Language of document : ECLI:EU:T:2019:670

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção alargada)

24 de setembro de 2019 (*)

«Auxílios de Estado — Auxílio posto em execução pelo Luxemburgo — Decisão que declara a incompatibilidade com o mercado interno e a ilegalidade do auxílio e que ordena a sua recuperação — Decisão antecipativa (tax ruling) — Vantagem — Princípio da plena concorrência — Caráter seletivo — Presunção — Restrição de concorrência — Recuperação»

Nos processos T‑755/15 e T‑759/15,

GrãoDucado do Luxemburgo, representado inicialmente por D. Holderer e T. Uri, e em seguida por T. Uri, na qualidade de agentes, assistidos inicialmente por D. Waelbroeck, S. Naudin e A. Steichen, e em seguida por D. Waelbroeck e A. Steichen, advogados,

recorrente no processo T‑755/15,

apoiado por

Irlanda, representada inicialmente por E. Creedon, G. Hodge e A. Joyce, em seguida por G. Hodge, M. Browne e A. Joyce, e por último por A. Joyce e J. Quaney, na qualidade de agentes, assistidos por P. Gallagher, M. Collins, SC, B. Doherty e S. Kingston, barristers,

interveniente,

Fiat Chrysler Finance Europe, com sede em Luxemburgo (Luxemburgo), representada por J. Rodríguez, solicitor, G. Maisto e M. Engel, avocats,

recorrente no processo T‑759/15,

apoiada por

Irlanda, representada inicialmente por E. Creedon, G. Hodge, K. Duggan e A. Joyce, em seguida por G. Hodge, K. Duggan, M. Browne e A. Joyce, e por último por A. Joyce e J. Quaney, na qualidade de agentes, assistidos por M. Collins, P. Gallagher, SC, S. Kingston e B. Doherty, barristers,

interveniente,

contra

Comissão Europeia, representada por P.‑J. Loewenthal e B. Stromsky, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto pedidos baseados no artigo 263.o TFUE e destinados a obter a anulação da Decisão (UE) 2016/2326 da Comissão, de 21 de outubro de 2015, relativa ao auxílio estatal SA.38375 (2014/C ex 2014/NN) concedido pelo Luxemburgo à Fiat (JO 2016, L 351, p. 1),

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção alargada),

composto por M. van der Woude, presidente, V. Tomljenović (relator), E. Bieliūnas, A. Marcoulli e A. Kornezov, juízes,

secretário: S. Spyropoulos, administradora,

vista a fase escrita do processo e após a audiência de 21 de junho de 2018,

profere o presente

Acórdão

I.      Antecedentes do litígio

A.      Quanto à decisão antecipativa concedida pelas Autoridades Fiscais luxemburguesas à FFT

1        Em 14 de março de 2012, o consultor fiscal da Fiat Chrysler Finance Europe, anteriormente denominada Fiat Finance and Trade Ltd (a seguir «FFT»), enviou uma carta às Autoridades Fiscais luxemburguesas a fim de solicitar uma decisão fiscal antecipada em matéria de tributação (ou decisão antecipativa). [confidencial] (1)

2        Em 3 de setembro de 2012, as Autoridades Fiscais luxemburguesas adotaram uma decisão antecipativa a favor da FFT (a seguir «decisão antecipativa em causa»). A referida decisão constava de correspondência na qual era indicado que, «no que respeita[va] à carta, datada de 14 de março de 2012, relativa às atividades de financiamento intragrupo da FFT, [era] confirmado que a análise dos preços de transferência [tinha sido] realizada nos termos da Circular 164/2, de 28 de janeiro de 2011, e respeita[va] o princípio da plena concorrência».

3        A correspondência de 3 de setembro de 2012 também especificava que a decisão nela contida seria vinculativa para as Autoridades Fiscais por um período de cinco anos (ou seja, do ano fiscal 2012 ao ano fiscal 2016).

B.      Quanto ao procedimento administrativo na Comissão

4        Em 19 de junho de 2013, a Comissão Europeia enviou ao Grão‑Ducado do Luxemburgo um primeiro pedido de informações detalhadas sobre as práticas nacionais em matéria de decisões antecipativas. Este primeiro pedido de informações foi seguido por numerosas trocas de correspondência entre o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Comissão até à adoção, por esta última, em 24 de março de 2014, de uma decisão que intimou o Grão‑Ducado do Luxemburgo a prestar‑lhe informações.

5        Em 11 de junho de 2014, a Comissão deu início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE (a seguir «decisão de início do procedimento formal de investigação»), no que diz respeito à decisão antecipativa em causa. Entre o dia da adoção da decisão de início do procedimento e o 15 de julho de 2015, a Comissão trocou, por diversas vezes, correspondência com o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a FFT sobre, nomeadamente, a decisão antecipativa em causa.

C.      Quanto à decisão impugnada

6        Em 21 de outubro de 2015, a Comissão adotou a Decisão (UE) 2016/2326, relativa ao auxílio estatal SA.38375 (2014/C ex 2014/NN) concedido pelo Luxemburgo à Fiat (JO 2016, L 351, p. 1, a seguir «decisão impugnada»).

1.      Descrição da medida controvertida

7        Na secção 2 da decisão impugnada, intitulada «Descrição da medida», a Comissão descreve, em primeiro lugar, a FFT, enquanto beneficiária da decisão antecipativa em causa, que fazia parte do grupo automóvel Fiat/Chrysler (a seguir «grupo Fiat/Chrysler»). A Comissão indicou que a FFT prestava serviços de tesouraria e de financiamento às sociedades do referido grupo estabelecidas na Europa, com exceção das sociedades estabelecidas em Itália, e que operava a partir do Luxemburgo, onde se situava a sua sede social. A Comissão precisou que a FFT era especialmente ativa em matéria de financiamento pelo mercado e investimentos de fundos líquidos, relações com os agentes do mercado financeiro, serviços de coordenação e de consultoria financeira prestados às sociedades do grupo, serviços de gestão de tesouraria prestados às sociedades do grupo, financiamento intersociedades a curto ou médio prazo e coordenação com as demais sociedades de financiamento (considerandos 34 a 51 da decisão impugnada).

8        Em segundo lugar, a Comissão procedeu a uma descrição da decisão antecipativa em causa, precisando que tinha sido adotada pela Administração Fiscal luxemburguesa em 3 de setembro de 2012. A Comissão indicou que essa decisão veio na sequência, por um lado, da carta de 14 de março de 2012 do consultor fiscal da FFT dirigida à Administração Fiscal luxemburguesa, que continha um pedido de aprovação de um acordo em matéria de preços de transferência, e, por outro, de um Relatório sobre os preços de transferência que continha uma análise dos preços de transferência elaborada pelo consultor fiscal em apoio do pedido da FFT de adoção de uma decisão antecipativa (a seguir «Relatório sobre os preços de transferência») (considerandos 9, 53 e 54 da decisão impugnada).

9        A Comissão descreveu a decisão antecipativa em causa como autorizando um método de afetação dos lucros à FFT no seio do grupo Fiat/Chrysler, o que permitia à FFT determinar anualmente o montante do seu imposto sobre as sociedades a pagar no Grão‑Ducado do Luxemburgo. A Comissão precisou que a decisão antecipativa tinha sido vinculativa durante um período de cinco anos, a contar do exercício fiscal de 2012 até ao de 2016 (considerandos 52 e 54 da decisão impugnada).

10      A Comissão referiu que, segundo o Relatório sobre os preços de transferência, o método mais apropriado para determinar o lucro tributável da FFT era o método da margem líquida da transação (a seguir «MMLT»). Este método consiste, segundo a Comissão, em ter em consideração as margens líquidas recebidas aquando de transações comparáveis efetuadas por sociedades independentes. Essa escolha era justificada, segundo o referido relatório, pelo facto de a FFT prestar exclusivamente serviços financeiros a empresas pertencentes ao grupo Fiat/Chrysler. A Comissão acrescentou que, segundo o Relatório sobre os preços de transferência, a remuneração devida à FFT, que constituía o lucro tributável, devia ser estabelecida em relação aos capitais que seriam necessários à FFT para exercer as suas funções e para suportar os riscos incorridos, devido aos ativos utilizados (considerandos 55 e 56 da decisão impugnada).

11      Mais precisamente, a Comissão constatou que o Relatório sobre os preços de transferência, tal como aprovado pela decisão antecipativa em causa, propunha calcular uma remuneração global, devida à FFT pelas suas atividades de financiamento e tesouraria e pelos riscos por ela assumidos, composta pelos seguintes dois elementos (considerando 70 da decisão impugnada):

–        uma «remuneração do risco», calculada multiplicando os fundos próprios regulamentares hipotéticos da FFT, estimados, com a aplicação por analogia do Quadro de Basileia II, em 28 500 000 euros, pela rendibilidade esperada antes de impostos, estimada em 6,05 %, através do modelo de equilíbrio de ativos financeiros (a seguir «CAPM»);

–        uma «remuneração das funções», calculada multiplicando aquilo que é designado como sendo os fundos próprios da FFT utilizados para exercer as funções, estimados em 93 710 000 euros, pela taxa de juro do mercado aplicada aos depósitos a curto prazo, estimada em 0,87 %.

12      Além disso, a Comissão salientou que a decisão antecipativa em causa tinha aprovado a proposta do Relatório sobre os preços de transferência de não remunerar a parte dos capitais próprios da FFT designada como cobrindo os investimentos financeiros da FFT na Fiat Finance North America Inc. (a seguir «FFNA») e na Fiat Finance Canada Ltd (a seguir «FFC») (considerando 69 da decisão impugnada).

2.      Descrição das normas luxemburguesas em matéria de preços de transferência

13      A Comissão indicou que a decisão antecipativa em causa tinha sido adotada nos termos do artigo 164.o, n.o 3, do Código dos Impostos sobre o Rendimento luxemburguês (Lei de 4 de dezembro de 1967, relativa ao Imposto sobre o Rendimento, conforme alterada, a seguir «Código dos Impostos»), e da Circular L. I. R. n.o 164/2 do Diretor das contribuições luxemburguesas, de 28 de janeiro de 2011 (a seguir «Circular»). A este respeito, por um lado, a Comissão salientou que o referido artigo estabelecia o princípio da plena concorrência no direito fiscal luxemburguês, segundo o qual as transações entre sociedades de um mesmo grupo (a seguir «sociedades integradas») devem ser remuneradas como se tivessem sido aceites por sociedades independentes negociando, em circunstâncias comparáveis, em condições de plena concorrência (a seguir «sociedades autónomas»). Por outro lado, a Comissão acrescentou que a Circular especificava, nomeadamente, como determinar uma remuneração de plena concorrência no que respeita, em particular, às sociedades de financiamento de grupo (considerandos 74 a 83 da decisão impugnada).

3.      Descrição das Orientações da OCDE

14      A Comissão expôs os princípios da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE) em matéria de preços de transferência e indicou que os preços de transferência se referiam aos preços faturados pelas transações comerciais entre diversas entidades pertencentes ao mesmo grupo de sociedades. A Comissão afirmou que, para evitar que as sociedades multinacionais fossem financeiramente incitadas a atribuir a atribuir o mínimo possível de lucros aos territórios que tributassem mais fortemente os seus lucros, as administrações fiscais deviam aceitar os preços de transferência entre sociedades integradas apenas quando, em conformidade com o princípio da plena concorrência, as transações fossem remuneradas como se tivessem sido aceites por sociedades autónomas negociando, em circunstâncias comparáveis, em condições de plena concorrência. A Comissão precisou que este princípio constava do artigo 9.o do Modelo de Convenção Fiscal da OCDE sobre o rendimento e a fortuna (a seguir «Modelo de Convenção da OCDE») (considerandos 84 a 87 da decisão impugnada).

15      A Comissão recordou que os princípios aplicáveis em matéria de preços de transferência às empresas multinacionais e administrações fiscais, adotados pelo Comité dos Assuntos Fiscais da OCDE em 27 de junho de 1995 e revistos em 22 de julho de 2010 (a seguir «Orientações da OCDE»), enumeravam cinco métodos para estabelecer uma aproximação dos preços de plena concorrência para as transações e a distribuição dos lucros entre sociedades integradas. Apenas dois deles eram pertinentes no âmbito da decisão impugnada (considerandos 88 e 89 da decisão impugnada).

16      O primeiro método, um método tradicional baseado nas transações, é o método do preço comparável no mercado livre (a seguir «CUP»). A Comissão recordou que o método CUP comparava o preço faturado para a transferência de bens ou de serviços no quadro de uma transação entre duas empresas associadas entre si, com o preço faturado para a transferência de bens ou serviços no quadro de uma transação comparável efetuada entre duas empresas independentes uma da outra em circunstâncias comparáveis (considerando 90 da decisão impugnada).

17      O segundo método é o MMLT, que constitui um método indireto utilizado para estabelecer uma aproximação dos preços de plena concorrência para as transações e a distribuição de lucros entre as sociedades de um mesmo grupo. A Comissão descreveu este método como consistindo em estimar o montante potencial do lucro em virtude do princípio da plena concorrência para uma atividade considerada no seu todo, e não para transações específicas. A Comissão precisou que, neste âmbito, havia que selecionar um indicador do nível de lucros, como os custos, o volume de negócios ou de investimentos fixos, e lhe aplicar uma taxa de lucro que refletisse a observada em transações comparáveis efetuadas no mercado livre (considerando 91 da decisão impugnado).

4.      Apreciação da medida controvertida

18      Na secção 7 da decisão impugnada, intitulada «Apreciação da medida controvertida», a Comissão concluiu pela existência de um auxílio de Estado.

19      Após ter recordado os requisitos para a existência de um auxílio de Estado, segundo os quais, para que uma medida possa ser qualificada de auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, em primeiro lugar, deve tratar‑se de uma intervenção do Estado ou através de recursos do Estado, em segundo lugar, essa intervenção deve ser suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros, em terceiro lugar, deve conceder uma vantagem seletiva ao seu beneficiário e, em quarto lugar, deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência, a Comissão considerou que o primeiro requisito estava preenchido no caso em apreço. A este respeito, a Comissão salientou, por um lado, que a decisão antecipativa em causa era imputável ao Grão‑Ducado do Luxemburgo. Por outro lado, a Comissão constatou que essa decisão tinha dado origem a uma perda de recursos estatais, dado que qualquer redução do imposto devido pela FFT implicava uma perda de receitas fiscais de que o Grão‑Ducado do Luxemburgo poderia dispor na falta dessa redução (considerandos 185 a 188 da decisão impugnada).

20      No que respeita aos segundo e quarto requisitos, por um lado, a Comissão considerou que, uma vez que a FFT pertencia a um grupo que exercia as suas atividades em todos os Estados‑Membros, qualquer auxílio concedido a seu favor era suscetível de afetar as trocas comerciais no interior da União. Por outro lado, a Comissão considerou que, ao isentar a FFT de uma dívida fiscal, a decisão antecipativa em causa melhorava a sua posição financeira e, deste modo, falseava ou ameaçava falsear a concorrência (considerando 189 da decisão impugnada).

21      No que diz respeito ao terceiro requisito de existência de um auxílio de Estado, a Comissão considerou que a decisão antecipativa em causa conferia uma vantagem seletiva à FFT, na medida em que implicava uma redução do imposto devido pela interessada no Luxemburgo, afastando‑se do imposto que esta deveria ter pago ao abrigo do sistema comum do imposto sobre as sociedades (considerando 190 da decisão impugnada).

22      A título preliminar, a Comissão recordou que, segundo a jurisprudência, impõe‑se uma análise em três etapas para determinar se uma medida fiscal é seletiva. Numa primeira fase, trata‑se de determinar qual é o regime comum ou normal aplicável no Estado‑Membro, a saber, o «sistema de referência». Numa segunda fase, há que determinar se a medida fiscal em questão constitui uma derrogação a esse sistema, na medida em que estabelece uma diferenciação entre operadores económicos que, à luz dos objetivos intrínsecos ao sistema, se encontram numa situação factual e jurídica comparável. Em seguida, a Comissão recordou que, numa terceira fase, se a medida constituir uma derrogação ao sistema de referência, é conveniente que o Estado determine se essa medida se justifica pela natureza ou pela economia geral do sistema de referência (considerando 192 da decisão impugnada).

23      No que diz respeito à primeira etapa, ligada à determinação do sistema de referência, a Comissão entendeu que, no caso em apreço, o referido sistema era o sistema geral do imposto sobre as sociedades do Luxemburgo, cujo objetivo era a tributação dos lucros de todas as sociedades sujeitas ao imposto no Luxemburgo. A este respeito, a Comissão precisou que o sistema geral do imposto sobre as sociedades do Luxemburgo se aplicava às sociedades indígenas e às sociedades estrangeiras residentes no Luxemburgo, incluindo as sucursais luxemburguesas das sociedades estrangeiras. A Comissão considerou que o facto de existir uma diferença em matéria de cálculo dos lucros tributáveis entre as sociedades autónomas e as sociedades integradas não tinha nenhuma incidência sobre o objetivo do sistema geral do imposto sobre as sociedades do Luxemburgo, que era tributar os lucros de todas as sociedades residentes no Luxemburgo, independentemente de estarem ou não integradas, e que os dois tipos de sociedades se encontram numa situação factual e jurídica semelhante à luz do objetivo intrínseco desse sistema. A Comissão rejeitou todos os argumentos suscitados pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo e pela FFT, segundo os quais o artigo 164.o do Código dos Impostos ou a Circular constituíam o sistema de referência pertinente, bem como o argumento destes segundo o qual o sistema de referência a ter em consideração para apreciar a seletividade da decisão antecipativa em causa devia incluir apenas as empresas sujeitas às regras em matéria de preços de transferência (considerandos 193 a 215 da decisão impugnada).

24      No que respeita à segunda etapa, a Comissão indicou que a questão de saber se uma medida fiscal constituía uma derrogação ao sistema de referência coincidia em geral com a constatação de uma vantagem conferida ao beneficiário através dessa medida. Em seu entender, quando uma medida fiscal implica uma redução injustificada do imposto devido pelo beneficiário que, na ausência dessa medida, deveria pagar um imposto mais elevado nos termos do sistema de referência, essa redução constitui, ao mesmo tempo, a vantagem conferida pela medida fiscal e a derrogação do sistema de referência. Além disso, a Comissão recordou que, segundo a jurisprudência, no caso de uma medida individual, a identificação da vantagem económica permite, em princípio, presumir a sua seletividade (considerandos 216 a 218 da decisão impugnada).

25      Em seguida, a Comissão afirmou que uma medida fiscal que leva uma sociedade pertencente a um grupo a faturar preços de transferência que não são próximos dos que seriam praticados entre empresas independentes, em conformidade com o princípio da plena concorrência, conferia uma vantagem a essa sociedade na medida em que conduz a uma redução da sua matéria coletável e, portanto, do imposto exigível em aplicação do sistema geral do imposto sobre as sociedades, o que o Tribunal de Justiça teria admitido. Por conseguinte, a Comissão precisou que devia verificar se a método aprovado pela Administração Fiscal luxemburguesa através da decisão antecipativa em causa, para efeitos de determinação dos lucros tributáveis da FFT no Luxemburgo, se afastava de um método que resultasse numa aproximação fiável de um resultado baseado no mercado e, desse modo, do princípio da plena concorrência. Nesse caso, a decisão antecipativa seria considerada como conferindo uma vantagem seletiva à FFT na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (considerandos 222 a 227 da decisão impugnada).

26      Consequentemente, a Comissão entendeu que o princípio da plena concorrência fazia necessariamente parte da sua apreciação, ao abrigo do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, das medidas fiscais concedidas às sociedades integradas, independentemente da questão de saber se um Estado‑Membro tinha incorporado esse princípio no seu sistema jurídico nacional. A Comissão precisou então que, em resposta aos argumentos do Grão‑Ducado do Luxemburgo suscitados no âmbito do procedimento administrativo, não tinha examinado se a decisão antecipativa em causa respeitava o princípio da plena concorrência, conforme definido no artigo 164.o, n.o 3, do Código dos Impostos ou na Circular, mas que procurou determinar se a Administração Fiscal luxemburguesa tinha conferido uma vantagem seletiva à FFT, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (considerandos 228 a 231 da decisão impugnada).

27      Em primeiro lugar, a Comissão considerou que várias das opções metodológicas validadas pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo e subjacentes à análise dos preços de transferência na decisão antecipativa em causa conduziam a uma redução do imposto sobre as sociedades que as sociedades autónomas deveriam ter pago (considerandos 234 a 240 da decisão impugnada).

28      Primeiro, no que diz respeito aos capitais próprios a remunerar, a Comissão considerou que os fundos próprios regulamentares hipotéticos da FFT, escolhidos pelo consultor fiscal, não constituíam um indicador apropriado do nível de lucros aquando da aplicação do MMLT para fazer uma estimativa da remuneração de plena concorrência para as funções exercidas pela FFT. A Comissão constatou então que, ao ter em consideração os fundos próprios regulamentares hipotéticos, no montante de 28,5 milhões de euros, e não os capitais próprios contabilísticos, no montante de 287,5 milhões de euros em 2011, com base no qual o CAPM era aplicado, o consultor fiscal tinha dividido por 10 a remuneração tributável da FFT. A Comissão precisou que tinha rejeitado todos os argumentos do Grão‑Ducado do Luxemburgo e da FFT a este respeito (considerandos 248 a 266 da decisão impugnada).

29      Segundo, no que respeita à aplicação do Quadro de Basileia II para determinar os fundos próprios regulamentares hipotéticos, a Comissão considerou que o Grão‑Ducado do Luxemburgo tinha cometido erros que o levaram a subestimar o montante dos fundos próprios regulamentares hipotéticos da FFT e que conduziram a uma redução do montante do imposto exigível à FFT (considerandos 267 a 276 da decisão impugnada).

30      Terceiro, a Comissão considerou que o consultor fiscal tinha efetuado várias deduções reportadas aos capitais remanescentes da FFT, que se afastavam de um resultado baseado no mercado. Desde logo, a comissão entendeu que, se os fundos próprios regulamentares hipotéticos tivessem sido corretamente estimados, era provável que os capitais próprios não fossem superiores aos fundos próprios regulamentares. Em seguida, a Comissão considerou que a decisão do consultor fiscal de isolar a componente dos fundos próprios denominada «fundos próprios que cobrem os investimentos financeiros na FFNA e na FFC» e de lhe atribuir uma remuneração nula a fim de estimar a matéria coletável da FFT era desadequada. A Comissão indicou que os argumentos do Grão‑Ducado do Luxemburgo, a este respeito, não eram convincentes (considerandos 277 a 291 da decisão impugnada).

31      Quarto, a Comissão entendeu que a opção tomada pelo consultor fiscal de reter um beta de 0,29, quando da aplicação do CAPM, para determinar a rendibilidade dos capitais próprios a aplicar aos fundos próprios regulamentares hipotéticos da FFT, implicava uma afetação de lucros à FFT que não era conforme com princípio da plena concorrência (considerandos 292 a 301 da decisão impugnada).

32      À luz das constatações acima expostas, a Comissão considerou, designadamente, primeiro, que o nível de remuneração apropriado para as funções de financiamento e de tesouraria da FFT devia ser estabelecido com base nos fundos próprios contabilísticos, segundo, que 2012 constituía um ano de referência adequado para apreciar a matéria coletável da FFT no Luxemburgo, terceiro, que a rendibilidade dos capitais próprios antes de impostos de 6,05 % (e de 4,3 % depois de impostos), aceite pela decisão antecipativa em causa e calculada de acordo com o CAPM, ficava muito aquém das rendibilidades dos capitais próprios exigidas no setor financeiro, que se situavam invariavelmente nos 10 % ou em valores superiores e, quarto, que a rendibilidade dos capitais próprios exigida era de 10 % após impostos aplicados ao montante integral dos capitais próprios contabilísticos (considerandos 302 a 311 da decisão impugnada).

33      Em segundo lugar, a Comissão rejeitou o argumento da FFT segundo o qual o grupo Fiat/Chrysler não beneficiou de nenhuma vantagem, dado que qualquer aumento da matéria coletável no Luxemburgo teria sido totalmente compensado por um aumento da dedução fiscal nos outros Estados‑Membros (considerandos 312 a 314 da decisão impugnada).

34      Em terceiro lugar, a título subsidiário, a Comissão entendeu que, de qualquer modo, a decisão antecipativa em causa concedia uma vantagem seletiva, incluindo à luz do sistema de referência mais limitado, invocado pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo e pela FFT, composto pelo artigo 164.o, n.o 3, do Código dos Impostos e pela Circular, que previam o princípio da plena concorrência em direito fiscal luxemburguês (considerandos 315 a 317 da decisão impugnada).

35      Em quarto lugar, a Comissão opôs‑se ao argumento da FFT segundo o qual, para demonstrar a existência de um tratamento seletivo a seu favor decorrente da decisão antecipativa em causa, a Comissão deveria ter comparado essa decisão antecipativa com a prática da Administração Fiscal luxemburguesa com base na Circular, em especial, com as decisões antecipativas concedidas a outras sociedades de financiamento e de tesouraria que o Grão‑Ducado do Luxemburgo tinha apresentado à Comissão para servirem de amostra representativa da sua prática em matéria de decisão antecipativa (considerandos 318 a 336 da decisão impugnada).

36      Em quinto lugar, nem o Grão‑Ducado do Luxemburgo nem a FFT apresentaram qualquer motivo que pudesse justificar o tratamento seletivo da FFT resultante da decisão antecipativa em causa. A Comissão também não identificou um motivo que justificasse o tratamento preferencial de que beneficiava a FFT (considerandos 337 e 338 da decisão impugnada).

37      A Comissão concluiu então, à luz das considerações precedentes, que a decisão antecipativa em causa tinha concedido à FFT uma vantagem seletiva, na medida em que tinha implicado uma redução do imposto devido pela FFT, a título principal, ao abrigo do sistema geral do imposto sobre as sociedades do Luxemburgo, em comparação com as sociedades autónomas e, a título subsidiário, ao abrigo do sistema de tributação das sociedades integradas (considerandos 339 e 340 da decisão impugnada).

38      Por último, a Comissão considerou que o beneficiário da vantagem em causa era o grupo Fiat/Chrysler no seu conjunto, na medida em que a FFT formava uma unidade económica com as outras entidades do referido grupo, que tinham beneficiado da redução do imposto concedida à FFT, atendendo ao facto de esta redução ter necessariamente por efeito diminuir as condições de preço dos seus empréstimos intragrupo (considerandos 341 a 345 da decisão impugnada).

39      À luz de todas as considerações precedentes, a Comissão concluiu que a decisão antecipativa em causa constituía um auxílio de Estado e que se tratava de um auxílio ao funcionamento (considerandos 346 e 347 da decisão impugnada).

40      Na secção 8 da decisão impugnada, intitulada «Caráter incompatível do auxílio com o mercado interno», a Comissão considerou que o auxílio concedido à FFT era incompatível com o mercado interno. Neste aspeto, a Comissão constatou, por um lado, que o Grão‑Ducado do Luxemburgo não invocou nenhuma das derrogações previstas no artigo 107.o, n.os 2 e 3, TFUE e, por outro, que o auxílio em questão, que devia ser considerado um auxílio ao funcionamento, não podia normalmente ser considerado compatível com o mercado interno (considerandos 348 a 351 da decisão impugnada).

41      Na secção 9 da decisão impugnada, intitulada «Caráter ilegal do auxílio», a Comissão referiu que o Grão‑Ducado do Luxemburgo não lhe tinha notificado, nos termos do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, nenhum projeto da decisão antecipativa em causa e não tinha respeitado a obrigação de suspensão que lhe incumbia por força deste artigo. Por conseguinte, tratava‑se de um auxílio de Estado ilegal executado em violação da referida disposição (considerandos 352 e 353 da decisão impugnada).

