81/10 P, EU:C:2011:811, n.o 43). A este respeito, podia pedir, dentro dos limites das suas obrigações de investigação no âmbito do procedimento administrativo, os elementos de informação que se revelassem pertinentes para a apreciação a efetuar para o efeito (Acórdão de 20 de setembro de 2017, Comissão/Frucona Košice, C‑300/16 P, EU:C:2017:706, n.o 71).

60      No caso em apreço, a simples constatação da condicionalidade do benefício da dedução fiscal não é suficiente para satisfazer as exigências recordadas no número anterior. Por um lado, uma dedução fiscal é, em si, suscetível de constituir um auxílio (Acórdão de 15 de julho de 2004, Espanha/Comissão, C‑501/00, EU:C:2004:438, n.o 120). Assim, uma diferença entre os limites máximos de dedução fiscal pode conter um elemento de auxílio, o que justifica, apesar da sua condicionalidade, que seja tido em conta no âmbito do exame da existência de uma vantagem decorrente do regime controvertido. Por outro lado, se é certo que a realização de investimentos que justificam o benefício da dedução fiscal não é necessariamente um dado suscetível de se repetir de forma «continuada», o mesmo se passa com a realização de lucros. Basta referir, a título de exemplo, que a exceção prevista na Lei 10/1990 à obrigação de conversão em SAD, sujeita à realização de um resultado positivo nos exercícios anteriores à adoção da lei, só se aplicou, em todo o setor desportivo profissional espanhol, a quatro clubes. Além disso, na falta, nomeadamente, de uma análise das possibilidades de reporte das deduções fiscais, falha a apreciação do eventual diferimento no tempo dos efeitos desse mecanismo fiscal, suscetível de compensar o caráter pretensamente não «continuado» assinalado na decisão impugnada. Consequentemente, os elementos apresentados no considerando 68 da decisão impugnada não permitem excluir que as menores possibilidades de dedução fiscal do regime das entidades sem fins lucrativos compensem a vantagem resultante da taxa nominal de imposto inferior.

61      A decisão impugnada apoia‑se igualmente num estudo fornecido pelo Reino de Espanha durante o procedimento administrativo e cujos dados estão reproduzidos no considerando 35, do qual resulta que, durante o período compreendido entre 2008 e 2011, com exceção de 2010, a taxa efetiva de imposto das entidades sujeitas ao regime fiscal geral era mais elevada do que a das entidades sem fins lucrativos. A Comissão conclui assim, no considerando 70, que, mesmo tendo em conta as diferentes possibilidades de dedução fiscal, «a tributação efetiva de que beneficiaram os quatro clubes desportivos [beneficiários do regime controvertido] tende a ser inferior à tributação normal das [SAD]». Esta afirmação surge na sequência de uma afirmação semelhante, no considerando 67, de que, com base nos números fornecidos pelo Reino de Espanha, «na maioria [dos exercícios], a tributação efetiva dos clubes de futebol profissional que são tributados como associações sem fins lucrativos foi inferior à de entidades comparáveis sujeitas ao regime fiscal geral».

62      Como sublinham o recorrente e o Reino de Espanha, os números fornecidos por este último não contribuem para a conclusão precedente, na medida em que estes respeitam a dados coligidos para todos os setores e operadores, quando, na decisão impugnada, a Comissão se pronuncia sobre a taxa efetiva de imposto dos quatro clubes beneficiários em comparação com a das SAD. Além disso, estes dados dizem respeito a quatro exercícios, de 2008 a 2011, quando o período abrangido pelo regime controvertido corre de 1990 a 2015 e o período, não prescrito, coberto pela ordem de recuperação corre a partir do exercício fiscal de 2000 (considerando 93). Assim, a Comissão também não podia, com base no relatório comunicado pelo Reino de Espanha, afirmar que, «na maioria [dos exercícios], a tributação efetiva dos clubes de futebol profissional que [eram] tributados como associações sem fins lucrativos [tinha sido] inferior à de entidades comparáveis sujeitas ao regime fiscal geral» (considerando 67). Segue‑se que a Comissão cometeu um erro na apreciação dos factos.

