Language of document : ECLI:EU:C:2016:732

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

29 de setembro de 2016 (*)

«Reenvio prejudicial — Regulamentações regionais que impõem a gratuitidade da distribuição, nas redes situadas na região em causa, da eletricidade produzida a partir de fontes de energia renovável — Diferenciação em função da proveniência da eletricidade verde — Artigos 28.° e 30.° CE — Livre circulação de mercadorias — Diretiva 2001/77/CE — Artigos 3.° e 4.° — Mecanismos nacionais de apoio à produção de energia verde — Diretiva 2003/54/CE — Artigos 3.° e 20.° — Diretiva 96/92/CE — Artigos 3.° e 16.° — Mercado interno da eletricidade — Acesso às redes de distribuição com condições tarifárias não discriminatórias — Obrigações de serviço público — Falta de proporcionalidade»

No processo C‑492/14,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Nederlandstalige rechtbank van eerste aanleg te Brussel (Tribunal de Primeira Instância de língua neerlandesa de Bruxelas, Bélgica), por decisão de 2 de setembro de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 5 de novembro de 2014, no processo

Essent Belgium NV

contra

Vlaams Gewest,

Inter‑Energa,

IVEG,

Infrax West,

Provinciale Brabantse Energiemaatschappij CVBA (PBE),

Vlaamse Regulator van de Elektriciteits‑ en Gasmarkt (VREG),

na presença de:

Intercommunale Maatschappij voor Energievoorziening Antwerpen (IMEA),

Intercommunale Maatschappij voor Energievoorziening in West‑ en Oost‑Vlaanderen (IMEWO),

Intercommunale Vereniging voor Energielevering in Midden‑Vlaanderen (Intergem),

Intercommunale Vereniging voor de Energiedistributie in de Kempen en het Antwerpse (IVEKA),

Iverlek,

Gaselwest CVBA,

Sibelgas CVBA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, C. Toader, A. Rosas, A. Prechal (relatora) e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 19 de novembro de 2015,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Essent Belgium NV, por D. Haverbeke e W. Vandorpe, advocaten,

–        em representação da Vlaams Gewest e da VREG, por S. Vernaillen, advocaat,

–        em representação da República Helénica, por S. Lekkou e V. Pelekou, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por E. Manhaeve e G. Wilms bem como por O. Beynet, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral apresentadas na audiência de 14 de abril de 2016,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 12.°, 28.°, 49.° e 30.° CE e do artigo 3.°, n.os 1 e 4, da Diretiva 2003/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2003, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade e que revoga a Diretiva 96/92/CE (JO 2003, L 176, p. 37; retificação no JO 2004, L 16, p. 74).

2        Estes pedidos foram apresentados no âmbito de litígios que opõem a Essent Belgium NV à Vlaams Gewest (Região da Flandres, Bélgica), entre outros, a respeito da responsabilidade extracontratual desta região pela adoção de regulamentações regionais sucessivas que reservam o benefício da distribuição gratuita nas redes de distribuição situadas nesta região, em primeiro lugar, à eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis (a seguir «eletricidade verde») diretamente injetada nas referidas redes de distribuição pelas instalações de produção ligadas a estas, e, em segundo lugar, à eletricidade verde diretamente injetada pelas instalações de produção nas redes de distribuição situadas em todo o território do Estado‑Membro de que esta região faz parte.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Diretiva 2001/77/CE

3        A Diretiva 2001/77/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de setembro de 2001, relativa à promoção da eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis no mercado interno da eletricidade (JO 2001, L 283, p. 33), foi revogada, a partir de 1 de janeiro de 2012, pela Diretiva 2009/28/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, relativa à promoção da utilização de energia proveniente de fontes renováveis que altera e subsequentemente revoga as Diretivas 2001/77 e 2003/30/CE (JO 2009, L 140, p. 16). Contudo, tendo em conta a data dos factos do litígio no processo principal, no caso vertente, há que ter em conta as disposições da Diretiva 2001/77.

4        Nos termos dos considerandos 1 a 3 e 14 da Diretiva 2001/77:

«(1)      O potencial de exploração de fontes de energia renováveis está presentemente subaproveitado na Comunidade. A Comunidade reconhece a necessidade de promover, como medida prioritária, as fontes de energia renováveis, dado que a sua exploração contribui para a proteção do ambiente e o desenvolvimento sustentável. Além disso, essa exploração poderá também criar postos de trabalho a nível local, ter um impacto positivo na coesão social, contribuir para a segurança do abastecimento e tornar possível acelerar a consecução dos objetivos estabelecidos em Quioto. É necessário assegurar que este potencial seja mais bem explorado no quadro do mercado interno da eletricidade.

(2)      A promoção da eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis é uma alta prioridade comunitária, tal como foi destacado no livro branco sobre fontes de energia renováveis [...] por razões de segurança e diversificação do abastecimento de energia, de proteção ambiental, bem como de coesão social e económica. [...]

(3)      O aumento da utilização de eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis constitui uma parte substancial do pacote de medidas necessário ao cumprimento do Protocolo de Quioto à Convenção‑Quadro das Nações Unidas relativa às alterações climáticas e de qualquer pacote de medidas destinadas ao cumprimento de compromissos ulteriores.

[...]

(14)      Os Estados‑Membros dispõem de diferentes mecanismos de apoio às fontes de energia renováveis, incluindo certificados verdes, auxílio ao investimento, isenções ou reduções fiscais, reembolso de impostos e regimes de apoio direto aos preços. Até que um quadro comunitário esteja operacional e para manter a confiança dos investidores, a garantia do correto funcionamento destes regimes constitui um importante meio para realizar o objetivo da presente diretiva.»

5        O artigo 1.° da Diretiva 2001/77 dispunha:

«A presente diretiva destina‑se a promover o aumento da contribuição das fontes de energia renováveis para a produção de eletricidade no mercado interno da eletricidade e criar uma base para um futuro quadro comunitário neste setor.»

6        O artigo 3.°, n.os 1 e 2, da referida diretiva dispunha:

«1.      Os Estados‑Membros devem tomar as medidas apropriadas para promover o aumento do consumo de eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis em conformidade com as metas indicativas nacionais referidas no n.° 2. Essas medidas devem ser proporcionais ao objetivo a atingir.

2.      Até 27 de outubro de 2002 e posteriormente de cinco em cinco anos, os Estados‑Membros aprovam e publicam um relatório que defina as metas indicativas nacionais relativas ao consumo futuro de eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis em termos de percentagem do consumo de eletricidade, para os 10 anos seguintes. [...] Para a fixação dessas metas até 2010, os Estados‑Membros:

–        tomam em consideração os valores de referência constantes do anexo,

–        certificam‑se de que essas metas são compatíveis com quaisquer compromissos nacionais assumidos no contexto dos compromissos relativos às alterações climáticas aceites pela Comunidade a título do Protocolo de Quioto.»

7        Com a epígrafe «Regimes de apoio», o artigo 4.°, n.° 1, da referida diretiva previa:

«Sem prejuízo dos artigos 87.° e 88.° do Tratado [CE], a Comissão [Europeia] avalia a aplicação dos mecanismos utilizados nos Estados‑Membros que, com base em regulamentações emitidas pelas entidades públicas, permitem a prestação de um apoio direto ou indireto aos produtores de eletricidade e possam vir a restringir as trocas comerciais, na medida em que contribuem para os objetivos estabelecidos nos artigos 6.° e 174.° do Tratado.»

8        Sob a epígrafe «Questões relativas ao sistema de rede», o artigo 7.° da Diretiva 2001/77 dispunha:

«1.      Sem prejuízo da manutenção da fiabilidade e da segurança da rede, os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para que os operadores das redes de transporte e os operadores das redes de distribuição nos respetivos territórios garantam o transporte e distribuição da eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis. Além disso, os Estados‑Membros podem prever um acesso prioritário da eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis à rede. Aquando do despacho de instalações de produção, os operadores das redes de transporte devem dar prioridade às instalações que utilizem fontes de energia renováveis, na medida em que o funcionamento da rede nacional de energia o permita.