42      Na secção 10 da decisão impugnada, intitulada «Recuperação», primeiro, a Comissão considerou que os argumentos invocados pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo relacionados com o respeito dos princípios da proteção da confiança legítima e da segurança jurídica eram desprovidos de fundamento (considerandos 354 a 364 da decisão impugnada).

43      Segundo, a Comissão indicou que não era obrigada a fixar o montante exato do auxílio a recuperar, uma vez que bastava que a decisão impugnada contivesse indicações que permitissem ao seu destinatário determinar por si próprio, sem dificuldades excessivas, esse montante. No caso em apreço, a Comissão propôs, na decisão impugnada, um método suscetível de eliminar a vantagem seletiva conferida à FFT pela decisão antecipativa em causa e precisou que poderia igualmente aceitar outro método de cálculo se o Grão‑Ducado do Luxemburgo o tivesse proposto antes da data de aplicação da decisão impugnada, desde que esse método desse lugar a uma aproximação fiável de um resultado baseado no mercado (considerandos 365 a 369 da decisão impugnada).

44      Terceiro, a Comissão entendeu que o Grão‑Ducado do Luxemburgo devia, desde logo, recuperar junto da FFT o auxílio ilegal e incompatível com o mercado interno concedido através da decisão antecipativa em causa. Se a FFT não estivesse em condições de restituir o montante integral do auxílio, o Grão‑Ducado do Luxemburgo devia recuperar o montante remanescente junto da Fiat Chrysler Automobiles NV, que tinha sucedido à Fiat SpA, dado que era esta unidade que controlava o grupo a que pertencia a FFT (considerando 370 da decisão impugnada).

45      A título de conclusão, a Comissão considerou que o Grão‑Ducado do Luxemburgo, através da decisão antecipativa em causa, tinha concedido ilegalmente um auxílio de Estado à FFT e ao grupo a que esta última pertencia, em violação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, que este auxílio era incompatível com o mercado interno e que, consequentemente, o referido auxílio devia ser recuperado pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo junto da FFT ou, se esta não restituísse o montante total do auxílio, junto da Fiat Chrysler Automobiles (considerando 371 da decisão impugnada).

46      O dispositivo da decisão impugnada tem a seguinte redação

«Artigo 1.o

[A decisão antecipativa em causa], que permite [à FFT] fixar a sua matéria coletável no Luxemburgo numa base anual por um período de cinco anos, constitui um auxílio na aceção do artigo 107.o, n.o 1, […] TFUE, que é incompatível com o mercado interno e que foi executado ilegalmente pelo [Grão‑Ducado do] Luxemburgo em violação do artigo 108.o, n.o 3, […] TFUE.

Artigo 2. o

1. O [Grão‑Ducado do] Luxemburgo deve recuperar o auxílio incompatível e ilegal referido no artigo 1.o junto da [FFT].

2. Qualquer montante que não possa ser recuperado junto da [FTT] na sequência da recuperação descrita [no n.o 1] será recuperado junto da Fiat Chrysler Automobiles NV.

3. Os montantes a recuperar vencem juros desde a data em que foram postos à disposição dos beneficiários até à data da sua recuperação efetiva.

4. Os juros são calculados de acordo com uma base composta, em conformidade com o Capítulo V do Regulamento (CE) n.o 794/2004.

Artigo 3. o

1. A recuperação do auxílio a que se refere no artigo 1.o deve ser imediata e efetiva.

2. O [Grão‑Ducado do] Luxemburgo deve garantir a aplicação da presente decisão no prazo de quatro meses a contar da data da sua notificação.

Artigo 4. o

1. Nos dois meses seguintes à notificação da presente decisão, o [Grão‑Ducado do] Luxemburgo comunica à Comissão as informações relativas ao método utilizado para o cálculo do montante exato do auxílio.

2. O [Grão‑Ducado do] Luxemburgo mantém a Comissão informada sobre a evolução das medidas nacionais adotadas para aplicar a presente decisão até estar concluída a recuperação do auxílio referido no artigo 1.o A pedido da Comissão, o [Grão‑Ducado do] Luxemburgo transmite de imediato informações sobre as medidas já adotadas e previstas para dar cumprimento à presente decisão.

Artigo 5. o

O Grão‑Ducado do Luxemburgo é o destinatário da presente decisão.»

II.    Tramitação processual e pedidos das partes

A.      Quanto à fase escrita do processo e aos pedidos das partes no processo T755/15

47      Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 30 de dezembro de 2015, o Grão‑Ducado do Luxemburgo interpôs o recurso no processo T‑755/15, destinado à anulação da decisão impugnada.

1.      Quanto à composição da formação de julgamento e ao tratamento prioritário

48      Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 6 de junho de 2016, o Grão‑Ducado do Luxemburgo pediu que o processo fosse julgado por uma formação de julgamento alargada. O Tribunal Geral fez constar, em aplicação do artigo 28.o, n.o 5, do seu Regulamento de Processo, que o processo T‑755/15 foi remetido à Quinta Secção alargada.

49      Tendo a composição das secções do Tribunal Geral sido alterada em 26 de setembro de 2016, o juiz‑relator foi afetado, em aplicação do artigo 27.o, n.o 5, do Regulamento de Processo, à Sétima Secção alargada, à qual o processo T‑755/15 foi, consequentemente, atribuído.

50      Por impedimento de um membro da Sétima Secção alargada do Tribunal Geral, o presidente do Tribunal Geral designou, por Decisão de 6 de fevereiro de 2017, o vice‑presidente do Tribunal Geral para completar a secção.

51      Por Decisão de 12 de dezembro de 2017, o presidente da Sétima Secção alargada do Tribunal Geral deferiu a proposta do juiz‑relator de o processo T‑755/15 ser julgado com prioridade, ao abrigo do artigo 67.o, n.o 2, do Regulamento de Processo.

2.      Quanto ao pedido de tramitação acelerada

52      Por requerimento separado que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 30 de dezembro de 2015, o Grão‑Ducado do Luxemburgo pediu que o processo T‑755/15 fosse tramitado segundo a tramitação acelerada prevista no artigo 151.o do Regulamento de Processo. Em 2 de fevereiro de 2016, o Tribunal Geral decidiu indeferir este pedido.

3.      Quanto às intervenções

53      Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 6 de abril de 2016, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte pediu para intervir em apoio dos pedidos da Comissão.

54      Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 7 de abril de 2016, a Irlanda pediu para intervir em apoio dos pedidos do Grão‑Ducado do Luxemburgo.

55      Por Despacho de 25 de maio de 2016, o presidente da Quinta Secção do Tribunal Geral deferiu os pedidos de intervenção do Reino Unido e da Irlanda.

56      Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 9 de novembro de 2016, o Reino Unido desistiu da sua intervenção.

57      Por Despacho de 15 de dezembro de 2016, o presidente da Sétima Secção alargada do Tribunal Geral cancelou no processo T‑755/15 o Reino Unido como interveniente.

4.      Quanto aos pedidos de tratamento confidencial

58      Por requerimentos que deram entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 29 de abril de 2016, 27 de junho de 2016 e 24 de outubro de 2016, o Grão‑Ducado do Luxemburgo pediu o tratamento confidencial, em relação ao Reino Unido e à Irlanda, de determinadas informações constantes da petição, da réplica e da tréplica e de alguns anexos desses articulados. Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 3 de janeiro de 2017, o Grão‑Ducado do Luxemburgo informou o Tribunal Geral de que pretendia manter os seus pedidos de tratamento confidencial em relação à Irlanda, na hipótese de apensação dos processos T‑755/15 e T‑759/15.

5.      Quanto aos pedidos das partes

59      O Grão‑Ducado do Luxemburgo conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        declarar o presente recurso admissível e procedente;

–        a título principal, anular a decisão impugnada;

–        a título subsidiário, anular a decisão impugnada na medida em que ordena a recuperação do auxílio;

–        condenar a Comissão nas despesas.

60      A Irlanda, que intervém em apoio dos pedidos do Grão‑Ducado do Luxemburgo, conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne anular parcial ou totalmente a decisão impugnada.

61      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        declarar o recurso improcedente;

–        condenar o Grão‑Ducado do Luxemburgo nas despesas.

B.      Quanto à fase escrita do processo e aos pedidos das partes no processo T759/15

62      Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 29 de dezembro de 2015, a FFT interpôs o recurso no processo T‑759/15, destinado à anulação da decisão impugnada.

1.      Quanto à composição da formação de julgamento e ao tratamento prioritário

63      Tendo a composição das secções do Tribunal Geral sido alterada em 26 de setembro de 2016, o juiz‑relator foi afetado, em aplicação do artigo 27.o, n.o 5, do Regulamento de Processo, à Sétima Secção alargada, à qual o processo T‑759/15 foi, consequentemente, atribuído.

64      Sob proposta da Sétima Secção, o Tribunal Geral decidiu, em 15 de fevereiro de 2017, remeter o processo a uma formação de julgamento alargada.

65      Por impedimento de um membro da Sétima Secção alargada do Tribunal Geral, o presidente do Tribunal Geral designou, por Decisão de 23 de fevereiro de 2017, o vice‑presidente do Tribunal Geral para completar a secção.

66      Por Decisão de 12 de dezembro de 2017, o presidente da Sétima Secção alargada do Tribunal Geral deferiu a proposta do juiz‑relator de o processo T‑759/15 ser julgado com prioridade, ao abrigo do artigo 67.o, n.o 2, do Regulamento de Processo.

2.      Quanto ao pedido de tramitação acelerada

67      Por requerimento separado que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 29 de dezembro de 2015, a FFT pediu que o processo T‑759/15 fosse tramitado segundo a tramitação acelerada prevista no artigo 151.o do Regulamento de Processo. Em 2 de fevereiro de 2016, o Tribunal Geral decidiu indeferir este pedido.

3.      Quanto às intervenções

68      Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 6 de abril de 2016, o Reino Unido pediu para intervir em apoio dos pedidos da Comissão.

69      Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 7 de abril de 2016, a Irlanda pediu para intervir em apoio dos pedidos da FFT.

70      Por Despacho de 18 de julho de 2016, o presidente da Quinta Secção do Tribunal Geral deferiu os pedidos de intervenção do Reino Unido e da Irlanda.

71      Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 9 de novembro de 2016, o Reino Unido desistiu da sua intervenção.

72      Por Despacho de 15 de dezembro de 2016, o presidente da Sétima Secção alargada cancelou no processo T‑759/15 o Reino Unido como interveniente.

4.      Quanto aos pedidos de tratamento confidencial

73      Por requerimentos que deram entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 20 de maio de 2016, 11 de junho de 2016, 27 e 28 de julho de 2016, a FFT pediu o tratamento confidencial, em relação ao Reino Unido e à Irlanda, de determinadas informações constantes da petição, da resposta, da réplica e de alguns anexos desses articulados.

74      Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 17 de janeiro de 2017, a FFT indicou que, na hipótese de uma apensação com o processo T‑755/15, confirmava os seus pedidos de confidencialidade em relação à Irlanda.

5.      Quanto aos pedidos das partes

75      A FFT conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        declarar o recurso admissível;

–        anular os artigos 1.o a 4.o da decisão impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

76      A Irlanda, que intervém em apoio dos pedidos da FFT, conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne anular parcial ou totalmente a decisão impugnada.

77      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        declarar o recurso improcedente;

–        condenar a FFT nas despesas.

C.      Quanto à apensação para efeitos da fase oral do processo e à fase oral nos processos T755/15 e T759/15

1.      Quanto à apensação

78      Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 1 de dezembro de 2016, o Grão‑Ducado do Luxemburgo pediu a apensação dos processos T‑755/15 e T‑759/15 para efeitos da fase oral do processo e da decisão que põe termo à instância.

79      Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 1 de dezembro de 2016, a FFT pediu, igualmente, a apensação dos processos T‑755/15 e T‑759/15 para efeitos da fase oral do processo e da decisão que põe termo à instância.

80      Por Despacho do presidente da Sétima Secção alargada do Tribunal Geral de 27 de abril de 2018, ouvidas as partes, os processos T‑755/15 e T‑759/15 foram apensos para efeitos da fase oral do processo, em conformidade com o artigo 68.o, n.o 1, do Regulamento de Processo. Pelo mesmo despacho, foi decidido excluir os dados confidenciais constantes dos autos acessíveis à Irlanda.

2.      Quanto à fase oral nos processos T755/15 e T759/15

81      Por carta que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 7 de fevereiro de 2017, o Grão‑Ducado do Luxemburgo pediu a realização de uma audiência de alegações, em conformidade com o artigo 106.o, n.o 2, do Regulamento de Processo.

82      Por carta que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 10 de fevereiro de 2017, a FFT pediu a realização de uma audiência de alegações, em conformidade com o artigo 106.o, n.o 2, do Regulamento de Processo.

83      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal Geral decidiu dar início à fase oral nos processos T‑755/15 e T‑759/15. No âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o do Regulamento de Processo, o Tribunal Geral solicitou que as partes respondessem a perguntas escritas. As partes satisfizeram esses pedidos nos prazos fixados.

84      Em 24 de maio de 2017, a FFT deu entrada de um articulado a oferecer novas provas, sobre o qual as partes apresentaram as suas observações.

85      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas feitas pelo Tribunal Geral na audiência de 21 de junho de 2018.

III. Questão de direito

A.      Quanto à apensação dos processos para efeitos do presente acórdão

86      Ao abrigo do artigo 19.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, o presidente da Sétima Secção alargada do Tribunal Geral submeteu à Sétima Secção alargada do Tribunal Geral a decisão sobre a apensação dos processos T‑755/15 e T‑759/15, para efeitos da decisão que põe termo à instância, que era da sua competência.

87      Ouvidas as partes na audiência sobre uma eventual apensação, há que apensar, para efeitos da decisão que põe termo à instância, os processos T‑755/15 e T‑759/15, por razões de conexão, em conformidade com o artigo 68.o, n.o 1, do Regulamento de Processo.

B.      Quanto aos fundamentos invocados e à estrutura do exame dos presentes recursos

88      Os recursos interpostos nos processos T‑755/15 e T‑759/15 visam a anulação da decisão impugnada na medida em que qualifica a decisão antecipativa em causa de auxílio de Estado, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, e ordena a recuperação das quantias que não teriam sido cobradas pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo à FFT e ao grupo Fiat/Chrysler a título de imposto sobre as sociedades.

89      Em apoio do seu recurso, o Grão‑Ducado do Luxemburgo invoca três fundamentos.

90      O primeiro fundamento, que é relativo, em substância, ao requisito de existência de um auxílio seletivo e à competência da Comissão em matéria fiscal, divide‑se em três partes. Primeiro, o Grão‑Ducado do Luxemburgo entende que, no âmbito do exame da seletividade da medida controvertida, a Comissão considerou erradamente que o quadro de referência pertinente era o regime geral de tributação das sociedades (primeira parte). Segundo, o Grão‑Ducado do Luxemburgo alega que a Comissão não demonstrou que a decisão antecipativa em causa constituía uma derrogação ao quadro de referência acolhido, nem que derrogava o princípio da plena concorrência (segunda parte). Terceiro, o Grão‑Ducado do Luxemburgo considera que a Comissão violou os artigos 4.o e 5.o TUE, e o artigo 114.o TFUE, ao proceder a uma harmonização fiscal disfarçada, que consiste em impor um princípio de plena concorrência sui generis (terceira parte).

91      O segundo fundamento, que se divide em duas partes, é relativo à violação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE e ao dever de fundamentação da Comissão previsto no artigo 296.o TFUE, dado que esta última não demonstrou a existência de uma vantagem (primeira parte) nem a existência de uma restrição de concorrência (segunda parte).

92      O terceiro fundamento, invocado a título subsidiário, é relativo à violação do artigo 14.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [108.o TFUE] (JO 1999, L 83, p. 1). Todavia, uma vez que este regulamento foi revogado pelo Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o TFUE (JO 2015, L 248, p. 9), aplicável à data da decisão impugnada, o referido fundamento deve ser entendido como sendo relativo à violação do artigo 16.o, n.o 1, deste último regulamento. Este fundamento divide‑se em duas partes. O Grão‑Ducado do Luxemburgo alega que a Comissão ordenou a recuperação do auxílio em violação do princípio da segurança jurídica (primeira parte) e dos seus direitos de defesa (segunda parte).

93      Em apoio do seu recurso, a FFT invoca quatro fundamentos.

94      O primeiro fundamento, que se divide em duas partes, é relativo à violação do artigo 107.o TFUE. Em apoio da primeira parte do seu primeiro fundamento, a FFT alega que a Comissão fez uma aplicação errada do conceito de vantagem seletiva. Neste âmbito, a FFT formula quatro alegações. A primeira alegação é relativa a um erro na determinação do quadro de referência pertinente. A segunda alegação é relativa a um erro na aplicação, numa aceção inédita e imprecisa, do princípio da pela concorrência. A terceira alegação é relativa à falta de prova da concessão de uma vantagem que beneficia o grupo Fiat/Chrysler. A quarta alegação é relativa ao facto de que, mesmo supondo que a decisão antecipativa em causa derrogue o sistema geral do imposto sobre as sociedades, existe uma justificação para tal derrogação. Em apoio da segunda parte do seu primeiro fundamento, a FFT alega que a Comissão não demonstrou que a decisão antecipativa em causa era suscetível de falsear a concorrência.

95      O segundo fundamento, que se divide igualmente em duas partes, é relativo à violação do artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE. A Comissão não cumpriu o seu dever de fundamentação ao não explicar, na decisão impugnada, como extraiu o princípio da plena concorrência do direito da União e em quê este princípio consiste (primeira parte). Em seguida, a Comissão não expôs os motivos pelos quais considerou que a decisão antecipativa em causa falseava a concorrência (segunda parte).

96      O terceiro fundamento é relativo à violação do princípio da segurança jurídica. A FFT alega que a definição do princípio da plena concorrência acolhida pela Comissão cria uma insegurança jurídica e uma confusão relativamente às condições em que uma decisão antecipativa é suscetível de violar as regras que enquadram os auxílios de Estado.

97      O quarto fundamento é relativo à violação do princípio da proteção da confiança legítima, uma vez que a Comissão não avaliou a decisão antecipativa em causa à luz das regras pertinentes adotadas pela OCDE.

98      Resulta da exposição de todas as constatações precedentes que o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a FFT invocam, embora numa ordem diferente, cinco séries de fundamentos, relativos, em substância:

–        para a primeira série, à violação dos artigos 4.o e 5.o TUE, na medida em que a análise da Comissão conduziu a uma harmonização fiscal disfarçada (terceira parte do primeiro fundamento no processo T‑755/15);

–        para a segunda, à violação do artigo 107.o TFUE, do dever de fundamentação previsto no artigo 296.o TFUE e dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima, na medida em que a Comissão considerou que a decisão antecipativa em causa concedia uma vantagem, designadamente, pelo facto de esta decisão não ser conforme com o princípio da plena concorrência (segunda parte do primeiro fundamento e primeira parte do segundo fundamento no processo T‑755/15, segunda e terceira alegações da primeira parte do primeiro fundamento, primeira parte do segundo fundamento, terceiro fundamento e quarto fundamento no processo T‑759/15);

–        para a terceira, à violação do artigo 107.o TFUE, na medida em que a Comissão declarou a seletividade desta vantagem (primeira parte do primeiro fundamento no processo T‑755/15 e primeira alegação da primeira parte do primeiro fundamento no processo T‑759/15);

–        para a quarta, à violação do artigo 107.o TFUE e do dever de fundamentação previsto no artigo 296.o TFUE, na medida em que a Comissão constatou que a medida em causa restringia a concorrência e falseava as trocas comerciais entre Estados‑Membros (segunda parte do segundo fundamento no processo T‑755/15 e segunda parte dos primeiro e segundo fundamentos no processo T‑759/15);

–        para a quinta, à violação do princípio da segurança jurídica e dos direitos de defesa, na medida em que a Comissão ordenou a recuperação do auxílio em causa (terceiro fundamento no processo T‑759/15).

99      O Tribunal Geral examinará os fundamentos na ordem das respetivas séries mencionadas no n.o 98, supra.

C.      Quanto à primeira série de fundamentos, relativos à violação dos artigos 4.o e 5.o TUE, na medida em que a Comissão procedeu a uma harmonização fiscal disfarçada

100    O Grão‑Ducado do Luxemburgo alega, em substância, que a Comissão excedeu as suas competências e violou os artigos 4.o e 5.o TUE ao proceder a uma harmonização fiscal disfarçada, quando a fiscalidade direta é da exclusiva competência dos Estados‑Membros, nos termos do artigo 114.o TFUE. O Grão‑Ducado do Luxemburgo acrescenta que a Comissão se erigiu em «secção de recurso das administrações fiscais» nacionais, ao fiscalizar se a decisão antecipativa em causa tinha um caráter anormal à luz do direito luxemburguês e da OCDE.

101    A Irlanda entende que a decisão impugnada viola a repartição das competências entre a União e os Estados‑Membros, instituída, designadamente, pelo artigo 3.o, n.o 6, TUE e pelo artigo 5.o, n.os 1 e 2, TUE, sendo a tributação direta da competência exclusiva dos Estados‑Membros. A Irlanda considera, assim, que a Comissão procedeu a uma harmonização disfarçada.

102    A Comissão contesta esta argumentação.

103    Em substância, as partes se opõem quanto à questão de saber se a Comissão violou as regras de atribuição de competências, na medida em que, na decisão impugnada, procedeu a uma harmonização fiscal disfarçada.

104    A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, embora, na atual fase de desenvolvimento do direito da União, a fiscalidade direta seja da competência dos Estados‑Membros, estes devem, todavia, exercer essa competência no respeito do direito da União (v. Acórdão de 12 de julho de 2012, Comissão/Espanha, C‑269/09, EU:C:2012:439, n.o 47 e jurisprudência referida). Assim, as intervenções dos Estados‑Membros nos domínios que não foram objeto de harmonização na União Europeia, tais como a fiscalidade direta, não estão excluídas do âmbito de aplicação da regulamentação relativa à fiscalização dos auxílios de Estado. Por conseguinte, a Comissão pode qualificar uma medida fiscal de auxílio de Estado, desde que estejam reunidas as condições para essa qualificação (v., neste sentido, Acórdãos de 2 de julho de 1974, Itália/Comissão, 173/73, EU:C:1974:71, n.o 28; de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão, C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416, n.o 81, e de 25 de março de 2015, Bélgica/Comissão, T‑538/11, EU:T:2015:188, n.os 65 e 66).

105    É certo que, não existindo normas da União na matéria, é da competência dos Estados‑Membros a determinação das bases tributáveis e a repartição da carga fiscal entre os diferentes fatores de produção e os diferentes setores económicos (v., neste sentido, Acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido, C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732, n.o 97).

106    No entanto, isto não implica que toda a medida fiscal, que afeta, designadamente, a base tributável tida em conta pelas Autoridades Fiscais, escape à aplicação do artigo 107.o TFUE. Com efeito, se tal medida provocar, de facto, uma discriminação entre sociedades que se encontram numa situação comparável à luz do objetivo prosseguido por essa medida fiscal e, por esse motivo, conferir aos beneficiários da medida vantagens seletivas que favorecem «certas» empresas ou «certas» produções, poderá ser considerada um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido, C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732, n.o 104).

107    Decorre do que precede que, sendo a Comissão competente para velar pelo respeito do artigo 107.o TFUE, não pode ser acusada de ter excedido as suas competências ao examinar a decisão antecipativa em causa, a fim de verificar se esta constituía um auxílio de Estado e, na afirmativa, se era compatível com o mercado interno, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

108    Por conseguinte, o Grão‑Ducado do Luxemburgo sustenta erradamente que a Comissão se erigiu em secção de recurso fiscal do Grão‑Ducado do Luxemburgo, uma vez que a Comissão se limitou a exercer as suas competências ao abrigo do artigo 107.o TFUE, ao examinar a questão de saber se a decisão antecipativa em causa era conforme com o direito dos auxílios de Estado.

109    Nestas circunstâncias, há que concluir que a Comissão não violou os artigos 4.o e 5.o TUE, nem o artigo 114.o TFUE, ao adotar a decisão impugnada.

110    Esta conclusão não é infirmada pelos argumentos do Grão‑Ducado do Luxemburgo e da Irlanda.

111    Em primeiro lugar, na medida em que o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Irlanda alegam que a Comissão procedeu a uma harmonização fiscal disfarçada ao ignorar as regras luxemburguesas, a fim de concluir que o cálculo do imposto não era conforme com o princípio da plena concorrência, e ao invocar regras que não fazem parte do sistema fiscal luxemburguês, este argumento deve ser rejeitado.

112    Com efeito, é certo que decorre da jurisprudência exposta no n.o 105, supra, que a Comissão não dispõe, nesta fase do desenvolvimento do direito da União, de uma competência que lhe permita definir de forma autónoma a tributação dita «normal» de uma empresa integrada, fazendo abstração das regras fiscais nacionais.

113    Todavia, embora a tributação dita «normal» seja definida pelas normas fiscais nacionais e a própria existência de uma vantagem deva ser estabelecida em relação à mesma, não é menos verdade que, conforme recordado no n.o 106, supra, uma medida fiscal que afeta a matéria coletável tida em conta pelas Autoridades Fiscais possa ser abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Assim, ao examinar a conformidade da decisão antecipativa em causa com as regras em matéria de auxílio de Estado, a Comissão não procedeu a nenhuma «harmonização fiscal», mas exerceu a competência que lhe era conferida pelo artigo 107.o, n.o 1, TFUE, verificando, nomeadamente, num caso concreto, se a referida decisão antecipativa conferia ao seu beneficiário uma vantagem em relação à tributação dita «normal», tal como definida pelo direito fiscal nacional.

114    Em segundo lugar, o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Irlanda alegam que a decisão impugnada cria uma «insegurança jurídica total», não só nos Estados‑Membros, mas também em Estados terceiros, que essa medida foi vivamente criticada, designadamente, pelos dirigentes dos Estados Unidos da América, que se trata de uma «estreia» que é ilegal e que leva a que os Estados‑Membros notifiquem todas as suas decisões antecipativas e a que sejam postas em causa as decisões antecipativas existentes. Estes argumentos devem ser rejeitados.

115    Por um lado, não resulta da decisão impugnada que a Comissão tenha considerado que toda e qualquer decisão antecipativa constituía necessariamente um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o TFUE. Com efeito, desde que não conceda nenhuma vantagem seletiva, nomeadamente, na medida em que não conduz a uma redução da carga fiscal do seu beneficiário ao derrogar as regras de tributação «normais», tal decisão antecipativa não constitui um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o TFUE e não está sujeita ao dever de notificação previsto no artigo 2.o do Regulamento 2015/1589.

116    Por outro lado, contrariamente ao que sustentam o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Irlanda, a decisão impugnada não é suscetível de criar uma «insegurança jurídica total» nos Estados‑Membros ou em Estados terceiros. Com efeito, trata‑se apenas da aplicação à decisão antecipativa em causa dos artigos 107.o e 108.o TFUE, segundo os quais uma medida pública que constitui um auxílio incompatível com o mercado interno é proibida e deve ser recuperada.

117    Decorre de tudo o que precede que o fundamento que visa demonstrar que a Comissão procedeu a uma harmonização fiscal disfarçada deve ser julgado improcedente.

D.      Quanto à segunda série de fundamentos, relativos à inexistência de uma vantagem

1.      Observações preliminares

118    A título preliminar, importa recordar que, segundo a jurisprudência, a qualificação de auxílio de Estado exige que todos os requisitos previstos no artigo 107.o TFUE estejam preenchidos. Assim, foi estabelecido que, para que uma medida possa ser qualificada de auxílio de Estado, na aceção desta disposição, em primeiro lugar, deve tratar‑se de uma intervenção do Estado ou com recursos estatais, em segundo lugar, essa intervenção deve ser suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros, em terceiro lugar, deve conceder uma vantagem seletiva ao seu beneficiário e, em quarto lugar, deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência (v. Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/Hansestadt Lübeck, C‑524/14 P, EU:C:2016:971, n.o 40 e jurisprudência referida).

