Language of document : ECLI:EU:C:2019:624

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

29 de julho de 2019 (*)

«Reenvio prejudicial — Direitos de autor e direitos conexos — Diretiva 2001/29/CE — Sociedade da informação — Harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos — Amostragem (sampling) — Artigo 2.o, alínea c) — Produtor de fonogramas — Direito de reprodução — Reprodução “em parte” — Artigo 5.o, n.os 2 e 3 — Exceções e limitações — Alcance — Artigo 5.o, n.o 3, alínea d) — Citações — Diretiva 2006/115/CE — Artigo 9.o, n.o 1, alínea b) — Direito de distribuição — Direitos fundamentais — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 13.o — Liberdade das artes»

No processo C‑476/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha), por Decisão de 1 de junho de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 4 de agosto de 2017, no processo

Pelham GmbH,

Moses Pelham,

Martin Haas

contra

Ralf Hütter,

Florian SchneiderEsleben,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, A. Arabadjiev, M. Vilaras, T. von Danwitz, C. Toader, F. Biltgen e C. Lycourgos, presidentes de secção, E. Juhász, M. Ilešič (relator), L. Bay Larsen e S. Rodin, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: R. Şereş, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 3 de julho de 2018,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Pelham GmbH, de M. Pelham e de M. Haas, por A. Walter, Rechtsanwalt,

–        em representação de R. Hütter e de F. Schneider‑Esleben, por U. Hundt‑Neumann e H. Lindhorst, Rechtsanwälte,

–        em representação do Governo alemão, por T. Henze, M. Hellmann e J. Techert, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo francês, por D. Colas, D. Segoin e E. Armoët, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo do Reino Unido, por Z. Lavery e D. Robertson, na qualidade de agentes, assistidos por N. Saunders, barrister,

–        em representação da Comissão Europeia, por T. Scharf e J. Samnadda, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 12 de dezembro de 2018,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 2.o, alínea c), e do artigo 5.o, n.o 3, alínea d), da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (JO 2001, L 167, p. 10), bem como do artigo 9.o, n.o 1, alínea b), e do artigo 10.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 2006/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos ao direito de autor em matéria de propriedade intelectual (JO 2006, L 376, p. 28).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Pelham (a seguir «sociedade Pelham») bem como M. Pelham e M. Haas (a seguir, considerados em conjunto, «Pelham») a R. Hütter e a F. Schneider‑Esleben (a seguir «Hütter e o.») a respeito da utilização, no âmbito da gravação da canção «Nur mir», composta por M. Pelham e M. Haas e produzida pela sociedade Pelham, de uma sequência rítmica de cerca de dois segundos retirada de um fonograma da banda Kraftwerk, de que Hütter e o. são membros.

 Quadro jurídico

 Direito internacional

3        O artigo 1.o da Convenção para a Proteção dos Produtores de Fonogramas contra a Reprodução não autorizada de seus Fonogramas, assinada em Genebra, em 29 de outubro de 1971 (a seguir «Convenção de Genebra»), tem a seguinte redação:

«Para os fins da presente Convenção, entende‑se por:

a)      “fonograma”, qualquer fixação exclusivamente sonora dos sons provenientes de uma execução ou de outros sons;

b)      “produtor de fonogramas”, a pessoa física ou moral que, em primeiro lugar, fixa os sons provenientes de uma execução ou de outros sons;

c)      “cópia”, um suporte que contém sons captados direta ou indiretamente de fonograma e que incorpora a totalidade ou uma parte substancial dos sons fixados no referido fonograma;

d)      “distribuição ao público”, qualquer ato cujo objeto é oferecer cópias, direta ou indiretamente, ao público em geral ou a qualquer parte do mesmo.»

4        O artigo 2.o desta convenção dispõe:

«Cada Estado Contratante compromete‑se a proteger os produtores de fonogramas que são nacionais dos outros Estados Contratantes contra a produção de cópias feitas sem o consentimento do produtor e contra a importação de tais cópias, quando a produção ou a importação é feita em vista [a] uma distribuição ao público, assim como a distribuição das referidas cópias ao público.»

 Direito da União

 Diretiva 2001/29

5        Os considerandos 3, 4, 6, 7, 9, 10, 31 e 32 da Diretiva 2001/29 enunciam:

«(3)      A harmonização proposta deve contribuir para a implementação das quatro liberdades do mercado interno e enquadra‑se no respeito dos princípios fundamentais do direito e, em particular, da propriedade — incluindo a propriedade intelectual — da liberdade de expressão e do interesse geral.

(4)      Um enquadramento legal do direito de autor e dos direitos conexos, através de uma maior segurança jurídica e respeitando um elevado nível de proteção da propriedade intelectual, estimulará consideravelmente os investimentos na criatividade e na inovação, nomeadamente nas infraestruturas de rede, o que, por sua vez, se traduzirá em crescimento e num reforço da competitividade da indústria europeia, tanto na área do fornecimento de conteúdos e da tecnologia da informação, como, de uma forma mais geral, num vasto leque de setores industriais e culturais. Este aspeto permitirá salvaguardar o emprego e fomentará a criação de novos postos de trabalho.

[…]

(6)      Sem uma harmonização a nível comunitário, as atividades legislativa e regulamentar a nível nacional, já iniciadas, aliás, num certo número de Estados‑Membros para dar resposta aos desafios tecnológicos, podem provocar diferenças significativas em termos da proteção assegurada e, consequentemente, traduzir‑se em restrições à livre circulação dos serviços e produtos que incorporam propriedade intelectual ou que nela se baseiam, conduzindo a uma nova compartimentação do mercado interno e a uma situação de incoerência legislativa e regulamentar. O impacto de tais diferenças e incertezas legislativas tornar‑se‑á mais significativo com o desenvolvimento da sociedade da informação, que provocou já um aumento considerável da exploração transfronteiras da propriedade intelectual. Este desenvolvimento pode e deve prosseguir. A existência de diferenças e incertezas importantes a nível jurídico em matéria de proteção pode prejudicar a realização de economias de escala relativamente a novos produtos e serviços que incluam direito de autor e direitos conexos.