2.      Os Estados‑Membros devem criar um quadro legal ou exigir aos operadores de redes de transporte e aos operadores de redes de distribuição que estabeleçam e publiquem as suas normas‑padrão relativas ao pagamento dos custos de adaptações técnicas, tais como ligações à rede e reforços de rede, necessárias à integração de novos produtores que alimentem a rede interligada com eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis.

[...]

3.      Se for caso disso, os Estados‑Membros podem exigir que os operadores das redes de transporte e de distribuição paguem, total ou parcialmente, os custos mencionados no n.° 2.

[...]

6.      Os Estados‑Membros asseguram que a cobrança de tarifas de transporte e distribuição não discrimine a eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis, incluindo em particular a eletricidade proveniente de fontes de energia renováveis produzida em regiões periféricas, tais como as regiões insulares e as regiões de baixa densidade populacional.

Se for caso disso, os Estados‑Membros devem estabelecer um quadro jurídico ou exigir aos operadores das redes de transporte e de distribuição que garantam que as tarifas cobradas pelo transporte e pela distribuição de eletricidade proveniente de centrais que utilizem fontes de energia renováveis reflitam as vantagens realizáveis, em termos de custos, resultantes da ligação da central à rede. Essas vantagens em termos de custos podem resultar da utilização direta da rede de baixa tensão.

[...]»

 Diretiva 96/92/CE

9        Os considerandos 3, 15 e 19 da Diretiva 96/92/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de dezembro de 1996, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade (JO 1996, L 27, p. 20) enunciavam:

«(3)      Considerando que a presente diretiva não afeta a plena aplicação do Tratado, em especial as disposições relativas ao mercado interno e à concorrência;

[...]

(15)      Considerando que o Tratado estabelece regras específicas em matéria de restrições à livre circulação de mercadorias e à concorrência;

[...]

(19)      Considerando que, ao imporem obrigações de serviço público às empresas do setor da eletricidade, os Estados‑Membros devem, em consequência, respeitar as normas do Tratado, na interpretação que delas é feita pelo Tribunal de Justiça.»

10      Nos termos do artigo 1.° da referida diretiva:

«A presente diretiva estabelece regras comuns relativas à produção, transporte e distribuição de eletricidade. Define as normas relativas à organização e ao funcionamento do setor da eletricidade, ao acesso ao mercado, assim como os critérios e mecanismos aplicáveis aos concursos, à concessão de autorizações e à exploração das redes.»

11      O artigo 2.° da mesma diretiva enuncia:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[...]

6.      ‘Distribuição’: transporte de eletricidade em redes de distribuição de média e baixa tensão para entrega ao cliente;

[...]

15.      ‘Utilizador da rede’: pessoa singular ou coletiva que alimenta uma rede de transporte ou distribuição ou que é servida por uma dessas redes;

[...]»

12      O artigo 3.° da Diretiva 96/92 previa:

«1.      Com base na sua organização institucional e no respeito pelo princípio da subsidiariedade, os Estados‑Membros assegurarão que, sem prejuízo do disposto no n.° 2, as empresas de eletricidade sejam exploradas de acordo com os princípios constantes da presente diretiva, na perspetiva de um mercado da eletricidade competitivo, e que não farão discriminações entre essas empresas no que respeita a direitos ou obrigações. [...]

2.      Tendo plenamente em conta as disposições pertinentes do Tratado, nomeadamente do artigo 90.°, os Estados‑Membros podem impor às empresas do setor da eletricidade, no interesse económico geral, obrigações de serviço público relativas à segurança, incluindo do abastecimento, regularidade, qualidade e preço dos fornecimentos, e à proteção do ambiente. Essas obrigações devem ser claramente definidas, transparentes, não discriminatórias e controláveis; […]

3.      Os Estados‑Membros podem decidir não aplicar o disposto nos artigos 5.°, 6.°, 17.°, 18.° e 21.°, na medida em que essas disposições possam dificultar o cumprimento, de direito ou de facto, das obrigações impostas aos serviços públicos de eletricidade no interesse económico geral e que o desenvolvimento do comércio não seja afetado de maneira contrária aos interesses da Comunidade. Os interesses da Comunidade incluem, nomeadamente, a concorrência no que respeita aos clientes admissíveis, nos termos da presente diretiva e do artigo 90.° do Tratado.»

13      O artigo 11.°, n.os 2 e 3, da Diretiva 96/92 dispunha:

«2.      Em caso algum o operador da rede de distribuição poderá tomar medidas discriminatórias entre os utilizadores ou categorias de utilizadores da rede, nomeadamente a favor das suas filiais ou dos seus acionistas.

3.      Os Estados‑Membros podem exigir que, ao mobilizarem as instalações de produção, os operadores de redes deem prioridade às instalações que utilizem fontes de energia renováveis ou resíduos ou um processo de produção que combine calor e eletricidade.»

14      O artigo 16.° da mesma diretiva enunciava:

«Para efeitos da organização do acesso à rede, os Estados‑Membros podem optar entre os sistemas previstos no artigo 17.° e/ou no artigo 18.° Qualquer desses sistemas será aplicado segundo critérios objetivos, transparentes e não discriminatórios.»

 A Diretiva 2003/54

15      A Diretiva 2003/54 foi revogada, com efeitos a partir de 3 de março de 2011, pela Diretiva 2009/72/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade (JO 2009, L 211, p. 55).

16      Os considerandos 2, 4, 6, 7, 13, 15 e 17 da Diretiva 2003/54 enunciavam:

«(2)      A experiência adquirida com a aplicação da [Diretiva 96/92] demonstra os benefícios que podem resultar do mercado interno da eletricidade em termos de aumento de eficiência, reduções de preços, padrões de serviço mais elevados e maior competitividade. Todavia, subsistem deficiências significativas e possibilidades de melhorar o funcionamento do mercado, sendo necessárias medidas concretas, nomeadamente, para assegurar condições de concorrência equitativas a nível da produção e para reduzir os riscos de ocorrência de posições dominantes no mercado e de comportamentos predatórios, garantindo tarifas de transporte e distribuição não discriminatórias através do acesso à rede com base em tarifas publicadas antes da sua entrada em vigor […]

[...]

(4)      As liberdades que o Tratado garante aos cidadãos europeus, nomeadamente a liberdade de circulação de mercadorias, de prestação de serviços e de estabelecimento, pressupõem um mercado plenamente aberto que permita a todos os consumidores a livre escolha de fornecedores e a todos os fornecedores o livre abastecimento dos seus clientes.

[...]

(6)      Uma concorrência efetiva implica um acesso à rede não discriminatório, transparente e a preços justos.

(7)      Para a plena realização do mercado interno da eletricidade é da máxima importância o acesso não discriminatório à rede do operador da rede de transporte ou de distribuição. [...]

[...]

(13)      É necessário tomar novas medidas a fim de assegurar tarifas transparentes e não discriminatórias de acesso às redes. Essas tarifas deverão ser aplicáveis a todos os utilizadores da rede de forma não discriminatória.

[...]

(15)      A existência de uma regulação eficaz por parte de uma ou mais entidades reguladoras nacionais é um fator importante na garantia de acesso não discriminatório à rede. [...] Essas entidades deverão ter competência para fixar ou aprovar as tarifas ou, pelo menos, as metodologias subjacentes ao cálculo das tarifas de transporte e distribuição. A fim de se evitar situações de incerteza e diferendos dispendiosos e prolongados, essas tarifas deverão ser publicadas antes da sua entrada em vigor.

[...]

(17)      A fim de assegurar o acesso efetivo ao mercado a todos os agentes, incluindo os novos operadores, são necessários mecanismos de compensação não discriminatórios e que reflitam os custos. [...]»