119    No caso em apreço, há que salientar que, conforme resulta dos n.os 21 a 37, supra, na decisão impugnada, a Comissão examinou concomitantemente os dois critérios da existência de uma vantagem e da seletividade da medida em causa.

120    Mais especificamente, por um lado e a título principal, a Comissão considerou que a decisão antecipativa em causa conferia uma vantagem seletiva à FFT, à luz do sistema geral do imposto sobre as sociedades do Luxemburgo, pelo facto de a metodologia adotada na referida decisão antecipativa não ser conforme com o princípio da plena concorrência, que fazia necessariamente parte da apreciação pela Comissão, ao abrigo do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, das medidas fiscais concedidas às sociedades de um grupo, independentemente da questão de saber se um Estado‑Membro tinha incorporado este princípio no seu sistema jurídico nacional, e segundo o qual as transações intragrupo deveriam ter sido remuneradas como se tivessem sido negociadas entre empresas independentes (a seguir «princípio da plena concorrência, conforme descrito pela Comissão na decisão impugnada») (v. considerandos 219 a 231 da decisão impugnada e, designadamente, considerando 228 da referida decisão). A Comissão expôs então, nos considerandos 234 a 311 da decisão impugnada, o seu raciocínio segundo o qual o método de determinação do lucro tributável da FFT, aprovado pela decisão antecipativa em causa, não permitia chegar a uma aproximação fiável de um resultado obtido em condições de mercado (resultado de plena concorrência).

121    Por outro lado, a título subsidiário, a Comissão considerou que a decisão antecipativa em causa conferia uma vantagem à FFT pelo facto de derrogar o artigo 164.o, n.o 3, do Código dos Impostos e a Circular, que instituem o princípio da plena concorrência no direito luxemburguês (v. considerandos 316 e 317 da decisão impugnada). A Comissão remeteu então para a sua análise, segundo a qual o método validado na decisão antecipativa em causa não permitia chegar a uma aproximação fiável de um resultado de mercado, tal como efetuada no âmbito do seu raciocínio principal (v. considerandos 234 a 311 da decisão impugnada).

122    A abordagem da Comissão que consiste em examinar concomitantemente os critérios da vantagem e da seletividade não é, em si, errada, uma vez que, como observa a Comissão, tanto a vantagem como o seu caráter seletivo são analisados. No entanto, o Tribunal Geral entende que é oportuno apreciar, em primeiro lugar, se a Comissão podia legitimamente concluir pela existência de uma vantagem, antes de proceder, sendo caso disso, à análise da questão de saber se essa vantagem devia ser considerada seletiva.

123    A este respeito, há que salientar que, apesar de certos argumentos suscitados pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo e pela FFT, nomeadamente os expostos na segunda parte do primeiro fundamento do Grão‑Ducado do Luxemburgo, serem apresentados como sendo referentes à seletividade da medida em causa, o Tribunal Geral considera que se destinam também a que seja constatado que a Comissão considerou erradamente que a medida em causa conferia uma vantagem à FFT. O Tribunal Geral examinará, portanto, os argumentos invocados no âmbito da segunda parte do primeiro fundamento do Grão‑Ducado do Luxemburgo conjuntamente com os fundamentos destinados a contestar a conclusão da Comissão de que a decisão antecipativa em causa conferiu uma vantagem à FFT.

124    À luz destas observações, o Tribunal Geral examinará os fundamentos suscitados em apoio da argumentação segundo a qual a FFT não beneficiou de uma vantagem, distinguindo, num primeiro momento, as alegações formuladas contra o raciocínio da Comissão exposto a título principal e, num segundo momento, as relativas ao raciocínio exposto a título subsidiário. Por último, num terceiro momento, o Tribunal Geral examinará a alegação formulada pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo segundo a qual a Comissão não provou a existência de uma vantagem ao nível do grupo Fiat/Chrysler.

2.      Quanto ao raciocínio a título principal da Comissão, segundo o qual a decisão antecipativa em causa derrogava o sistema geral do imposto sobre as sociedades do Luxemburgo

125    Os fundamentos invocados pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo e pela FFT destinados a contestar a análise da vantagem, efetuada a título principal pela Comissão, podem resumir‑se do seguinte modo. Em primeiro lugar, o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a FFT, apoiados pela Irlanda, contestam a existência do princípio da plena concorrência tal como descrito pela Comissão na decisão impugnada e a aplicação que dele é feita enquanto critério de apreciação da existência de uma vantagem seletiva. Em segundo lugar, o Grão‑Ducado do Luxemburgo contesta a conclusão da Comissão de que o método validado pela decisão antecipativa em causa, para determinar o montante de tributação que a FFT teve de pagar, não é conforme com o princípio da plena concorrência.

a)      Quanto aos fundamentos relativos a um erro na aplicação do princípio da plena concorrência no domínio da fiscalização dos auxílios de Estado

126    Em substância, o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a FFT acusam a Comissão de ter identificado um princípio da plena concorrência próprio do direito da União, em violação da autonomia fiscal dos Estados‑Membros, e de ter examinado a decisão antecipativa em causa à luz desse princípio, sem ter em conta o direito luxemburguês. O Grão‑Ducado do Luxemburgo e a FFT alegam igualmente que, ao aplicar o princípio da plena concorrência, conforme descrito na decisão impugnada, a Comissão violou os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima, e não cumpriu o seu dever de fundamentação.

127    A Comissão contesta esta argumentação.

128    Há que recordar que, nos considerandos 219 a 231 da decisão impugnada, a Comissão expôs que podia examinar, a fim de constatar a existência de uma vantagem seletiva, se uma decisão antecipativa, como a que está em causa, se afastava do princípio da plena concorrência, conforme descrito na decisão impugnada. A Comissão precisou então os contornos do referido princípio da plena concorrência.

129    Antes de mais, importa salientar que, conforme resulta, designadamente, dos considerandos 216, 231 e 311 da decisão impugnada, o exame à luz do princípio da plena concorrência, conforme descrito pela Comissão na decisão impugnada, se inscreve no âmbito da sua análise da vantagem seletiva efetuada a título principal. Como decorre dos considerandos 216, 219 e 301 da decisão impugnada, esta análise consiste em examinar se a decisão antecipativa em causa derroga o sistema geral do imposto sobre as sociedades do Luxemburgo. A este respeito, há que realçar que a Comissão indicou previamente, nos considerandos 194 a 199 da decisão impugnada, que o objetivo do sistema geral do imposto sobre as sociedades do Luxemburgo era tributar os lucros de todas as sociedades residentes no Luxemburgo, independentemente de estarem ou não integradas, e que estes dois tipos de sociedades se encontram numa situação factual e jurídica semelhante à luz desse objetivo.

130    No que respeita à definição do princípio da plena concorrência, a Comissão afirmou nos considerandos 222 e 225 da decisão impugnada que, de acordo com este princípio, as transações intragrupo deveriam ser remuneradas como se tivessem sido negociadas entre empresas independentes. A Comissão acrescentou, no considerando 226 da decisão impugnada, que o objetivo do referido princípio era assegurar que as transações intragrupo fossem tratadas, para efeitos fiscais, tendo em conta o montante do lucro que teria sido gerado se a transação tivesse sido realizada por empresas autónomas. Aliás, a Comissão sustentou na audiência que o princípio da plena concorrência era, em seu entender, um instrumento para a apreciação do nível de preços das transações intragrupo.

131    No que respeita à natureza jurídica do princípio da plena concorrência, a Comissão entendeu, no considerando 228 da decisão impugnada, que o princípio da plena concorrência fazia necessariamente parte da análise, no âmbito do artigo 107.o TFUE, das medidas fiscais concedidas às sociedades de um grupo, independentemente da questão de saber se o Estado‑Membro tinha incorporado esse princípio no seu sistema jurídico nacional. A Comissão precisou que o princípio da plena concorrência que aplicava era um princípio geral de igualdade de tratamento em matéria de tributação, que era abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 107.o TFUE. A Comissão baseou esta conclusão no Acórdão de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão (C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416), referente ao regime fiscal dos centros de coordenação na Bélgica, no qual o Tribunal de Justiça considerou que o método de determinação dos rendimentos tributáveis previsto pelo referido regime conferia uma vantagem seletiva aos referidos centros. Mais especificamente, a Comissão remete para o n.o 96 do referido acórdão, no qual o Tribunal de Justiça considerou que o método de determinação dos rendimentos tributáveis dos referidos centros «não permite obter preços de transferência próximos dos que [er]am praticados em condições de livre concorrência».

132    No que respeita à aplicação do princípio da plena concorrência, no considerando 227 da decisão impugnada, a Comissão indicou que, «[c]onsequentemente, para apreciar se o [Grão‑Ducado do] Luxemburgo [tinha] conced[ido] uma vantagem seletiva à FFT, a Comissão dev[ia] verificar se o método aprovado pela Administração Fiscal luxemburguesa através [da decisão antecipativa em causa] para efeitos da determinação dos lucros tributáveis da FFT no Luxemburgo se afast[ava] de um método que resulta[sse] numa aproximação fiável de um resultado baseado no mercado e, por conseguinte, do princípio da plena concorrência». A Comissão acrescentou, no considerando 228 da decisão impugnada, que o princípio da plena concorrência era aplicado para determinar se o lucro tributável de uma sociedade pertencente a um grupo, para efeitos de cálculo do imposto sobre as sociedades, tinha sido calculado aplicando um método que se aproximava das condições de mercado, por forma a que essa sociedade não beneficiasse de um tratamento mais favorável, em aplicação do sistema geral do imposto sobre as sociedades, do que aquele que estava reservado às sociedades não integradas cujos lucros tributáveis eram determinados pelo mercado.

133    Por conseguinte, importa apreciar se a Comissão podia analisar a medida em causa à luz do princípio da plena concorrência, conforme descrito na decisão impugnada e exposto nos n.os 130 a 132, supra, que consiste em verificar se as transações intragrupo são remuneradas como se tivessem sido negociadas em condições de mercado.

134    Conforme exposto no n.o 104, supra, segundo jurisprudência constante, embora, na atual fase de desenvolvimento do direito da União, a fiscalidade direta seja da competência dos Estados‑Membros, estes devem, todavia, exercer essa competência no respeito do direito da União (v. Acórdão de 12 de julho de 2012, Comissão/Espanha, C‑269/09, EU:C:2012:439, n.o 47 e jurisprudência referida). Assim, as intervenções dos Estados‑Membros em matéria de fiscalidade direta, ainda que incidam sobre questões que não foram objeto de harmonização na União, não estão excluídas do âmbito de aplicação da regulamentação relativa à fiscalização dos auxílios de Estado.

135    Decorre daí que a Comissão pode qualificar uma medida fiscal de auxílio de Estado, desde que estejam reunidas as condições para essa qualificação (v., neste sentido, Acórdãos de 2 de julho de 1974, Itália/Comissão, 173/73, EU:C:1974:71, n.o 28; e de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão, C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416, n.o 81). Com efeito, os Estados‑Membros devem exercer a sua competência em matéria fiscal em conformidade com o direito da União (Acórdão de 3 de junho de 2010, Comissão/Espanha, C‑487/08, EU:C:2010:310, n.o 37). Por conseguinte, os Estados‑Membros devem abster‑se de tomar, neste contexto, qualquer medida suscetível de constituir um auxílio de Estado incompatível com o mercado interno.

136    Ora, no que respeita ao requisito segundo o qual a medida em causa deve conceder uma vantagem económica, há que recordar, que segundo jurisprudência constante, são considerados auxílios de Estado as intervenções que, independentemente da forma que assumam, sejam suscetíveis de favorecer direta ou indiretamente empresas, ou que devam ser consideradas uma vantagem económica que a empresa beneficiária não teria obtido em condições normais de mercado (v. Acórdão de 2 de setembro de 2010, Comissão/Deutsche Post, C‑399/08 P, EU:C:2010:481, n.o 40 e jurisprudência referida; Acórdão de 9 de outubro de 2014, Ministerio de Defensa e Navantia, C‑522/13, EU:C:2014:2262, n.o 21).

137    Mais especificamente, uma medida através da qual as autoridades públicas concedem a determinadas empresas um tratamento fiscal vantajoso que, ainda que não implique uma transferência de recursos do Estado, coloca os beneficiários numa situação financeira mais favorável do que a dos outros contribuintes, constitui um auxílio de Estado, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (Acórdão de 15 de março de 1994, Banco Exterior de España, C‑387/92, EU:C:1994:100, n.o 14; v., igualmente, Acórdão de 8 de setembro de 2011, Paint Graphos e o., C‑78/08 a C‑80/08, EU:C:2011:550, n.o 46 e jurisprudência referida).

138    No caso das medidas fiscais, a própria existência de uma vantagem só pode ser estabelecida em relação a uma imposição dita «normal» (Acórdão de 6 de setembro de 2006, Portugal/Comissão, C‑88/03, EU:C:2006:511, n.o 56). Por conseguinte, tal medida confere uma vantagem económica ao seu beneficiário sempre que aliviar os encargos que normalmente oneram o orçamento de uma empresa e que, deste modo, sem ser uma subvenção no sentido estrito da palavra, tiver a mesma natureza e efeitos idênticos (Acórdão de 9 de outubro de 2014, Ministerio de Defensa e Navantia, C‑522/13, EU:C:2014:2262, n.o 22).

139    Consequentemente, para determinar se existe uma vantagem fiscal, há que comparar a situação do beneficiário resultante da aplicação da medida em causa com a situação dele na falta da medida em causa (v., neste sentido, Acórdão de 26 de abril de 2018, Cellnex Telecom e Telecom Castilla‑La Mancha/Comissão, C‑91/17 P e C‑92/17 P, não publicado, EU:C:2018:284, n.o 114) e com a aplicação das regras normais de tributação.

140    No contexto da determinação da situação fiscal de uma sociedade integrada que faz parte de um grupo de empresas, há que salientar, desde já, que os preços das transações intragrupo efetuadas por esta sociedade não são determinados em condições de mercado. Com efeito, esses preços são acordados entre sociedades pertencentes ao mesmo grupo, pelo que não estão sujeitos às forças do mercado.

141    Ora, quando o direito fiscal nacional não faz nenhuma distinção entre as empresas integradas e as empresas autónomas para efeitos de sujeição ao imposto sobre as sociedades, esse direito pretende tributar o lucro resultante da atividade económica de uma empresa integrada como se resultasse de transações efetuadas a preços de mercado. Nestas circunstâncias, há que constatar que, quando examina, no âmbito da competência que lhe é atribuída pelo artigo 107.o, n.o 1, TFUE, uma medida fiscal concedida a uma empresa integrada, a Comissão pode comparar a carga fiscal dessa empresa integrada que resulta da aplicação da referida medida fiscal com a carga fiscal que resulta da aplicação das regras normais de tributação do direito nacional de uma empresa, colocada numa situação factual comparável, que exerce as suas atividades em condições de mercado.

142    Aliás, como salientou com razão a Comissão na decisão impugnada, estas conclusões são corroboradas pelo Acórdão de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão (C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416), referente ao direito fiscal belga, que previa que as sociedades integradas e as sociedades autónomas fossem tratadas nas mesmas condições. Com efeito, o Tribunal de Justiça reconheceu, no n.o 95 desse acórdão, a necessidade de comparar um regime de auxílios derrogatório com o do «direito comum baseado na diferença entre receitas e despesas de uma empresa que exerça as suas atividades em condições de livre concorrência».

143    Neste contexto, se, através da referida medida fiscal concedida a uma sociedade integrada, as autoridades nacionais aceitaram um determinado nível de preços de uma transação intragrupo, o artigo 107.o, n.o 1, TFUE permite à Comissão fiscalizar se esse nível de preços corresponde ao que teria sido praticado em condições de mercado, a fim de verificar se daí resulta um alívio dos encargos que normalmente oneram o orçamento da empresa em causa, conferindo‑lhe assim uma vantagem na aceção do referido artigo. O princípio da plena concorrência, conforme descrito pela Comissão na decisão impugnada, constitui então um instrumento que permite efetuar essa verificação no âmbito do exercício das suas competências ao abrigo do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Aliás, a Comissão precisou, com razão, no considerando 225 da decisão impugnada que o princípio da plena concorrência intervinha como um «critério de referência» para determinar se uma sociedade integrada beneficiava, ao abrigo de uma medida fiscal que determina os seus preços de transferência, de uma vantagem na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

144    Além disso, há que precisar que, quando aplica este instrumento, a fim de fiscalizar se o lucro tributável de uma empresa integrada em aplicação de uma medida fiscal corresponde a uma aproximação fiável de um lucro tributável gerado em condições de mercado, a Comissão pode constatar a existência de uma vantagem na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, apenas na condição de a discrepância entre os dois fatores de comparação ir além das imprecisões inerentes ao método aplicado para obter a referida aproximação.

145    No caso em apreço, a decisão antecipativa em causa tem por objeto a determinação da remuneração da FFT pelas suas atividades de financiamento intragrupo e de tesouraria a fim de estabelecer o seu lucro tributável ao abrigo do Código dos Impostos luxemburguês, que, independentemente da questão de saber se as regras normais de tributação devem ser definidas de forma ampla ou restrita, tende a que as empresas integradas e as empresas autónomas no Luxemburgo sejam tributadas do mesmo modo no que se refere ao imposto sobre as sociedades. A Comissão podia, portanto, verificar se o lucro tributável da FFT em aplicação da decisão antecipativa em causa era inferior à carga fiscal da FFT na falta da referida decisão antecipativa e em aplicação das regras normais de tributação do direito luxemburguês. Dado que a FFT é uma empresa integrada e que o Código dos Impostos luxemburguês visa tributar o lucro que provém da atividade económica dessa empresa integrada como se ele resultasse de transações efetuadas a preços de mercado, há que comparar, no âmbito do exame da decisão antecipativa em causa, o lucro tributável da FFT resultante da aplicação da referida decisão antecipativa com a situação, resultante da aplicação das regras normais de tributação do direito luxemburguês, de uma empresa, numa situação factual comparável, que exerce as suas atividades em condições de livre concorrência. Neste âmbito, se a decisão antecipativa em causa aceitar um determinado nível de preços para as transações intragrupo, há que fiscalizar se esse nível de preços corresponde ao que teria sido praticado em condições de mercado.

146    Neste contexto, importa precisar que, no que respeita ao exame da questão de saber se uma empresa integrada obteve uma vantagem na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, não se pode censurar a Comissão por ter utilizado um método de determinação dos preços de transferência que considera apropriado no caso vertente, a fim de examinar o nível dos preços de transferência para uma transação ou várias transações estreitamente ligadas, que faz parte da medida controvertida. No entanto, cabe à Comissão justificar a sua escolha metodológica.

147    Embora a Comissão tenha referido, com razão, que não está formalmente vinculada pelas Orientações da OCDE, não é menos verdade que estas orientações se baseiam em trabalhos importantes realizados por grupos de peritos de renome, refletem o consenso alcançado à escala internacional em relação aos preços de transferência e revestem, deste modo, uma importância prática indubitável na interpretação das questões relativas aos preços de transferência, como reconheceu a Comissão no considerando 87 da decisão impugnada.

148    Por conseguinte, a Comissão considerou com razão que podia examinar, no âmbito da sua análise, nos termos do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, se as transações intragrupo eram remuneradas como se tivessem sido negociadas em condições de mercado. Esta conclusão não é posta em causa pelos outros argumentos do Grão‑Ducado do Luxemburgo e da FFT.

149    Em primeiro lugar, no que respeita ao argumento da FFT segundo o qual a Comissão não indicou nenhum fundamento jurídico para o seu princípio da plena concorrência, há que salientar, na verdade, que, nos considerandos 228 e 229 da decisão impugnada, a Comissão expôs que o princípio da plena concorrência, conforme descrito na decisão impugnada, existia independentemente da incorporação desse princípio no sistema jurídico nacional. A Comissão também precisou que não examinou se a decisão antecipativa em causa respeitava o princípio da plena concorrência previsto no artigo 164.o, n.o 3, do Código dos Impostos ou na Circular, que incorporam esse princípio no direito luxemburguês. Do mesmo modo, a Comissão afirmou que o princípio da plena concorrência que aplica era distinto do princípio consagrado no artigo 9.o do Modelo de Convenção da OCDE.

150    Todavia, a Comissão também especificou, no considerando 228 da decisão impugnada, que o princípio da plena concorrência fazia necessariamente parte do exame, nos termos do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, das medidas fiscais concedidas às sociedades de um grupo e que este princípio era um princípio geral de igualdade de tratamento em matéria de tributação, que era abrangido pela aplicação do artigo 107.o TFUE.

151    Resulta, portanto, da decisão impugnada que o princípio da plena concorrência, conforme descrito pela Comissão, é um instrumento utilizado, legalmente, no âmbito do exame feito ao abrigo do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

152    É certo que, na audiência, a Comissão sustentou que o princípio da plena concorrência, conforme descrito na decisão impugnada, não era abrangido pelo direito da União, nem pelo direito internacional, mas que era inerente ao sistema comum de tributação, tal como previsto pelo direito nacional. Assim, segundo a Comissão, se um Estado‑Membro optar, no âmbito do seu sistema fiscal nacional, pela abordagem da entidade jurídica distinta, segundo a qual o direito fiscal se prende com as entidades jurídicas e não com as entidades económicas, o princípio da plena concorrência é necessariamente um corolário dessa abordagem, que tem valor vinculativo no Estado‑Membro em causa, independentemente da questão de saber se o princípio da plena concorrência foi, explicitamente ou implicitamente, incorporado no direito nacional.

153    A este respeito, o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a FTT indicaram na audiência que, com essas afirmações, a Comissão parecia alterar a sua posição referente ao princípio da plena concorrência, conforme descrito na decisão impugnada. No entanto, supondo que a interpretação avançada pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo e pela FFT seja confirmada, há que salientar, de qualquer modo, que a Comissão não pode alterar, na fase da audiência, a base jurídica do princípio da plena concorrência tal como exposta na decisão impugnada (v., neste sentido, Acórdão de 25 de junho de 1998, British Airways e o./Comissão, T 371/94 e T 394/94, EU:T:1998:140, n.o 116). Seja como for, há que referir que a precisão feita na audiência não põe em causa a constatação, no n.o 151, supra, de que decorre da decisão impugnada que o princípio da plena concorrência intervém no âmbito do exame feito ao abrigo do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Aliás, resulta de todos os articulados do Grão‑Ducado do Luxemburgo e da FTT que estes entenderam corretamente a decisão impugnada, no sentido de que o princípio da plena concorrência, conforme descrito pela Comissão na decisão impugnada, intervém no âmbito do exame de uma medida fiscal nacional ao abrigo do artigo 107.o, n.o 1, TFUE

154    Portanto, há que rejeitar o argumento da FFT segundo o qual a Comissão não indicou nenhum fundamento jurídico para o princípio da plena concorrência, conforme descrito na decisão impugnada.

155    Em segundo lugar, na medida em que a FFT alega que a Comissão não especificou o conteúdo do princípio da plena concorrência, conforme descrito na decisão impugnada, basta constatar que decorre da decisão impugnada que este é um instrumento que permite fiscalizar se as transações intragrupo são remuneradas como se tivessem sido negociadas entre empresas independentes (v. n.o 151, supra). Por conseguinte, há que rejeitar esse argumento.

156    Em terceiro lugar, o Grão‑Ducado do Luxemburgo critica, em substância, a Comissão por ter examinado a decisão antecipativa em causa à luz do princípio da plena concorrência, conforme descrito na decisão impugnada, quando este é um critério alheio ao direito fiscal luxemburguês. O Grão‑Ducado do Luxemburgo sustenta que o princípio da plena concorrência, conforme descrito pela Comissão na decisão impugnada, permite que a Comissão prescreva normas metodológicas para efeitos de determinação do lucro tributável que não constam da legislação nacional, tendo por consequência uma harmonização disfarçada em matéria de fiscalidade direta que viola a autonomia fiscal dos Estados‑Membros. Todavia, este argumento deve ser rejeitado.

157    Com efeito, a este respeito, basta recordar, conforme referido no n.os 138 e 141, supra, que, embora a tributação dita «normal» seja definida pelas normas fiscais nacionais e a própria existência de uma vantagem deva ser estabelecida em relação às mesmas, não é menos verdade que, se for previsto por essas normas nacionais que as sociedades integradas são tributadas nas mesmas condições que as sociedades autónomas, o artigo 107.o, n.o 1, TFUE permite à Comissão fiscalizar se o nível de preços das transações intragrupo, aceite pelas autoridades nacionais para a determinação da matéria coletável de uma empresa integrada, corresponde ao nível de preços que teria sido praticado em condições de plena concorrência.

158    Por conseguinte, ao examinar se o método validado por uma medida fiscal nacional conduz a um resultado que foi estabelecido em conformidade com o princípio da plena concorrência, conforme definido no n.o 151, supra, a Comissão não excede as suas competências.

159    Além disso, na medida em que o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a FFT sustentam que a Comissão fez uma apreciação à luz do princípio da plena concorrência, sem examinar a existência de uma vantagem através do direito fiscal nacional, basta salientar que resulta claramente dos considerandos 231, 266, 276, 291, 301 e 339 da decisão impugnada que a Comissão examinou se a decisão antecipativa em causa conduzia a uma redução da carga fiscal da FFT em relação à que deveria ter normalmente suportado em aplicação das regras de tributação luxemburguesas. Por conseguinte, a Comissão procurou efetivamente examinar se a decisão antecipativa em causa tinha resultado numa redução da carga fiscal em aplicação das normas jurídicas nacionais. Embora tenha efetuado, neste contexto, o seu exame à luz do princípio da plena concorrência, a Comissão utilizou este princípio, conforme referido no n.o 151, supra, como instrumento que lhe permitia verificar se o nível dos preços de transferência da FFT tinha sido artificialmente diminuído em relação a uma situação em que os preços tivessem sido fixados segundo as condições de mercado. Por conseguinte, o argumento de que a Comissão substituiu as regras do direito fiscal luxemburguês por uma norma estrangeira deve ser rejeitado.

160    Em quarto lugar, a FFT e a Irlanda alegam, em substância, que a Comissão afirmou indevidamente, na decisão impugnada, a existência de um princípio geral de igualdade de tratamento em matéria de tributação.

161    É certo que a Comissão indicou, no considerando 228 da decisão impugnada, que o princípio da plena concorrência era um princípio geral de igualdade de tratamento em matéria de tributação, que era abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. No entanto, essa formulação não deve ser isolada do seu contexto e não pode ser interpretada no sentido de que a Comissão teria afirmado a existência de um princípio geral de igualdade de tratamento perante o imposto inerente ao artigo 107.o, n.o 1, TFUE, o que daria um alcance demasiado amplo ao referido artigo.

162    De qualquer modo, resulta implicitamente, mas necessariamente, dos considerandos 222 a 231 da decisão impugnada, e em especial dos considerandos 226 e 229 dessa decisão, que o princípio da plena concorrência, conforme descrito pela Comissão na decisão impugnada, foi apenas entendido por esta como um instrumento que lhe permite fiscalizar que as transações intragrupo são remuneradas como se tivessem sido negociadas entre empresas independentes. O argumento da FFT e da Irlanda não pode pôr em causa a conclusão tirada no n.o 146, supra, de que a Comissão podia examinar, no âmbito da sua análise ao abrigo do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, se as transações intragrupo eram remuneradas como se tivessem sido negociadas em condições de mercado.

163    Por conseguinte, há que rejeitar o argumento da FFT e da Irlanda a este respeito.

164    Em quinto lugar, a FFT acusa a Comissão de se ter afastado, na decisão impugnada, da conceção do princípio da plena concorrência que tinha adotado na decisão de início do procedimento formal de investigação. A FTT alega, a este propósito, que a Comissão fez referência, nos n.os 14 e 62 da decisão de início do procedimento formal de investigação, ao artigo 9.o do Modelo de Convenção da OCDE.