(7)      O enquadramento jurídico comunitário para a proteção jurídica do direito de autor e direitos conexos deve, assim, ser adaptado e completado na medida do necessário para assegurar o bom funcionamento do mercado interno. Para o efeito, deve proceder‑se à adaptação das disposições nacionais em matéria de direito de autor e direitos conexos que apresentem diferenças consideráveis entre os Estados‑Membros ou que provoquem insegurança jurídica nefasta para o bom funcionamento do mercado interno e para o desenvolvimento adequado da sociedade da informação na Europa. Por outro lado, devem evitar‑se respostas incoerentes a nível nacional à evolução tecnológica, embora não seja necessário eliminar nem impedir diferenças que não afetem negativamente o funcionamento do mercado interno.

[…]

(9)      Qualquer harmonização do direito de autor e direitos conexos deve basear‑se num elevado nível de proteção, uma vez que tais direitos são fundamentais para a criação intelectual. A sua proteção contribui para a manutenção e o desenvolvimento da atividade criativa, no interesse dos autores, dos intérpretes ou executantes, dos produtores, dos consumidores, da cultura, da indústria e do público em geral. […]

(10)      Os autores e os intérpretes ou executantes devem receber uma remuneração adequada pela utilização do seu trabalho, para poderem prosseguir o seu trabalho criativo e artístico, bem como os produtores, para poderem financiar esse trabalho. É considerável o investimento necessário para produzir produtos como fonogramas, filmes ou produtos multimédia, e serviços, como os serviços “a pedido”. É necessária uma proteção jurídica adequada dos direitos de propriedade intelectual no sentido de garantir tal remuneração e proporcionar um rendimento satisfatório desse investimento.

[…]

(31)      Deve ser salvaguardado um justo equilíbrio de direitos e interesses entre as diferentes categorias de titulares de direitos, bem como entre as diferentes categorias de titulares de direitos e utilizadores de material protegido. As exceções ou limitações existentes aos direitos estabelecidas a nível dos Estados‑Membros devem ser reapreciadas à luz do novo ambiente eletrónico. […] No sentido de assegurar o bom funcionamento do mercado interno, tais exceções e limitações devem ser definidas de uma forma mais harmonizada. O grau desta harmonização deve depender do seu impacto no bom funcionamento do mercado interno.

(32)      A presente diretiva prevê uma enumeração exaustiva das exceções e limitações ao direito de reprodução e ao direito de comunicação ao público. Algumas exceções [ou limitações] só são aplicáveis ao direito de reprodução, quando adequado. Esta enumeração tem em devida consideração as diferentes tradições jurídicas dos Estados‑Membros e destina‑se simultaneamente a assegurar o funcionamento do mercado interno. Os Estados‑Membros devem aplicar essas exceções e limitações de uma forma coerente, o que será apreciado quando for examinada futuramente a legislação de transposição.»

6        O artigo 2.o da Diretiva 2001/29, intitulado «Direito de reprodução», dispõe:

«Os Estados‑Membros devem prever que o direito exclusivo de autorização ou proibição de reproduções, diretas ou indiretas, temporárias ou permanentes, por quaisquer meios e sob qualquer forma, no todo ou em parte, cabe:

[…]

c)      Aos produtores de fonogramas, para os seus fonogramas;

[…]»

7        O artigo 5.o desta diretiva prevê as exceções e limitações aos direitos previstos nos artigos 2.o a 4.o desta. Este artigo dispõe, nos seus n.os 3 e 5:

«3.      Os Estados‑Membros podem prever exceções ou limitações aos direitos previstos nos artigos 2.o e 3.o nos seguintes casos:

[…]

d)      Citações para fins como a crítica ou a análise, desde que relacionadas com uma obra ou outro material [protegido] já legalmente tornado acessível ao público, desde que, exceto quando tal se revele impossível, seja indicada a fonte, incluindo o nome do autor, e desde que sejam efetuadas de acordo com os usos e na medida justificada pelo fim a atingir;

[…]

5.      As exceções e limitações contempladas nos n.os 1, 2, 3 e 4 só se aplicarão em certos casos especiais que não entrem em conflito com uma exploração normal da obra ou outro material [protegido] e não prejudiquem irrazoavelmente os legítimos interesses do titular do direito.»

 Diretiva 2006/115

8        Os considerandos 2, 5 e 7 da Diretiva 2006/115 enunciam:

«(2)      O aluguer e o comodato das obras protegidas pelo direito de autor e das realizações protegidas por direitos conexos desempenham um papel de importância crescente, em especial para os autores, artistas e produtores de fonogramas e filmes, cada vez mais ameaçados pela “pirataria”.

[…]

(5)      A continuidade do trabalho criativo e artístico dos autores e dos artistas intérpretes e executantes exige que estes aufiram uma remuneração adequada. Os investimentos exigidos, em especial para a produção de fonogramas e filmes, são particularmente elevados e arriscados. O pagamento dessa remuneração e a recuperação desse investimento só podem ser efetivamente assegurados através de uma proteção legal adequada dos titulares envolvidos.

[…]

(7)      A legislação dos Estados‑Membros deve ser aproximada de forma a não entrar em conflito com as convenções internacionais em que se baseiam as legislações sobre direito de autor e direitos conexos de muitos Estados‑Membros.»

9        O artigo 1.o desta diretiva, intitulado «Objeto da harmonização», dispõe, no seu n.o 1:

«Em conformidade com o disposto no presente capítulo, os Estados‑Membros devem prever, sem prejuízo do artigo 6.o, o direito de permitir ou proibir o aluguer e o comodato de originais e cópias de obras protegidas pelo direito de autor, e de outros objetos referidos no n.o 1 do artigo 3.o»

10      O artigo 9.o da mesma diretiva, intitulado «Direito de distribuição», prevê, no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros devem prever um direito exclusivo, a seguir designado “direito de distribuição”, de divulgar ao público os objetos referidos nas alíneas a) a d), incluindo as suas cópias, por venda ou de qualquer outra forma, na titularidade:

[…]

b)      Dos produtores de fonogramas, no que respeita aos seus fonogramas;

[…]»

11      O artigo 10.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 2006/115 tem a seguinte redação:

«[…] os Estados‑Membros podem prever, no que respeita à proteção dos artistas intérpretes ou executantes, dos produtores de fonogramas, das organizações de radiodifusão e dos produtores das primeiras fixações de filmes, o mesmo tipo de limitações que a lei estabelece em matéria de proteção do direito de autor para as obras literárias e artísticas».