63      Importa ainda verificar se, apesar deste erro, a Comissão podia, como sustenta, apoiar‑se apenas nos dados fornecidos pelo Reino de Espanha para concluir pela existência de uma vantagem.

64      Como recordado no n.o 46, supra, a qualificação de um tratamento fiscal de vantajoso pressupõe a sua capacidade para colocar os beneficiários numa situação financeira mais favorável que a dos restantes contribuintes. Tendo em conta a natureza e o perímetro da medida controvertida, pressupõe‑se, no presente caso, que o regime fiscal das entidades sem fins lucrativos possa favorecer os quatro clubes beneficiários em relação às entidades comparáveis sujeitas ao regime geral (v., neste sentido, Acórdão de 11 de junho de 2009, ACEA/Comissão, T‑297/02, EU:T:2009:189, n.o 64).

65      Ora, mesmo admitindo que os dados constantes do relatório apresentado pelo Reino de Espanha e reproduzidos no considerando 35 da decisão impugnada tendem a alicerçar a constatação de uma vantagem decorrente, em geral, do regime fiscal das entidades sem fins lucrativos, estes devem ser analisados tendo em conta os elementos de facto, mencionados no n.o 57, supra, que foram igualmente apresentados à Comissão durante o procedimento administrativo. Resulta destes últimos elementos que um dos quatro clubes beneficiários referiu que o regime das entidades sem fins lucrativos lhe tinha sido significativamente mais desfavorável do que o regime geral, em relação ao período compreendido entre julho de 2000 e junho de 2013, sem ser contestado pela Comissão. Esse período, que a Comissão qualifica de «período determinado» (considerando 68), representa, na realidade, a totalidade dos exercícios não prescritos e encerrados à data de feitura do relatório pelos consultores fiscais do clube em causa, como a Comissão confirmou em resposta a uma questão por escrito do Tribunal Geral. Este mesmo clube referiu, à semelhança do recorrente nos seus articulados, que as deduções fiscais podiam ser muito significativas no setor em causa, o que decorria, em especial, da prática das transferências de jogadores. A este respeito, a posição da Comissão, desenvolvida pela primeira vez na audiência, que consiste em pôr em causa a regularidade da prática das transferências de jogadores no setor do futebol profissional, não tem fundamento e não figura, de qualquer forma, na decisão impugnada.

66      Daqui resulta que, no momento da adoção da decisão impugnada, a Comissão dispunha dos elementos que evidenciavam a especificidade do setor em causa no que respeita à importância das deduções fiscais, o que a deveria ter levado a duvidar da possibilidade de aplicar a esse setor as constatações feitas, em relação a todos os setores, sobre a tributação efetiva das entidades sem fins lucrativos e das entidades sujeitas ao regime geral.

67      Atendendo ao exposto, há que concluir que a Comissão não cumpriu, de forma bastante, o ónus de provar que a medida controvertida conferia uma vantagem aos seus beneficiários.

68      Nenhum dos argumentos adiantados pela Comissão é suscetível de infirmar esta conclusão.

69      Em primeiro lugar, a jurisprudência decorrente do Acórdão de 15 de dezembro de 2005, Unicredito Italiano (C‑148/04, EU:C:2005:774), segundo a qual a Comissão pode limitar‑se a analisar as características gerais e abstratas do regime em causa, sem ter de examinar cada caso de aplicação específico, não a dispensa, num caso como o presente, de examinar a totalidade das consequências, simultaneamente favoráveis e desfavoráveis, que resultam das características do próprio regime controvertido (v. n.o 46, supra), recordando‑se que o ónus da prova da existência de uma vantagem incumbe à Comissão. Além disso, esta jurisprudência deve ser lida em conjugação com a obrigação da Comissão de conduzir o procedimento de investigação da medida controvertida de forma diligente e imparcial, para dispor, na adoção da decisão final, dos elementos o mais completos e fiáveis possíveis (v. jurisprudência referida no n.o 49, supra; v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 28 de novembro de 2008, Hotel Cipriani e o./Comissão, T‑254/00, T‑270/00 e T‑277/00, EU:T:2008:537, n.o 210). Daqui resulta que a jurisprudência invocada não é suscetível de pôr em causa a constatação, no caso em apreço, de um erro cometido pela Comissão na apreciação da existência de uma vantagem. De qualquer modo, a invocação da jurisprudência resultante do Acórdão de 15 de dezembro de 2005, Unicredito Italiano (C‑148/04, EU:C:2005:774), é inoperante, na medida em que o erro constatado não se prende com a falta de análise de cada uma das situações dos beneficiários, mas com a falta de consideração da especificidade do setor visado na medida controvertida, na perspetiva da dimensão das deduções fiscais. De resto, importa referir que a decisão impugnada não só qualifica o regime em questão de regime de auxílio, como também se pronuncia, na sua fundamentação (considerando 90) e no seu dispositivo (artigo 1.o), sobre os auxílios individuais concedidos aos quatro clubes beneficiários, devidamente identificados, indicando que os auxílios «devem, assim, ser consideradas auxílios ilegais e incompatíveis». Daqui decorre que, contrariamente ao que sustenta a Comissão, a decisão impugnada deve ser analisada enquanto decisão relativa a um regime de auxílios e enquanto decisão relativa a auxílios individuais.