165    A este respeito, importa salientar que a FFT não retira nenhuma consequência jurídica da sua alegação de que o princípio da plena concorrência, conforme descrito pela Comissão na decisão impugnada, é diferente do princípio da plena concorrência a que a Comissão se referiu na decisão de início do procedimento. Por conseguinte, este argumento deve ser julgado inoperante.

166    De qualquer modo, este argumento também deve ser julgado improcedente.

167    Com efeito, por um lado, embora a Comissão se tenha referido, no n.o 14 da decisão de início do procedimento formal de investigação, ao «princípio da plena concorrência, conforme enunciado no artigo 9.o [do Modelo de Convenção da OCDE]», esta referência foi feita no âmbito da secção intitulada «Introdução às decisões fiscais em matéria de preços de transferência». Não resulta do n.o 14 da decisão de início do procedimento, invocado pela FFT, que a Comissão tenha baseado a sua avaliação provisória no artigo 9.o do Modelo de Convenção da OCDE. De igual modo, embora a Comissão se tenha referido, no considerando 62 da decisão de início do procedimento, invocado pela FFT, às Orientações da OCDE, estas são apenas apresentadas pela Comissão como um «documento de referência» ou «orientações apropriadas». Ora, essa apresentação não é diferente da adotada pela Comissão na decisão impugnada.

168    Por outro lado, é forçoso constatar que decorre dos considerandos 58 e 59 da decisão de início do procedimento formal de investigação que a Comissão expôs, desde essa fase do processo, a sua posição de que pode aplicar o princípio da plena concorrência, no âmbito da fiscalização ao abrigo do artigo 107.o TFUE, a fim de examinar se uma medida fiscal confere uma vantagem seletiva a uma empresa integrada.

169    A este respeito, importa salientar que, no considerando 61 da decisão de início do procedimento formal de investigação, a Comissão expôs que um método de tributação aplicado a preços de transferência que não respeitam o princípio da plena concorrência que resulta numa redução da matéria coletável do seu beneficiário confere uma vantagem. A Comissão baseou então esta conclusão no Acórdão de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão (C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416), como o fez posteriormente na decisão impugnada.

170    Em sexto lugar, há que rejeitar o argumento da FFT segundo o qual a posição da Comissão sobre o princípio da plena concorrência se afasta da sua prática decisória anterior, na medida em que esta prática decisória, que diz respeito a outros processos, não pode afetar a validade de uma decisão impugnada, que só pode ser apreciada à luz das regras objetivas do TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 20 de maio de 2010, Todaro Nunziatina & C., C‑138/09, EU:C:2010:291, n.o 21).

171    Em sétimo lugar, na medida em que a FFT refere que a Comissão foi muito opaca relativamente ao conceito de princípio da plena concorrência que acolheu, recusando‑se a fornecer‑lhe as projeções que esta última tinha feito no âmbito de um seminário sobre os auxílios de Estado em Bruxelas, há que julgar este argumento inoperante. Com efeito, a posição da Comissão sobre o princípio da plena concorrência resulta dos considerandos 219 a 231 da decisão impugnada, pelo que o facto de não ter apresentado projeções na sequência de um seminário não tem qualquer influência na legalidade da decisão impugnada.

172    Em oitavo lugar, a FFT alega que o princípio da plena concorrência, conforme descrito pela Comissão na decisão impugnada, é distinto do acolhido pela OCDE. A FFT sustenta que este último permite «adaptações judiciosas», tais como a não tomada em consideração da participação das suas filiais no cálculo da remuneração das funções da FFT. O que é, aliás, explicado no relatório de uma sociedade de consultoria económica junto em anexo à petição inicial. Este argumento deve ser rejeitado, por ser, em parte, inadmissível e, em parte, improcedente.

173    Com efeito, no que respeita à afirmação de que o princípio da plena concorrência é distinto do acolhido pela OCDE, a FFT não invoca nenhum argumento concreto, com exceção do argumento relativo à tomada em consideração das suas participações. Ora, na medida em que a FFT alega que a Comissão violou o ponto 2.74 das Orientações da OCDE, segundo o qual ajustamentos judiciosos devem ser feitos na aplicação do MMLT, convém referir que, para além do facto de a Comissão, conforme exposto no n.o 147, supra, não estar formalmente vinculada por essas orientações, a Comissão não afastou, contrariamente ao que sustenta a FFT, a possibilidade de efetuar «ajustamentos judiciosos». Com efeito, a Comissão limitou‑se a referir que, no caso em apreço, a exclusão das participações da FFT na FFNA e na FFC não se justificava, questão que será, aliás, examinada nos n.os 273 a 278, infra.

174    Além disso, por um lado, na medida em que a FFT remete para o relatório de uma sociedade de consultadoria económica em que são desenvolvidos argumentos por um perito com vista a demonstrar que a Comissão não devia ter tomado em consideração as participações da FFT nas filiais, a remissão para esta argumentação é, em conformidade com jurisprudência constante, inadmissível, pois não consta do próprio corpo da petição. A este respeito, há que recordar que, segundo a jurisprudência, embora o texto da petição possa ser alicerçado e completado em pontos específicos por remissões para determinados trechos de documentos a ela anexos, uma remissão global para outros documentos, mesmos juntos à petição, não pode suprir a falta de elementos essenciais na mesma, tendo os anexos uma função puramente probatória e instrumental (v. Acórdão de 30 de janeiro de 2007, France Télécom/Comissão, T‑340/03, EU:T:2007:22, n.o 167 e jurisprudência referida).

175    Por outro lado, e de qualquer forma, mesmo supondo que a Comissão não tenha, erradamente, efetuado os «ajustamentos judiciosos» referidos pela FFT, há que constatar que tal não afetaria a conclusão segundo a qual a FFT não fornece nenhum argumento que permita entender as razões pelas quais o princípio da plena concorrência acolhido pela Comissão seria errado. Com efeito, o facto de os «ajustamentos judiciosos» estarem previstos nas Orientações da OCDE para ter em conta cada situação de facto, e de as circunstâncias que dão lugar a tais ajustamentos poderem existir no caso em apreço, não põe em causa a conclusão de que, em substância, o princípio da plena concorrência exige que as empresas integradas faturem preços de transferência que refletem os que seriam faturados em condições de concorrência, o que corresponde ao exame realizado pela Comissão na decisão impugnada.

176    Em nono lugar, há que rejeitar o argumento do Grão‑Ducado do Luxemburgo segundo o qual o princípio da plena concorrência, conforme descrito pela Comissão na decisão impugnada, é subjetivo e arbitrário. Com efeito, por um lado, basta referir que o exame à luz do princípio da plena concorrência consiste, conforme resulta do considerando 231 da decisão impugnada, em examinar se o método de determinação dos preços de transferência aprovado na decisão antecipativa em causa permite chegar a uma aproximação fiável de um resultado de mercado. Por outro lado, a Comissão refere‑se amplamente, para efeitos da sua análise, às Orientações da OCDE, que são objeto de um amplo consenso. O Grão‑Ducado do Luxemburgo e a FFT não contestam, aliás, este último ponto.

177    Em décimo lugar, a FFT alega que a Comissão não explicou com que fundamento extraiu o princípio da plena concorrência, conforme descrito na decisão impugnada, e o conteúdo desse princípio, em violação do seu dever de fundamentação, tal como previsto no artigo 296.o TFUE.

178    A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, a fundamentação exigida pelo artigo 296.o, n.o 2, TFUE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e revelar de forma clara e inequívoca o raciocínio da instituição autora do ato, de forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adotada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso em apreço, designadamente do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas direta e individualmente afetadas pelo ato podem ter em obter explicações. Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do artigo 296.o, n.o 2, TFUE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (v. Acórdão de 15 de julho de 2004, Espanha/Comissão, C‑501/00, EU:C:2004:438, n.o 73 e jurisprudência referida).

179    No caso vertente, já foi constatado nos n.os 149 a 151 e 154, supra, que, contrariamente ao que sustenta a FFT, a Comissão especificou o fundamento jurídico e o conteúdo do princípio da plena concorrência nos considerandos 219 a 231 da decisão impugnada. Importa, portanto, constatar que, no que respeita a estas questões, a decisão impugnada está suficientemente fundamentada. Aliás, conforme constatado no n.o 153, supra, decorre de todos os articulados do Grão‑Ducado do Luxemburgo e da FTT que estes entenderam efetivamente a decisão impugnada no sentido de que o princípio da plena concorrência, conforme descrito pela Comissão na referida decisão, era tido em conta no âmbito do exame de uma medida fiscal nacional ao abrigo do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

180    Em décimo primeiro lugar, na medida em que a FFT alega que o princípio da plena concorrência, conforme descrito pela Comissão nos considerandos 219 a 231 da decisão impugnada e, mais especificamente, no seu considerando 228, cria uma insegurança jurídica e uma confusão que não permitem compreender se uma decisão antecipativa sobre preços de transferência viola ou não o direito dos auxílios de Estado, há que rejeitar este argumento.

181    Segundo a jurisprudência, o princípio da segurança jurídica, que é um princípio geral do direito da União, exige que as normas jurídicas sejam claras e precisas e tem por finalidade garantir a previsibilidade das situações e das relações jurídicas abrangidas pelo direito da União (Acórdão de 15 de fevereiro de 1996, Duff e o./Comissão, C‑63/93, EU:C:1996:51, n.o 20).

182    Ora, por um lado, importa relembrar que o conceito de auxílio de Estado é definido em função dos efeitos da medida no posicionamento concorrencial do seu beneficiário (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2008, British Aggregates/Comissão, C‑487/06 P, EU:C:2008:757, n.o 87). Decorre daí que o artigo 107.o TFUE proíbe qualquer medida de auxílio, independentemente da sua forma ou da técnica regulamentar utilizada para conceder esse auxílio (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.o 79).

183    Por outro lado, há que recordar que o direito fiscal luxemburguês prevê que as empresas integradas e as empresas autónomas estão sujeitas, nas mesmas condições, ao imposto sobre as sociedades. Nestas circunstâncias, era previsível que a Comissão pudesse verificar, no âmbito do exame previsto no artigo 107.o TFUE, se o método de determinação dos preços de transferência aprovado na decisão antecipativa se afastava de um preço que teria sido fixado em condições de mercado, a fim de examinar se a referida decisão antecipativa conferia uma vantagem ao seu beneficiário.

184    De qualquer modo, na medida em que a FFT se limita a afirmar que considera que a redação do considerando 228 da decisão impugnada carece de clareza e é fonte de insegurança jurídica, basta relembrar que a decisão impugnada deve ser lida no seu conjunto. Ora, conforme resulta dos n.os 130 a 132, supra, a Comissão especificou, na decisão impugnada, a definição, o alcance e a natureza jurídica do princípio da plena concorrência. Além disso, conforme referido no n.o 115, supra, não resulta da decisão impugnada que a Comissão tenha considerado que toda e qualquer decisão antecipativa constituía necessariamente um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o TFUE. Com efeito, desde que não conceda nenhuma vantagem seletiva, nomeadamente, na medida em que não conduz a uma redução da carga fiscal do seu beneficiário, tal decisão antecipativa não constitui um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o TFUE e não está sujeita ao dever de notificação previsto no artigo 2.o do Regulamento 2015/1589.

185    Em décimo segundo lugar, na medida em que a FFT sustenta que a Comissão violou o princípio da proteção da confiança legítima, uma vez que ninguém previu, nem podia prever, que a Comissão aplicasse um princípio da plena concorrência diferente do previsto pela OCDE, há que rejeitar essa alegação.

186    Com efeito, basta recordar que, segundo jurisprudência constante, a possibilidade de invocar o princípio da proteção da confiança legítima é reconhecida a qualquer operador económico no qual foram criadas expetativas fundadas por uma instituição, ao fornecer‑lhe garantias precisas (v. Acórdão de 24 de outubro de 2013, Kone e o./Comissão, C‑510/11 P, não publicado, EU:C:2013:696, n.o 76 e jurisprudência referida). Ora, no caso vertente, a FFT não demonstra, nem sequer alega, em quê teria recebido garantias precisas da Comissão de que a decisão antecipativa em causa não preenchia os requisitos de um auxílio na aceção do artigo 107.o TFUE. Além disso, o simples facto de a FFT considerar que a Comissão fundamentou expressamente algumas decisões anteriores em matéria de auxílios de Estado no princípio da plena concorrência previsto no artigo 9.o do Modelo de Convenção da OCDE não constitui garantias precisas na aceção da jurisprudência acima exposta.

187    Nestas circunstâncias, todas as alegações formuladas pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo e pela FFT que incidem sobre o princípio da plena concorrência, conforme descrito pela Comissão na decisão impugnada, devem ser rejeitadas, por serem, em parte, improcedentes e, em parte, inoperantes.

b)      Quanto ao fundamento relativo a uma metodologia de cálculo errada na determinação da remuneração da FFT

188    O Grão‑Ducado do Luxemburgo alega, em substância, que a decisão antecipativa em causa não conferiu uma vantagem à FFT, uma vez que não levou a uma diminuição do montante do imposto pago pela FFT. Neste âmbito, o Grão‑Ducado do Luxemburgo contesta a existência de pretensos erros de metodologia de cálculo da remuneração da FFT, que teriam sido aprovados pelas Autoridades Fiscais luxemburguesas, e que a Comissão assinalou na decisão impugnada.

189    A Comissão contesta a argumentação do Grão‑Ducado do Luxemburgo.

1)      Observações preliminares

190    Com a segunda parte do seu primeiro fundamento, o Grão‑Ducado do Luxemburgo refere que a Comissão não demonstrou que a metodologia aprovada na decisão antecipativa em causa não era conforme com o princípio da plena concorrência, quer se trate do princípio da plena concorrência incorporado no direito nacional luxemburguês, das Orientações da OCDE ou do princípio da plena concorrência conforme descrito pela Comissão na decisão impugnada.

191    Em substância, o Grão‑Ducado do Luxemburgo contesta os cinco erros no método de cálculo da remuneração da FFT que teriam sido identificados pela Comissão.

192    Desde logo, o Grão‑Ducado do Luxemburgo põe em causa, em substância, a apreciação da Comissão segundo a qual os capitais próprios da FFT não deveriam ter sido segmentados, uma vez que deveria ter sido aplicada uma taxa única a todos capitais próprios contabilísticos da FFT (a seguir «primeiro erro»).

193    Em seguida, o Grão‑Ducado do Luxemburgo alega que, contrariamente ao que afirmou a Comissão na decisão impugnada, não cometeu nenhum erro ao aprovar a utilização dos fundos próprios regulamentares hipotéticos (a seguir «segundo erro»), nem ao calcular o montante desses fundos (a seguir «terceiro erro»). Além disso, o Grão‑Ducado do Luxemburgo contesta ter cometido um erro ao aprovar a dedução das participações da FFT na FFC e na FFNA (a seguir «quarto erro»). Estes segundo, terceiro e quarto erros estão relacionados com o primeiro erro, relativo à segmentação dos capitais.

194    Por último, o Grão‑Ducado do Luxemburgo contesta um quinto erro identificado pela Comissão, relativo ao cálculo da taxa de rendimento de 6,05 %, aplicada aos capitais regulamentares hipotéticos (a seguir «quinto erro»).

195    Apesar de os cinco erros contestados pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo não terem sido claramente identificados como tal na decisão impugnada, designadamente, o primeiro erro, relativo à segmentação dos capitais próprios, importa referir que estes cinco erros resultam, em substância, do texto da referida decisão.

196    Com efeito, há que recordar que a Comissão referiu, nos considerandos 248 a 301 da decisão impugnada (secções 7.2.2.5 a 7.2.2.9 da referida decisão), que o método de determinação da remuneração da atividade de financiamento da FFT, aprovado pela decisão antecipativa em causa, continha vários erros nas opções metodológicas, de parâmetros e de ajustamentos. A este respeito, há que referir que os erros identificados dizem respeito, por um lado, ao montante dos capitais a remunerar, a saber, ao indicador do nível de lucros, e, por outro, à taxa de rendimento a aplicar.

197    No que respeita, por um lado, ao montante dos capitais a remunerar, a Comissão considerou, em substância, que a opção de segmentar os capitais próprios em três categorias às quais são aplicadas taxas de rendimento diferentes é errada, o que corresponde ao primeiro erro. Com efeito, conforme resulta, nomeadamente, dos considerandos 265, 278 e 287 da decisão impugnada, a Comissão entendeu que deveria ter sido aplicada uma taxa de rendimento única aos capitais próprios contabilísticos na sua totalidade. A Comissão afirmou, assim, no considerando 265 da decisão impugnada que, ao utilizar os capitais próprios contabilísticos, não teria sido necessário calcular uma «remuneração das funções» distinta.

198    O primeiro erro é subjacente aos segundo a quarto erros, que são objeto, cada um, de uma secção bem identificada na decisão impugnada. Desde logo, nos considerandos 249 a 266 da decisão impugnada (secção 7.2.2.6 da referida decisão), a Comissão considerou que a utilização dos fundos próprios regulamentares hipotéticos como indicador do nível de lucros era errada, o que corresponde ao segundo erro. Em seguida, nos considerandos 267 a 276 da decisão impugnada (secção 7.2.2.7), a Comissão afirmou que, supondo que os fundos próprios regulamentares hipotéticos pudessem ser utilizados, a aplicação por analogia do Quadro de Basileia II, para efeitos de determinação do nível dos fundos próprios regulamentares hipotéticos da FFT, era errada, o que corresponde ao terceiro erro. Por último, nos considerandos 277 a 291 da decisão impugnada (secção 7.2.2.8), a Comissão entendeu que a dedução das participações da FFNA e da FFC era errada, o que corresponde ao quarto erro.

199    Por outro lado, no que diz respeito à taxa de rendimento, a Comissão considerou, nos considerandos 292 a 301 da decisão impugnada (secção 7.2.2.9), que o nível de taxa de rendimento dos capitais a remunerar, calculada em 6,05 %, em aplicação do CAPM, era errado, o que corresponde ao quinto erro.

200    Portanto, o Tribunal Geral examinará, sucessivamente, os cinco erros identificados pela Comissão e contestados pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo, tal como expostos nos n.os 196 a 199, supra.

201    A este respeito, o Tribunal Geral salienta que, no âmbito da segunda parte do primeiro fundamento no processo T‑755/15, o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Comissão se opõem quanto o alcance da fiscalização que a Comissão podia exercer sobre a metodologia utilizada pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo para calcular a remuneração da FFT na decisão antecipativa em causa, tendo em conta os acasos inerentes à avaliação dos preços de transferência e pelo facto de se tratar de uma intrusão na liberdade de ação das autoridades nacionais.

202    Importa recordar que, no âmbito da fiscalização dos auxílios de Estado, compete, em princípio, à Comissão fazer prova, na decisão impugnada, da existência desse auxílio (v., neste sentido, Acórdãos de 12 de setembro de 2007, Olympiaki Aeroporia Ypiresies/Comissão, T 68/03, EU:T:2007:253, n.o 34, e de 25 de junho de 2015, SACE e Sace BT/Comissão, T 305/13, EU:T:2015:435, n.o 95). Neste contexto, a Comissão é obrigada a conduzir o procedimento de investigação das medidas em causa de forma diligente e imparcial, a fim de dispor, quando da adoção de uma decisão final que conclua pela existência e, se for o caso, pela incompatibilidade ou ilegalidade do auxílio, dos elementos mais completos e fiáveis possíveis (v., neste sentido, Acórdãos de 2 de setembro de 2010, Comissão/Scott, C‑290/07 P, EU:C:2010:480, n.o 90, e de 3 de abril de 2014, França/Comissão, C‑559/12 P, EU:C:2014:217, n.o 63).

203    Em contrapartida, cabe ao Estado‑Membro que introduziu uma diferenciação entre empresas demonstrar que a mesma é justificada pela natureza e a economia do sistema em causa. Com efeito, o conceito de auxílio de Estado não visa as medidas estatais que introduzem uma diferenciação entre empresas e que, portanto, são a priori seletivas, quando essa diferenciação resulta da natureza ou da economia do sistema em que se inscrevem (v., neste sentido, Acórdão de 21 de junho de 2012, BNP Paribas e BNL/Comissão, C‑452/10 P, EU:C:2012:366, n.os 120 e 121 e jurisprudência referida).

204    Tendo em conta o que precede, incumbia à Comissão demonstrar na decisão impugnada que estavam reunidos os requisitos de existência de um auxílio de Estado, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. A este respeito, há que referir que, embora seja pacífico que o Estado‑Membro dispõe de uma margem de apreciação na aprovação dos preços de transferência, essa margem de apreciação não pode, todavia, levar a que a Comissão seja privada da sua competência para fiscalizar que os preços de transferência em causa não resultem na concessão de uma vantagem seletiva na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Neste contexto, a Comissão deve ter em conta que o princípio da plena concorrência lhe permite verificar se um preço de transferência aprovado por um Estado‑Membro corresponde a uma aproximação fiável de um resultado baseado no mercado e se a eventual discrepância constatada no âmbito desse exame não vai além das imprecisões inerentes ao método aplicado para obter a referida aproximação.

205    O Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Comissão opõem‑se igualmente quanto ao grau de fiscalização que o Tribunal Geral pode efetuar sobre as apreciações da Comissão relacionadas com o cálculo do lucro tributável da FFT. Com efeito, segundo a Comissão, o Tribunal Geral deve proceder a uma fiscalização restrita dessas apreciações económicas que são complexas. A este respeito, há que salientar que, conforme resulta do artigo 263.o TFUE, o objeto do recurso de anulação é a fiscalização da legalidade dos atos adotados pelas instituições da União nele enumeradas. Assim, a análise dos fundamentos invocados no âmbito desse recurso não tem por objeto nem por efeito substituir uma instrução completa do processo efetuada no âmbito de um procedimento administrativo (v., neste sentido, Acórdão de 2 de setembro de 2010, Comissão/Deutsche Post, C‑399/08 P, EU:C:2010:481, n.o 84).

206    No que respeita ao domínio dos auxílios de Estado, há que recordar que o conceito de auxílio de Estado, tal como definido no TFUE, é um conceito jurídico e deve ser interpretado com base em elementos objetivos. Por esta razão, o juiz da União deve, em princípio e tendo em conta tanto os elementos concretos do litígio que lhe foi submetido como o caráter técnico ou complexo das apreciações feitas pela Comissão, exercer uma fiscalização integral relativamente à questão de saber se uma medida entra no âmbito de aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (Acórdãos de 4 de setembro de 2014, SNCM e França/Corsica Ferries France, C‑533/12 P e C‑536/12 P, EU:C:2014:2142, n.o 15, e de 30 de novembro de 2016, Comissão/França e Orange, C‑486/15 P, EU:C:2016:912, n.o 87).

207    Quanto à questão de saber se um método de determinação de um preço de transferência de uma sociedade integrada é conforme com o princípio da plena concorrência, há que recordar, como já foi acima referido, que, quando utiliza este instrumento no âmbito da sua apreciação ao abrigo do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, a Comissão deve ter em conta a sua natureza aproximativa. A fiscalização do Tribunal Geral tende, portanto, a verificar se os erros identificados na decisão impugnada, com base nos quais a Comissão concluiu pela existência de uma vantagem, vão além das imprecisões inerentes à aplicação de um método destinado a obter uma aproximação fiável de resultados baseados no mercado.

208    É à luz destas precisões que convém examinar os diferentes erros identificados pela Comissão.

2)      Quanto ao primeiro erro, relativo à não tomada em consideração da totalidade dos capitais próprios da FFT

209    O Grão‑Ducado do Luxemburgo alega que a Comissão considerou erradamente que havia que tomar em consideração a totalidade dos capitais próprios contabilísticos para aplicar à FFT um rendimento uniforme de 10 %, independentemente das suas diferentes atividades. O Grão‑Ducado do Luxemburgo sustenta que a metodologia aprovada pela decisão antecipativa em causa aplica o princípio da «análise funcional» em conformidade com as regras luxemburguesas e da OCDE, que visa ter em conta o caráter misto das atividades da FFT, tomando em consideração os ativos utilizados e os riscos assumidos. Segundo o Grão‑Ducado do Luxemburgo, há, portanto, que isolar, para determinar a remuneração da FFT, os ativos ou os capitais ligados à exploração das transações ou das funções pertinentes, pelo que ser tidos em conta apenas os ativos de exploração e os capitais utilizados, em conformidade com as Orientações da OCDE. A Circular transpõe estas exigências, na medida em que, antes de mais, exclui do seu perímetro as funções de holding, em seguida, retoma a terminologia das Orientações da OCDE e, por último, identifica os capitais próprios que cobram os riscos associados às atividades de financiamento.

210    A Comissão contesta estes argumentos.

i)      Observações sobre a decisão antecipativa em causa

211    Em primeiro lugar, conforme resulta da decisão antecipativa em causa e foi referido na decisão impugnada (v., designadamente, considerando 70 da referida decisão), a decisão antecipativa em causa tem por objeto a determinação da remuneração da FFT pelas suas atividades de financiamento intragrupo e de tesouraria. O imposto devido pela FFT no Luxemburgo é, então, calculado aplicando a taxa normal de tributação das sociedades, aplicável no Luxemburgo, ao lucro líquido realizado pela FFT, com base na remuneração aprovada pela decisão antecipativa em causa.

212    A este respeito, importa, antes de mais, recordar que a decisão antecipativa em causa determina a remuneração da FFT para as transações que fazem parte da sua atividade de financiamento intragrupo e de tesouraria. É pacífico entre as partes que este tipo de transação está sujeito ao imposto nos termos do Código dos Impostos.

213    Em seguida, as partes não contestam que, uma vez que as transações que constituem a atividade de financiamento intragrupo e de tesouraria da FFT são transações intragrupo, a decisão antecipativa em causa diz respeito à determinação do preço de transferência destas transações a um nível que corresponde ao nível que teria sido praticado se este tipo de transação tivesse sido celebrado entre sociedades autónomas, sujeitas às condições de mercado. Além disso, as partes não contestam que esta decisão antecipativa permite à FFT determinar a sua matéria coletável no Luxemburgo.

214    Por último, na decisão impugnada, a Comissão não contestou a escolha, aprovada pela decisão antecipativa em causa, da utilização do MMLT como método para a determinação do nível apropriado dos preços de transferência para as transações que constituem a atividade de financiamento e de tesouraria da FFT. A este respeito, é pacífico que a correta aplicação do MMLT, no caso em apreço, consiste numa análise da rendibilidade dos capitais.

215    Por conseguinte, as partes opõem‑se, em substância, apenas no que diz respeito ao nível da remuneração da FFT para as transações que fazem parte das suas atividades de financiamento intragrupo e de tesouraria.

216    Em segundo lugar, conforme resulta do Relatório sobre os preços de transferência e foi referido pela Comissão no quadro 2 e nos considerandos 61, 62, 65 e 70 da decisão impugnada, este considerou, para efeitos de cálculo da rentabilidade sobre capital, a segmentação dos capitais próprios da FFT, cujo montante total ascende a 287 477 000 euros, em três categorias de fundos, a saber:

–        antes de mais, os fundos próprios regulamentares hipotéticos, na aceção do Quadro de Basileia II, para remunerar os «riscos», ou seja, 28 523 000 euros, aos quais é aplicada uma taxa de rendimento de 6,05 %;

–        em seguida, os fundos próprios utilizados para compensar as participações na FFNA e na FFC e ligados às atividades de «holding» da FFT, ou seja, 165 244 000 euros, aos quais nenhum rendimento é aplicado;

–        por último, os fundos próprios utilizados para exercer as «funções», ou seja, 93 710 000 euros, aos quais é aplicada uma taxa de rendimento de 0,87 %. Estes correspondem ao total dos capitais próprios contabilísticos, menos os fundos próprios regulamentares hipotéticos e o montante das participações da FFT na FFNA e na FFC.