17      Com a epígrafe «Âmbito de aplicação», o artigo 1.° da Diretiva 2003/54 dispunha:

«A presente diretiva estabelece regras comuns para a produção, transporte, distribuição e fornecimento de eletricidade. Define as normas relativas à organização e ao funcionamento do setor da eletricidade e ao acesso ao mercado, bem como os critérios e mecanismos aplicáveis aos concursos, à concessão de autorizações e à exploração das redes.»

18      O artigo 2.° da mesma diretiva enunciava:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[...]

5)      ‘Distribuição’, o transporte de eletricidade em redes de distribuição de alta, média e baixa tensão, para entrega ao cliente, mas sem incluir o fornecimento;

[...]

18)      ‘Utilizador da rede’, pessoa singular ou coletiva que alimenta uma rede de transporte ou de distribuição ou que é por ela servida;

[...]»

19      Sob a epígrafe «Obrigações de serviço público e proteção dos consumidores», o artigo 3.° da mesma diretiva previa:

«1.      Os Estados‑Membros devem assegurar, com base na sua organização institucional e no respeito pelo princípio da subsidiariedade, e sem prejuízo do disposto no n.° 2, que as empresas de eletricidade sejam exploradas de acordo com os princípios constantes da presente diretiva, na perspetiva da realização de um mercado de eletricidade competitivo, seguro e sustentável do ponto de vista ambiental, e não devem discriminar essas empresas no que respeita a direitos ou obrigações.

2.      Tendo plenamente em conta as disposições pertinentes do Tratado, nomeadamente do seu artigo 86.°, os Estados‑Membros podem impor às empresas do setor da eletricidade, no interesse económico geral, obrigações de serviço público em matéria de segurança, incluindo a segurança do fornecimento, de regularidade, qualidade e preço dos fornecimentos, assim como de proteção do ambiente, incluindo a eficiência energética e a proteção do clima. Essas obrigações devem ser claramente definidas, transparentes, não discriminatórias, verificáveis e garantir a igualdade de acesso das empresas do setor da energia elétrica da União Europeia aos consumidores nacionais. [...]

[...]

4.      Quando existirem compensações financeiras, outras formas de compensação ou direitos exclusivos concedidos pelos Estados‑Membros para o cumprimento das obrigações previstas nos n.os 2 e 3, estes deverão ser atribuídos de forma transparente e não discriminatória.

[...]

8.      Os Estados‑Membros podem decidir não aplicar os artigos 6.°, 7.°, 20.° e 22.°, na medida em que a sua aplicação possa dificultar, de direito ou de facto, o cumprimento das obrigações impostas às empresas de eletricidade no interesse económico geral e desde que o desenvolvimento do comércio não seja afetado de maneira contrária aos interesses da Comunidade. Os interesses da Comunidade incluem, nomeadamente, a concorrência no que respeita aos clientes elegíveis, nos termos do disposto na presente diretiva e no artigo 86.° do Tratado.

[...]»

20      O artigo 14.° da Diretiva 2003/54 previa:

«[...]

2.      O operador da rede não deve, em caso algum, discriminar entre utilizadores ou categorias de utilizadores da rede, em especial a favor das empresas suas coligadas.

[...]

4.      Os Estados‑Membros podem exigir que, ao mobilizarem instalações de produção, os operadores das redes deem prioridade às instalações que utilizem fontes de energia renováveis ou resíduos ou um processo de produção combinada de calor e eletricidade.

[...]»

21      Nos termos do artigo 20.°, n.° 1, do mesmo diploma:

«Os Estados‑Membros devem garantir a aplicação de um sistema de acesso de terceiros às redes de transporte e distribuição baseado em tarifas publicadas, aplicáveis a todos os clientes elegíveis e aplicadas objetivamente e sem discriminação entre os utilizadores da rede. Os Estados‑Membros devem assegurar que essas tarifas, ou as metodologias em que se baseia o respetivo cálculo, sejam aprovadas nos termos do artigo 23.° antes de entrarem em vigor, bem como a publicação dessas tarifas ‑ e das metodologias, no caso de apenas serem aprovadas metodologias ‑ antes da respetiva entrada em vigor.»

22      O artigo 23.° da mesma diretiva dispunha:

«[...]

2.      As entidades reguladoras são responsáveis por fixar ou aprovar, antes da sua entrada em vigor, pelo menos as metodologias a utilizar para calcular ou estabelecer as condições de:

a)      Ligação e acesso às redes nacionais, incluindo as tarifas de transporte e distribuição. [...]

[...]

4.      As entidades reguladoras devem dispor de competência para obrigar, se necessário, os operadores das redes de transporte e distribuição a alterarem as condições, tarifas, regras, mecanismos e metodologias a que se referem os n.os 1, 2 e 3, a fim de garantir que sejam proporcionados e aplicados de forma não discriminatória.

[...]»

 Regulamentação flamenga

 Decreto relativo à eletricidade

23      Nos termos do artigo 2.° do vlaams decreet houdende de organisatie van de elektriciteitmarkt (Decreto flamengo relativo à organização do mercado da eletricidade), de 17 de julho de 2000 (Belgisch Staatsblad, de 22 de setembro de 2000, p. 32166, a seguir «decreto relativo à eletricidade»):

«Na aceção do presente decreto entende‑se por:

1.      ‘distribuição’: transporte de eletricidade em redes de distribuição de média e baixa tensão para entrega ao cliente;

2.      ‘rede de distribuição’: conjunto de ligações num território geograficamente definido com uma tensão nominal igual ou inferior a 70 kV e as respetivas estações de transformação, ligação e distribuição, subestações e outros meios acessórios necessários para a distribuição de eletricidade a nível regional e local;

[…]»

24      O artigo 15.° do decreto relativo à eletricidade, constante do capítulo III, intitulado «Acesso à rede de distribuição», previa:

«O operador de rede executa gratuitamente todas as tarefas necessárias à distribuição de eletricidade verde, com exceção da ligação à rede de distribuição.

O Governo flamengo pode restringir o regime previsto no n.° 1.»

25      O artigo 15.° do decreto relativo à eletricidade foi revogado pelo artigo 61.° do vlaams decreet houdende bepalingen tot begeleiding van de begroting 2005 (Decreto flamengo que contém diversas medidas de acompanhamento do orçamento 2005), de 24 de dezembro de 2004 (Belgisch Staatsblad, 31 de dezembro de 2004, p. 87220).

 Portarias que favorecem a produção de eletricidade verde

26      Na sua versão inicial, o artigo 14.° do besluit van de Vlaamse regering inzake de bevordering van elektriciteitsopwekking uit hernieuwbare energiebronnen (Portaria do Governo flamengo que favorece a produção de eletricidade a partir de fontes de energia renováveis), de 28 de setembro de 2001 (Belgisch Staatsblad, de 23 de outubro de 2001, p. 36778), dispunha:

«Todos os meses, cada fornecedor comunica aos respetivos operadores de rede, por cliente e por período de tarifação da rede, a quantidade de eletricidade transportada através das suas redes de distribuição e proveniente de fontes renováveis elencadas no artigo 8.°, § 1.

O operador de rede executa gratuitamente as tarefas mencionadas no artigo 15.° do decreto [relativo à] eletricidade, com base na comunicação imposta nos termos da alínea anterior.

Para a eletricidade que não é produzida na Região da Flandres, a autoridade responsável pela emissão dos certificados verdes para o respetivo local de produção emite à autoridade reguladora um atestado que garante que essa eletricidade foi produzida a partir de uma fonte de energia renovável incluída na lista prevista no artigo 8.°, § 1, e se destina a um consumidor final estabelecido na Flandres.

[...]»

