ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)
9 de Março de 2000 (1)
«Incumprimento de Estado - Prestações de serviços de limpeza, de desinfecção,
de desinfestação, de desratização e de saneamento - Empresas estabelecidas
nos outros Estados-Membros - Obrigação de inscrição num registo»
No processo C-358/98,
Comissão das Comunidades Europeias, representada por E. Traversa e M. Patakia,
membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no
Luxemburgo no gabinete de C. Gómez de la Cruz, membro do mesmo serviço,
Centre Wagner, Kirchberg,
contra
República Italiana, representada pelo Professor U. Leanza, chefe do Serviço do
Contencioso Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade
de agente, assistido por O. Fiumara, avvocato dello Stato, com domicílio escolhido
no Luxemburgo na Embaixada de Itália, 5, rue Marie-Adélaïde,
que tem por objecto obter a declaração de que, ao subordinar, por força dos
artigos 1.° e 6.° da lei italiana n.° 82, de 25 de Janeiro de 1994, a prestação de
serviços de limpeza, de desinfecção, de desinfestação, de desratização e desaneamento por operadores estabelecidos noutros Estados-Membros à matrícula
nos registos mencionados no artigo 1.° da referida lei, a República Italiana não
cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 59.° do Tratado CE
(que passou, após alteração, a artigo 49.° CE),
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),
composto por: D. A. O. Edward (relator), presidente de secção, P. J. G. Kapteyn
e H. Ragnemalm, juízes,
advogado-geral: P. Léger,
secretário: R. Grass,
visto o relatório do juiz-relator,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 18 de
Novembro de 1999,
profere o presente
Acórdão
- 1.
- Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 2 de Outubro
de 1998, a Comissão das Comunidades Europeias intentou, ao abrigo do artigo
169.° do Tratado CE (actual artigo 226.° CE), uma acção destinada a obter a
declaração de que, ao subordinar, por força dos artigos 1.° e 6.° da lei italiana
n.° 82, de 25 de Janeiro de 1994 (GURI n.° 27, de 3 de Fevereiro de 1994, p. 4, a
seguir a «Lei n.° 82/94»), a prestação de serviços de limpeza, de desinfecção, de
desinfestação, de desratização e de saneamento por operadores estabelecidos
noutros Estados-Membros à matrícula nos registos mencionados no artigo 1.° da
referida lei, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por
força do artigo 59.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 49.° CE).
A legislação nacional
- 2.
- A Lei n.° 82/94 rege as actividades de limpeza, desinfecção, desinfestação,
desratização e saneamento.
- 3.
- O artigo 1.° da Lei n.° 82/94, intitulado «Matrícula das empresas de limpeza no
registo comercial ou no registo provincial das empresas artesanais», determina, no
seu n.° 1:
«As empresas que exercem actividades de limpeza, desinfecção, desinfestação,
desratização ou saneamento, a seguir denominadas 'empresas de limpeza, são
matriculadas no registo comercial previsto no texto codificado aprovado pelo
Decreto Real n.° 2011, de 20 de Setembro de 1934, com alterações posteriores, ou
no registo provincial das empresas artesanais previsto no artigo 5.° da Lei n.° 443,
de 8 de Agosto de 1985, quando preencherem as condições previstas na presente
lei.»
- 4.
- O desrespeito desta disposição provoca a aplicação das penalidades referidas no
artigo 6.° da Lei n.° 82/94, intitulado «Penalidades», o qual dispõe, nos seus n.os 2
a 5:
«2. Se uma empresa de limpeza exercer as actividades referidas na presente lei
sem estar matriculada no registo comercial ou no registo provincial das empresas
artesanais ou se exercer essas actividades apesar de a matrícula ter sido cancelada
ou suspensa, o proprietário da empresa individual, o mandatário encarregado de
gerir a empresa, um dos seus ramos ou estabelecimentos, todos os sócios no caso
de uma sociedade em nome colectivo, os sócios comanditados no caso de uma
sociedade em comandita simples ou por acções, ou os administradores em todos
os outros tipos de sociedade, incluindo as cooperativas, são punidos com pena de
prisão até seis meses ou com pena de multa de duzentas mil a um milhão de liras.