217    A este respeito, as partes não contestam que a segmentação dos capitais próprios limita a base dos capitais tidos em conta para o cálculo dessa rendibilidade. As partes opõem‑se, em substância, sobre o próprio princípio que consiste, no âmbito do MMLT, em afetar capitais a funções específicas sujeitas a taxas de rendimento distintas. Com efeito, o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a FFT entendem que esta segmentação dos capitais não só é conforme com as Orientações da OCDE e a Circular, mas também é apropriada atendendo às diferentes atividades da FFT. A Comissão considera, pelo contrário, que essa segmentação é errada.

218    Por conseguinte, há que examinar se a Comissão considerou corretamente que a segmentação dos capitais próprios, aos quais são aplicadas taxas de rendimento distintas, não permitia chegar a uma aproximação fiável de resultados de plena concorrência e, assim, contribuía para uma diminuição da carga fiscal da FFT.

ii)    Quanto à possibilidade de proceder à segmentação dos capitais nas Orientações da OCDE e na Circular

219    Como reconheceram, em substância, as partes na audiência, a Circular e as Orientações da OCDE, para as quais a primeira remete, não autorizam nem proíbem a possibilidade de segmentar os capitais de uma sociedade integrada em função das suas diferentes atividades.

220    De qualquer modo, nenhum dos argumentos suscitados pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo nos seus articulados permite concluir que as Orientações da OCDE ou a Circular permitiam proceder à segmentação dos capitais a fim de obter um resultado de plena concorrência.

221    Em primeiro lugar, o Grão‑Ducado do Luxemburgo sustenta que a aplicação de uma taxa de rendimento uniforme aos capitais próprios da FFT, na sua totalidade, ignora as recomendações das Orientações da OCDE e, designadamente, a exigência de proceder a uma análise dita «funcional» da atividade da empresa em causa, que consiste em distinguir as diferentes atividades de uma empresa e identificar os ativos e riscos associados a essas atividades. A este respeito, há que salientar que, contrariamente ao que alega o Grão‑Ducado do Luxemburgo, o ponto D.1.2.2 das Orientações da OCDE, relativo à «análise funcional», não permite concluir que era correto, no caso vertente, segmentar os capitais da FFT em função das suas diferentes atividades.

222    Com efeito, resulta do ponto 1.42 das Orientações da OCDE que são os ativos relacionados com cada atividade, e não os capitais, que podem ser isolados e associados a riscos ou a atividades específicas. Ora, se, como sustenta o Grão‑Ducado do Luxemburgo, tanto a rendibilidade do capital como a dos ativos pode ser adotada como indicador para a aplicação do MMLT, tal não equivale, porém, a equiparar os capitais próprios aos ativos de exploração. Com efeito, ao contrário dos ativos de exploração, os capitais são fungíveis e estão expostos a um risco, qualquer que seja a atividade que servem para realizar.

223    Em segundo lugar, dado que o Grão‑Ducado do Luxemburgo remete para os pontos 2.77 e 2.78 das Orientações da OCDE, basta, a este respeito, referir, à semelhança da Comissão, que, apesar de resultar, em substância, dos mesmos que, por um lado, apenas devem ser tidos em conta os elementos relacionados com uma transação, nenhum deles prevê que apenas devem ser tomados em consideração os capitais ligados às atividades tributáveis. Ora, conforme alega, com razão, a Comissão, os capitais são, por natureza, fungíveis.

224    Em terceiro lugar, na medida em que o Grão‑Ducado do Luxemburgo sustenta que seria possível em direito luxemburguês, ligar determinados capitais a certas funções, é forçoso constatar que, conforme exposto nos n.os 212 a 215, supra, a decisão antecipativa em causa diz apenas respeito à determinação da remuneração da FFT para as transações que fazem parte das suas atividades de financiamento intragrupo e de tesouraria, a um nível de plena concorrência. Como resulta dos n.os 137 a 139, supra, a Comissão podia fiscalizar, ao abrigo artigo 107.o, n.o 1, TFUE, se o nível dessa remuneração era inferior a um nível de plena concorrência e, por conseguinte, se a decisão antecipativa tinha conferido uma vantagem à FFT. A análise funcional da transação fiscalizada permite, nomeadamente, escolher, se for o caso, a parte testada, o método de preço de transferência mais apropriado e o indicador financeiro a testar ou identificar os importantes fatores de comparabilidade a ter em conta.

225    Em contrapartida, a decisão antecipativa em causa não diz respeito à questão de saber se, devido a uma análise funcional da FFT, certas partes dos capitais da FFT não estão sujeitas a imposto ao abrigo do Código dos Impostos luxemburguês.

226    Além disso, o Grão‑Ducado do Luxemburgo fundamenta a sua alegação num artigo jurídico sobre a fiscalidade luxemburguesa e num regulamento grão‑ducal. No entanto, há que referir que, mesmo supondo que esses elementos, relativos ao direito luxemburguês, sejam pertinentes para examinar, no âmbito da aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, a questão de saber se a remuneração da FFT era inferior a um nível de plena concorrência, estes não demonstram que os capitais próprios da FFT podiam ser segmentados, em função das suas diferentes atividades, para efeitos de cálculo do rendimento do capital.

227    Por um lado, uma vez que o Grão‑Ducado do Luxemburgo remete para o Regulamento Grão‑Ducal de 16 de julho de 1987, que altera o Regulamento Grão‑Ducal de 23 de julho de 1983 relativo à execução do artigo 1.o da Lei de 23 de julho de 1983, que altera determinadas disposições da Lei de 4 de dezembro de 1967 relativa ao imposto sobre o rendimento (publicado no Mémorial A n.o 65, de 6 de agosto de 1987, p. 1540), há que sublinhar que este dispõe que «é considerado que os bens do ativo são financiados pelos fundos próprios na seguinte ordem: imobilizações corpóreas e incorpóreas, imobilizações financeiras, valores do disponível e do realizável». Por conseguinte, é forçoso constatar que o referido regulamento grão‑ducal não prevê, contrariamente ao que alega o Grão‑Ducado do Luxemburgo, que os capitais próprios de uma sociedade possam ser afetos a determinados ativos de uma sociedade.

228    Por outro lado, uma vez que o Grão‑Ducado do Luxemburgo invoca um excerto de uma revista jurídica sobre a fiscalidade luxemburguesa segundo o qual, «baseando‑se em considerações puramente económicas, a doutrina alemã admite que os recursos a longo prazo são afetos prioritariamente ao financiamento dos ativos a longo prazo» e que, «[n]esta lógica, pode considerar‑se que os fundos próprios financiam, em primeiro lugar, os ativos imobilizados», é forçoso salientar que este elemento de doutrina não basta para sustentar a posição do Grão‑Ducado do Luxemburgo de que os capitais próprios de uma sociedade podem ser segmentados, no âmbito da aplicação do MMLT, a fim de ser afetos a ativos ou atividades específicas. Com efeito, se este excerto pode ser entendido no sentido de que as participações detidas por uma sociedade são financiadas prioritariamente pelos fundos próprios, a resposta à questão de saber se essa consideração é pertinente no âmbito da aplicação do MMLT e, mais especificamente, para efeitos de determinação de uma rentabilidade sobre os capitais, não resulta claramente do texto deste excerto. Ademais, o referido excerto é apresentado sem indicação exata do contexto em que se insere e sem ser corroborado por outros elementos de doutrina, pelo que a sua força probatória é fortemente limitada.

229    Por conseguinte, há que concluir que a segmentação dos capitais de uma sociedade integrada em função das suas diferentes atividades não é explicitamente autorizada nem proibida. Nestas circunstâncias, há que verificar se a segmentação efetuada na decisão antecipativa em causa é apropriada, tendo em conta as particularidades do caso vertente.

iii) Quanto ao caráter apropriado da segmentação dos capitais próprios

230    As partes opõem‑se quanto à questão de saber se a Comissão cometeu um erro ao considerar que era inapropriado, no caso em apreço, proceder à segmentação dos capitais próprios.

231    Em primeiro lugar, há que referir que, no caso vertente, a segmentação dos capitais próprios da FFT não se justifica pela necessidade de diferenciar a remuneração das diferentes funções da FFT.

232    Com efeito, contrariamente ao que sustenta, em substância, o Grão‑Ducado do Luxemburgo, a segmentação dos capitais próprios, aprovada na decisão antecipativa em causa, não reflete as diferentes funções ou atividades identificadas no Relatório sobre os preços de transferência, no âmbito da análise dita «funcional» e relativamente às quais a decisão antecipativa em causa valida o nível de remuneração.

233    Conforme referido no n.o 211, supra, o método adotado na decisão antecipativa em causa não tem por objeto a determinação da remuneração das atividades de holding da FFT, mas exclusivamente a remuneração das funções de financiamento intragrupo e de tesouraria da FFT.

234    A este respeito, é forçoso referir que o Relatório sobre os preços de transferência [confidencial].

235    Ora, as três categorias de fundos próprios validadas pela decisão antecipativa em causa referem‑se, respetivamente, à remuneração dos riscos, à remuneração das atividades de holding e à remuneração das funções. Além disso, no que respeita a esta última categoria, importa sublinhar que o Relatório sobre os preços de transferência precisa que [confidencial]. Este segmento corresponde, portanto, à totalidade das atividades da FFT que são objeto da decisão antecipativa em causa.

236    Por conseguinte, decorre destas constatações que, contrariamente ao que sustenta o Grão‑Ducado do Luxemburgo, a segmentação dos capitais próprios não tende a satisfazer a exigência de diferenciação das funções da FFT.

237    Em segundo lugar, importa referir que a Comissão não errou ao considerar que a segmentação dos capitais próprios, tal como aprovada na decisão antecipativa em causa, era inapropriada, dado que assenta numa análise puramente artificial da utilização dos fundos próprios da FFT.

238    Primeiro, há que salientar que, como a Comissão afirmou, em substância, no considerando 282 da decisão impugnada, a segmentação dos capitais próprios da FFT não era apropriada, uma vez que tais fundos são, por natureza, fungíveis. Com efeito, na medida em que a totalidade dos capitais próprios da FFT está exposta aos riscos, e está disponível para sustentar a solvabilidade da FFT, estes capitais deveriam ser remunerados na íntegra, sem necessidade de os segmentar.

239    A este respeito, supondo que seja verdade que uma parte dos capitais próprios da FFT é afeta às participações na FFNA e na FFC, que já teriam sido tributadas e, portanto, não seriam mais tributáveis, esse facto não influi na constatação de que esta parte dos capitais próprios está igualmente exposta aos riscos e deveria, portanto, ser objeto de uma remuneração dos riscos.

240    Com efeito, conforme resulta dos considerandos 247 e 286 da decisão impugnada, ao proceder a uma segmentação dos capitais próprios em vez de considerar a totalidade dos capitais próprios como base a partir da qual a rendibilidade do capital é calculada, o Grão‑Ducado do Luxemburgo negligencia o facto de a totalidade dos capitais próprios ser necessária para assegurar as funções de financiamento e, se for o caso, absorver as perdas ligadas às atividades de financiamento. Com efeito, como a Comissão recordou na audiência, se o rácio de alavancagem entre o capital e os montantes emprestados passasse de [confidencial] % a 1,3 ou 1,5 %, seria então inferior ao que seria aceitável para uma instituição de crédito.

241    Além disso, há que sublinhar que, como entendeu a Comissão no considerando 247 da decisão impugnada, sem ser contestado pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo, a FFT desempenha um papel de transformação dos prazos de vencimento e de intermediação financeira, uma vez que contrai empréstimos nos mercados para as necessidades de financiamento do grupo. Com efeito, conforme resulta do considerando 43 da decisão impugnada, o financiamento da FFT provém de instrumentos, tais como a emissão de obrigações, de empréstimos bancários a prazo, de linhas de crédito afetas e não afetas. Portanto, é forçoso constatar que, como aliás reconheceu o Grão‑Ducado do Luxemburgo no âmbito das suas respostas dadas às perguntas durante a audiência, quando contrai empréstimos no mercado para financiar as suas atividades, é o conjunto dos capitais da FFT que é tido em consideração pelos agentes no mercado junto dos quais contrai empréstimo. Ora, a segmentação dos capitais próprios em função das atividades da FFT não tem em conta o facto de os seus lucros tributáveis variarem em função dos seus custos de empréstimo, que dependem, designadamente, da importância do seu capital.

242    Segundo, e de qualquer modo, os três segmentos, tais como aprovados na decisão antecipativa em causa, são artificiais.

243    Desde logo, no que respeita ao primeiro segmento, a saber, os fundos próprios utilizados para suportar os riscos, basta recordar que, conforme referido no n.o 238, supra, a totalidade dos capitais próprios da FFT estão expostos aos riscos.

244    Em seguida, no que respeita ao segundo segmento, a saber, os fundos próprios utilizados para as participações na FFNA e na FFC, basta relembrar que, uma vez que os capitais são fungíveis, a parte dos fundos que corresponde ao montante das participações na FFNA e na FFC não pode ser cindida do resto dos fundos próprios da FFT. Com efeito, contrariamente ao alegado tanto pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo como pela FFT, nas suas observações na audiência, mesmo que a detenção das participações da FFNA e da FFC não dê origem a qualquer dividendo tributável, dado que os dividendos da FFNA e da FFC já foram tributados antes de serem distribuídos à FFT enquanto holding, não é menos verdade que, em caso de insolvência da FFT, os fundos próprios ligados à detenção dessas participações, à semelhança de todos os outros fundos próprios restantes, seriam utilizados para cobrir as dívidas da FFT. Nestas circunstâncias, os capitais da FFT, que possam estar ou não relacionados com as participações que esta detém, estão, de qualquer forma, expostos aos riscos e devem ser tidos em consideração no âmbito do cálculo da remuneração da FFT.

245    Além disso, num contexto intragrupo, as participações de uma sociedade‑mãe nas suas filiais poderiam ser concebidas, na realidade, como uma forma de injeção de capital alternativa à concessão de um empréstimo intragrupo. Assim, a distinção entre o segundo e o primeiro segmento, que corresponde, segundo o Relatório sobre os preços de transferência, aos fundos próprios expostos aos riscos, nomeadamente, de crédito e de incumprimento pela contraparte (considerando 58 da decisão impugnada), é, também por esta razão, artificial, na medida em que ambos poderiam ser, em última análise, a expressão de uma operação de financiamento intragrupo, como o Grão‑Ducado do Luxemburgo confirmou, em substância, na audiência.

246    Por último, no que respeita ao terceiro segmento, a saber, os fundos próprios utilizados para exercer as funções, é forçoso constatar que, como salientou a Comissão no considerando 277 da decisão impugnada, este corresponde aos capitais próprios residuais, obtidos após dedução dos dois primeiros segmentos dos capitais próprios totais. Decorre daí que, devido ao seu caráter residual, este segmento não corresponde, na realidade, a nenhuma função ou atividade determinada. Além disso, como a Comissão afirmou com razão no considerando 265 da decisão impugnada, este segmento não corresponde a nenhuma componente habitual dos fundos próprios utilizados no cálculo dos requisitos de rendibilidade. Ademais, há que salientar que o [confidencial]. Ora, essas funções correspondem às funções para as quais é calculada a remuneração da FFT, conforme aprovada pela decisão antecipativa em causa. Por conseguinte, é forçoso referir que esta segmentação é necessariamente inapropriada.

247    Decorre, portanto, destas constatações que a Comissão não cometeu nenhum erro ao considerar, em substância, que a segmentação dos capitais próprios era errada e que a totalidade dos capitais próprios da FFT devia ser tida em conta para efeitos de remuneração dos riscos.

248    Os outros argumentos do Grão‑Ducado do Luxemburgo não convencem.

249    Uma vez que o Grão‑Ducado do Luxemburgo alega que a FFT deveria ter pago o mesmo montante de imposto se as suas atividades tivessem sido repartidas entre três entidades distintas, este argumento não pode proceder.

250    Com efeito, por um lado, conforme referido n.o 235, supra, a segmentação dos capitais próprios não corresponde às diferentes funções exercidas pela FFT. Por outro lado, conforme salientado no n.o 241, supra, todos os capitais da FFT são tidos em consideração pelos agentes no mercado junto dos quais a FFT contrai empréstimos e a sua capacidade de empréstimo afeta necessariamente as suas atividades de financiamento e os seus lucros. Não se pode, portanto, considerar que a FFT deveria pagar a mesma taxa de imposto se os seus capitais fossem detidos por três sociedades distintas para exercerem atividades com uma rendibilidade diferente. Além disso, tal como estabelecido no n.o 240, supra, os capitais próprios da FFT relacionados com as atividades de financiamento seriam insuficientes atendendo aos riscos incorridos se fossem tidos em consideração. De qualquer forma, este argumento deve ser rejeitado na medida em que se refere a uma situação hipotética, alheia à situação que é objeto do presente processo.

251    À luz de tudo o que precede, há que constatar que a Comissão considerou corretamente que a totalidade dos capitais próprios da FFT deveria ter sido tida em conta para efeitos de cálculo da remuneração das suas atividades de financiamento intragrupo e de tesouraria.

3)      Quanto ao segundo erro, relativo à tomada em consideração dos fundos próprios regulamentares hipotéticos

252    O Grão‑Ducado do Luxemburgo contesta, em substância, a apreciação da Comissão segundo a qual era errado ter em conta os fundos próprios regulamentares hipotéticos para a remuneração dos riscos associados às atividades de financiamento intragrupo e de tesouraria da FFT. A este respeito, o Grão‑Ducado do Luxemburgo contesta a apreciação da Comissão segundo a qual não existe nenhuma racionalidade económica ao aplicar uma rendibilidade de capitais próprios a uma base formada pelos capitais regulamentares da FFT, quando o MMLT exige que se avalie os capitais próprios afetos às diferentes funções da FFT, acrescentando que o Quadro de Basileia II e o CAPM são normas internacionais.

253    A Comissão opõe‑se a esta argumentação pelo facto de o cálculo da matéria coletável a partir dos capitais hipotéticos regulamentares realizado pela FFT ser, por um lado, errado e, por outro, incoerente.

254    Em primeiro lugar, há que recordar que, como assinalou a Comissão nos considerandos 254 e 262 da decisão impugnada, sem ser contestado pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo, o Quadro de Basileia II define os fundos próprios regulamentares exigidos como uma percentagem dos ativos detidos por um banco ou uma instituição financeira, ponderada pelo risco subjacente de cada um desses ativos. Os fundos próprios regulamentares constituem, assim, a estimativa, feita por um regulador, de um nível mínimo de capitalização que um banco ou outra instituição financeira deve manter e não constituem um direito nos lucros da entidade em causa, nem na remuneração dos riscos suportados por esta entidade.

255    Em segundo lugar, no que respeita à apreciação da Comissão, a título principal, segundo a qual é errada a escolha, aprovada pela decisão antecipativa em causa, que consiste em tomar em consideração o capital regulamentar hipotético da FFT, há que referir, conforme alega a Comissão, que, ao contrário dos capitais próprios contabilísticos utilizados para as atividades de financiamento da FFT, os fundos próprios regulamentares não apresentam nenhuma ligação com os lucros reclamados por um investidor à sociedade em que investe. Com efeito, os fundos próprios regulamentares não são um indicador apropriado dos lucros obtidos por um banco ou uma instituição financeira, mas apenas o cumprimento de uma obrigação prudencial imposta a esses estabelecimentos. Os fundos próprios regulamentares hipotéticos, determinados pela aplicação por analogia do Quadro de Basileia II, não podem, a fortiori, constituir um indicador apropriado para determinar a remuneração do risco a que estão expostos os capitais da FFT.

256    Nenhum dos argumentos invocados pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo é suscetível de pôr em causa esta constatação.

257    Em primeiro lugar, o facto, invocado pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo em resposta às perguntas do Tribunal Geral durante a audiência, de a Administração Fiscal se ter interrogado sobre a questão de saber se a FFT era corretamente capitalizada não justifica que os fundos próprios regulamentares hipotéticos tivessem sido utilizados como indicador do nível de lucros.

258    Em segundo lugar, o argumento do Grão‑Ducado do Luxemburgo segundo o qual a FFT era obrigada a dispor, enquanto sociedade de financiamento, de um capital mínimo, em conformidade com a Circular, deve ser rejeitado por ser inoperante. Com efeito, basta referir, como a Comissão observa, que tal obrigação não justifica que o capital mínimo, detido em conformidade com esta obrigação, seja um indicador do nível de lucros apropriado, uma vez que uma obrigação regulamentar não reflete as fatias de lucros obtidos.

259    Em terceiro lugar, no que respeita à apreciação da Comissão, a título subsidiário, segundo a qual existe uma incoerência ao tomar em consideração os fundos próprios regulamentares hipotéticos para determinar a rendibilidade dos capitais próprios contabilísticos, ao contrário da rendibilidade dos fundos próprios regulamentares, primeiro, é forçoso constatar que, mesmo supondo que fosse correto acolher apenas os fundos próprios regulamentares hipotéticos como indicador do nível de lucros, o Grão‑Ducado do Luxemburgo não dá qualquer explicação convincente para justificar a incoerência na metodologia adotada.

260    Ora, como a Comissão expôs nos considerandos 253 e 254 da decisão impugnada, a rendibilidade dos capitais próprios é um rácio de rendibilidade. A tomada em consideração dos capitais próprios contabilísticos permite determinar o lucro líquido, que constitui a remuneração dos acionistas, enquanto os fundos próprios regulamentares não refletem nenhum direito nos lucros da sociedade, mas representam apenas os fundos que uma sociedade regulamentada é obrigada a deter.

261    Os argumentos do Grão‑Ducado do Luxemburgo segundo os quais o método utilizado para determinar a rendibilidade dos capitais próprios não é «incoerente» porque, por um lado, este método permite tomar em consideração as atividades distintas da FFT e, por outro, o Quadro de Basileia II é uma referência internacional, tal como o CAPM, devem ser julgados inoperantes a este respeito. Com efeito, nenhum deles permite explicar as razões pelas quais os fundos próprios regulamentares podem ser utilizados para determinar a rendibilidade dos capitais próprios contabilísticos.

262    Segundo, importa igualmente salientar que, como a Comissão referiu no considerando 263 da decisão impugnada, uma vez que o exercício de comparação da FFT, efetuado no Relatório sobre os preços de transferência para efeitos de cálculo do CAPM, com 66 sociedades identificadas pelo consultor fiscal não se baseia nos fundos próprios regulamentares hipotéticos destas 66 sociedades, a escolha dos fundos próprios regulamentares hipotéticos da FFT como indicador do nível de lucros é incoerente.

263    À luz do acima exposto, há que constatar que a Comissão considerou com razão que o Grão‑Ducado do Luxemburgo não devia ter adotado como base para o cálculo da remuneração do risco os capitais regulamentares hipotéticos da FFT.

264    Uma vez que se concluiu que a Comissão tinha corretamente considerado que os fundos próprios regulamentares hipotéticos não podiam ser utilizados para efeitos de cálculo da remuneração da FFT, não há que examinar os argumentos do Grão‑Ducado do Luxemburgo destinados a contestar a apreciação da Comissão segundo a qual o cálculo dos fundos próprios regulamentares hipotéticos da FFT estava errado (o terceiro erro). Com efeito, este raciocínio foi desenvolvido pela Comissão a título subsidiário, conforme resulta do considerando 276 da decisão impugnada, e baseia‑se na premissa errada de que os fundos próprios regulamentares hipotéticos podiam ser utilizados como indicador do nível de lucros para calcular a remuneração dos riscos suportados pela FFT.

4)      Quanto ao quarto erro, relativo à não tomada em consideração das participações da FFT

265    O Grão‑Ducado do Luxemburgo contesta a apreciação da Comissão segundo a qual os capitais ligados às participações da FFT na FFC e na FFNA deveriam ter sido considerados no cálculo da remuneração das atividades de financiamento intragrupo e de tesouraria da FFT.

266    Antes de mais, o Grão‑Ducado do Luxemburgo sustenta que a Comissão deveria ter considerado que a remuneração das participações na FFNA e na FFC estava por definição excluída do âmbito de aplicação dos preços de transferência. Com efeito, os dividendos provenientes das participações estão isentos de imposto e nenhum encargo financeiro está associado a esse financiamento, nem deduzido.

267    Em seguida, o Grão‑Ducado do Luxemburgo alega que, contrariamente ao que afirma a Comissão no considerando 282 da decisão impugnada, em direito luxemburguês, qualquer fonte de financiamento deve ser afeta, na medida do possível, a cada ativo da sociedade. Ora, as participações detidas pela FFT são financiadas por fundos próprios, no montante de 165 244 000 euros, que se encontram fora do âmbito de aplicação dos preços de transferência e devem ser excluídos dos cálculos relativos à remuneração dos riscos suportados pela FFT para a sua atividade de financiamento intragrupo.

268    Além disso, o Grão‑Ducado do Luxemburgo alega que a aplicação das regras do Quadro de Basileia II permite a exclusão das participações noutras instituições de crédito. Na medida em que a Comissão rejeitou este argumento, no considerando 281 da decisão impugnada, pelo facto de a FFT não ser uma instituição de crédito, o Grão‑Ducado do Luxemburgo considera que esta abordagem é incoerente com o resto da decisão impugnada, na qual a Comissão aplicou o Quadro de Basileia II.

269    Ademais, o Grão‑Ducado do Luxemburgo contesta a apreciação da Comissão, formulada no considerando 286 da decisão impugnada, segundo a qual, em substância, as participações na FFNA e na FFC não podiam ser deduzidas dos capitais próprios contabilísticos, porque tal faria cair o efeito de alavancagem da FFT, que corresponde ao rácio de endividamento/fundos próprios, que é de [confidencial] % tendo em conta estas participações, [confidencial] do rácio de endividamento da média dos bancos europeus — que é de 2,9 % ou de 3,3 % segundo a amostra. Com efeito, por um lado, o painel dos bancos acolhido pela Comissão e a média daí resultante não são um referencial determinante, uma vez que outros bancos têm rácios de endividamento mais elevados. Por outro lado, é necessário ter em conta, não os fundos próprios contabilísticos individuais, mas os fundos próprios contabilísticos consolidados. Além disso, a amostra utilizada pela Comissão também não é representativa.

270    Por último, o Grão‑Ducado do Luxemburgo entende que a comparação feita pela Comissão, no considerando 288 da decisão impugnada, com a Fiat Finance SpA (a seguir «FF»), sociedade de tesouraria estabelecida em Itália, não é pertinente nem conclusiva. A este respeito, o Grão‑Ducado do Luxemburgo contesta que se deva aplicar à FF a mesma metodologia que é aplicada à FFT, a saber, a que consiste em deduzir as participações dos fundos próprios, porque tal resultaria em capitais negativos para a FF. Por um lado, a FF é um sujeito fiscal italiano e não luxemburguês. Por outro lado, a Comissão apenas demonstrou que, no caso da FF, as participações foram financiadas pela dívida.

271    A título preliminar, há que referir que, nos considerandos 277 a 290 da decisão impugnada, a Comissão entendeu, em substância, que o Grão‑Ducado do Luxemburgo tinha cometido um erro de apreciação ao isolar os «investimentos financeiros na FFNA e na FFC», que a FFT tinha avaliado em 165 244 000 euros (quadro 2 da decisão impugnada) e ao conceder‑lhes uma remuneração nula. O que conduziu, segundo a Comissão, a uma redução do imposto exigível à FFT.

272    Importa também salientar que é pacífico que o método aprovado pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo na decisão antecipativa em causa visa, para efeitos de determinação do imposto devido pela FFT, determinar a remuneração que esta teria obtido para as suas atividades de financiamento intragrupo e de tesouraria se tivesse operado em condições de mercado. O método em questão consiste em calcular a rendibilidade do capital. Neste contexto, é certo que o facto de a FFT não ser tributada, enquanto sociedade holding, sobre os dividendos que recebe da FFNA e da FFC, sendo pacífico que estas são tributadas sobre os dividendos, pode levar a pensar que os capitais afetos a essas participações não devem ser tidos em conta para determinar o imposto que a FFT teria de pagar se operasse em plena concorrência. Todavia, essa afirmação não pode vingar pelas seguintes razões.