 Direito alemão

12      A Gesetz über Urheberrecht und verwandte Schutzrechte — Urheberrechtsgesetz (Lei dos direitos de autor e direitos conexos), de 9 de setembro de 1965 (BGBl. 1965 I, p. 1273, a seguir «UrhG»), dispõe, no seu § 24:

«1.      Uma obra independente que foi criada a partir da utilização livre da obra de outrem pode ser publicada e explorada sem o consentimento do autor da obra utilizada.

2.      O n.o 1 não é aplicável à utilização de uma obra musical quando uma melodia é extraída de modo reconhecível de uma obra para servir de base a uma obra nova.»

13      O § 85, n.o 1, da UrhG, que transpôs o artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 2001/29 e o artigo 9.o da Diretiva 2006/115, prevê, na sua primeira frase, primeira e segunda hipóteses, que o produtor de um fonograma tem o direito exclusivo de reproduzir e difundir o fonograma.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

14      Hütter e o. são membros da banda Kraftwerk. Em 1977, esta lançou um fonograma no qual figura a canção «Metall auf Metall».

15      M. Pelham e M. Haas são os compositores da canção «Nur mir», contida em fonogramas produzidos pela sociedade Pelham em 1997.

16      Hütter e o. alegam que a Pelham copiou, eletronicamente, uma amostra (sample) de cerca de dois segundos de uma sequência rítmica da canção «Metall auf Metall» e integrou esta amostra, através de sucessivas repetições, na canção «Nur mir», embora tivesse sido possível tocar a referida sequência.

17      Hütter e o. consideram, a título principal, que a Pelham violou o direito conexo do direito de autor de que são titulares na sua qualidade de produtor de fonogramas. A título subsidiário, alegam que foram violados o direito de propriedade intelectual de que são titulares na sua qualidade de artistas intérpretes ou executantes bem como o direito que R. Hütter tem sobre a obra musical. A título ainda mais subsidiário, alegam que a Pelham violou a legislação em matéria de concorrência.

18      Hütter e o. intentaram uma ação no Landgericht Hamburg (Tribunal Regional de Hamburgo, Alemanha) em cujo âmbito pediram a cessação da infração, a atribuição de uma indemnização, a comunicação de informações e a entrega dos fonogramas para efeitos da sua destruição.

19      Tendo aquele órgão jurisdicional julgado a ação procedente, a Pelham interpôs recurso no Oberlandesgericht Hamburg (Tribunal Regional Superior de Hamburgo, Alemanha), ao qual foi negado provimento. No seguimento do recurso de «Revision» interposto pela Pelham no Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha), foi anulado o acórdão proferido pelo Oberlandesgericht Hamburg (Tribunal Regional Superior de Hamburgo) e o processo foi remetido a este último órgão jurisdicional para nova apreciação. O referido órgão jurisdicional negou novamente provimento ao recurso interposto pela Pelham. No seu Acórdão de 13 de dezembro de 2012, o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal) negou novamente provimento ao novo recurso de «Revision» interposto pela Pelham. Este último acórdão foi anulado pelo Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Federal, Alemanha), que remeteu o processo ao órgão jurisdicional de reenvio.

20      O órgão jurisdicional de reenvio salienta que o sucesso do processo de «Revision» depende da interpretação do artigo 2.o, alínea c), e do artigo 5.o, n.o 3, alínea d), da Diretiva 2001/29, bem como do artigo 9.o, n.o 1, alínea b), e do artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2006/115.

21      Em primeiro lugar, há que determinar se a Pelham, ao utilizar o registo sonoro de Hütter e o., quando da realização do seu próprio fonograma, violou o direito exclusivo destes últimos de reproduzir e difundir o fonograma no qual figura a canção «Metall auf Metall», conforme previsto no § 85, n.o 1, da UrhG, que transpôs o artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 2001/29 e o artigo 9.o da Diretiva 2006/115. Importa, em especial, determinar se tal violação pode ser constatada quando, como sucede no presente caso, dois segundos de uma sequência rítmica são extraídos de um fonograma e em seguida transferidos para outro fonograma e se este último constitui uma cópia de outro fonograma na aceção do artigo 9.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2006/115.

22      Em segundo lugar, no caso de essa violação do direito do produtor de fonogramas vir a ser constatada, coloca‑se a questão de saber se a Pelham pode invocar o «direito à utilização livre», previsto no § 24, n.o 1, da UrhG e aplicável por analogia ao direito do produtor de fonogramas, segundo o qual uma obra independente que foi criada a partir da utilização livre da obra de outrem pode ser publicada e explorada sem o consentimento do autor da obra utilizada. O órgão jurisdicional de reenvio salienta, neste contexto, que tal disposição não encontra equivalente explícito no direito da União e interroga‑se, assim, sobre a conformidade desta última com este direito, atendendo à circunstância de que a referida disposição limita o âmbito de proteção do direito exclusivo do produtor de fonogramas à reprodução e à distribuição do seu fonograma.

23      Em terceiro lugar, as exceções e limitações, previstas no direito nacional, ao direito de reprodução visado no artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 2001/29 e ao direito de distribuição visado no artigo 9.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2006/115 assentam no artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2001/29 e no artigo 10.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 2006/115. Ora, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas sobre a interpretação destas disposições em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal.

24      Em quarto lugar, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que as disposições pertinentes do direito da União devem ser interpretadas e aplicadas à luz dos direitos fundamentais garantidos pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»). Neste contexto, interroga‑se sobre se os Estados‑Membros dispõem de uma margem de apreciação no âmbito da transposição, para o direito nacional, do artigo 2.o, alínea c), e do artigo 5.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2001/29, bem como do artigo 9.o, n.o 1, alínea b), e do artigo 10.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 2006/115. Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que, segundo a jurisprudência do Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Federal), as disposições do direito nacional que transpõem uma diretiva da União Europeia não devem, em princípio, ser apreciadas à luz dos direitos fundamentais garantidos pela Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland (Lei Fundamental da República Federal da Alemanha), de 23 de maio de 1949 (BGBl. 1949 I, p. 1), mas apenas à luz dos direitos fundamentais garantidos pelo direito da União, quando esta diretiva não deixe aos Estados‑Membros margem de apreciação para a respetiva transposição. Aliás, aquele órgão jurisdicional também tem dúvidas sobre a interpretação dos referidos direitos fundamentais, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal.