3. Se uma empresa de limpeza confiar o exercício das actividades referidas na
presente lei a empresas que se encontrem em situação que possa acarretar as
penas previstas no n.° 2, o proprietário da empresa individual, o mandatário
encarregado de gerir a empresa, um dos seus ramos ou estabelecimentos, todos os
sócios no caso de uma sociedade em nome colectivo, os sócios comanditados no
caso de uma sociedade em comandita simples ou por acções, ou os administradores
em todos os outros tipos de sociedade, incluindo as cooperativas, são punidos com
pena de prisão até seis meses ou com pena de multa de duzentas mil a um milhão
de liras.
4. Quem celebrar contratos relativos ao exercício das actividades referidas na
presente lei com empresas de limpeza que não estejam matriculadas no registo
comercial ou no registo provincial das empresas artesanais ou cuja matrícula tenha
sido cancelada ou suspensa, ou quem, de qualquer modo, recorra aos serviços a
título oneroso de tais empresas, é passível de uma coima no montante de um
milhão a dois milhões de liras. No caso de tais contratos serem celebrados por
empresas ou entidades públicas, estas são passíveis de uma coima no montante de
dez milhões a cinquenta milhões de liras.
5. São nulos os contratos celebrados com empresas de limpeza que não
estejam matriculadas no registo comercial ou no registo provincial das empresas
artesanais ou cuja matrícula tenha sido cancelada ou suspensa.»
- 5.
- Por força do artigo 8.° da Lei n.° 580, de 29 de Dezembro de 1993, que criou o
registo das empresas (GURI n.° 7, de 11 de Janeiro de 1994, suplemento ordinário
n.° 6, a seguir a «Lei n.° 580/93»), o registo comercial foi absorvido pelo novo
registo das empresas no termo do prazo de três anos a contar da entrada em vigor
da referida lei. Além disso, por aplicação do mesmo artigo, as empresas artesanais
matriculadas nos registos previstos na Lei n.° 443, de 8 de Agosto de 1985, são
também matriculadas numa secção especial do registo das empresas.
- 6.
- Nos termos dos artigos 1.°, n.° 2, da Lei n.° 82/94, e 18.° da Lei n.° 580/93, a
matrícula no registo das empresas implica o pagamento de uma «taxa anual».
O processo pré-contencioso
- 7.
- Por carta de 3 de Abril de 1995, a Comissão comunicou ao Governo italiano as
razões pelas quais considerava que os artigos 1.° e 6.° da Lei n.° 82/94 eram
contrários ao artigo 59.° do Tratado e convidou-o a transmitir as suas observações
no prazo de dois meses a contar da recepção dessa carta.
- 8.
- Não tendo recebido qualquer resposta, a Comissão, em 12 de Março de 1996,
dirigiu ao Governo italiano, nos termos do artigo 169.°, primeiro parágrafo, do
Tratado, um parecer fundamentado convidando-o a adoptar as medidas necessárias
para lhe dar cumprimento no prazo de dois meses a contar da sua notificação.
- 9.
- Não tendo o Governo italiano dado qualquer seguimento a este parecer, a
Comissão intentou a presente acção.
Quanto ao mérito
- 10.
- A título liminar, a Comissão realça que, por força das disposições conjugadas dos
artigos 1.° da Lei n.° 82/94 e 8.° da Lei n.° 580/93, todas as empresas de limpeza,
qualquer que seja a sua forma jurídica, têm a obrigação de se matricular no novo
registo das empresas.
- 11.
- A Comissão argumenta que a obrigação de matrícula no registo das empresas e as
graves penalidades previstas em caso de incumprimento desta obrigação infringem
manifestamente o artigo 59.° do Tratado. Com efeito, ao aplicar sanções como
penas de prisão e coimas que, em caso de não cumprimento do artigo 1.° da Lei
n.° 82/94, podem atingir 50 milhões de LIT, o artigo 6.° desta lei faz da matrícula
no registo das empresas uma condição essencial para o exercício de actividades de
limpeza no território italiano. Na medida em que esta obrigação se aplica também
às empresas estabelecidas noutro Estado-Membro que não a República Italiana,
ela impede a livre prestação de serviços ou, pelo menos, entrava-a.
- 12.