273    Em primeiro lugar, há que referir que, como alega com razão a Comissão no considerando 282 da decisão impugnada, os capitais próprios são fungíveis. Em caso de insolvência da FFT, os credores serão reembolsados com base na totalidade dos capitais próprios. Deste modo, contrariamente ao alegado pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo e pela FFT nas suas observações durante a audiência, ainda que a detenção das participações da FFNA e da FFC não dê origem a qualquer dividendo tributável, tendo os dividendos destas sociedades já sido tributados antes de serem distribuídos à FFT, enquanto holding, não é menos verdade que, em caso de insolvência da FFT, os fundos próprios ligados à detenção dessas participações, à semelhança de todos os outros fundos próprios restantes, seriam utilizados para cobrir as dívidas da FFT. Nestas circunstâncias, os capitais da FFT, quer estejam ou não relacionados com as participações que esta detém, estão, de qualquer modo, expostos aos riscos e devem ser tomados em consideração no cálculo da remuneração da FFT, mesmo que as participações na FFNA e na FFC não deem origem a nenhum rendimento tributável.

274    Em segundo lugar, importa sublinhar que, conforme salientou com razão a Comissão, o Grão‑Ducado do Luxemburgo não demonstra que as outras sociedades com as quais esta comparou a FFT tenham deduzido dos seus capitais as suas participações em filiais ou que ele não saiba que instituições financeiras que operam no mercado detêm tais participações. Nestas circunstâncias, a Comissão considerou, com razão, que excluir as participações da FFT nas suas duas filiais não permite proceder a uma comparação apropriada da FFT com outras empresas que operam no mercado.

275    Em terceiro lugar, é forçoso constatar que, mesmo supondo que os princípios do Quadro de Basileia II tivessem sido aplicados no caso vertente, a FFT não preencheria o requisito necessário para deduzir uma parte do montante dos seus capitais próprios, correspondente às participações na FFNA e na FFC, a saber, que a FFT, a FFNA e a FFC não sejam objeto de contas consolidadas no Luxemburgo. Com efeito, como a Comissão salientou nos considerandos 112 e 281 da decisão impugnada e como o Grão‑Ducado do Luxemburgo confirmou em resposta às medidas de organização do processo, as contas da FFT eram consolidadas no Luxemburgo.

276    Em quarto lugar, há que salientar que, embora o Grão‑Ducado do Luxemburgo conteste que o rácio de alavancagem da FFT deva ser comparado com a amostra de bancos adotada pela Comissão, não é menos verdade que este não oferece nenhum argumento, nem nenhuma prova que permita entender as razões pelas quais ‑ se se deve considerar que os fundos próprios que cobram os investimentos financeiros na FFNA e na FFC não devem ser tidos em conta, embora constituem quase 60 % da totalidade dos fundos próprios da FFT (quadro 2 da decisão impugnada) ‑ este rácio não seria claramente inferior ao que foi identificado pela Comissão e até mesmo ao que foi acolhido pelo próprio Grão‑Ducado do Luxemburgo.

277    Com efeito, na medida em que o rácio de alavancagem é calculado em relação ao montante dos capitais próprios, há que referir que, se o rácio de alavancagem de [confidencial] %, identificado pela Comissão, [confidencial] quando todos os capitais próprios da FFT fossem tidos em conta, [confidencial] se a fração dos capitais próprios, correspondente às participações na FFNA e na FFC, não fosse tida em conta. Essa constatação impõe‑se, pouco importando que a norma de mercado seja de 2,9 %, ou de 3,3 %, conforme identificada pela Comissão, ou até mesmo de 4 a 4,5 %, como resulta da amostra dos rácios acolhidos pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo.

278    À luz das considerações expostas nos n.os 271 a 277, supra, há que constatar que a Comissão considerou corretamente que o Grão‑Ducado do Luxemburgo tinha excluído erradamente uma parte dos capitais próprios da FFT, correspondente às participações desta nas suas filiais, do capital que deve ser tido em conta para determinar a remuneração da FFT para as suas atividades de financiamento intragrupo e de tesouraria.

279    Decorre do conjunto das constatações expostas nos n.os 209 a 278, supra, que a Comissão considerou com razão que a totalidade dos capitais próprios da FFT deveria ter sido tida em conta para efeitos de cálculo da remuneração da FFT e que uma taxa única deveria ter sido aplicada. De qualquer modo, a Comissão também considerou corretamente que o método que consiste, por um lado, em considerar os capitais regulamentares hipotéticos da FFT e, por outro, em excluir as participações da FFT na FFNA e na FFC do montante dos capitais a remunerar, não permitia chegar a um resultado de plena concorrência.

280    Nestas circunstâncias, há que referir que o método aprovado pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo minimizou a remuneração da FFT, com base na qual é determinado o imposto por ela devido, sem que seja necessário examinar as alegações do Grão‑Ducado do Luxemburgo relativas ao quinto erro identificado pela Comissão, que incide sobre a taxa de rendimento. Com efeito, a simples constatação de que o montante dos capitais a remunerar foi subestimado basta, no caso vertente, para demonstrar a existência de uma vantagem.

281    Em primeiro lugar, o rácio entre os capitais efetivamente tidos em conta no método adotado pela decisão antecipativa em causa e a totalidade dos capitais próprios é de uma importância tal que o erro na determinação dos capitais a remunerar conduz necessariamente a uma diminuição da carga fiscal da FFT, independentemente do nível da taxa de rendimento única a aplicar. Com efeito, o montante dos capitais regulamentares hipotéticos, que ascende a 28 milhões de euros, representa apenas cerca de 10 % do montante total dos capitais próprios que, por sua vez, ascende a 287 milhões de euros.

282    Em segundo lugar, conforme referido no n.o 211, supra, o método de determinação da remuneração das atividades de financiamento intragrupo e de tesouraria da FFT, tal como aprovado na decisão antecipativa em causa, é composto por duas etapas, a saber, primeiro, a determinação do montante do capital a remunerar e, segundo, a determinação da taxa de rendimento a aplicar. Ora, no âmbito da primeira etapa, o método aprovado pela decisão antecipativa em causa distingue entre três montantes distintos aos quais são aplicadas três taxas distintas, determinadas segundo métodos diferentes. Consequentemente, se a primeira etapa do cálculo estiver errada, não é necessário examinar a segunda etapa desse cálculo. Com efeito, a constatação de um erro na primeira etapa do método adotado na decisão antecipativa em causa torna necessariamente sem objeto o exame de eventuais erros no cálculo da taxa de rendimento que constitui a segunda etapa desse método. O cálculo da rendibilidade deveria ser integralmente retomado pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo à luz do montante dos capitais que deveriam ter sido tidos em consideração. Resulta, aliás, do considerando 311 da decisão impugnada que uma estimativa correta da matéria coletável da FFT deve ser calculada com base na aplicação de uma taxa única ao montante total dos seus capitais próprios contabilísticos.

283    Ora, importa salientar que, no que respeita ao montante da taxa de rendimento, as partes se opõem quanto à questão de saber se este deve ascender a 10 %, conforme alega a Comissão, ou a 6,05 %, conforme sustenta o Grão‑Ducado do Luxemburgo (considerando 304 da decisão impugnada). Por conseguinte, mesmo supondo que tivesse de se aplicar a taxa mais baixa, o montante da remuneração da FFT que daí resultaria permaneceria muito superior ao que foi aprovado pela decisão antecipativa em causa. Com efeito, esta taxa, que corresponde à taxa aplicada no primeiro segmento, seria aplicada à totalidade do montante dos capitais próprios, que representa um montante dez vezes mais elevado do que aquele a que foi aplicada esta taxa ao abrigo da decisão antecipativa em causa. Neste contexto, há que salientar que, de qualquer modo, nenhum dos argumentos do Grão‑Ducado do Luxemburgo relativos à taxa de rendimento invalidam a conclusão da Comissão quanto à existência de uma vantagem.

284    Por conseguinte, o Tribunal Geral considera que, embora o Grão‑Ducado do Luxemburgo tenha contestado o quinto erro identificado pela Comissão, relativo à taxa de rendimento (v. n.o 194, supra), não se mostra necessário apreciar o mérito destes argumentos.

285    Nestas circunstâncias, todas as alegações formuladas pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo, relativas ao exame pela Comissão do método de determinação da remuneração da FFT devem ser rejeitadas.

286    Decorre do conjunto das constatações efetuadas nos n.os 211 a 285, supra, que a Comissão considerou corretamente que a decisão antecipativa em causa tinha aprovado um método de determinação da remuneração da FFT, que não permitia chegar a uma resultado de plena concorrência e que conduzia a uma diminuição da carga fiscal da FFT. Por conseguinte, a Comissão considerou, com razão, no âmbito do seu raciocínio a título principal, que a decisão antecipativa em causa conferia uma vantagem à FFT.

3.      Quanto ao raciocínio formulado a título subsidiário pela Comissão, segundo o qual a decisão antecipativa em causa derrogava o artigo 164.o, n.o 3, do Código dos Impostos e a Circular

287    A simples constatação, efetuada no n.o 286, supra, de que a Comissão não cometeu nenhum erro no âmbito do seu raciocínio formulado a título principal, basta para considerar que a Comissão provou que a decisão antecipativa em causa conferiu uma vantagem à FFT. No entanto, o Tribunal Geral entende oportuno examinar, a título exaustivo, o raciocínio formulado a título subsidiário pela Comissão, segundo o qual a referida decisão antecipativa derrogava o artigo 164.o, n.o 3, do Código dos Impostos e a Circular.

288    A este respeito, o Tribunal Geral salienta que, no âmbito da segunda parte do seu primeiro fundamento, o Grão‑Ducado do Luxemburgo alega que a decisão antecipativa em causa é conforme com o princípio da plena concorrência, tal como previsto no direito nacional luxemburguês.

289    A Comissão contesta estes argumentos.

290    A este respeito, há que recordar que, a título subsidiário, na secção 7.2.4 da decisão impugnada, intitulada «Argumentação a título subsidiário: vantagem seletiva devido a uma derrogação do artigo 164.o [do Código dos Impostos] e/ou da Circular» (considerandos 315 a 317 da decisão impugnada), a Comissão considerou que a decisão antecipativa em causa conferia uma vantagem à FFT pelo facto de derrogar o princípio da plena concorrência em direito luxemburguês, previsto no artigo 164.o, n.o 3, do Código dos Impostos e na Circular (v. considerandos 316 e 317 da decisão impugnada).

291    Com efeito, no considerando 316 da decisão impugnada, a Comissão expôs o seguinte:

«[N]a qualidade de argumentação subsidiária, […] [a decisão antecipativa em causa] também confere à FFT uma vantagem seletiva no quadro do sistema de referência mais limitado composto por sociedades pertencentes a grupos que aplicam preços de transferência e que são abrangidas pelo artigo 164.o, n.o 3, [do Código dos Impostos] e pela Circular. Esta disposição estabelece o princípio da plena concorrência no direito fiscal luxemburguês, segundo o qual as transações entre sociedades de um mesmo grupo devem ser remuneradas a um nível de preços que teria sido aceite por sociedades independentes negociando em circunstâncias comparáveis em condições de plena concorrência. A secção 2 da Circular contém, nomeadamente, uma descrição do princípio da plena concorrência conforme definido nos princípios da OCDE aplicáveis em matéria de preços de transferência e transposto[s] para o direito nacional.»

292    Em seguida, no considerando 317 da decisão impugnada, a Comissão relembrou que já tinha demonstrado, no âmbito da secção 7.2.2 da referida decisão, que a decisão antecipativa em causa não permitia chegar a uma aproximação fiável de resultados de plena concorrência. Com base nesta constatação, a Comissão concluiu que a decisão antecipativa em causa «confer[ia] uma vantagem seletiva no âmbito do sistema de referência mais limitado do artigo 164.o, n.o 3, [do Código dos Impostos] ou da Circular, tendo em conta que implica uma redução do imposto exigível à FFT relativamente à situação em que o princípio da plena concorrência enunciado nessa disposição teria sido corretamente aplicado».

293    Resulta claramente dos considerandos 316 e 317 da decisão impugnada que a Comissão concluiu que a decisão antecipativa em causa conferia uma vantagem seletiva à FFT, dado que conduzia a uma diminuição do imposto exigível em relação à situação em que o princípio da plena concorrência, enunciado no artigo 164.o, n.o 3, do Código dos Impostos e na Circular, tivesse sido corretamente aplicado.

294    Ora, é forçoso constatar que a Comissão baseou essa conclusão no exame da decisão antecipativa em causa que efetuou no âmbito da sua análise realizada a título principal. A Comissão afirmou, assim, que já tinha demonstrado, no âmbito da secção 7.2.2 da decisão impugnada, que a decisão antecipativa em causa não permitia chegar a uma aproximação fiável de um resultado de plena concorrência.

295    A este respeito, em primeiro lugar, há que referir que o artigo 164.o, n.o 3, do Código dos Impostos dispõe que «as distribuições dissimuladas de lucros devem ser incluídas no rendimento tributável» e que «[e]xistem distribuições dissimuladas de lucros, nomeadamente, se um associado, sócio ou interessado, receber direta ou indiretamente vantagens de uma sociedade ou de uma associação das quais não teria normalmente beneficiado se não tivesse essa qualidade». Além disso, a Circular prevê, no seu ponto 2, que, «se um serviço intragrupo tiver sido prestado, há que determinar, tal como para os outros tipos de transferências intragrupo, se a remuneração acordada está conforme com o princípio de plena concorrência, isto é, se corresponde ao preço que teria sido praticado e aceite por empresas independentes em circunstâncias comparáveis». Daqui decorre que o artigo 164.o, n.o 3, do Código dos Impostos e a Circular preveem que a remuneração das transações intragrupo deve ser determinada como se o preço dessas transações tivesse sido celebrado entre empresas autónomas. O Grão‑Ducado do Luxemburgo e a FFT não contestam, aliás, a apreciação da Comissão, formulada no considerando 75 da decisão impugnada, segundo a qual essas disposições estabelecem o princípio da plena concorrência em direito luxemburguês.

296    Em segundo lugar, é forçoso constatar que a Circular remete para o artigo 9.o do Modelo de Convenção da OCDE e para as Orientações da OCDE enquanto norma internacional de referência para a determinação dos preços de transferência. Ora, no âmbito da sua análise a título principal da vantagem seletiva, a Comissão referiu‑se amplamente às Orientações da OCDE, designadamente para identificar os cinco erros no método de determinação da remuneração da FFT. Daqui resulta que a mesma grelha de análise podia ser utilizada pela Comissão no âmbito da sua análise a título principal como no âmbito da sua análise a título subsidiário.

297    Por conseguinte, nas circunstâncias do caso em apreço, há que concluir que a Comissão não cometeu nenhum erro ao considerar que podia transpor a sua análise efetuada à luz do princípio da plena concorrência, conforme descrito na decisão impugnada, que consistia em determinar a remuneração da FFT, a fim de concluir que a decisão antecipativa em causa conferia uma vantagem à FFT pelo facto de esta última ter pago um imposto menor em relação ao imposto que deveria ter pago em aplicação do artigo 164.o, n.o 3, do Código dos Impostos e da Circular.

298    Os argumentos do Grão‑Ducado do Luxemburgo segundo os quais a decisão antecipativa em causa é conforme com o direito luxemburguês não pode pôr em causa a constatação efetuada no n.o 297, supra. Com efeito, tais argumentos já foram rejeitados nos n.os 226 e 227, supra.

299    Decorre de todas estas constatações que a Comissão considerou com razão que, de qualquer modo, a decisão antecipativa em causa conferia uma vantagem seletiva à FFT, devido ao facto de resultar numa diminuição da carga fiscal da FFT em relação à que deveria suportar em aplicação do artigo 164.o, n.o 3, do Código dos Impostos e da Circular.

4.      Quanto ao fundamento relativo à inexistência de uma vantagem ao nível do grupo

300    O Grão‑Ducado do Luxemburgo e a FFT alegam, em substância, que a Comissão não demonstrou a existência de uma vantagem ao nível do grupo Fiat/Chrysler e violou, assim, o seu dever de fundamentação previsto no artigo 296.o TFUE, bem como no artigo 107.o TFUE.

301    Mais precisamente, o Grão‑Ducado do Luxemburgo entende que a fundamentação da decisão impugnada é manifestamente deficiente e contraditória, na medida em que a Comissão recusou, no considerando 314 dessa decisão, tomar em consideração os seus efeitos ao nível do grupo Fiat/Chrysler, invocando simultaneamente os efeitos da vantagem para designar, nos considerandos 342 e 344 da referida decisão, esse grupo como sendo o beneficiário do pretenso auxílio em causa.

302    Por um lado, o Grão‑Ducado do Luxemburgo sustenta que, contrariamente aos factos do processo que deu origem ao Despacho de 31 de agosto de 2010, a France Télécom/Comissão (C‑81/10 P, não publicado, EU:C:2010:475, n.o 43), os eventuais encargos suportados pelas outras filiais, tais como uma tributação mais elevada, não são «sem relação» com a vantagem que a FFT teria obtido. Por outro lado, o Grão‑Ducado do Luxemburgo baseia‑se no Acórdão de 17 de dezembro de 2015, Espanha e o./Comissão (T‑515/13 e T‑719/13, EU:T:2015:1004, n.os 115 e 116), para criticar a Comissão por não ter indagado, nem fundamentado, em quê o grupo Fiat/Chrysler tinha realmente beneficiado de uma vantagem.

303    A FFT sustenta, por sua vez, que a Comissão violou o artigo 107.o TFUE ao ignorar o efeito da decisão antecipativa em causa sobre o grupo Fiat/Chrysler, no seu conjunto, a fim de determinar se a FFT e o grupo Fiat/Chrysler tinham beneficiado de uma vantagem.

304    Por um lado, a FFT observa que, no considerando 155 da Decisão 2011/276/UE da Comissão, de 26 de maio de 2010, relativa ao auxílio estatal sob a forma de um acordo de transação fiscal executado pela Bélgica a favor da sociedade Umicore S. A. (ex «Union minière S. A.») [Auxílio estatal C 76/03 (ex NN 69/03)] (JO 2011, L 122, p. 76, a seguir «Decisão Umicore»), a Comissão reconheceu que as administrações fiscais nacionais devem beneficiar de uma margem de apreciação na avaliação dos preços de transferência. Ora, a alegada vantagem a favor da FFT não é desproporcionada e resulta apenas dessa margem de apreciação.

305    Por outro lado, a FFT observa que, no considerando 314 da decisão impugnada, a Comissão entendeu erradamente que não era necessário examinar se o impacto da decisão antecipativa em causa não era neutro ao nível do grupo. A FFT alega assim que, mesmo que as suas operações com outra sociedade do grupo lhe tivessem dado uma margem de lucro superior no Luxemburgo, tal significaria que a outra sociedade do grupo Fiat/Chrysler teria o direito de deduzir ainda mais juros em despesas.

306    Por outro lado, a FFT sustenta que a decisão impugnada é contraditória, uma vez que a Comissão, por um lado, conclui que a vantagem fiscal beneficia o grupo todo e, por outro, recusa tomar em consideração o efeito da medida no grupo todo. Ora, a FFT alega que, no caso vertente, ao contrário dos factos do processo que deu origem ao Acórdão de 30 de novembro de 2009, França e France Télécom/Comissão (T‑427/04 e T‑17/05, EU:T:2009:474), os efeitos da medida são neutralizados ao nível do grupo, pelo que não existe uma vantagem.

307    Além disso, a FFT alega que os sete acórdãos, para os quais remete a Comissão, não sustentam a posição segundo a qual não lhe competia fiscalizar a existência de uma vantagem ao nível do grupo Fiat/Chrysler.

308    A este respeito, a FFT observa que a importância do efeito sobre o grupo Fiat/Chrysler, a fim de determinar se a decisão antecipativa em causa conferiu uma vantagem, é ilustrada pelas dificuldades encontradas pelo referido grupo, na medida em que a Administração Fiscal italiana considerou que o lucro tributável da FFT era demasiado elevado para ser considerado realizado em condições de plena concorrência. Por conseguinte, a FFT sobrestimou o seu lucro tributável e pagou a mais a título de imposto sobre as sociedades no Luxemburgo.

309    Por último, no que diz respeito a diferentes pontos metodológicos, a FFT entende que a Comissão devia ter aplicado um critério de proporcionalidade para determinar se a decisão antecipativa em causa lhe conferia uma vantagem. Por outro lado, a FFT alega que apoia sem reserva os argumentos do Grão‑Ducado do Luxemburgo, no âmbito do processo T‑755/15, relativos ao método de determinação da sua remuneração e destinados a contestar os erros identificados pela Comissão.

310    A Comissão opõe‑se a estes argumentos.

311    A título preliminar, há que salientar que o Grão‑Ducado do Luxemburgo não faz nenhuma distinção entre os argumentos que invoca para demonstrar tanto a existência de uma violação do artigo 107.o TFUE como a falta de fundamentação a este respeito. Todavia, é forçoso constatar que, em substância, a sua argumentação visa estabelecer, por um lado, uma falta de fundamentação, na medida em que existe uma incoerência na decisão impugnada, e, por outro, uma violação do artigo 107.o TFUE, na medida em que, em seu entender e segundo a FFT, a Comissão não podia concluir que a FFT e o grupo Fiat/Chrysler tinham beneficiado de uma vantagem.

312    No que respeita, em primeiro lugar, à alegada incoerência da decisão impugnada, por um lado, há que salientar que, no considerando 314 da decisão impugnada, a Comissão concluiu, em substância, que a FFT tinha beneficiado de uma vantagem seletiva na medida em que a sua carga fiscal no Luxemburgo tinha sido diminuída. A este respeito, a Comissão salientou igualmente, no referido considerando, que, segundo a jurisprudência, o facto de essa diminuição do imposto no Luxemburgo conduzir a uma carga fiscal mais significativa noutro Estado‑Membro é sem influência sobre a qualificação dessa medida de auxílio.

313    Por outro lado, nos considerandos 341 a 345 da decisão impugnada, a Comissão entendeu que, se a decisão antecipativa em causa confere uma vantagem seletiva à FFT na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, o tratamento fiscal vantajoso concedido à FFT beneficia o referido grupo no seu conjunto, na medida em que a FFT e o grupo Fiat/Chrysler formavam uma unidade económica. A Comissão precisou, a este respeito, que, tendo o montante do imposto pago pela FFT uma influência sobre as condições de preço dos empréstimos intragrupo concedidos por esta às sociedades do referido grupo, as reduções do imposto devido por FFT tinham por efeito diminuir as condições de preço dos seus empréstimos intragrupo.

314    Por conseguinte, há que constatar, no que respeita ao requisito da existência de uma vantagem, que constitui o terceiro requisito necessário para constatar a existência de um auxílio de Estado, segundo a jurisprudência referida no n.o 118, supra, que não existe nenhuma incoerência nas apreciações da Comissão na decisão impugnada quanto à determinação do beneficiário do auxílio, sendo este identificado, em substância, como sendo a FFT, diretamente, e o grupo Fiat/Chrysler, indiretamente, na medida em que a FFT forma uma unidade económica e, portanto, uma empresa, na aceção do direito dos auxílios de Estado, com o grupo Fiat/Chrysler.

315    Esta primeira alegação do Grão‑Ducado do Luxemburgo, relativa à falta de fundamentação, deve, portanto, ser rejeitada.

316    Quanto à alegação segundo a qual a Comissão violou o artigo 107.o TFUE ao considerar que a FFT e o grupo Fiat/Chrysler beneficiaram de uma vantagem, há que referir, desde logo, que, como a Comissão indica, o Grão‑Ducado do Luxemburgo não apresenta nenhum argumento demonstrativo de que o grupo Fiat/Chrysler e a FFT não constituem uma unidade económica na aceção do direito dos auxílios de Estado. De qualquer modo, como salientou a Comissão no considerando 342 da decisão impugnada, a FFT é integralmente controlada pela Fiat SpA, que controla, por sua vez, o grupo Fiat/Chrysler. Por conseguinte, qualquer vantagem, que beneficia a FFT, beneficia o referido grupo no seu conjunto, em especial, se acarretar, como a Comissão observou sem ser contraditada neste ponto pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo, condições de empréstimos, consentidas pela FFT às outras sociedades do grupo, mais vantajosas devido à diminuição da carga fiscal de que esta última beneficia.

317    Além disso, e em todo o caso, mesmo supondo que esse fator pudesse ser pertinente, há que referir que nem o Grão‑Ducado do Luxemburgo nem a FFT demonstram que as reduções de imposto de que esta última beneficiaria no Luxemburgo seriam «neutralizadas» por aumentos de imposto noutros Estados‑Membros.

318    Por outro lado, mesmo que assim fosse, essa «neutralização» não permitiria considerar que a FFT ou o grupo Fiat/Chrysler não beneficiaram de uma vantagem no Luxemburgo. Com efeito, há que referir que, no âmbito de uma medida fiscal, a existência de uma vantagem é determinada em relação às regras normais de tributação, pelo que as regras fiscais de outro Estado‑Membro não são pertinentes (v., por analogia, Acórdão de 11 de novembro de 2004, Espanha/Comissão, C‑73/03, não publicado, EU:C:2004:711, n.o 28). Por conseguinte, uma vez demonstrado que uma empresa integrada beneficia ao abrigo de uma medida fiscal concedida por um Estado‑Membro de uma redução da carga fiscal que deveria normalmente suportar nos termos das regras normais de tributação, a situação fiscal de outra empresa do grupo noutro Estado‑Membro não tem incidência na existência da vantagem. Por este mesmo motivo, e sem que seja necessário decidir sobre a admissibilidade dos documentos apresentados pela FFT na sequência da réplica e destinados a demonstrar que foi iniciado um processo de arbitragem para evitar a dupla tributação da FFT no Luxemburgo e em Itália, há que rejeitar o argumento da FFT segundo o qual, em substância, e de qualquer forma, os seus rendimentos eram tributados ou em Itália ou no Luxemburgo, pelo que não beneficiou de uma vantagem.

319    Nenhum dos argumentos invocados pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo e pela FFT a este respeito podem pôr em causa esta conclusão.

320    Em primeiro lugar, na medida em que o Grão‑Ducado do Luxemburgo alega que a Comissão não podia referir‑se ao Despacho de 31 de agosto de 2010, France Télécom/Comissão (C‑81/10 P, não publicado, EU:C:2010:475, n.o 43), dado que esta não indagou se o grupo Fiat/Chrysler tinha realmente beneficiado de uma vantagem, há que rejeitar este argumento. Com efeito, a este respeito, basta referir que, no considerando 343 da decisão impugnada, a Comissão entendeu que qualquer tratamento fiscal favorável à FFT beneficiava necessariamente as outras sociedades do grupo às quais faturava preços de transferência.

321    Em segundo lugar, na medida em que o Grão‑Ducado do Luxemburgo invoca o Acórdão de 17 de dezembro de 2015, Espanha e o./Comissão (T‑515/13 e T‑719/13, EU:T:2015:1004, n.os 115 e 116), para demonstrar que a Comissão deveria ter indagado se o grupo Fiat/Chrysler tinha realmente beneficiado de uma vantagem, há que constatar, para além do facto de o referido acórdão ter sido anulado pelo Tribunal de Justiça (Acórdão de 25 de julho de 2018, Comissão/Espanha e o., C‑128/16 P, EU:C:2018:591), que os factos do processo que deu origem a esse acórdão não têm, de qualquer forma, nenhuma relação com os factos do caso vertente.

322    Com efeito, no Acórdão de 17 de dezembro de 2015, Espanha e o./Comissão (T‑515/13 e T‑719/13, EU:T:2015:1004), o Tribunal Geral declarou que a Comissão tinha cometido um erro ao considerar que os beneficiários de um auxílio eram os agrupamentos de interesse económico (AIE) e os seus membros, quando não se podia demonstrar que os seus membros, que eram os únicos visados pela ordem de recuperação, beneficiavam de vantagens seletivas.