25      Nestas condições, o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Existe uma violação do direito exclusivo do produtor de fonogramas de reprodução do seu fonograma resultante do artigo 2.o, alínea c), da Diretiva [2001/29] quando se retiram do seu fonograma excertos mínimos e estes são transferidos para outro fonograma?

2)      Um fonograma que contenha excertos mínimos transferidos de outro fonograma é considerado uma cópia do outro fonograma na aceção do artigo 9.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva [2006/115]?

3)      Os Estados‑Membros podem fixar uma disposição que, como a disposição do § 24, n.o 1, da UrhG, limita de modo inerente o âmbito de proteção do direito exclusivo do produtor de fonogramas de reprodução [artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 2001/29] e de distribuição [artigo 9.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2006/115] do seu fonograma de maneira que uma obra independente, criada a partir da utilização livre do seu fonograma, possa ser explorada sem o consentimento do produtor do fonograma?

4)      Deve considerar‑se que uma obra ou outro material protegido é utilizada para efeitos de citação na aceção do artigo 5.o, n.o 3, alínea d), da Diretiva [2001/29] quando não seja percetível que se está a utilizar uma obra ou outro material protegido de outra pessoa?

5)      As disposições do direito da União relativas ao direito de reprodução e ao direito de distribuição do produtor de fonogramas [artigo 2.o, alínea c), da Diretiva [2001/29] e artigo 9.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva [2006/115] e às exceções e limitações a esses direitos (artigo 5.o, n.os 2 e 3, da Diretiva [2001/29] [e artigo 10.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 2006/115]) deixam alguma margem de apreciação na sua transposição para o direito nacional?

6)      De que modo devem ser tomados em consideração os direitos fundamentais da [Carta] na determinação do âmbito de proteção do direito exclusivo do produtor de fonogramas de reprodução [artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 2001/29] e de distribuição [artigo 9.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2006/115] do seu fonograma e do alcance das exceções ou limitações desses direitos (artigo 5.o, n.os 2 e 3, da Diretiva [2001/29] e artigo 10.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da Diretiva [2006/115])?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto às questões primeira e sexta

26      Com as suas questões primeira e sexta, que há que examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 2001/29 deve, à luz da Carta, ser interpretado no sentido de que o direito exclusivo conferido ao produtor de fonogramas, de autorizar ou proibir a reprodução do seu fonograma, lhe permite opor‑se à retirada, por um terceiro, de uma amostra sonora do seu fonograma, ainda que com uma duração muito reduzida, para efeitos da inclusão dessa amostra noutro fonograma.

27      Nos termos do artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 2001/29, os Estados‑Membros devem prever que o direito exclusivo de autorização ou proibição de «reproduções, diretas ou indiretas, temporárias ou permanentes, por quaisquer meios e sob qualquer forma, no todo ou em parte», cabe aos produtores de fonogramas, para os seus fonogramas.

28      A Diretiva 2001/29 não contém uma definição do conceito de «reproduções […] no todo ou em parte» de um fonograma, na aceção desta disposição. O significado e o alcance destes termos devem assim ser determinados, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, de acordo com o sentido habitual destes na linguagem corrente, tendo em conta o contexto em que são utilizados e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que fazem parte (Acórdão de 3 de setembro de 2014, Deckmyn e Vrijheidsfonds, C‑201/13, EU:C:2014:2132, n.o 19 e jurisprudência referida).

29      Resulta da redação do artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 2001/29, recordado no n.o 27 do presente acórdão, que a reprodução, por um utilizador, de uma amostra sonora de um fonograma, ainda que com uma duração muito reduzida, deve, em princípio, ser considerada uma reprodução «em parte» desse fonograma, na aceção da referida disposição, e que tal reprodução é assim abrangida pelo direito exclusivo que esta confere ao produtor de tal fonograma.

30      Esta interpretação literal do artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 2001/29 é conforme, por um lado, com o objetivo geral desta diretiva, que consiste, conforme decorre dos seus considerandos 4, 9 e 10, em instaurar um elevado nível de proteção do direito de autor e dos direitos conexos, e, por outro, com o objetivo específico do direito exclusivo do produtor de fonogramas, enunciado neste considerando 10, que consiste em proteger o investimento realizado por este último. Com efeito, como recordado neste mesmo considerando, é considerável o investimento necessário para produzir produtos, tais como fonogramas, pelo que é necessário proporcionar aos seus produtores a possibilidade de obterem um rendimento satisfatório.

31      Porém, quando um utilizador, no exercício da liberdade das artes, retira uma amostra sonora de um fonograma, para a utilizar, sob forma alterada e não reconhecível na audição, numa obra nova, há que considerar que tal utilização não constitui uma «reprodução», na aceção do artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 2001/29.

32      A este respeito, há que recordar que decorre dos considerandos 3 e 31 da Diretiva 2001/29 que a harmonização efetuada por esta diretiva visa salvaguardar, nomeadamente no ambiente eletrónico, um justo equilíbrio entre, por um lado, o interesse dos titulares dos direitos de autor e dos direitos conexos na proteção da sua propriedade intelectual, agora consagrada no artigo 17.o, n.o 2, da Carta, e, por outro, a proteção dos interesses e dos direitos fundamentais dos utilizadores de objetos protegidos, bem como do interesse geral (v., neste sentido, Acórdão de 7 de agosto de 2018, Renckhoff, C‑161/17, EU:C:2018:634, n.o 41).

33      Assim, o Tribunal de Justiça já declarou que não resulta de modo nenhum do artigo 17.o, n.o 2, da Carta nem da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o direito de propriedade intelectual consagrado nesta disposição é intangível e que a sua proteção deve, por conseguinte, ser assegurada de maneira absoluta (Acórdãos de 24 de novembro de 2011, Scarlet Extended, C‑70/10, EU:C:2011:771, n.o 43; de 16 de fevereiro de 2012, SABAM, C‑360/10, EU:C:2012:85, n.o 41; e de 27 de março de 2014, UPC Telekabel Wien, C‑314/12, EU:C:2014:192, n.o 61).