27      Na sua nova versão baseada no artigo 2.° do besluit van de Vlaamse regering tot wijziging van het besluit van de Vlaamse regering van 28 september 2001 (Portaria do Governo flamengo que altera a Portaria do Governo flamengo de 28 de setembro de 2001), de 4 de abril de 2003 (Belgisch Staatsblad, 30 de abril de 2003, p. 23334, a seguir «Portaria de 4 de abril de 2003»), entrada em vigor em 30 de abril de 2003, o referido artigo 14.° previa:

«§ 1. Nos termos do artigo 15.°, n.° 2, do [decreto relativo à eletricidade], a distribuição gratuita, prevista no artigo 15.°, n.° 1, do mesmo decreto, é limitada à injeção de eletricidade produzida pelas instalações de produção ligadas às redes de distribuição situadas na Região da Flandres.

§ 2.      Um fornecedor de eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis, referidas no artigo 8.°, não tomará em conta na fatura intermédia e na conta final do cliente final dessa eletricidade nenhum custo relativo à sua distribuição previsto no artigo 15.°, primeiro parágrafo.

[...]»

28      Tendo a Essent Belgium interposto recurso de anulação do artigo 2.° da Portaria de 4 de abril de 2003, o Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Bélgica) suspendeu a execução da referida disposição por decisão de 12 de janeiro de 2004.

29      A portaria do Governo flamengo que favorece a produção de eletricidade a partir de fontes de energia renováveis de 28 de setembro de 2001 foi revogada e substituída pelo besluit van de Vlaamse regering inzake de bevordering van elektriciteitsopwekking uit hernieuwbare energiebronnen (Portaria do Governo flamengo que favorece a produção de eletricidade a partir de fontes de energia renováveis), de 5 de março de 2004 (Belgisch Staatsblad, de 23 de março de 2004, p. 16296, a seguir «Portaria de 5 de março de 2004»).

30      O artigo 18.° da Portaria de 5 de março de 2004 dispunha:

«§ 1. Nos termos do artigo 15.°, n.° 2, do [decreto relativo à eletricidade], a distribuição gratuita, prevista no artigo 15.°, n.° 1, do referido decreto, é limitada à eletricidade fornecida aos consumidores finais ligados a uma rede de distribuição situada na Região da Flandres e que é produzida a partir de uma fonte de energia renovável, na aceção do artigo 15.°, numa central de produção que injeta a sua eletricidade diretamente a uma rede de distribuição situada na Bélgica.

§ 2.      Um fornecedor de eletricidade, como a prevista no § 1, não tomará em conta na conta final do cliente final dessa eletricidade nenhum custo relativo à sua distribuição, prevista no artigo 15.°, primeiro parágrafo, do decreto [relativo à] eletricidade.

[...]»

31      Tendo a Essent Belgium interposto recurso de anulação do artigo 18.° da Portaria de 5 de março de 2004, o Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) suspendeu a execução da referida disposição por decisão de 23 de dezembro de 2004.

32      Na sequência da revogação do artigo 15.° do decreto relativo à eletricidade pelo Decreto de 24 de dezembro de 2004, que contém diversas medidas de acompanhamento do orçamento para 2005, o artigo 18.° da Portaria de 5 de março de 2004 foi revogado, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2005, pela besluit van de Vlaamse regering (Portaria do Governo flamengo), de 25 de março de 2005 (Belgisch Staatsblad, 27 de maio de 2005, p. 24763).

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

33      A Essent Belgium fornece eletricidade a empresas e particulares residentes na Região da Flandres que importa principalmente dos Países Baixos e que, segundo afirma, é eletricidade verde.

34      A Essent Belgium, considerando ter sofrido um prejuízo pelo facto de, na sequência das sucessivas alterações regulamentares introduzidas pelas Portarias de 4 de abril de 2003 e de 5 de março de 2004 (a seguir, «regulamentações regionais em causa no processo principal»), a eletricidade verde importada de outro Estado‑Membro ter sido excluída do regime de distribuição gratuita de eletricidade na rede de distribuição situada na Flandres, do qual inicialmente beneficiava, interpôs dois recursos no Nederlandstalige rechtbank van eerste aanleg te Brussel (Tribunal de Primeira Instância de língua neerlandesa de Bruxelas, Bélgica) que visavam, no essencial, a condenação da Região da Flandres a pagar‑lhe 15 958 252 euros em reparação do referido prejuízo.

35      A Essent Belgium chamou a intervir no processo o Vlaamse Regulator van de Elektriciteits‑ en Gasmarkt (VREG) (regulador flamengo do mercado da eletricidade e do gás, a seguir «VREG»), órgão competente para se pronunciar sobre as tarifas de distribuição, bem como vários operadores de rede de distribuição que reclamavam dela o pagamento das despesas de distribuição, para que também a eles se aplicassem os efeitos das futuras decisões judiciais.

36      Em apoio destes pedidos, a Essent Belgium alegou que, ao adotar as regulamentações regionais em causa no processo principal, a Região da Flandres violou o direito da União, em particular, os artigos 18.° e 34.° TFUE bem como o artigo 3.°, n.° 1, e 11.°, n.° 2, da Diretiva 96/92.

37      Foi neste contexto que o Nederlandstalige rechtbank van eerste aanleg te Brussel (Tribunal de Primeira Instância de língua neerlandesa de Bruxelas) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Devem os artigos 28.° e 30.° do Tratado CE ser interpretados no sentido de que se opõem à legislação de um Estado‑Membro, no caso vertente o Decreto [relativo à eletricidade], em conjugação com a Portaria de 4 de abril de 2003 [...], o qual limita a distribuição gratuita à [injeção] de eletricidade produzida pelas centrais de produção ligadas às redes de distribuição situadas na Região da Flandres e que exclui da distribuição gratuita a eletricidade produzida em centrais de produção não ligadas às redes de distribuição situadas na Região da Flandres?

2)      Devem os artigos 28.° e 30.° do Tratado CE ser interpretados no sentido de que se opõem à legislação de um Estado‑Membro, no caso vertente o Decreto [relativo à eletricidade], em conjugação com a Portaria [...] de 5 de março de 2004 [...], tal como aplicado pel[a VREG], que limita a distribuição gratuita à eletricidade produzida em centrais de produção que [injetam] a sua eletricidade diretamente a uma rede de distribuição situada na Bélgica e que exclui da distribuição gratuita a eletricidade produzida em centrais de produção que não [injetam] a sua eletricidade diretamente a uma rede de distribuição situada na Bélgica?

3)      Um regime nacional como o referido na primeira e na segunda questão é compatível com os princípios da igualdade e da não discriminação consagrados, designadamente, no artigo 12.° do Tratado CE e no artigo 3.°, n.os 1 e 4, da então vigente Diretiva 2003/54?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à admissibilidade

38      Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, nomeadamente, se as disposições do artigo 3.°, n.os 1 e 4, da Diretiva 2003/54, devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a regulamentações como as regulamentações regionais em causa no processo principal.

39      A este respeito, importa recordar que, de acordo com o artigo 94.°, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, um pedido de decisão prejudicial deve conter a exposição das razões que conduziram o órgão jurisdicional de reenvio a interrogar‑se sobre a interpretação de uma disposição do direito da União, bem como o nexo que o mesmo estabelece entre essa disposição e a legislação nacional aplicável ao litígio no processo principal.

40      Ora, no caso em apreço, a decisão de reenvio não contém nenhuma explicação das razões que conduziram o órgão jurisdicional de reenvio a interrogar‑se a respeito da interpretação do artigo 3.°, n.° 4, da Diretiva 2003/54. Por outro lado, a descrição do quadro factual e regulamentar nacional constante desta decisão também não permite compreender de que modo a referida disposição de direito da União pode ter qualquer de influência no litígio do processo principal.