323    No caso em apreço, a Comissão provou de forma juridicamente bastante que não só a FFT, mas também todas as sociedades que faziam parte do grupo e operavam com a FFT beneficiaram da vantagem fiscal concedida pela FFT, atendendo à sua incidência nas condições de preços dos seus empréstimos intragrupo. Este argumento do Grão‑Ducado do Luxemburgo deve, portanto, ser rejeitado.

324    Em terceiro lugar, na medida em que a FFT entende que a Comissão deveria ter aplicado um critério de proporcionalidade para determinar se a decisão antecipativa em causa conferia uma vantagem, designadamente, tendo em conta a Decisão Umicore, há que rejeitar este argumento. Com efeito, por um lado, há que recordar que a Comissão não está vinculada pela sua prática decisória. Por outro lado, conforme sublinha na Decisão Umicore, a Comissão reconheceu uma margem de apreciação às Autoridades Fiscais no âmbito de uma transação que põe termo a um litígio, permitindo assim evitar um processo possivelmente longo ou incerto, e não no âmbito de uma decisão antecipativa que visa determinar o imposto que uma sociedade deverá pagar no futuro.

325    Resulta do que precede que o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente.

326    Por conseguinte, à luz das considerações expostas nos n.os 118 a 325, supra, há que constatar que a Comissão não violou o artigo 107.o TFUE ao considerar que a FFT e o grupo Fiat/Chrysler tinham beneficiado de uma vantagem resultante do facto de a FFT ter pago um imposto menor em relação ao imposto que devia pagar uma empresa que realiza transações no mercado.

327    Nestas circunstâncias, a segunda série de fundamentos invocados pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo e pela FFT, relativos à existência de uma vantagem, deve ser rejeitada no seu conjunto.

E.      Quanto à terceira série de fundamentos, relativos à não seletividade da vantagem concedida à FFT

328    Com o primeiro fundamento no processo T‑755/15 e com a primeira alegação da primeira parte do primeiro fundamento no processo T‑759/15, o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a FFT alegam que a Comissão considerou erradamente que a decisão antecipativa em causa era uma medida seletiva. O Grão‑Ducado do Luxemburgo e a FFT sustentam principalmente que, no âmbito da sua análise da seletividade em três etapas, a Comissão teve em consideração um quadro de referência errado. Segundo eles, a decisão antecipativa em causa não derroga o regime de tributação das sociedades integradas, que é o quadro de referência pertinente. O Grão‑Ducado do Luxemburgo e a FFT sustentam, assim, que a Comissão não demonstrou que a decisão antecipativa em causa tinha sido concedida à FFT em condições mais vantajosas do que as conferidas a outras sociedades integradas.

329    Além disso, o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a FFT contestam o argumento da Comissão segundo o qual a Comissão podia, de qualquer modo, presumir a seletividade da decisão antecipativa em causa, uma vez que se tratava de uma medida individual e que tinha demonstrado que esta conferia uma vantagem à FFT. O Grão‑Ducado do Luxemburgo e a FFT alegam que a jurisprudência distingue entre as medidas individuais ad hoc e as medidas fiscais individuais de aplicação de um regime fiscal geral. Neste último caso, a seletividade não pode ser presumida, mas deve ser examinada em relação ao direito e à prática luxemburguesa para determinar se as suas condições de aplicação são discriminatórias ou se a margem de discricionariedade deixada às autoridades nacionais é excessiva. O Grão‑Ducado do Luxemburgo e a FFT alegam então que a decisão antecipativa em causa não é uma medida individual ad hoc, mas uma medida individual que se inscreve no âmbito de um regime geral que prescreve a imposição de encargos adicionais, a saber, a legislação sobre os preços de transferência, como era o caso no processo que deu origem ao Acórdão de 4 de junho de 2015, Comissão/MOL (C‑15/14 P, EU:C:2015:362).

330    A Irlanda alega que, segundo a jurisprudência e a doutrina, o único sistema de referência pertinente para examinar a seletividade de uma medida fiscal é o sistema fiscal do Estado‑Membro em que a referida medida se inscreve, e não um sistema fiscal abstrato ou hipotético, como a Comissão aplicou erradamente na decisão impugnada. A Irlanda entende que o sistema de referência que deve ser tido em conta é o do regime específico de tributação das sociedades integradas.

331    A Comissão contesta todos estes argumentos.

332    A título preliminar, há que recordar que a exigência de seletividade resultante do artigo 107.o, n.o 1, TFUE deve ser claramente distinguida da deteção concomitante de uma vantagem económica, na medida em que, uma vez detetada pela Comissão a presença de uma vantagem, considerada em sentido lato, decorrente direta ou indiretamente de uma dada medida, esta última deve demonstrar, além disso, que essa vantagem beneficia especificamente uma ou várias empresas. Incumbe‑lhe, para tal, demonstrar, em especial, que a medida em causa introduz diferenciações entre as empresas que se encontram, tendo em conta o objetivo prosseguido, numa situação comparável. É, pois, necessário que essa vantagem seja concedida de maneira seletiva e seja suscetível de colocar certas empresas numa situação mais favorável do que outras (Acórdão de 4 de junho de 2015, Comissão/MOL, C‑15/14 P, EU:C:2015:362, n.o 59).

333    No entanto, há que referir que a exigência de seletividade diverge consoante a medida em causa seja encarada como regime geral de auxílio ou como auxílio individual. Neste último caso, a identificação da vantagem económica permite, em princípio, presumir a sua seletividade (a seguir «presunção de seletividade»). Em contrapartida, no âmbito da análise de um regime geral de auxílio, é necessário identificar se a medida em questão, não obstante a constatação de que confere uma vantagem de alcance geral, o faz em benefício exclusivo de certas empresas ou de certos setores de atividade (Acórdãos de 4 de junho de 2015, Comissão/MOL, C‑15/14 P, EU:C:2015:362, n.o 60, e de 30 de junho de 2016, Bélgica/Comissão, C‑270/15 P, EU:C:2016:489, n.o 49; v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 26 de outubro de 2016, Orange/Comissão, C‑211/15 P, EU:C:2016:798, n.os 53 e 54). Há que precisar que, quando esteja em causa um auxílio individual, a presunção de seletividade ocorre independentemente da questão de saber se no ou nos mercados em causa existem operadores que se encontrem numa situação factual e jurídica comparável (Acórdão de 13 de dezembro de 2017, Grécia/Comissão, T‑314/15, não publicado, EU:T:2017:903, n.o 79).

334    Decorre, igualmente, de jurisprudência constante que, para qualificar de «seletiva» uma medida fiscal nacional que não constitui uma medida individual, a Comissão deve identificar, num primeiro momento, o regime fiscal comum ou «normal» aplicável no Estado‑Membro em causa e demonstrar, num segundo momento, que a medida fiscal em causa derroga o referido regime comum, na medida em que introduz diferenciações entre operadores económicos que se encontram, tendo em conta o objetivo prosseguido por esse regime comum, numa situação factual e jurídica comparável (Acórdãos de 8 de setembro de 2011, Paint Graphos e o., C‑78/08 a C‑80/08, EU:C:2011:550, n.o 49; de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.o 57, e de 13 de dezembro de 2017, Grécia/Comissão, T‑314/15, não publicado, EU:T:2017:903, n.o 85).

335    O conceito de «auxílio de Estado» não abrange as medidas que introduzem uma diferenciação entre empresas que se encontram, tendo em conta o objetivo prosseguido pelo regime jurídico em causa, numa situação factual e jurídica comparável e, por conseguinte, a priori, seletivas, quando o Estado‑Membro em causa conseguir demonstrar que esta diferenciação é justificada por resultar da natureza ou da estrutura do sistema em que as referidas medidas se inserem (v. Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.o 58 e jurisprudência referida).

336    É, pois, no final de um método em três etapas, tal como apresentado nos n.os 334 e 335, supra, que se pode concluir que uma medida fiscal nacional, que não seja uma medida individual, apresenta caráter seletivo.

337    No caso em apreço, há que salientar que, na decisão impugnada, a Comissão procedeu, a título principal, ao exame da seletividade da medida em causa seguindo as três etapas mencionadas nos n.os 334 a 336, supra. Todavia, a Comissão aplicou igualmente a presunção de seletividade segundo a qual uma medida é presumida seletiva quando confere uma vantagem e constituiu um auxílio individual. Com efeito, no considerando 218 da decisão impugnada, e nos seus articulados, a Comissão recordou que, «segundo o Tribunal de Justiça, no caso de uma medida de auxílio individual, por oposição a um regime, a identificação da vantagem económica permite, em princípio, presumir a sua seletividade» e que a FFT beneficia, no caso vertente, de uma «medida de auxílio individual». A Comissão sublinhou, por outro lado, na audiência em resposta às perguntas do Tribunal Geral, que demonstrou a seletividade da vantagem em causa de várias formas na decisão impugnada, inclusive, por via da presunção de seletividade, cuja legalidade só foi, no entanto, confirmada pela jurisprudência após a adoção da decisão impugnada.

338    O Tribunal Geral entende oportuno começar por examinar a argumentação do Grão‑Ducado do Luxemburgo e da FFT segundo a qual a Comissão não podia presumir a seletividade do auxílio, nem constatar que não tinham ilidido a presunção de seletividade.

339    Em primeiro lugar, no que respeita à presunção de seletividade, há que relembrar que, como resulta, em substância, da jurisprudência referida no n.o 333, supra, esta se aplica com a dupla condição de que a medida em causa, por um lado, constitua um auxílio individual (e não um regime de auxílios) e, por outro, conceda uma vantagem à empresa beneficiária. Tratando‑se de uma presunção simples, compete, por conseguinte, à recorrente, a fim de ilidir a presunção, demonstrar que um destes requisitos não está preenchido.

340    Em primeiro lugar, no que respeita ao requisito relativo à existência de uma vantagem, importa referir que este requisito se mostra preenchido. Com efeito, conforme foi salientado no n.o 286, supra, o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a FFT não lograram demonstrar que a Comissão tinha concluído erradamente que o montante do imposto que devia pagar a FFT era inferior ao que deveria pagar em condições normais de mercado.

341    Em segundo lugar, no que respeita ao requisito relativo ao facto de a medida em causa ser um auxílio individual, o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a FFT contestam, em substância, tanto nos seus articulados como na audiência em resposta às perguntas do Tribunal Geral, que a decisão antecipativa em causa possa constituir um auxílio individual ad hoc. Segundo eles, trata‑se de uma medida individual de aplicação que se inscreve no âmbito de um regime geral, como era o caso no processo que deu origem ao Acórdão de 4 de junho de 2015, Comissão/MOL (C‑15/14 P, EU:C:2015:362).

342    A este respeito, há que recordar que, nos termos do artigo 1.o, alínea e), do Regulamento 2015/1589, um auxílio individual é um auxílio que não seja concedido com base num regime de auxílios ou que seja concedido com base num regime de auxílios, mas que deva ser notificado ao abrigo do artigo 2.o do referido regulamento.

343    Nos termos do artigo 1.o, alínea d), do Regulamento 2015/1589, constitui um regime de auxílios «qualquer ato com base no qual, sem que sejam necessárias outras medidas de execução, podem ser concedidos auxílios individuais a empresas nele definidas de forma geral e abstrata e qualquer diploma com base no qual pode ser concedido a uma ou mais empresas um auxílio não ligado a um projeto específico, por um período de tempo indefinido e/ou com um montante indefinido».

344    As considerações seguintes podem ser retiradas da definição do regime de auxílios prevista no artigo 1.o, alínea d), do Regulamento 2015/1589, enunciada no n.o 343, supra, tal como interpretada pela jurisprudência.

345    Em primeiro lugar, a existência de um regime de auxílios implica, em princípio, a identificação de disposições com base nas quais os auxílios são concedidos. No entanto, já foi declarado que, no âmbito do exame de um regime de auxílios e na falta de identificação de um ato jurídico que institua esse regime de auxílios, a Comissão pode basear‑se num conjunto de circunstâncias suscetíveis de evidenciar a existência, de facto, de um regime de auxílios (v., neste sentido, Acórdão de 13 de abril de 1994, Alemanha e Pleuger Worthington/Comissão, C‑324/90 e C‑342/90, EU:C:1994:129, n.os 14 e 15).

346    Em segundo lugar, na medida em que os auxílios individuais são concedidos sem a intervenção de outras medidas de execução, os elementos essenciais de um regime de auxílios devem necessariamente resultar das disposições identificadas como sendo o fundamento desse regime.

347    Em terceiro lugar, quando as autoridades nacionais aplicam um regime de auxílios, essas autoridades não dispõem de qualquer margem de apreciação quanto à determinação dos elementos essenciais do auxílio em questão e quanto à oportunidade da sua concessão. Com efeito, para que a existência de tais medidas de execução seja excluída, o poder das autoridades nacionais deve limitar‑se a uma aplicação técnica das disposições que supostamente constituem o regime em causa, se for o caso, após ter verificado que os requerentes preenchem as condições prévias para beneficiar do mesmo.

348    Em quarto lugar, decorre do artigo 1.o, alínea d), do Regulamento 2015/1589 que os atos que fundamentam o regime de auxílios devem definir os beneficiários de forma geral e abstrata, mesmo que o auxílio que lhes é concedido permaneça indeterminado.

349    No caso em apreço, há que referir que, como sublinhou a Comissão em resposta às perguntas durante a audiência, a decisão antecipativa em causa não pode ser considerada uma medida concedida com base num regime de auxílios.

350    Antes de mais, importa salientar que nem o sistema geral de tributação das sociedades, nem o regime específico de tributação das sociedades integradas, nem qualquer outra disposição identificada pelas partes, constituem um regime na aceção do artigo 1.o, alínea d), primeira e segunda partes da frase, do Regulamento 2015/1589, com base no qual a medida em causa foi concedida à FFT. As partes não invocam, igualmente, um conjunto de circunstâncias suscetíveis de evidenciar a existência, de facto, de um regime de auxílios.

351    Em seguida, há que sublinhar que a medida em causa não incide, de modo geral, sobre a adoção, pelas Autoridades Fiscais, de decisões antecipativas, mas sobre uma decisão antecipativa que diz respeito específica e precisamente à FFT (v. Acórdão de 13 de dezembro de 2017, Grécia/Comissão, T‑314/15, não publicado, EU:T:2017:903, n.os 80 e 81). Ora, é pacífico que a decisão antecipativa em causa tem por objeto determinar o montante de tributação que só a FFT deve pagar por força das disposições fiscais luxemburguesas aplicáveis, pelo que a decisão antecipativa em causa diz exclusivamente respeito à situação individual da FFT. Por conseguinte, há que referir que os elementos essenciais da medida de auxílio e, designadamente, os elementos constitutivos da vantagem, a saber, a aprovação de um método de determinação da remuneração da FFT com base numa segmentação dos capitais próprios e na aplicação de taxas de rendimento diferentes em função dessa segmentação, que se afasta assim de um resultado de plena concorrência, resultam apenas da decisão antecipativa em causa e não de disposições do direito fiscal luxemburguês, com base no qual a decisão antecipativa em causa teria sido adotada.

352    Por último, importa referir, de qualquer modo, que, como indicou o Grão‑Ducado do Luxemburgo em resposta às perguntas orais do Tribunal Geral, decorre da própria legislação luxemburguesa que a Administração Fiscal dispõe de uma margem de apreciação para avaliar, à luz das circunstâncias de cada caso, o melhor método para calcular o montante tributável de cada sociedade que apresente um pedido de decisão antecipativa. Com efeito, a concessão de decisões antecipativas pelas Autoridades Fiscais luxemburguesas necessita, em cada caso, de uma análise específica que dê lugar a uma apreciação complexa. Essa margem de apreciação de que dispõe a Administração luxemburguesa em cada decisão antecipativa exclui, assim, que a decisão antecipativa em causa constitua apenas uma medida de execução de um regime de auxílio.

353    A este respeito, importa sublinhar que o facto de a decisão antecipativa em causa não constituir uma medida isolada, mas ser uma das inúmeras decisões antecipativas concedidas a empresas no Luxemburgo, não tem nenhuma influência na conclusão de que, uma vez que a decisão antecipativa em causa conferiu uma vantagem à FFT, esta decisão constitui um auxílio individual a esta empresa.

354    Resulta de todas estas considerações e, designadamente, dos n.os 345 e 350, supra, que a decisão antecipativa em causa não constitui um regime de auxílio, nem uma medida de auxílio individual adotada ao abrigo de um regime de auxílios, na aceção do artigo 1.o, alínea d), primeira e segunda partes da frase, do Regulamento 2015/1589. Com efeito, por um lado, a decisão antecipativa em causa não contém nenhuma disposição com base na qual seria possível conceder auxílios na aceção do artigo 1.o, alínea d), primeira e segunda partes da frase, do Regulamento 2015/1589. Por outro lado, nenhum elemento permite considerar que esta decisão antecipativa tenha sido adotada com base em tal disposição.

355    Nestas circunstâncias, há, portanto, que constatar que a decisão antecipativa em causa deve ser considerada constitutiva de um auxílio individual, na aceção do artigo 1.o, alínea e), do Regulamento 2015/1589.

356    Esta conclusão não é posta em causa pelos outros argumentos invocados pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo e pela FFT.

357    Por um lado, há que rejeitar o argumento do Grão‑Ducado do Luxemburgo segundo o qual, em substância, a Comissão não podia pôr em causa um auxílio adotado em aplicação de um regime de auxílios sem previamente pôr em causa o referido regime, dado que a decisão antecipativa em causa não foi adotada em aplicação de um regime de auxílios.

358    Por outro lado, na medida em que a FFT alega que a decisão antecipativa em causa representa a aplicação no Luxemburgo das regras em matéria de preços de transferência e que a Comissão não determinou quais eram as empresas que se encontravam em circunstâncias comparáveis à FFT, de facto e de direito, e não teve em conta as diferenças significativas entre sociedades de grupo e sociedades autónomas, há que rejeitar este argumento por ser inoperante. Com efeito, este argumento não põe em causa a conclusão de que a medida em causa é um auxílio individual ad hoc.

359    À luz do que precede, há que concluir que a Comissão não cometeu, de qualquer modo, nenhum erro ao considerar que a vantagem conferida à FFT pela decisão antecipativa em causa era seletiva, uma vez que os requisitos ligados à presunção de seletividade estavam preenchidos no caso em apreço.

360    De qualquer forma, e mesmo supondo que a presunção de seletividade não fosse aplicável, há que salientar que a Comissão considerou igualmente que a vantagem conferida à FFT pela decisão antecipativa em causa era seletiva à luz do exame em três etapas mencionado nos n.os 334 a 336, supra. Cabe recordar que este exame consiste, numa primeira etapa, em identificar o quadro de referência pertinente, depois, numa segunda etapa, em examinar se a medida em causa derroga esse quadro de referência e, por último, numa terceira etapa, em verificar se essa derrogação pode ser justificada pela natureza e pela economia das regras que compõem o quadro de referência. A Comissão procedeu a este exame, considerando como quadro de referência, a título principal, o sistema geral do imposto sobre as sociedades luxemburguês e, a título subsidiário, o artigo 164.o do Código dos Impostos e a Circular.

361    Ora, no que diz respeito às primeira e segunda etapas, há que salientar que, independentemente do quadro de referência considerado pela Comissão, quer se trate do sistema geral do imposto sobre as sociedades ou do artigo 164.o do Código dos Impostos e da Circular, a Comissão pôde corretamente considerar que a decisão antecipativa derrogava as regras que compõem cada um dos quadros de referência. Com efeito, conforme referido nos n.os 286 e 299, supra, a Comissão considerou corretamente, tanto na sua análise a título principal, à luz do sistema geral do imposto sobre as sociedades, como na sua análise a título subsidiário, à luz do artigo 164.o do Código dos Impostos e da Circular, que a decisão antecipativa em causa conferia uma vantagem à FFT. Ora, conforme referido no n.o 122, supra, a Comissão examinou de forma concomitante a existência de uma vantagem e a existência, no âmbito do exame da seletividade, de uma derrogação aos quadros de referência previamente identificados. Com efeito, como a Comissão afirmou no considerando 217 da decisão impugnada, a questão de saber se a decisão antecipativa em causa constitui uma derrogação ao quadro de referência coincide com a constatação da vantagem conferida ao beneficiário por essa medida.

362    Nestas circunstâncias, há que constatar que os argumentos das partes destinados a contestar o quadro de referência identificado pela Comissão são inoperantes e afastar, por serem improcedentes, os argumentos destinados a contestar a análise da Comissão no que diz respeito à segunda etapa do seu raciocínio, a saber, a apreciação de uma derrogação ao quadro de referência.

363    No que respeita à terceira etapa, importa salientar que, na decisão impugnada, por um lado, a Comissão considerou que nem o Grão‑Ducado do Luxemburgo nem a FFT tinham fornecido o mínimo motivo que permitisse justificar o tratamento seletivo da FFT resultante da decisão antecipativa em causa. Por outro lado, a Comissão afirmou não ter identificado, também, um motivo que justificasse o tratamento preferencial de que teria beneficiado a FFT (considerandos 337 e 338 da decisão impugnada).

364    Além disso, na medida em que a FFT alega, para efeitos de justificação da derrogação, que a decisão antecipativa em causa é conforme com o princípio da plena concorrência, basta constatar que este argumento assenta numa premissa errada.

365    No que respeita ao argumento da FFT segundo o qual a decisão antecipativa em causa permitia evitar uma dupla tributação, é forçoso constatar que, como salienta com razão a Comissão, a FFT não sustenta nem demonstra que só podia evitar uma dupla tributação com a adoção da decisão antecipativa em causa. Por outro lado, de qualquer modo, importa constatar que, como referiu com razão a Comissão, a questão da dupla tributação não tem nenhuma relação e é sem influência na questão da determinação da seletividade de uma vantagem.

366    Por conseguinte, decorre das considerações expostas nos n.os 360 a 365, supra, que a Comissão não cometeu nenhum erro ao concluir pela seletividade da medida em causa com base na análise da seletividade em três etapas.

367    Tendo em conta o que precede, há que rejeitar, no seu conjunto, a terceira série de fundamentos, invocados pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo e pela FFT, relativos à não seletividade da vantagem concedida à FFT.

F.      Quanto à quarta série de fundamentos, relativos a uma restrição de concorrência

368    O Grão‑Ducado do Luxemburgo alega que a Comissão não fez prova, em violação dos artigos 107.o e 296.o TFUE, de qualquer restrição de concorrência, atual ou potencial.

369    Segundo o Grão‑Ducado do Luxemburgo, por um lado, a Comissão não provou, nem no considerando 189 da decisão impugnada nem nos considerandos 343 e 345 da referida decisão, em quê a isenção da FFT de uma dívida fiscal, que esta teria normalmente a obrigação de pagar, teve por efeito reforçar a sua posição ou a do grupo Fiat/Chrysler em qualquer mercado. Por outro lado, a única referência genérica, no considerando 189 da decisão impugnada, à posição financeira do referido grupo é manifestamente insuficiente para caracterizar esse efeito, ainda que potencial.

370    A FFT alega igualmente que a Comissão violou os artigos 107.o e 296.o TFUE, na medida em que, praticamente, não analisou, na decisão impugnada, a incidência da decisão antecipativa em causa sobre a concorrência.

371    Em primeiro lugar, a FFT critica a Comissão por se ter limitado, no considerando 189 da decisão impugnada, a afirmar que a decisão antecipativa em causa tinha reforçado a sua posição financeira e a do grupo Fiat/Chrysler e era, por isso, suscetível de falsear a concorrência.

372    Além disso, a FFT sublinha que, segundo a jurisprudência, uma medida deve ser avaliada de acordo com os seus efeitos e não de acordo com os seus objetivos. Ora, a mera afirmação segundo a qual a dívida fiscal redizida no Luxemburgo reforçou a capacidade de concorrência do grupo Fiat/Chrysler equivale a uma condenação pelo objetivo, quando apenas o efeito conta. A Comissão nem sempre pode presumir que a concorrência é falseada. A FFT acrescenta que os factos do caso vertente são complexos e que o efeito global da decisão antecipativa em causa sobre o grupo devia ser tido em conta.

373    Ademais, a FFT sustenta que, mesmo supondo que tivesse beneficiado de um imposto sobre as sociedades exageradamente baixo no Luxemburgo, não presta serviços nem fornece bens a terceiros, pelo que não tem nenhuma capacidade de concorrência num mercado em que a concorrência possa ser falseada.

374    Em segundo lugar, a FFT sustenta que as indicações constantes do considerando 345 da decisão impugnada, e em relação às quais considera que não participam da análise dos efeitos sobre a concorrência efetuada na decisão impugnada, são inexatas.

375    Em terceiro lugar, a FFT alega que a Comissão baseia a sua conclusão de que a decisão antecipativa em causa afetou a concorrência na suposição de que teria pago menos impostos sobre as sociedades do que uma sociedade autónoma. Ora, a FFT contesta esta comparação.

376    A Comissão contesta estes argumentos.

377    No que respeita à constatação, pela Comissão, da existência de uma restrição de concorrência, que constitui o quarto requisito da existência de um auxílio de Estado, há que salientar que, no considerando 189 da decisão impugnada, a Comissão recordou, antes de mais, que se considera que uma medida concedida pelo Estado falseia ou ameaça falsear a concorrência quando é suscetível de melhorar a posição concorrencial do beneficiário em relação a outras empresas com as quais concorre. Em seguida, a Comissão constatou que, na medida em que a decisão antecipativa em causa tinha isentado a FFT de uma dívida fiscal que normalmente seria obrigada a pagar por força do sistema geral do imposto sobre as sociedades, esta decisão antecipativa falseava ou ameaçava falsear a concorrência ao reforçar a posição financeira da FFT e do grupo Fiat/Chrysler.

378    Além disso, nos considerandos 343 a 345 da decisão impugnada, que se referem ao beneficiário da medida controvertida, a Comissão precisou que a decisão antecipativa em causa beneficiava a totalidade do grupo Fiat/Chrysler, na medida em que concedia recursos suplementares não apenas à FFT, mas a todo o grupo. A Comissão acrescentou que o montante do imposto pago pela FFT no Luxemburgo tinha influência nas condições de preço dos empréstimos intragrupo que esta concedia às sociedades do grupo, uma vez que essas condições eram fixadas em função do custo médio do capital do grupo. A Comissão concluiu daí que as reduções do imposto devido pela FFT tinham necessariamente por efeito diminuir as condições de preço dos seus empréstimos intragrupo.

379    Conforme exposto no n.o 178, supra, segundo jurisprudência constante, a fundamentação exigida pelo artigo 296.o TFUE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e revelar de forma clara e inequívoca o raciocínio da instituição autora do ato, de modo a permitir aos interessados conhecerem as razões da medida adotada e ao juiz da União exercer a sua fiscalização.

380    Aplicado à qualificação de uma medida de auxílio, este princípio exige que sejam indicadas as razões pelas quais a Comissão considera que a medida em causa se enquadra no âmbito de aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. A este respeito, mesmo nos casos em que resulta das circunstâncias em que o auxílio foi concedido que este é suscetível de afetar as trocas comerciais entre Estados‑Membros e de falsear ou de ameaçar falsear a concorrência, incumbe à Comissão, pelo menos, evocar essas circunstâncias nos fundamentos da sua decisão (Acórdãos de 6 de setembro de 2006, Portugal/Comissão, C‑88/03, EU:C:2006:511, n.o 89, e de 30 de abril de 2009, Comissão/Itália e Wam, C‑494/06 P, EU:C:2009:272, n.o 49).

381    No que respeita ao requisito da distorção de concorrência, decorre da jurisprudência que os auxílios que visam libertar uma empresa dos custos que deveria normalmente suportar no âmbito da sua gestão corrente ou das suas atividades normais, falseiam em princípio as condições de concorrência (Acórdãos de 19 de setembro de 2000, Alemanha/Comissão, C‑156/98, EU:C:2000:467, n.o 30, e de 3 de março de 2005, Heiser, C‑172/03, EU:C:2005:130, n.o 55).