34      Com efeito, este direito deve ser ponderado com os outros direitos fundamentais, entre os quais figura a liberdade das artes, garantida pelo artigo 13.o da Carta, a qual, na medida em que é abrangida pela liberdade de expressão, protegida pelo artigo 11.o da Carta e pelo artigo 10.o, n.o 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950, permite contribuir para a troca pública de notícias e de ideias culturais, políticas e sociais de toda a espécie (v., neste sentido, TEDH, 24 de maio de 1988, Müller e o. c. Suíça, CE:ECHR:1988:0524JUD001073784, § 27; TEDH, 8 de julho de 1999, Karataş c. Turquia, CE:ECHR:1999:0708JUD002316894, § 49).

35      Neste contexto, há que salientar que a técnica da «amostragem» (sampling), que, para um utilizador, consiste em retirar, habitualmente através de equipamento eletrónico, uma amostra de um fonograma e utilizá‑la para criar uma obra nova, constitui uma forma de expressão artística abrangida pela liberdade das artes, protegida pelo artigo 13.o da Carta.

36      Ao exercer esta liberdade, o utilizador de uma amostra sonora (sample), quando cria uma obra nova, pode ser levado a alterar a amostra retirada do fonograma a ponto de essa amostra deixar de ser reconhecível na audição dessa obra.

37      Ora, considerar que uma amostra, retirada de um fonograma, utilizada numa obra nova sob forma alterada e não reconhecível na audição para efeitos de uma criação artística própria constitui uma «reprodução» desse fonograma, na aceção do artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 2001/29, não apenas seria contrário ao sentido habitual deste termo na linguagem corrente, na aceção da jurisprudência recordada no n.o 28 do presente acórdão, como também violaria a exigência de justo equilíbrio recordada no n.o 32 do mesmo acórdão.

38      Em especial, tal interpretação permitiria que o produtor de fonogramas se opusesse, nesse caso, à retirada, por um terceiro, para efeitos de criação artística, de uma amostra sonora do seu fonograma, ainda que com uma duração muito reduzida, embora tal retirada não viole a possibilidade de o referido produtor obter um rendimento satisfatório do seu investimento.

39      Atendendo às considerações que precedem, há que responder às questões primeira e sexta que o artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 2001/29 deve, à luz da Carta, ser interpretado no sentido de que o direito exclusivo conferido por esta disposição ao produtor de fonogramas, de autorizar ou proibir a reprodução do seu fonograma, lhe permite opor‑se à utilização, por um terceiro, de uma amostra sonora do seu fonograma, ainda que com uma duração muito reduzida, para efeitos da inclusão dessa amostra noutro fonograma, exceto se essa amostra neste tiver sido incluída sob forma alterada e não reconhecível na audição.

 Quanto à segunda questão

40      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 9.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2006/115 deve ser interpretado no sentido de que um fonograma que comporta amostras musicais transferidas de outro fonograma constitui uma «cópia», na aceção desta disposição, desse fonograma.

41      Nos termos do artigo 9.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2006/115, os Estados‑Membros devem prever, em benefício dos produtores de fonogramas, um direito exclusivo de divulgar ao público os seus fonogramas, incluindo as suas cópias, por venda ou de qualquer outra forma.

42      Nem o artigo 9.o da Diretiva 2006/115 nem nenhuma outra disposição desta diretiva contêm uma definição do conceito de «cópia», na aceção do referido artigo.

43      A interpretação deste conceito deve, pois, tomar em consideração o contexto da disposição em questão e o objetivo prosseguido pela regulamentação em causa.

44      Há que recordar que o direito exclusivo de distribuição do produtor de fonogramas previsto no artigo 9.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2006/115 tem por objetivo dar ao referido produtor, através de uma proteção jurídica adequada dos seus direitos de propriedade intelectual, a possibilidade de amortizar os investimentos levados a cabo por este para produzir fonogramas, os quais podem ser particularmente elevados e arriscados, conforme enunciam os considerandos 2 e 5 da Diretiva 2006/115.

45      A este respeito, resulta deste considerando 2 que a proteção conferida ao produtor de fonogramas por esta diretiva visa em especial lutar contra a pirataria, a saber, conforme o advogado‑geral salientou no n.o 45 das suas conclusões, a produção e a distribuição ao público de exemplares contrafeitos de fonogramas. Com efeito, a distribuição destes exemplares constitui uma ameaça particularmente grave para os interesses do produtor de tais fonogramas, porquanto é suscetível de conduzir a uma diminuição significativa dos rendimentos que este último obtém a partir da respetiva disposição.

46      Ora, conforme o advogado‑geral salientou no n.o 46 das suas conclusões, só um suporte que contém a totalidade ou uma parte substancial dos sons fixados num fonograma pode, pelas suas características, substituir‑se aos exemplares lícitos deste e, por conseguinte, ser suscetível de constituir uma cópia desse fonograma, na aceção do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2006/115.

47      Não é, em contrapartida, o caso de um suporte que, sem conter a totalidade ou uma parte substancial dos sons fixados num fonograma, se limita a incorporar amostras musicais, eventualmente sob forma alterada, transferidas daquele fonograma para criar uma obra nova e independente deste último.

48      Semelhante interpretação do artigo 9.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2006/115, à luz do seu objetivo, é confortada pelo contexto em que se insere a regulamentação de que esta disposição faz parte.

49      A este respeito, conforme enuncia o considerando 7 da Diretiva 2006/115, esta diretiva pretende aproximar a legislação dos Estados‑Membros de forma a não entrar em conflito com as convenções internacionais em que se baseiam as legislações sobre direito de autor e direitos conexos de muitos Estados‑Membros.

50      Entre estas convenções figura a Convenção de Genebra que, de acordo com o seu preâmbulo, tem nomeadamente por objetivo responder à expansão crescente da reprodução não autorizada dos fonogramas e ao prejuízo que disso resulta para os interesses dos produtores.

51      Esta convenção comporta, no seu artigo 2.o, uma disposição análoga ao artigo 9.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2006/115, que prevê especificamente que os produtores de fonogramas são protegidos contra a produção e a distribuição ao público de «cópias» dos seus fonogramas feitas sem o seu consentimento.