41      Assim, apesar de o artigo 3.°, n.° 4, da Diretiva 2003/54 prever que, quando existirem compensações financeiras, outras formas de compensação ou direitos exclusivos concedidos pelos Estados‑Membros para o cumprimento de uma obrigação de serviço público, os mesmos deverão ser atribuídos de forma transparente e não discriminatória, o órgão jurisdicional de reenvio não refere nenhuma forma de compensação ou direitos exclusivos cuja concessão aos distribuidores de eletricidade estivesse prevista pelas regulamentações em causa no processo principal de modo a compensar a obrigação de distribuição gratuita de eletricidade verde que lhes é imposta. Também não decorre da referida decisão que o litígio no processo principal seja relativo a essas compensações ou direitos exclusivos.

42      Nestas circunstâncias, uma vez que tem por objeto a interpretação do artigo 3.°, n.° 4, da Diretiva 2003/54, a terceira questão deve ser declarada inadmissível.

 Quanto ao mérito

 Considerações preliminares

43      O facto de um órgão jurisdicional nacional ter, num plano formal, formulado uma questão prejudicial referindo‑se a certas disposições do direito da União não obsta a que o Tribunal de Justiça forneça a esse órgão jurisdicional todos os elementos de interpretação que possam ser úteis à decisão do processo que lhe foi submetido, quer aquele tenha ou não feito referência a tais elementos no enunciado das suas questões. A este respeito, compete ao Tribunal de Justiça extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, e, nomeadamente, da fundamentação da decisão de reenvio, os elementos do direito da União que necessitam de interpretação, tendo em conta o objeto do litígio (v. nomeadamente, acórdão de 27 de outubro de 2009, ČEZ, C‑115/08, EU:C:2009:660, n.° 81 e jurisprudência referida).

44      No caso vertente, decorre da decisão de reenvio que, nos seus recursos no processo principal, a Essent Belgium pede, no essencial, uma indemnização pelo prejuízo que alega ter sofrido pelo facto de ter deixado de poder beneficiar do regime de distribuição gratuita de eletricidade verde, aplicado pela regulamentação regional flamenga aos operadores de redes de distribuição situados na Flandres, relativamente à distribuição da eletricidade verde que importava de um Estado‑Membro diferente do Reino da Bélgica e a que procedia naquela região. A Essent Belgium alega assim ter sido privada do benefício deste regime durante, respetivamente, por um lado, o período compreendido entre 30 de abril de 2003, data da entrada em vigor da Portaria de 4 de abril de 2003, e 12 de janeiro de 2004, data a partir da qual os efeitos da referida portaria foram suspensos pelo Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) e, por outro, o período compreendido entre 23 de março de 2004, data de entrada em vigor da Portaria de 5 de março de 2004, e 31 de dezembro de 2004, data em que o artigo 15.° do decreto relativo à eletricidade foi revogado.

45      Tendo em conta o objeto do litígio no processo principal assim descrito e o quadro temporal no qual este se insere, importa observar que, para responder às questões do órgão jurisdicional de reenvio, há que atender, no que respeita ao direito derivado da União, não ao artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2003/54, mas sim a outras disposições da referida diretiva, bem como, por outro lado, às disposições constantes, respetivamente, das Diretivas 96/92 e 2001/77.

46      Em primeiro lugar, no que respeita às Diretivas 96/92 e 2003/54, que preveem regras comuns para o mercado interno da eletricidade, decorre, em primeiro lugar, dos artigos 29.° a 31.° da Diretiva 2003/54 que esta apenas entrou em vigor em 4 de agosto de 2003 e que devia ser transposta, o mais tardar, em 1 de julho de 2004, data da revogação da Diretiva 96/92, de modo que esta última, à qual se referiram, nomeadamente, a Região das Flandres e a VREG nas suas observações no Tribunal de Justiça e cuja violação a Essent invocou em apoio do seu recurso no processo principal, é aplicável, ratione temporis, a uma parte do período em causa no processo principal.

47      Em segundo lugar, ratione materiae, importa observar que, tendo em conta o objeto do litígio no processo principal relembrado no n.° 44 do presente acórdão, apesar de, na terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio se referir ao artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2003/54, que exclui qualquer discriminação no que diz respeito aos direitos e obrigações das empresas de eletricidade, a referida diretiva contém uma disposição, concretamente o artigo 20.°, n.° 1, que incide em particular sobre a obrigação dos Estados‑Membros garantirem a inexistência de discriminações no acesso à rede de distribuição e sobre as condições, nomeadamente tarifárias, que regulam esse acesso. Assim, no contexto do presente processo, importa atender a esta última disposição.

48      No que diz respeito à Diretiva 96/92, importa, por razões análogas, ter em consideração, não o seu artigo 3.°, n.° 1, cujo conteúdo corresponde, no essencial, ao do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2003/54, mas sim ao seu artigo 16.°, também ele relativo às condições não discriminatórias de acesso às redes de distribuição.

49      Por outro lado, tendo em conta que os operadores de rede de distribuição situados na Flandres são obrigados, ao abrigo das regulamentações regionais em causa no processo principal, a distribuir gratuitamente a eletricidade verde diretamente injetada nas referidas redes ou nas redes de distribuição situadas na Bélgica, importa igualmente ter em conta o artigo 3.°, n.os 2 e 8, da Diretiva 2003/54, relativo às obrigações de serviço público que os Estados‑Membros podem impor às empresas do setor da eletricidade e que tem por objeto, nomeadamente, a proteção do ambiente, incluindo a proteção do clima. O mesmo se pode dizer das disposições análogas constantes da Diretiva 96/92 no seu artigo 3.°, n.os 2 e 3.

50      Em segundo lugar, tendo em conta o objeto do litígio no processo principal, como relembrado no n.° 44 do presente acórdão, e atendendo aos objetivos de promoção da produção de eletricidade verde prosseguidos pelas regulamentações regionais em causa no processo principal, importa igualmente ter em conta os artigos 3.°, 4.° e 7.° da Diretiva 2001/77 cujo objeto é precisamente favorecer o aumento dessa produção no mercado interno de eletricidade.

51      Atendendo ao exposto, há que considerar que, com as suas questões, que importa analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o disposto nos artigos 12.°, 28.° e 30.° CE, no artigo 3.°, n.os 2 e 8, no artigo 20.°, n.° 1, da Diretiva 2003/54, no artigo 3.°, n.os 2 e 3, e no artigo 16.° da Diretiva 96/92 e nos artigos 3.°, 4.° e 7.° da Diretiva 2001/77 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a regulamentações como as regulamentações regionais em causa no processo principal que impõem um regime de distribuição gratuita de eletricidade verde nas redes de distribuição situadas na região em causa, ao mesmo tempo que limitam o benefício deste regime, no que respeita à primeira, à eletricidade verde diretamente injetada pelas instalações de produção nas referidas redes de distribuição e, no que respeita à segunda, à eletricidade verde diretamente injetada por instalações nas redes de distribuição situadas no Estado‑Membro a que pertence a referida região, excluindo assim desse benefício a eletricidade verde importada de outros Estados‑Membros.

 Quanto à Diretiva 2001/77

52      Na medida em que as regulamentações regionais em causa no processo principal visam, através da execução de um regime de distribuição gratuita de eletricidade verde, favorecer a produção dessa eletricidade, importa antes de mais analisá‑las na perspetiva das disposições da Diretiva 2001/77.

53      Com efeito, como resulta dos artigos 1.°, 3.°, 4.° e 7.° desta diretiva, a mesma tem precisamente por objeto favorecer o aumento da contribuição das fontes de energia renovável para a produção de eletricidade no mercado interno da eletricidade e, nessa perspetiva, inclui disposições relativas aos mecanismos nacionais de apoio à produção verde bem como às condições de acesso dessa eletricidade às redes de distribuição.