382    Segundo jurisprudência constante, para qualificar uma medida nacional de «auxílio de Estado», não é necessário demonstrar uma incidência real do auxílio nas trocas comerciais entre os Estados‑Membros, nem uma distorção de concorrência efetiva, mas apenas examinar se o auxílio é suscetível de afetar essas trocas e de falsear a concorrência (v. Acórdão de 10 de janeiro de 2006, Cassa di Risparmio di Firenze e o., C‑222/04, EU:C:2006:8, n.o 140 e jurisprudência referida).

383    Por outro lado, no que diz respeito, em especial, aos auxílios ao funcionamento, tais como o auxílio em causa, conforme alega a Comissão, decorre da jurisprudência que visam libertar uma empresa dos custos que deveria normalmente suportar no âmbito da sua gestão corrente ou das suas atividades normais e falseiam, em princípio, as condições de concorrência (v. Acórdão de 9 de junho de 2011, Comitato «Venezia vuole vivere» e o./Comissão, C‑71/09 P, C‑73/09 P e C‑76/09 P, EU:C:2011:368, n.o 136 e jurisprudência referida).

384    No caso vertente, há que referir que resulta dos considerandos 189, 343 e 345 da decisão impugnada, cujo conteúdo é retomado nos n.os 377 e 380, supra, que a Comissão considerou que a FFT e o grupo ao qual pertencia beneficiavam de uma vantagem resultante de uma redução de imposto de que as outras sociedades concorrentes não dispunham e que era, portanto, suscetível de reforçar a sua posição financeira no mercado, pelo que a decisão antecipativa em causa restringia a concorrência. Segundo a Comissão, a diminuição da carga fiscal da FFT, resultante da decisão antecipativa em causa, concedia recursos suplementares a todo o grupo, na medida em que tinha por efeito baixar as condições de preço para os seus empréstimos intragrupo. Ora, à luz da jurisprudência exposta nos n.os 379 a 382, supra, há que constatar que estes elementos são suficientes para considerar que a Comissão mencionou as circunstâncias pelas quais considerou que a medida em causa era suscetível de afetar a concorrência e de falsear as trocas comerciais. A este respeito, há que recordar que, conforme resulta do n.o 7, supra, a FFT presta serviços de tesouraria e de financiamento às sociedades do referido grupo estabelecidas na Europa, com exclusão das estabelecidas em Itália.

385    Por conseguinte, há que considerar que a Comissão não violou o seu dever de fundamentação, nem cometeu nenhum erro de apreciação, ao concluir que a medida em causa era suscetível de restringir a concorrência no mercado, uma vez que a redução fiscal correspondente melhorava a posição financeira da FFT e do grupo ao qual pertencia em detrimento da dos seus concorrentes.

386    Esta conclusão não é posta em causa pelos outros argumentos do Grão‑Ducado do Luxemburgo e da FFT.

387    Em primeiro lugar, na medida em que o Grão‑Ducado do Luxemburgo invoca o Acórdão de 17 de dezembro de 2015, Espanha e o./Comissão (T‑515/13 e T‑719/13, EU:T:2015:1004), há que salientar, conforme foi indicado no n.o 321, supra, que esse acórdão do Tribunal Geral foi anulado pelo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 25 de julho de 2018, Comissão/Espanha e o. (C‑128/16 P, EU:C:2018:591).

388    De qualquer modo, importa referir que, no Acórdão de 17 de dezembro de 2015, Espanha e o./Comissão (T‑515/13 e T‑719/13, EU:T:2015:1004), o Tribunal Geral concluiu pela insuficiência de fundamentação da decisão da Comissão, na medida em que as razões pelas quais a vantagem conferida aos investidores, e não às companhias de navegação e aos estaleiros navais que receberam o auxílio, era de natureza a provocar uma distorção de concorrência, não resultavam de forma suficientemente clara dessa decisão. Ora, os factos do caso em apreço são diferentes, na medida em que a vantagem é conferida à FFT e ao grupo a que pertence. Por conseguinte, as circunstâncias do presente processo não exigem nenhuma outra explicação além da que expõe que a FFT, e as sociedades do grupo Fiat/Chrysler, ao terem de pagar um imposto reduzido, tinham beneficiado de uma vantagem, pelo que a concorrência nos mercados em que operavam as sociedades do grupo Fiat/Chrysler se encontrava afetada.

389    Em segundo lugar, a FFT invoca três acórdãos em apoio da sua argumentação segundo a qual a Comissão deveria ter efetuado um exame mais minucioso dos factos.

390    Em primeiro lugar, no que respeita aos Acórdãos de 17 de setembro de 1980, Philip Morris/Comissão (730/79, EU:C:1980:209, n.o 11), e de 15 de junho de 2000, Alzetta e o./Comissão (T‑298/97, T‑312/97, T‑313/97, T‑315/97, T‑600/97 a T‑607/97, T‑1/98, T‑3/98 a T‑6/98 e T‑23/98, EU:T:2000:151, n.o 80), impõe‑se constatar que, contrariamente ao que sustenta a FFT, se a Comissão identificou, nesses processos, de forma específica o mercado pertinente, o anterior estado da concorrência e a finalidade do auxílio, não resulta de nenhum desses acórdãos que a Comissão deva proceder sistematicamente a essa análise quando expõe as razões pelas quais a medida em causa falseia a concorrência. Ora, conforme referido no n.o 384, supra, a Comissão identificou as razões pelas quais a medida em causa constituía um auxílio ao funcionamento que permitia à FFT e às sociedades do grupo Fiat/Chrysler beneficiar de uma vantagem, reforçar a sua posição financeira e, no caso da FFT, diminuir as condições de preço dos seus empréstimos intragrupo.

391    Por outro lado, ao contrário dos factos no processo que deu origem ao Acórdão de 24 de outubro de 1996, Alemanha e o./Comissão (C‑329/93, C‑62/95 e C‑63/95, EU:C:1996:394), no qual o Tribunal de Justiça anulou a decisão da Comissão por falta de fundamentação, e contrariamente aos factos que deram origem ao Acórdão de 13 de março de 1985, Países Baixos e Leeuwarder Papierwarenfabriek/Comissão (296/82 e 318/82, EU:C:1985:113), no caso em apreço, a Comissão expôs efetivamente as razões pelas quais entendia que existia uma restrição de concorrência.

392    Estes argumentos devem, portanto, ser rejeitados.

393    Em terceiro lugar, na medida em que a FFT alega que uma medida deve ser avaliada de acordo com os seus efeitos e não de acordo com os seus objetivos, basta recordar que decorre da jurisprudência referida no n.o 118, supra, que um auxílio deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência. Ora, no caso vertente, conforme referido no n.o 384, supra, a Comissão considerou corretamente que a medida em causa tinha por efeito falsear a concorrência.

394    Em quarto lugar, na medida em que a FFT sustenta que a Comissão assenta a sua conclusão, segundo a qual a decisão antecipativa em causa afetou a concorrência, na suposição errada de que teria pago menos impostos sobre as sociedades do que uma sociedade autónoma, este argumento deve ser rejeitado. Com efeito, a Comissão entendeu, com razão, que a FFT tinha beneficiado de uma vantagem fiscal, pelo que podia legitimamente concluir que essa vantagem seria suscetível de falsear a concorrência nos mercados em que a FFT e o grupo a que esta pertencia operavam.

395    Em quinto lugar, na medida em que a FFT sustenta que, mesmo supondo que tivesse beneficiado de um imposto sobre as sociedades exageradamente baixo no Luxemburgo, não presta serviços nem fornece bens a terceiros, pelo que não tem nenhuma capacidade de concorrência num mercado em que a concorrência possa ser falseada, ou que os bens e serviços que as sociedades do grupo oferecem obedecem às condições do mercado, estes argumentos devem ser rejeitados. Com efeito, visto que beneficia de uma redução da sua carga fiscal, a FFT está em condições de financiar a menor custo as atividades de outras sociedades do grupo, falseando assim a concorrência nos mercados em que estas últimas são ativas.

396    Em sexto lugar, a FFT sustenta que as indicações constantes do considerando 345 da decisão impugnada, e em relação às quais considera que não participam da análise dos efeitos sobre a concorrência efetuada na decisão impugnada, são inexatas. Segundo a FFT, a Comissão errou ao entender que existia uma ligação entre o montante do imposto pago pela FFT no Luxemburgo e o montante dos juros que a FFT aplica aos empréstimos que concede às sociedades do grupo Fiat/Chrysler. A este respeito, basta referir que, como aliás a própria FFT reconhece, o facto de a Comissão ter cometido um erro no montante dos juros a ter em consideração não tem influência na constatação da existência de uma restrição de concorrência. Este argumento deve, portanto, ser rejeitado por ser inoperante

397    Em sétimo lugar, na medida em que a FFT alega que existe uma similitude entre a decisão anulada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 30 de abril de 2009, Comissão/Itália e Wam (C‑494/06 P, EU:C:2009:272), e o presente processo, este argumento, que não invocou no âmbito da segunda parte do primeiro fundamento, deve ser rejeitado. Com efeito, como a Comissão sustenta, no primeiro processo, o Tribunal de Justiça salientou que o auxílio em questão não constituía um auxílio ao funcionamento. Além disso, a FFT não pôs em causa a jurisprudência, em que se baseou a Comissão no caso vertente, segundo a qual os auxílios ao funcionamento falseiam, em princípio, as condições de concorrência. A FFT também não demonstra que essa presunção não seja aplicável no caso em apreço.

398    À luz do que precede, há que julgar improcedentes os fundamentos invocados pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo e pela FFT, segundo os quais a Comissão não provou a existência de uma restrição de concorrência.

G.      Quanto à quinta série de fundamentos, relativos à recuperação do auxílio

399    Esta série de fundamentos, suscitada a título subsidiário pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo, que se refere à recuperação do auxílio, divide‑se em duas partes.

1.      Quanto à primeira parte, relativa à violação do Regulamento 2015/1589, na medida em que a recuperação do pretenso auxílio em causa é incompatível com o princípio da segurança jurídica

400    O Grão‑Ducado do Luxemburgo sustenta que a Comissão violou o princípio da segurança jurídica e o artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589, ao ordenar a recuperação do pretenso auxílio em causa.

401    A Irlanda refere partilhar o ponto de vista do Grão‑Ducado do Luxemburgo, segundo o qual a Comissão violou o princípio da segurança jurídica.

402    A Comissão contesta estes argumentos.

403    Importa recordar que o artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589 prevê o seguinte:

«Nas decisões negativas relativas a auxílios ilegais, a Comissão decidirá que o Estado‑Membro em causa deve tomar todas as medidas necessárias para recuperar o auxílio do beneficiário […]. A Comissão não deve exigir a recuperação do auxílio se tal for contrário a um princípio geral de direito da União.»

404    Na decisão impugnada, a Comissão indicou, desde logo, que, nos termos do artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589, devia ordenar a recuperação de qualquer auxílio ilegal e incompatível com o mercado interno, a menos que essa recuperação seja contrária a um princípio geral de direito (considerandos 354 e 355 da decisão impugnada). Em seguida, a Comissão considerou que os argumentos do Grão‑Ducado do Luxemburgo segundo os quais a recuperação viola os princípios da proteção da confiança legítima e da segurança jurídica eram desprovidos de fundamento (considerando 364 da decisão impugnada). Por um lado, no que respeita à proteção da confiança legítima, a Comissão observa que não forneceu nenhuma garantia precisa ao Grão‑Ducado do Luxemburgo ou à FFT (considerandos 356 a 358 da decisão impugnada). Por outro lado, no que respeita à violação do princípio da segurança jurídica, não existe nenhuma prática decisória anterior suscetível de ter gerado incertezas quanto ao facto de as decisões antecipativas poderem dar origem à concessão de um auxílio de Estado. Além disso, e em especial, a Comissão recorda que, segundo a jurisprudência, não é obrigada a indicar o montante exato do auxílio a recuperar (considerandos 360 a 363 da decisão impugnada).

405    Segundo a jurisprudência, o princípio da segurança jurídica, que é um princípio geral do direito da União, exige que as normas jurídicas sejam claras e precisas e tem por finalidade garantir a previsibilidade das situações e das relações jurídicas abrangidas pelo direito da União (Acórdão de 15 de fevereiro de 1996, Duff e o./Comissão, C‑63/93, EU:C:1996:51, n.o 20).

406    No caso vertente, em primeiro lugar, na medida em que o Grão‑Ducado do Luxemburgo sustenta que, ao abrigo do artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589, a recuperação não deve ser ordenada, pois viola o princípio da segurança jurídica, há que constatar que a norma jurídica que conduziu à adoção da decisão impugnada, a saber, o artigo 107.o TFUE, e os quatro requisitos de existência de tal auxílio, recordados no n.o 118, supra, é clara e precisa.

407    A este respeito, importa recordar que o conceito de auxílio de Estado é definido em função dos efeitos da medida no posicionamento concorrencial do seu beneficiário (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2008, British Aggregates/Comissão, C‑487/06 P, EU:C:2008:757, n.o 87). Decorre daí que o artigo 107.o TFUE proíbe qualquer medida de auxílio, independentemente da sua forma ou da técnica regulamentar utilizada para conceder esse auxílio (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.o 79).

408    Daqui resulta que não há dúvida de que qualquer medida pública, tal como uma decisão antecipativa, que preencha os requisitos previstos no artigo 107.o TFUE é, em princípio, proibida e deve ser objeto de uma ordem de recuperação.

409    Em segundo lugar, e de qualquer modo, é forçoso constatar que, como salientou a Comissão, nenhum facto objetivo permitia ao Grão‑Ducado do Luxemburgo ou à FFT concluir que a Comissão não aplicaria o artigo 107.o TFUE às decisões antecipativas. Por um lado, resulta da prática decisória da Comissão, a que esta faz referência na nota 71 da decisão impugnada, cujo mérito não é contestado pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo, que a Comissão examinou, no passado, a compatibilidade das decisões antecipativas com o artigo 107.o TFUE. Por outro lado, o Grão‑Ducado do Luxemburgo não contesta que a Comissão já procedeu ao exame de medidas fiscais individuais e recorreu ao princípio da plena concorrência para ordenar a recuperação de auxílios.

410    Nestas circunstâncias, a mera aplicação do artigo 107.o TFUE à decisão antecipativa em causa não pode constituir uma violação do princípio da segurança jurídica. Por conseguinte, nenhuma violação deste princípio pode validamente ser invocada para justificar que, em aplicação do artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589, o auxílio resultante da decisão antecipativa em causa não seja recuperado.

411    Os outros argumentos suscitados pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo e pela Irlanda não convencem.

412    Antes de mais, na medida em que o Grão‑Ducado do Luxemburgo sustenta que a grelha de análise da matéria coletável da FFT utilizada pela Comissão não era suficientemente previsível, que era necessário fazer prova de flexibilidade, não exigindo um nível de precisão irrealista, e que não se pode considerar que esteve de má‑fé, há que recordar que os Estados‑Membros dispõem de uma margem de apreciação na determinação dos preços de transferência e que só quando a Comissão deteta um erro na determinação dos referidos preços que seja tal que esses preços de transferência não correspondem a uma aproximação fiável de resultados de mercado, é que tem o direito de constatar a existência de um auxílio (v. n.o 204, supra) No caso em apreço, o Tribunal Geral constatou que a Comissão pôde legitimamente concluir que o Grão‑Ducado do Luxemburgo tinha aprovado, através da decisão antecipativa em causa, erros no método de determinação da remuneração da FFT tais que não permitiam chegar a um preço de transferência que refletisse preços que tivessem sido negociados em condições de mercado. Nestas circunstâncias, não se pode considerar que a Comissão tenha exigido um nível de precisão irrealista, nem que a sua grelha de análise seja imprevisível. O Grão‑Ducado do Luxemburgo não pode, portanto, validamente alegar que não era previsível que a Comissão constatasse a existência de um auxílio e ordenasse a sua recuperação.

413    Em seguida, na medida em que o Grão‑Ducado do Luxemburgo alega que a sua prática em matéria de decisões antecipativas era conforme com o código de conduta no domínio da fiscalidade das empresas e com as Orientações da OCDE, basta salientar que a Comissão constatou que, através da decisão antecipativa em causa, que não lhe foi notificada, o Grão‑Ducado do Luxemburgo tinha concedido um auxílio de Estado incompatível com o mercado interno na aceção do artigo 107.o TFUE. Assim sendo, por um lado, a Comissão não pôs em causa a prática em matéria de decisões antecipativas enquanto tal. Por outro lado, a apreciação da existência de um auxílio de Estado é feita à luz dos critérios previstos no artigo 107.o TFUE. Nestas circunstâncias, o facto de os textos em matéria de preços de transferência terem sido aprovados pelo Conselho da União Europeia ou pela OCDE, os quais não são vinculativos para a Comissão, não tem influência na constatação de que a decisão antecipativa em causa concede uma vantagem seletiva à FFT.

414    Além disso, o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Irlanda sustentam que a aplicação do princípio da segurança jurídica pode exigir a limitação do efeito retroativo de um ato perante riscos económicos graves e quando as partes interessadas estejam de boa‑fé, condições que estão reunidas no caso em apreço. Ora, na medida em que o Grão‑Ducado do Luxemburgo suscita este argumento a fim de contestar a recuperação da medida de auxílio em causa, basta relembrar que uma ordem de recuperação não constitui uma aplicação retroativa de um ato. Com efeito, a supressão de um auxílio ilegal através de recuperação é a consequência lógica da constatação da sua ilegalidade e destina‑se a restabelecer a situação anterior (Acórdão de 19 de outubro de 2005, CDA Datenträger Albrechts/Comissão, T‑324/00, EU:T:2005:364, n.o 77 e jurisprudência referida).

415    De qualquer modo, na medida em que o Grão‑Ducado do Luxemburgo alega que a decisão impugnada acarreta repercussões económicas graves, ou perturbações graves para si e para outros Estados‑Membros, como foi, nomeadamente, observado pelos representantes dos Estados Unidos da América, por um lado, há que declarar que o artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589 não prevê que um auxílio declarado incompatível possa não ser recuperado por esse motivo. Por outro lado, nenhum dos argumentos evocados pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo permite demonstrar a existência de tais repercussões económicas graves. Com efeito, é evidente que a recuperação da medida em causa não pode ter, enquanto tal, efeitos económicos negativos para o Grão‑Ducado do Luxemburgo, uma vez que os montantes recuperados são afetos às suas finanças públicas. Além disso, contrariamente ao que parece alegar o Grão‑Ducado do Luxemburgo, enquanto tal, a recuperação junto da FFT do auxílio que recebeu, em aplicação da decisão antecipativa em causa, não pode ter como consequência direta uma eventual «colocação em causa de um número muito elevado de decisões antecipativas no Grão‑Ducado do Luxemburgo e, potencialmente, de milhares em todos os outros Estados‑Membros». Com efeito, o mero facto de a Comissão ter posto em causa uma decisão antecipativa que concede uma vantagem seletiva a uma empresa significa apenas que a referida decisão antecipativa, adotada em violação do artigo 107.o TFUE, será objeto de recuperação, mas não que todas as decisões antecipativas, incluindo as que não constituem auxílios de Estado, serão objeto de recuperação.

416    Por conseguinte, não há que considerar que a decisão impugnada tem consequências novas ou graves sobre a fiscalidade internacional, uma vez que a Comissão teve sempre competência para examinar se qualquer medida fiscal constitui um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o TFUE.

417    Por último, na medida em que a Irlanda sustenta, em substância, que a Comissão não podia, como fez na decisão impugnada, sugerir, quando não apura o montante do auxílio, que o Estado‑Membro se dirija à Comissão para efeitos da sua determinação, basta referir que, no caso em apreço, o Grão‑Ducado do Luxemburgo não alega nem demonstra que as apreciações formuladas pela Comissão, no considerando 311 da decisão impugnada, contra a metodologia de cálculo do imposto devido pela FFT, fossem tão imprecisas que tivesse ficado na impossibilidade de calcular o montante do auxílio recebido, sem se dirigir à Comissão, pelo que a decisão impugnada criou uma insegurança jurídica. Pelo contrário, o Grão‑Ducado do Luxemburgo reconhece ter estimado o montante do auxílio a recuperar em 23,1 milhões de euros. Este argumento deve, portanto, ser rejeitado.

418    À luz do que precede, a primeira parte da série de fundamentos relativos à recuperação deve ser julgada improcedente.

2.      Quanto à segunda parte, relativa à violação do Regulamento 2015/1589, na medida em que a recuperação do pretenso auxílio em causa é contrária aos direitos de defesa

419    O Grão‑Ducado do Luxemburgo alega que, em conformidade com a prática decisória da Comissão, quando o montante do auxílio não pode ser avaliado, o auxílio não deve ser recuperado. Com efeito, na impossibilidade de quantificar o auxílio de forma precisa ou na falta de parâmetros que permitam a um Estado‑Membro, em cooperação com a Comissão, proceder a uma quantificação precisa do auxílio, os direitos de defesa do Estado‑Membro são violados, o que constitui um obstáculo à recuperação.

420    A este respeito, o Grão‑Ducado do Luxemburgo observa que é certo que pediu ao beneficiário do alegado auxílio o pagamento de uma quantia numa conta bloqueada. Esta quantia foi calculada de acordo com as indicações da Comissão constantes do considerando 311 da decisão impugnada, com a precisão de que esse cálculo era feito sem prejuízo da contestação à metodologia adotada pela Comissão. Todavia, o Grão‑Ducado do Luxemburgo considera que esse cálculo é totalmente artificial na medida em que é impossível avaliar de forma precisa o alegado auxílio, «a menos que se recorra às apreciações perfeitamente arbitrárias acolhidas pela Comissão no caso vertente». Com efeito, não há, em substância, um preço de transferência correto, segundo a OCDE e a Comissão, mas um amplo intervalo de preços corretos. Além disso, o Grão‑Ducado do Luxemburgo não tem nenhuma margem de manobra plausível para se afastar da metodologia proposta pela Comissão na decisão impugnada.

421    A Comissão contesta estes argumentos.

422    Na decisão impugnada, a Comissão considerou, desde logo, no considerando 367, que, segundo a jurisprudência, o direito da União não obriga a fixar o montante exato do auxílio a recuperar, bastando, em contrapartida, que a decisão da Comissão contenha indicações que permitam ao seu destinatário determinar por si próprio, sem dificuldades excessivas, esse montante. A Comissão precisou, em seguida, que tinha identificado, no considerando 311 da decisão impugnada, um método suscetível de eliminar a vantagem seletiva conferida à FFT, caso o Grão‑Ducado do Luxemburgo optasse por conservar o MMLT, mencionando simultaneamente o facto de este poder utilizar outro método antes da data de aplicação da referida decisão (considerandos 367 a 369 da decisão impugnada).

423    Nesta matéria, em primeiro lugar, há que referir que o Grão‑Ducado do Luxemburgo não contesta a apreciação da Comissão segundo a qual decorre do Acórdão de 18 de outubro de 2007, Comissão/França (C‑441/06, EU:C:2007:616, n.o 29 e da jurisprudência referida) que a decisão da Comissão não deve necessariamente indicar o montante do auxílio a recuperar se contiver indicações que permitem ao Estado‑Membro determinar por si próprio, sem dificuldades excessivas, esse montante.

424    Em segundo lugar, há que salientar que o Grão‑Ducado do Luxemburgo não alega que, no caso vertente, a decisão impugnada não dá indicações que lhe permitem determinar por si próprio o montante a recuperar. Com efeito, por um lado, o Grão‑Ducado do Luxemburgo reconhece assim ter calculado e avaliado esse montante em 23,1 milhões de euros, a fim de obter a sua recuperação junto da FFT. Por outro lado, longe de considerar que o método de cálculo adotado pela Comissão é impreciso, limita‑se a alegar, em substância, que o referido método não lhe dá uma «margem de manobra plausível para se afastar da posição dogmática da Comissão». Assim sendo, o Grão‑Ducado do Luxemburgo reconhece, pelo menos implicitamente, que o referido método é suficientemente preciso para lhe permitir calcular o montante do auxílio a recuperar.

425    Nestas circunstâncias, não se pode acusar a Comissão de ter violado os direitos de defesa do Grão‑Ducado do Luxemburgo ao não indicar o montante do auxílio a recuperar na decisão impugnada.

426    Nenhum dos argumentos suscitados pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo é suscetível de pôr em causa esta conclusão.

427    Antes de mais, na medida em que o Grão‑Ducado do Luxemburgo alega que pediu à FFT o pagamento do montante de 23,1 milhões de euros numa conta bloqueada sem prejuízo de contestar a metodologia de cálculo adotada pela Comissão, este argumento deve ser rejeitado por ser inoperante. Com efeito, o Grão‑Ducado do Luxemburgo não demonstrou que a decisão impugnada seja insuficientemente precisa a ponto de não poder determinar o montante que deve ser recuperado. Com efeito, o Grão‑Ducado do Luxemburgo limita‑se a contestar a metodologia acolhida pela Comissão para calcular o montante do auxílio a recuperar, que qualifica de arbitrária. Ora, a questão de saber se a metodologia é correta ou não nada tem a ver com a violação dos direitos de defesa, em que se baseia a segunda parte da quinta série de fundamentos.

428    Em seguida, na medida em que o Grão‑Ducado do Luxemburgo sustenta que, ao identificar um «amplo intervalo» de montantes possíveis, a decisão impugnada não respeita a exigência da identificação do montante do auxílio de forma relativamente precisa, por um lado, basta salientar que a Comissão, ao fixar um método que o Grão‑Ducado do Luxemburgo seguiu, satisfez o requisito previsto na jurisprudência mencionada no n.o 423, supra, segundo o qual o método deve permitir determinar sem dificuldade o montante a recuperar. Por outro lado, o intervalo proposto pela Comissão não é referente ao montante do auxílio a recuperar, mas ao montante que esta entende apropriado para a matéria coletável da FFT. Ora, essa indicação é suficientemente precisa para permitir ao Grão‑Ducado do Luxemburgo calcular o montante do auxílio a recuperar. Além disso, o facto de a Comissão ter afirmado que outros métodos podiam conduzir a outros montantes e dar a possibilidade de propor um método alternativo para o cálculo do montante a recuperar não pode pôr em causa o facto de a decisão impugnada conter indicações suficientemente precisas sobre a recuperação, nem impedir, por si só, a recuperação do auxílio.

429    Nestas circunstâncias, a segunda parte da quinta série de fundamentos relativa à recuperação e esta série de fundamentos no seu conjunto devem ser julgadas improcedentes.

430    Decorre de todas as considerações que precedem que deve ser negado provimento aos recursos nos processos T‑755/15 e T‑759/15.

IV.    Quanto às despesas

A.      No processo T755/15

431    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Grão‑Ducado do Luxemburgo sido vencido, há que condená‑lo a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão, em conformidade com o pedido desta última.

432    Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas. A Irlanda suportará, portanto, as suas próprias despesas.

B.      No processo T759/15

433    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a FFT sido vencida, há que condená‑la a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão, em conformidade com o pedido desta última.

434    Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas. A Irlanda suportará, portanto, as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção alargada)

decide:

1)      Os processos T755/15 e T759/15 são apensados para efeitos do acórdão.

2)      É negado provimento aos recursos.

3)      O GrãoDucado do Luxemburgo suportará, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão Europeia no Processo T755/15.


4)      A Fiat Chrysler Finance Europe suportará, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão no Processo T759/15.

5)      A Irlanda suportará as suas próprias despesas.

Van der Woude

Tomljenović

Bieliūnas

Marcoulli

 

Kornezov

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 24 de setembro de 2019.

 

Assinaturas      

 


Índice



*      Línguas de processo: francês e inglês.


1      Dados confidenciais ocultados.