70      Em segundo lugar, supondo que, como sustenta a Comissão, o próprio recorrente não tivesse, durante o procedimento administrativo, aduzido argumentação sobre as deduções fiscais, não deixa de ser verdade que, como resulta das considerações anteriores, o argumento factual relativo à dimensão das deduções fiscais na apreciação do efeito da medida controvertida foi efetivamente formulado durante esse procedimento. Assim, o Tribunal Geral pode, com base nos elementos de que a Comissão dispunha no momento da adoção da decisão impugnada, verificar se esta demonstrou de forma bastante a existência de uma vantagem, tendo em conta as diferenças, entre regimes, nas modalidades de deduções fiscais (v., neste sentido, Despacho de 12 de dezembro de 2012, Adriatica di Navigazione e Comitato «Venezia vuole vivere»/Comissão, T‑231/00, não publicado, EU:T:2012:667, n.os 40 e 41).

71      Em terceiro lugar, a Comissão invocou, na audiência, o Acórdão de 8 de dezembro de 2011, France Télécom/Comissão (C‑81/10 P, EU:C:2011:811), em particular os n.os 24, 45 e 50, sublinhando que, em seu entender, os factos eram muito semelhantes nos dois casos e exigiam, por conseguinte, a mesma solução.

72      Assim, no n.o 24 do Acórdão de 8 de dezembro de 2011, France Télécom/Comissão (C‑81/10 P, EU:C:2011:811), o Tribunal de Justiça concluiu que «este regime especial de tributação, em razão das suas características próprias tais como descritas no n.o 18 do presente acórdão, podia conduzir a uma tributação da France Télécom inferior à que esta teria sido sujeita se tivesse sido tributada em imposto profissional segundo o regime de direito comum». Para chegar a esta conclusão, o Tribunal de Justiça salientou, em especial, que era pacífico que o regime em causa era suscetível de conduzir, e conduziu efetivamente, a uma tributação menos elevada da France Télécom (n.o 19), num contexto em que a recorrente, com o seu fundamento, criticava o facto de o Tribunal Geral ter concluído que esse regime era vantajoso, em si mesmo, quando, em sua opinião, dependia de fatores externos ao referido regime. Quanto ao regime em causa, o Tribunal de Justiça salientou ainda que o mesmo incluía «em todas as circunstâncias» um benefício sob a forma de uma taxa reduzida a título de despesas de gestão (n.o 20), independentemente das demais características do regime relativas ao cálculo de uma taxa média ponderada, e única, a título de imposto profissional, que, em função de circunstâncias de facto, a saber, a localização de instalações ou de terrenos em diferentes autarquias locais, bem como a taxa de tributação aplicável nas referidas autarquias, podia igualmente criar uma vantagem para a France Télécom (n.o 23).