52      Ora, de acordo com o artigo 1.o, alínea c), da referida convenção, constitui essa «cópia» um suporte que contém sons captados direta ou indiretamente de um fonograma e que incorpora «a totalidade ou uma parte substancial» dos sons fixados nesse fonograma.

53      É certo que as disposições da Convenção de Genebra não fazem parte da ordem jurídica da União, porquanto, por um lado, a União não é parte contratante nesta convenção e, por outro, não se pode considerar que esta última se substituiu aos Estados‑Membros no domínio de aplicação desta convenção, quanto mais não seja pelo facto de nem todos serem partes na referida convenção (v., por analogia, Acórdão de 15 de março de 2012, SCF, C‑135/10, EU:C:2012:140, n.o 41). Contudo, não deixa de ser certo que constitui uma das convenções internacionais visadas no n.o 49 do presente acórdão e que, assim, tanto quanto possível, há que interpretar as disposições da Diretiva 2006/115 à luz desta convenção (v., neste sentido, Acórdãos de 7 de dezembro de 2006, SGAE, C‑306/05, EU:C:2006:764, n.o 35; de 4 de outubro de 2011, Football Association Premier League e o., C‑403/08 e C‑429/08, EU:C:2011:631, n.o 189; e de 19 de dezembro de 2018, Syed, C‑572/17, EU:C:2018:1033, n.o 20).

54      Daqui resulta que há que considerar, à semelhança do advogado‑geral nos n.os 46 e 47 das suas conclusões, que a interpretação do conceito de «cópia», na aceção do artigo 9.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2006/115, deve ser coerente com este mesmo conceito, conforme figura no artigo 1.o, alínea c), e no artigo 2.o da Convenção de Genebra.

55      Atendendo às considerações que precedem, há que responder à segunda questão que o artigo 9.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2006/115 deve ser interpretado no sentido de que um fonograma que comporta amostras musicais transferidas de outro fonograma não constitui uma «cópia», na aceção desta disposição, deste fonograma, porquanto não contém a totalidade ou uma parte substancial deste mesmo fonograma.

 Quanto à terceira questão

56      O órgão jurisdicional de reenvio salienta que, nos termos do § 24, n.o 1, da UrhG, aplicável por analogia ao direito do produtor de fonogramas, uma obra independente que foi criada a partir da utilização da obra de outrem pode ser utilizada e explorada sem o consentimento do autor da obra utilizada. Precisa que este «direito à utilização livre» não constitui, enquanto tal, uma derrogação ao direito de autor, antes designando uma limitação inerente ao âmbito de proteção deste, assente na ideia de que não é concebível uma criação cultural que não se baseie em prestações anteriores de outros autores.

57      Nestas condições, na medida em que resulta da resposta à segunda questão que uma reprodução como a que está em causa no processo principal não é abrangida pelo artigo 9.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2006/115, há que considerar que, com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se um Estado‑Membro pode prever, no seu direito nacional, uma exceção ou limitação ao direito do produtor de fonogramas previsto no artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 2001/29, além das previstas no artigo 5.o desta diretiva.

58      Conforme resulta tanto da exposição de motivos da proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na Sociedade da Informação, de 10 de dezembro de 1997 [COM(97) 628 final] como do considerando 32 da Diretiva 2001/29, a enumeração das exceções e limitações constantes do artigo 5.o desta diretiva é exaustiva, facto que o Tribunal de Justiça também sublinhou por diversas vezes (Acórdãos de 16 de novembro de 2016, Soulier e Doke, C‑301/15, EU:C:2016:878, n.o 34, e de 7 de agosto de 2018, Renckhoff, C‑161/17, EU:C:2018:634, n.o 16).

59      A este respeito, no n.o 32 do presente acórdão, foi recordado que a harmonização efetuada pela referida diretiva visa salvaguardar, nomeadamente no ambiente eletrónico, um justo equilíbrio entre, por um lado, o interesse dos titulares dos direitos de autor e dos direitos conexos na proteção da sua propriedade intelectual e, por outro, a proteção dos interesses e dos direitos fundamentais dos utilizadores de objetos protegidos, bem como do interesse geral.

60      Ora, os mecanismos que permitem encontrar um justo equilíbrio entre estes diferentes direitos e interesses estão inscritos na própria Diretiva 2001/29, na medida em que esta prevê, nomeadamente, por um lado, nos seus artigos 2.o a 4.o, os direitos exclusivos dos titulares de direitos e, por outro, no seu artigo 5.o, as exceções e limitações a estes direitos que podem, ou inclusivamente devem, ser transpostas pelos Estados‑Membros, devendo estes mecanismos, contudo, ser concretizados através das medidas nacionais que transpõem esta diretiva, bem como através da aplicação desta pelas autoridades nacionais (v., neste sentido, Acórdão de 29 de janeiro de 2008, Promusicae, C‑275/06, EU:C:2008:54, n.o 66 e jurisprudência referida).

61      O Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que os direitos fundamentais que passaram a estar consagrados na Carta, cujo respeito é assegurado pelo Tribunal de Justiça, se inspiram nas tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, bem como nas indicações fornecidas pelos instrumentos internacionais relativos à proteção dos direitos do Homem em que os Estados‑Membros colaboraram ou a que aderiram (v., neste sentido, Acórdão de 27 de junho de 2006, Parlamento/Conselho, C‑540/03, EU:C:2006:429, n.o 35 e jurisprudência referida).

62      Também contribui para o justo equilíbrio, recordado no n.o 32 do presente acórdão, o artigo 5.o, n.o 5, da Diretiva 2001/29, que exige que as exceções e limitações previstas nos n.os 1 a 4 do artigo 5.o desta diretiva só se aplicarão em certos casos especiais que não entrem em conflito com uma exploração normal da obra ou outro material protegido e não prejudiquem irrazoavelmente os legítimos interesses do titular do direito.