- A Comissão considera, além disso, que a Lei n.° 82/94 instaura uma discriminação
dissimulada em detrimento das empresas estabelecidas nos outros
Estados-Membros. Com efeito, esta condição relativa à matrícula leva, na prática,a dissuadir essas empresas de exercerem em Itália as actividades de limpeza
referidas por esta lei. Segundo a Comissão, é pouco provável que uma empresa de
outro Estado-Membro suporte as obrigações administrativas necessárias à matrícula
nos registos das empresas, bem como o custo da «taxa anual» da matrícula, com
a única finalidade de fornecer serviços de forma mais ou menos ocasional e pontual
e, de qualquer maneira, de modo temporário e não regular.
- 13.
- É pacífico, e o Governo italiano não o contesta, que, pela generalidade dos seus
termos, a Lei n.° 82/94 tem vocação para se aplicar a qualquer prestador de
serviços, estabelecido ou não no território italiano, que proponha, quer
ocasionalmente quer regularmente, prestações de serviços em Itália. Deve, mais em
especial, realçar-se que esta legislação não exclui do seu âmbito de aplicação o
prestador de serviços estabelecido noutro Estado-Membro que não a República
Italiana que já satisfaça, de acordo com a legislação do Estado-Membro de
estabelecimento, formalidades equivalentes às exigidas pela lei italiana.
- 14.
- Resulta de uma jurisprudência bem estabelecida que tais disposições nacionais não
respeitam as prescrições do artigo 59.° do Tratado (v., nomeadamente, o acórdão
de 23 de Novembro de 1999, Arblade e o., C-369/96 e C-376/96, ainda não
publicado na Colectânea, n.os 33 a 35).
- 15.
- O Governo italiano indica, no entanto, que estão em preparação disposições
nacionais que solucionarão os problemas realçados pela Comissão. Acrescenta que,
mesmo no domínio da Lei n.° 82/94, com a sua actual redacção, as empresas de
limpeza estabelecidas nos outros Estados-Membros podem operar e operam
efectivamente em Itália sem qualquer necessidade de se matricularem no registo
das empresas.
- 16.
- A este respeito, basta verificar que, mesmo que, na prática, as autoridades de um
Estado-Membro não apliquem aos nacionais dos outros Estados-Membros
disposições nacionais contrárias ao direito comunitário, esta circunstância não é
susceptível de fazer desaparecer a violação do direito comunitário consubstanciada
por tais disposições.
- 17.
- Com efeito, é jurisprudência constante que a incompatibilidade de uma legislação
nacional com as disposições comunitárias, mesmo directamente aplicáveis, não
pode ser definitivamente eliminada senão através de normas internas de carácter
coercivo com o mesmo valor jurídico que as que devem ser modificadas. Simples
práticas administrativas, por natureza modificáveis ao critério da administração e
desprovidas de publicidade adequada, não podem ser consideradas como
constituindo execução válida das obrigações impostas pelo Tratado (v.,
nomeadamente, o acórdão de 13 de Março de 1997, Comissão/França, C-197/96,
Colect., p. I-1489, n.° 14).
- 18.
- Assim, há que declarar que, ao subordinar, por força dos artigos 1.° e 6.° da Lei
n.° 82/94, a prestação de serviços de limpeza, de desinfecção, de desinfestação, de
desratização e de saneamento pelas empresas estabelecidas nos outros
Estados-Membros à matrícula nos registos mencionados no artigo 1.° da referida
lei, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força
do artigo 59.° do Tratado.
Quanto às despesas
- 19.
- Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é
condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão
pedido a condenação da República Italiana e tendo esta sido vencida, há que
condená-la nas despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),
decide:
1) Ao subordinar, por força dos artigos 1.° e 6.° da lei italiana n.° 82, de 25 de
Janeiro de 1994, a prestação de serviços de limpeza, de desinfecção, de
desinfestação, de desratização e de saneamento pelas empresas
estabelecidas nos outros Estados-Membros à matrícula nos registos
mencionados no artigo 1.° da referida lei, a República Italiana não cumpriu
as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 59.° do Tratado CE
(que passou, após alteração, a artigo 49.° CE).
2) A República Italiana é condenada nas despesas.
Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 9 de Março de 2000.
O secretário
O presidente da Quarta Secção
R. Grass
D. A. O. Edward