54      A este respeito, importa observar que, nos termos dos considerandos 1 a 3 da referida diretiva, essa promoção de fontes de energia renováveis, que é uma alta prioridade da União, justifica‑se atendendo, nomeadamente, ao facto de a exploração dessas fontes de energia contribuir para a proteção do ambiente e para o desenvolvimento sustentável e de poder contribuir para a segurança e a diversidade do abastecimento em energia e acelerar a consecução dos objetivos do Protocolo de Quioto (v., neste sentido, acórdão de 26 de setembro de 2013, IBV & Cie, C‑195/12, EU:C:2013:598, n.° 56).

55      Como decorre do considerando 14 da Diretiva 2001/77, aquando da adoção deste diploma, o legislador da União considerou que a garantia do bom funcionamento dos diferentes mecanismos de apoio às fontes de energia renováveis aplicados pelos Estados‑Membros a nível nacional era um importante meio para realizar o objetivo prosseguido por esta diretiva, de modo a conservar a confiança dos investidores até ser posto em prática um quadro comunitário.

56      Por seu lado, o artigo 4.°, n.° 1, da referida diretiva sublinha que esses mecanismos são suscetíveis de contribuir para a realização dos objetivos definidos no artigo 6.° CE e no artigo 174.°, n.° 1, CE, na medida em que esta última disposição enumera os objetivos da política da União no domínio do ambiente (v., neste sentido, acórdão de 26 de setembro de 2013, IBV & Cie, C‑195/12, EU:C:2013:598, n.os 59 e 60).

57      Esta última disposição, que enumera os objetivos da política da União em matéria de ambiente, refere‑se à preservação, à proteção e à melhoria da qualidade do ambiente, à proteção da saúde das pessoas, à utilização prudente e racional dos recursos naturais e à promoção, no plano internacional, de medidas destinadas a enfrentar os problemas regionais ou mundiais do ambiente (acórdão de 26 de setembro de 2013, IBV & Cie, C‑195/12, EU:C:2013:598, n.° 60).

58      Em segundo lugar, quanto à forma que os mecanismos de apoio às fontes de energia renováveis a nível nacional podem revestir, há que observar que o considerando 14 da Diretiva 2001/77 se limita a enumerar os diversos tipos de medidas a que os Estados‑Membros geralmente recorrem nessa perspetiva, a saber, certificados verdes, auxílios ao investimento, isenções ou reduções fiscais, reembolso de impostos e regimes de apoio direto aos preços (v. acórdão de 26 de novembro de 2014, Green Network, C‑66/13, EU:C:2014:2399, n.° 52 e jurisprudência referida).

59      O artigo 4.°, n.° 1, da referida diretiva limita‑se a indicar que o objetivo dos mecanismos nacionais de apoio, cuja adoção é encorajada pelo legislador da União, é permitir que os produtores de eletricidade verde beneficiem de apoio direto ou indireto.

60      Daqui resulta, designadamente, que a Diretiva 2001/77 reconhece aos Estados‑Membros uma ampla margem de apreciação para efeitos de adoção e de implementação de tais regimes de apoio aos produtores de eletricidade verde (acórdão de 26 de novembro de 2014, Green Network, C‑66/13, EU:C:2014:2399, n.° 54 e jurisprudência referida).

61      No caso vertente, a gratuitidade da distribuição prevista pelas regulamentações regionais em causa no processo principal também não constitui uma vantagem ou um apoio diretamente concedido aos produtores de eletricidade verde na medida em que esta gratuitidade beneficia, em primeiro lugar, os fornecedores, e por conseguinte, em princípio, o consumidor. Assim sendo, só indiretamente é que o acesso gratuito à rede de distribuição poderia, sendo caso disso, revelar‑se uma fonte de apoio aos referidos produtores e, nesta medida, ser abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 2001/77.

62      Neste contexto, há contudo que atender ao facto de que resulta do artigo 3.°, n.os 1 e 2, da Diretiva 2001/77 que os mecanismos nacionais de apoio aos produtores de eletricidade referidos no artigo 4.° da Diretiva 2001/77, que são nomeadamente chamados a contribuir para a realização, pelos Estados‑Membros, dos objetivos indicativos nacionais que lhes são atribuídos ao abrigo do referido artigo 3.°, devem, em princípio, conduzir a um reforço da produção nacional de eletricidade verde (v., neste sentido, acórdão de 26 de novembro de 2014, Green Network, C‑66/13, EU:C:2014:2399, n.os 56 e 57 e jurisprudência referida).

63      Por outro lado, e como resulta do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/77, esses mecanismos devem, a este respeito, e à semelhança de todas as outras medidas adotadas pelos Estados‑Membros para prosseguir os referidos objetivos indicativos nacionais, ser proporcionados ao objetivo a atingir.

64      Importa além disso recordar que decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que os regimes nacionais de apoio à produção de eletricidade verde previstos no artigo 4.° da Diretiva 2001/77 devem preencher os requisitos decorrentes dos artigos 28.° e 30.° CE (v., a este respeito, nomeadamente, acórdão de 11 de setembro de 2014, Essent Belgium, C‑204/12 a C‑208/12, EU:C:2014:2192).

65      Nestas circunstâncias, uma vez que a apreciação das regulamentações regionais em causa no processo principal à luz das referidas disposições do Tratado, que estarão mais adiante em causa no presente acórdão, vai eventualmente exigir que as regulamentações sejam analisadas na perspetiva do princípio da proporcionalidade, já referido no n.° 63 do presente acórdão, há que adiar a análise das exigências que podem decorrer do referido princípio para uma fase posterior.

66      Em terceiro lugar, quanto ao artigo 7.° da Diretiva 2001/77, relacionado com diversas questões relativas às redes, importa observar, por um lado, que, ao contrário do que a este respeito defenderam a Região da Flandres e a VREG nas suas observações, o n.° 3 e o n.° 6, segundo parágrafo, deste artigo 7.° não são suscetíveis de justificar medidas de gratuitidade seletiva da distribuição como as previstas nas regulamentações regionais em causa no processo principal.

67      Com efeito, o artigo 7.°, n.° 3, da referida diretiva está relacionado, não com os custos de distribuição mas sim com os custos relacionados com adaptações técnicas como as ligações à rede e o reforço da rede necessário para integrar novos produtores de eletricidade verde. O n.° 6, segundo parágrafo, deste mesmo artigo 7.°, limita‑se a prever que, na fixação dos custos de distribuição de eletricidade verde, sejam tomadas em consideração as reduções de custos que podem ser realizadas graças à ligação à rede de instalações que utilizem fontes de energia renováveis. Ora, não foi demonstrado nem alegado que tal seria o objeto das regulamentações regionais em causa no processo principal, as quais se limitam a prever a gratuitidade da distribuição da eletricidade verde com vista a promover o desenvolvimento da sua produção.

68      Por outro lado, no que diz respeito ao artigo 7.°, n.° 6, primeiro parágrafo, da Diretiva 2001/77, ao qual se referiu nomeadamente o advogado‑geral nos n.os 57, 62 e 74 das suas conclusões, importa efetivamente observar que esta disposição prevê que os Estados‑Membros devem garantir que a imputação das despesas com a distribuição não implica nenhuma discriminação em relação à eletricidade verde.

69      Todavia, sem que seja necessário determinar se, na medida em que proíbe as discriminações em relação à energia verde, a referida disposição deve ser interpretada no sentido de que também proíbe as diferenças de tratamento entre as várias eletricidades verdes, nomeadamente em função da respetiva proveniência, importa observar que o artigo 16.° da Diretiva 96/92 e o artigo 20.°, n.° 1, da Diretiva 2003/54, analisados infra, incluem disposições especificamente relativas ao acesso dos fornecedores às redes de distribuição em condições não discriminatórias, em particular na perspetiva tarifária. Ora, na medida em que a aplicabilidade das referidas disposições no contexto do processo principal é pacífica, bastará, no caso vertente, proceder à sua aplicação.