63      Neste contexto, permitir, não obstante a vontade expressa pelo legislador da União, recordada no n.o 58 do presente acórdão, que cada Estado‑Membro introduza derrogações aos direitos exclusivos do autor, visados nos artigos 2.o a 4.o da Diretiva 2001/29, além das exceções e limitações previstas exaustivamente no artigo 5.o desta diretiva, ameaçaria a efetividade da harmonização do direito de autor e dos direitos conexos realizada pela referida diretiva e o objetivo de segurança jurídica prosseguido por esta (Acórdão de 13 de fevereiro de 2014, Svensson e o., C‑466/12, EU:C:2014:76, n.os 34 e 35). Com efeito, resulta expressamente do considerando 31 desta mesma diretiva que as diferenças que existiam em termos de exceções e limitações a certos atos sujeitos a restrição tinham efeitos negativos diretos no funcionamento do mercado interno do direito de autor e dos direitos conexos, visando assim a enumeração das exceções e limitações constante do artigo 5.o da Diretiva 2001/29 assegurar esse bom funcionamento.

64      Por outro lado, conforme resulta do considerando 32 da mesma diretiva, os Estados‑Membros estão obrigados a aplicar estas exceções e limitações de forma coerente. Ora, a exigência de coerência na transposição destas exceções e limitações não poderia ser assegurada se os Estados‑Membros fossem livres de prever semelhantes exceções e limitações, além das que estão expressamente previstas na Diretiva 2001/29 (v., neste sentido, Acórdão de 12 de novembro de 2015, Hewlett‑Packard Belgium, C‑572/13, EU:C:2015:750, n.os 38 e 39), tendo, aliás, o Tribunal de Justiça já sublinhado que nenhuma disposição da Diretiva 2001/29 prevê a possibilidade de os Estados‑Membros alargarem o âmbito das referidas exceções ou limitações (v., neste sentido, Acórdão de 10 de abril de 2014, ACI Adam e o., C‑435/12, EU:C:2014:254, n.o 27).

65      Atendendo às considerações que precedem, há que responder à terceira questão que um Estado‑Membro não pode prever, no seu direito nacional, uma exceção ou limitação ao direito do produtor de fonogramas previsto no artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 2001/29, além das previstas no artigo 5.o desta diretiva.

 Quanto à quarta questão

66      Com a sua quarta questão, que diz respeito à hipótese de vir a ser constatada uma violação ao direito exclusivo de reprodução do produtor de fonogramas previsto no artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 2001/29, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.o, n.o 3, alínea d), desta diretiva deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «citações», visado nesta disposição, abrange uma situação em que não seja possível identificar a obra em questão através da citação em causa.

67      Nos termos do artigo 5.o, n.o 3, alínea d), da Diretiva 2001/29, os Estados‑Membros podem prever exceções ou limitações aos direitos exclusivos de reprodução e de comunicação ao público visados nos artigos 2.o e 3.o desta diretiva, quando estejam em causa citações para fins como a crítica ou a análise, desde que relacionadas com uma obra ou outro material protegido já legalmente tornado acessível ao público, desde que, exceto quando tal se revele impossível, seja indicada a fonte, incluindo o nome do autor, e desde que sejam efetuadas de acordo com os usos e na medida justificada pelo fim a atingir.

68      Há que considerar, desde já, à semelhança do advogado‑geral nos n.os 62 e 63 das suas conclusões, que, atendendo à redação do artigo 5.o, n.o 3, alínea d), da Diretiva 2001/29, que se refere a «uma obra ou outro material [protegido]», a exceção ou limitação prevista nesta disposição se pode aplicar à utilização de uma obra musical protegida, desde que estejam reunidos os requisitos previstos nesta disposição.

69      Em especial, o artigo 5.o, n.o 3, alínea d), da Diretiva 2001/29 exige, para a sua aplicação, conforme foi recordado no n.o 67 do presente acórdão, que a utilização em causa seja efetuada «de acordo com os usos e na medida justificada pelo fim a atingir», pelo que a utilização em causa para efeitos de citação não deve ir além dos limites do que é necessário para atingir o objetivo prosseguido pela citação em causa.

70      Na medida em que a Diretiva 2001/29 não contém uma definição do termo «citação», o significado e o alcance deste termo devem ser determinados, segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça recordada no n.o 28 do presente acórdão, de acordo com o seu sentido habitual na linguagem corrente, tendo em conta o contexto em que é utilizado e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte.

71      No que respeita ao sentido habitual do termo «citação» na linguagem corrente, há que salientar que a citação tem como características essenciais a utilização, por um utilizador que não é o respetivo autor, de uma obra ou, de forma mais genérica, de um excerto de uma obra, para ilustrar uma afirmação, defender uma opinião ou ainda permitir um confronto intelectual entre essa obra e as afirmações do referido utilizador, devendo, assim, o utilizador de uma obra protegida que pretende invocar a exceção de citação ter por objetivo interagir com a referida obra, conforme o advogado‑geral salientou no n.o 64 das suas conclusões.

72      Em especial, quando o criador de uma nova obra musical utiliza uma amostra sonora (sample) retirada de um fonograma e que é reconhecível na audição dessa obra nova, a utilização dessa amostra sonora pode, em função das circunstâncias do caso concreto, constituir uma «citação», a título do artigo 5.o, n.o 3, alínea d), da Diretiva 2001/29, lido à luz do artigo 13.o da Carta, desde que a referida utilização tenha por objetivo interagir com a obra da qual a amostra foi retirada, na aceção evocada no n.o 71 do presente acórdão, e que estejam reunidas as condições previstas no referido artigo 5.o, n.o 3, alínea d).

73      No entanto, conforme o advogado‑geral sublinhou no n.o 65 das suas conclusões, não pode haver lugar a essa interação quando não seja possível identificar a obra em questão através da citação em causa.

74      Atendendo às considerações que precedem, há que responder à quarta questão que o artigo 5.o, n.o 3, alínea d), da Diretiva 2001/29 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «citações», visado nesta disposição, não abrange uma situação em que não seja possível identificar a obra em questão através da citação em causa.

 Quanto à quinta questão

75      A título preliminar, há que salientar, conforme resulta do n.o 24 do presente acórdão, que a quinta questão se inscreve, em especial, no âmbito de aplicação pelo juiz que procedeu ao reenvio, para efeitos da resolução do litígio no processo principal, do artigo 2.o, alínea c), e do artigo 5.o, n.o 3, alínea d), da Diretiva 2001/29, bem como do artigo 9.o, n.o 1, alínea b), e do artigo 10.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 2006/115.