73      Resulta do que precede que há que distinguir entre as circunstâncias do processo que deu origem ao Acórdão de 8 de dezembro de 2011, France Télécom/Comissão (C‑81/10 P, EU:C:2011:811), e as do presente processo. Com efeito, por um lado, as partes no presente processo não estão de acordo quanto à vantagem, mesmo que potencial, resultante do regime controvertido. Por outro lado, quando, no regime que foi objeto do processo que deu origem ao Acórdão de 8 de dezembro de 2011, France Télécom/Comissão (C‑81/10 P, EU:C:2011:811), coexistiam um benefício «em todas as circunstâncias» e um benefício dependente de circunstâncias variáveis, no presente processo a própria existência de um benefício é controversa, como demonstram os únicos dados específicos do setor que são visados na decisão impugnada, recordados no n.o 65, supra. Consequentemente, a Comissão não pode basear‑se numa alegada semelhança entre os dois casos para daí deduzir que a constatação feita pelo Tribunal de Justiça no n.o 24 do acórdão referido é transponível, tal qual, para o presente processo.

74      O mesmo sucede com os n.os 45 e 50 do Acórdão de 8 de dezembro de 2011, France Télécom/Comissão (C‑81/10 P, EU:C:2011:811), de que a Comissão deduz, para efeitos do presente processo, que, na falta de um mecanismo que permita efetuar um cálculo compensatório entre o benefício resultante da taxa de tributação inferior e a carga resultante das deduções fiscais menores, o regime controvertido implica necessariamente a concessão de uma vantagem. Resulta do n.o 50 desse acórdão que o referido mecanismo era exigido, segundo o Tribunal de Justiça, devido à diferença temporal entre a carga alegada pela France Télécom, resultante de uma sobretaxa existente num determinado período, e o benefício resultante do regime de tributação aplicável posteriormente e que, por seu turno, era concebido por duração indeterminada. Daí decorria necessariamente que, num dado momento, o regime favorável, de duração indeterminada, oferecia um benefício que ia além da compensação da carga sofrida anteriormente, num determinado período de tempo. Era, pois, imperativo, do ponto de vista do Tribunal de Justiça, que um cálculo compensatório fosse efetuado ex ante, a fim de identificar a data a partir da qual a compensação já não tinha razão de ser.

75      Em contrapartida, no presente processo, as diferentes componentes do regime controvertido são aplicáveis concomitantemente, sem limitação no tempo. Por outras palavras, não se pode afirmar que resulta da articulação dos diferentes elementos, favoráveis e desfavoráveis, do regime fiscal das entidades sem fins lucrativos, tal como aplicado aos quatro clubes beneficiários, que estes irão necessariamente beneficiar de uma vantagem, contrariamente aos factos subjacentes ao n.o 50 do Acórdão de 8 de dezembro de 2011, France Télécom/Comissão (C‑81/10 P, EU:C:2011:811). Daí resulta novamente que as constatações feitas pelo Tribunal de Justiça, no n.o 50 do seu acórdão, não são, contrariamente ao que sustenta a Comissão, transponíveis para o presente processo.

76      Há, pois, que julgar procedente o segundo fundamento, sem que seja necessário examinar os restantes argumentos avançados pelo recorrente, no sentido de que, primeiro, o sistema fiscal espanhol visa, no seu conjunto, neutralizar as diferenças de taxas de tributação entre sociedades anónimas e entidades sem fins lucrativos e, segundo, o exame comparativo dos efeitos cumulativos da taxa de tributação e das deduções aplicáveis revela que o regime em causa teve um efeito negativo na sua situação individual, comparativamente ao regime das SAD. Não é, também, necessário examinar o terceiro a quinto fundamentos invocados pelo recorrente.

 Quanto às despesas

77      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com os pedidos do recorrente.

78      De acordo com o artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no processo devem suportar as suas próprias despesas. Consequentemente, o Reino de Espanha suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção)

decide:

1)      A Decisão (UE) 2016/2391 da Comissão, de 4 de julho de 2016, relativa ao auxílio estatal SA.29769 (2013/C) (ex 2013/NN) concedido por Espanha a determinados clubes de futebol, é anulada.

2)      A Comissão Europeia suportará as suas próprias despesas e as despesas efetuadas pelo Fútbol Club Barcelona.

3)      O Reino de Espanha suportará as suas próprias despesas.

Kanninen

Schwarcz

Iliopoulos

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 26 de fevereiro de 2019.

Assinaturas


*      Língua do processo: espanhol.