 Quanto às Diretivas 96/92 e 2003/54

70      Uma vez que o litígio no processo principal está relacionado com as despesas de distribuição a suportar pela Essent Belgium devido à utilização que fazia, na qualidade de fornecedora, das redes de distribuição na aceção do artigo 2.°, n.° 6, da Diretiva 96/92 e do artigo 2.°, n.° 5, da Diretiva 2003/54, despesas essas que a interessada alega terem caráter discriminatório pelo facto de, ao contrário dos fornecedores que comercializam energia verde de origem nacional, não ter podido beneficiar do regime de distribuição gratuita de eletricidade verde aplicado aos distribuidores pelas regulamentações regionais em causa no processo principal, há também que ter em conta, como observado nos n.os 47 a 49 do presente acórdão, de determinadas disposições das referidas diretivas.

–       Quanto ao artigo 16.° da Diretiva 96/92 e ao artigo 20.°, n.° 1, da Diretiva 2003/54 relativos ao acesso não discriminatório às redes de distribuição

71      O artigo 20.°, n.° 1, da Diretiva 2003/54 prevê, nomeadamente, que os Estados‑Membros devem garantir «a aplicação de um sistema de acesso de terceiros às redes de transporte e distribuição baseado em tarifas publicadas, aplicáveis a todos os clientes elegíveis e aplicadas objetivamente e sem discriminação entre os utilizadores da rede».

72      A este respeito, no atinente, por um lado, ao conceito de «acesso à rede» na aceção da referida disposição, o Tribunal de Justiça precisou que o mesmo deve entender‑se não no sentido de ligação física à rede, mas sim de direito de utilizar as redes de eletricidade (v., neste sentido, acórdão de 9 de outubro de 2008, Sabatauskas e o., C‑239/07, EU:C:2008:551, n.° 42).

73      O termo «acesso» está portanto ligado ao abastecimento em eletricidade, incluindo os custos do serviço. A este respeito, nos considerandos 2, 6, 13, 15 e 17 da Diretiva 2003/54 é nomeadamente sublinhado que o referido acesso deve ser disponibilizado a preços justos e mediante tarifas não discriminatórias para garantir a todos os atores do mercado um acesso efetivo a este (v., neste sentido, acórdão de 9 de outubro de 2008, Sabatauskas e o., C‑239/07, EU:C:2008:551, n.° 40).

74      Por outro lado, no que respeita ao conceito de «terceiro» na aceção deste mesmo artigo 20.°, n.° 1, da Diretiva 2003/54, cumpre observar que o próprio texto da disposição precisa este conceito, ao utilizar igualmente o de «utilizador da rede», definido no artigo 2.°, n.° 18, da diretiva e que abrange as pessoas singulares ou coletivas que alimentam uma rede de transporte ou de distribuição, ou que são servidas por uma dessas redes (v. acórdão de 9 de outubro de 2008, Sabatauskas e o., C‑239/07, EU:C:2008:551, n.° 44).

75      Entre os referidos utilizadores figuram os fornecedores de eletricidade, sendo que o Tribunal de Justiça precisou nomeadamente que, para que os clientes elegíveis possam, como sublinha o considerando 4 da Diretiva 2003/54, escolher livremente os seus fornecedores, estes últimos devem poder ter acesso às redes de distribuição que encaminham a eletricidade até aos clientes (v., neste sentido, acórdão de 9 de outubro de 2008, Sabatauskas e o., C‑239/07, EU:C:2008:551, n.os 32, 33 e 43).

76      Importa por último recordar que o livre acesso de terceiros às redes de transporte e de distribuição, nomeadamente instituído pelo artigo 20.° da Diretiva 2003/54, constitui uma das medidas essenciais que os Estados‑Membros são obrigados a pôr em prática para chegarem à plena realização do mercado interno da eletricidade (v. acórdão de 9 de outubro de 2008, Sabatauskas e o., C‑239/07, EU:C:2008:551, n.° 33 e jurisprudência referida).

77      No que respeita à Diretiva 96/92, há que recordar que, como prevê o artigo 16.° da mesma, embora, para organizar o acesso à rede de distribuição de eletricidade, os Estados‑Membros possam escolher entre a fórmula do acesso negociado à rede e a do comprador único, previstas, respetivamente, nos artigos 17.° e 18.° desta diretiva, as duas fórmulas devem ser aplicadas em conformidade com critérios objetivos, transparentes e não discriminatórios.

78      O referido artigo 16.° proíbe assim que os Estados‑Membros organizem o acesso à rede de distribuição de forma discriminatória, tendo essa proibição em geral por objeto todas as discriminações, incluindo, por conseguinte, eventuais discriminações no plano da despesa a suportar com a utilização da rede de distribuição (v., neste sentido, acórdãos de 14 de abril de 2005, AEM e AEM Torino, C‑128/03 e C‑129/03, EU:C:2005:224, n.° 59, e de 7 de junho de 2005, VEMW e o., C‑17/03, EU:C:2005:362, n.os 36, 45 e 46).

79      Quanto à questão de saber se as regulamentações regionais como as que estão em causa no processo principal implicam discriminações contrárias aos referidos artigos 16.° da Diretiva 96/92 e 20.°, n.° 1, da Diretiva 2003/54, importa observar que as referidas disposições, que exigem que a atuação do Estado na execução do acesso à rede não seja discriminatória, são expressões particulares do princípio geral da igualdade (v., no que diz respeito ao artigo 16.° da Diretiva 96/92, acórdão de 7 de junho de 2005, VEMW e o., C‑17/03, EU:C:2005:362, n.° 47 e jurisprudência referida).

80      Em conformidade com jurisprudência constante, a proibição de discriminação impõe que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente, salvo se esse tratamento for objetivamente justificado (v., nomeadamente, acórdão de 7 de junho de 2005, VEMW e o., C‑17/03, EU:C:2005:362, n.° 48).

81      A este respeito, cabe recordar que uma diferença de tratamento é justificada quando se baseie num critério objetivo e razoável, isto é, quando esteja relacionada com um objetivo legalmente admissível prosseguido pela legislação em causa, e seja proporcionada ao objetivo prosseguido pelo tratamento em questão (v., nomeadamente, acórdão de 16 de dezembro de 2008, Arcelor Atlantique e Lorraine e o., C‑127/07, EU:C:2008:728, n.° 47 e jurisprudência referida).

82      No caso em apreço, ainda que as regulamentações regionais em causa no processo principal se apliquem de forma idêntica a todos os fornecedores de eletricidade que recorrem à rede de distribuição situada na região em causa, as mesmas só conduzem à isenção de despesas de distribuição de eletricidade fornecida por aqueles fornecedores se a referida eletricidade for eletricidade verde diretamente injetada nessa rede ou numa rede de distribuição situada no Estado‑Membro a que essa região pertence, conduzindo assim a um tratamento diferente dos fornecedores de eletricidade em função, nomeadamente, como alega a Essent Belgium nos processos principais, da proveniência da eletricidade verde que esses fornecedores comercializam.

83      No que respeita à eventual justificação dessa diferença de tratamento, importa desde já observar que, ao contrário do que defendem a Região da Flandres e a VREG, nem o artigo 11.°, n.° 3, da Diretiva 96/92 nem o artigo 14.°, n.° 4, da Diretiva 2003/54 podem ser invocados para a justificar. Com efeito, não sendo relativas à imputação dos custos de distribuição, as referidas disposições apenas preveem que os Estados‑Membros podem exigir que os operadores de rede, ao despacharem instalações de produção, deem prioridade às instalações que produzem eletricidade verde.

84      Assim sendo, a legitimidade do objetivo prosseguido pelas regulamentações regionais em causa no processo principal, concretamente, a promoção da produção de eletricidade verde, não levanta dúvidas. A este propósito, cumpre designadamente recordar que a utilização de fontes de energia renováveis para a produção de eletricidade é útil para a proteção do ambiente, na medida em que contribui para a redução das emissões de gases com efeito de estufa que se encontram entre as principais causas das alterações climáticas que a União e os seus Estados‑Membros se comprometeram a combater (v. acórdão de 11 de setembro de 2014, Essent Belgium, C‑204/12 a C‑208/12, EU:C:2014:2192, n.° 91 e jurisprudência referida).