76      Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se estas disposições do direito da União conferem aos Estados‑Membros margem de apreciação para a respetiva transposição, uma vez que, de acordo com a jurisprudência do Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Federal), as disposições do direito nacional que transpõem uma diretiva da União não devem, em princípio, ser apreciadas à luz dos direitos fundamentais garantidos pela Lei Fundamental da República Federal da Alemanha, mas apenas à luz dos direitos fundamentais garantidos pelo direito da União, quando esta diretiva não deixe aos Estados‑Membros margem de apreciação para a respetiva transposição.

77      À luz da resposta dada às questões segunda e quarta, há que considerar que, através da sua quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 2001/29 deve ser interpretado no sentido de que constitui uma medida de harmonização completa.

78      A este respeito, importa recordar que, por força do princípio do primado do direito da União, que constitui uma característica essencial da ordem jurídica da União, o facto de um Estado‑Membro invocar disposições de direito nacional, ainda que de ordem constitucional, não afeta o efeito do direito da União no território desse Estado (Acórdão de 26 de fevereiro de 2013, Melloni, C‑399/11, EU:C:2013:107, n.o 59).

79      Quanto a este ponto, há que salientar que, na medida em que a transposição de uma diretiva pelos Estados‑Membros está abrangida, seja como for, pela situação, visada no artigo 51.o da Carta, em que os Estados‑Membros aplicam o direito da União, o nível de proteção dos direitos fundamentais previsto na Carta deve ser alcançado com essa transposição, independentemente da margem de apreciação de que os Estados‑Membros dispõem quando procedem a essa transposição.

80      Porém, quando, numa situação em que a ação dos Estados‑Membros não é inteiramente determinada pelo direito da União, uma disposição ou uma medida nacional aplica este direito na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta, as autoridades e os órgãos jurisdicionais nacionais podem aplicar os padrões nacionais de proteção dos direitos fundamentais, desde que essa aplicação não comprometa o nível de proteção previsto na Carta, conforme interpretada pelo Tribunal de Justiça, nem o primado, a unidade e a efetividade do direito da União (Acórdãos de 26 de fevereiro de 2013, Melloni, C‑399/11, EU:C:2013:107, n.o 60, e de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson, C‑617/10, EU:C:2013:105, n.o 29).

81      Assim, é conforme com o direito da União que os órgãos jurisdicionais e as autoridades nacionais façam depender esta aplicação da circunstância, evocada pelo órgão jurisdicional de reenvio, de as disposições de uma diretiva «deixa[rem] alguma margem de apreciação na sua transposição para o direito nacional», desde que esta circunstância seja compreendida no sentido de que visa o grau de harmonização efetuado pelas referidas disposições, sendo que tal aplicação só é possível se essas disposições não procederem a uma harmonização completa.

82      No presente caso, há que salientar que a Diretiva 2001/29 tem por finalidade harmonizar apenas alguns aspetos do direito de autor e dos direitos conexos, revelando algumas das suas disposições, além disso, a intenção do legislador da União de conceder margem de apreciação aos Estados‑Membros aquando da sua transposição (v., neste sentido, Acórdão de 5 de março de 2015, Copydan Båndkopi, C‑463/12, EU:C:2015:144, n.o 57).

83      No que respeita ao direito exclusivo dos titulares, visado no artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 2001/29, foi recordado, no n.o 27 do presente acórdão, que, segundo esta disposição, os Estados‑Membros devem prever que o direito exclusivo de autorização ou proibição de «reproduções, diretas ou indiretas, temporárias ou permanentes, por quaisquer meios e sob qualquer forma, no todo ou em parte», cabe aos produtores de fonogramas, para os seus fonogramas.

84      Deste modo, a referida disposição define, de maneira inequívoca, o direito exclusivo de reprodução de que gozam os titulares do direito de autor na União. Esta disposição não é, aliás, acompanhada de nenhuma condição nem está subordinada, na sua execução ou nos seus efeitos, à intervenção de um ato, seja ele qual for.

85      Daqui resulta que o artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 2001/29 constitui uma medida de harmonização completa do conteúdo material do direito nele visado (v., por analogia, no que respeita ao direito exclusivo do titular de uma marca da União Europeia, Acórdãos de 20 de novembro de 2001, Zino Davidoff e Levi Strauss, C‑414/99 a C‑416/99, EU:C:2001:617, n.o 39, e de 12 de novembro de 2002, Arsenal Football Club, C‑206/01, EU:C:2002:651, n.o 43).

86      Atendendo às considerações que precedem, há que responder à quinta questão que o artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 2001/29 deve ser interpretado no sentido de que constitui uma medida de harmonização completa do conteúdo material do direito nele visado.

 Quanto às despesas

87      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

1)      O artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação, deve, à luz da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, ser interpretado no sentido de que o direito exclusivo conferido por esta disposição ao produtor de fonogramas, de autorizar ou proibir a reprodução do seu fonograma, lhe permite oporse à utilização, por um terceiro, de uma amostra sonora do seu fonograma, ainda que com uma duração muito reduzida, para efeitos da inclusão dessa amostra noutro fonograma, exceto se essa amostra neste tiver sido incluída sob forma alterada e não reconhecível na audição.

2)      O artigo 9.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2006/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos ao direito de autor em matéria de propriedade intelectual, deve ser interpretado no sentido de que um fonograma que comporta amostras musicais transferidas de outro fonograma não constitui uma «cópia», na aceção desta disposição, deste fonograma, porquanto não contém a totalidade ou uma parte substancial deste mesmo fonograma.

3)      Um EstadoMembro não pode prever, no seu direito nacional, uma exceção ou limitação ao direito do produtor de fonogramas previsto no artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 2001/29, além das previstas no artigo 5.o desta diretiva.

4)      O artigo 5.o, n.o 3, alínea d), da Diretiva 2001/29 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «citações», visado nesta disposição, não abrange uma situação em que não seja possível identificar a obra em questão através da citação em causa.

5)      O artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 2001/29 deve ser interpretado no sentido de que constitui uma medida de harmonização completa do conteúdo material do direito nele visado.

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.