85      Assim sendo, a questão que se coloca é a de saber se o referido objetivo pode justificar a diferença de tratamento acima referida, ou seja, no essencial, se a diferença em causa se baseia num critério objetivo, razoável e proporcionado ao objetivo prosseguido.

86      Todavia, atendendo, por um lado, à multiplicidade de disposições do direito da União e, portanto, de parâmetros à luz dos quais a proporcionalidade das regulamentações regionais em causa no processo principal deverá ser analisada, como já observado no n.° 65 do presente acórdão, e, por outro, à necessidade de, neste contexto, também levar em conta outras disposições das Diretivas 96/92 e 2003/54, analisadas em seguida, importa remeter a verificação da proporcionalidade para uma fase posterior da análise.

–       Quanto ao artigo 3.°, n.os 2 e 3 da Diretiva 96/92 e ao artigo 3.°, n.os 2 e 8 da Diretiva 2003/54, relativos às obrigações de serviço público

87      Quer o artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 96/92 quer o artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2003/54 autorizam os Estados‑Membros a impor às empresas do setor da eletricidade obrigações de serviço público que têm nomeadamente por objeto a proteção do ambiente, incluindo a proteção do clima.

88      Ora, como alega a Comissão, parece ser esse o caso das regulamentações regionais em causa no processo principal, na medida em que impõem a todos os operadores de redes de distribuição situadas na Flandres uma obrigação de distribuir gratuitamente a eletricidade verde diretamente injetada por produtores nessa rede ou em redes de distribuição situadas na Bélgica e em que, desse modo, visam favorecer o desenvolvimento da produção de eletricidade verde.

89      Contudo, a este respeito, cumpre também começar por sublinhar que, como decorre das disposições referidas no n.° 87 do presente acórdão, as obrigações de serviço público instituídas ao abrigo dessas disposições não devem ser discriminatórias. O artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2003/54 acrescenta, além disso, que as referidas obrigações devem garantir a igualdade de acesso das empresas do setor da energia elétrica da União aos consumidores nacionais.

90      Ora, apesar de todos os operadores de rede parecerem estar sujeitos às regulamentações regionais em causa no processo principal sem que, aparentemente, seja possível observar uma diferença de tratamento entre eles, como já observado no n.° 82 do presente acórdão, essas regulamentações só conduzem à isenção de despesas de distribuição da eletricidade fornecida se a referida eletricidade for eletricidade verde diretamente injetada numa rede situada no Estado‑Membro a que essa região pertence, conduzindo assim a que os fornecedores de eletricidade sejam tratados de forma diferente em função, nomeadamente, da proveniência da eletricidade verde que comercializam. A referida diferença de tratamento é assim suscetível de afetar o igual acesso das empresas de eletricidade da União Europeia aos consumidores nacionais na aceção do artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2003/54.

91      Por outro lado, é certo que decorre do artigo 3.°, n.° 8, da Diretiva 2003/54, ao contrário do regime vigente ao abrigo da Diretiva 96/92 no que respeita aos seus artigos 3.°, n.° 3, e 16.° (v., a este respeito, acórdão de 7 de junho de 2005, VEMW e o., C‑17/03, EU:C:2005:362, n.° 65), que os Estados‑Membros podem não aplicar o disposto no artigo 20.° da Diretiva 2003/54, que prevê um acesso não discriminatório de terceiros às redes de transporte e distribuição, se a aplicação desta última disposição puder dificultar, de direito ou de facto, o cumprimento das obrigações de serviço público impostas às empresas de eletricidade. Todavia, o Tribunal de Justiça já decidiu que, para poder derrogar ao disposto no artigo 20.° da Diretiva 2003/54, os Estados‑Membros devem nomeadamente determinar se o cumprimento das obrigações de serviço público por parte dos operadores de rede pode ser realizado através de outros meios que não ponham em causa o direito de acesso à rede, que é um dos direitos consagrados pela Diretiva 2003/54 (acórdão de 22 de maio de 2008, citiworks, C‑439/06, EU:C:2008:298, n.° 60).

92      Em segundo lugar, há também que observar que as obrigações de serviço público ao abrigo das Diretivas 96/92 e 2003/54 devem ser instituídas, como decorre do artigo 3.°, n.° 2, de cada uma das referidas diretivas, tendo plenamente em conta as disposições relevantes do Tratado, entre as quais figuram não apenas o artigo 90.° do Tratado CE (atual artigo 86.° CE), ao qual se refere o artigo 3.°, n.° 2, de cada uma das referidas diretivas, mas também os artigos 30.° do Tratado CE (atual artigo 28.° CE) e 36.° do Tratado CE (atual artigo 30.° CE), que consagram a livre circulação de mercadorias, como decorre, nomeadamente, dos considerandos 3, 15 e 19 da Diretiva 96/92.

93      No que diz respeito ao artigo 86.° CE, o Tribunal de Justiça já decidiu que, embora o artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2003/54, lido em conjugação com a referida disposição do Tratado, permita impor às empresas encarregues da gestão do serviço público obrigações respeitantes, nomeadamente, à fixação do preço do fornecimento de eletricidade, a regulamentação nacional que imponha tais obrigações deve ser suscetível de garantir a realização do objetivo que prossegue e não ultrapassar o necessário para que o mesmo seja alcançado, a fim de respeitar o critério da proporcionalidade (v. acórdão de 21 de dezembro de 2011, Enel Produzione, C‑242/10, EU:C:2011:861, n.° 55).

94      No entanto, como já foi observado nos n.os 65 e 86 do presente acórdão, a análise da proporcionalidade das medidas regionais em causa no processo principal deve ser provisoriamente adiada, atendendo às várias disposições de direito da União em função das quais a mesma deverá ser conduzida no caso vertente.

95      Os artigos 28.° e 30.° CE, que as obrigações de serviço público instituídas ao abrigo do artigo 3.°, n.° 2, das Diretivas 96/92 e 2003/54 também devem respeitar, serão analisados em seguida.

 Quanto aos artigos 28.° e 30.° CE

96      Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que o artigo 28.° CE, ao proibir entre Estados‑Membros as medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas à importação, visa qualquer medida nacional suscetível de entravar direta ou indiretamente, efetiva ou potencialmente o comércio intracomunitário (v., designadamente, acórdãos de 11 de julho de 1974, Dassonville, 8/74, EU:C:1974:82, n.° 5; de 1 de julho de 2014, Ålands Vindkraft, C‑573/12, EU:C:2014:2037, n.° 66; e de 11 de setembro de 2014, Essent Belgium, C‑204/12 a C‑208/12, EU:C:2014:2192, n.° 77).

97      Ora, importa constatar a este respeito que regulamentações como as regulamentações regionais que estão em causa no processo principal são suscetíveis de entravar, pelo menos indireta e potencialmente, as importações de eletricidade, em particular a verde, proveniente de outros Estados‑Membros.

98      Com efeito, pelo facto de incitarem os operadores, em particular os fornecedores de eletricidade, a comprar eletricidade verde produzida na região em causa ou no Estado‑Membro ao qual esta região pertence, e devido à vantagem económica decorrente da gratuitidade da distribuição dessa eletricidade, essas regulamentações devem ser qualificadas como medidas de efeito equivalente a uma restrição quantitativa visadas no artigo 28.° CE (v., por analogia, acórdão de 5 de junho de 1986, Comissão/Itália, 103/84, EU:C:1986:229, n.os 2 e 24 e jurisprudência referida).

99      Quanto à afirmação da Região da Flandres e da VREG nos termos da qual, no caso vertente, qualquer eventual entrave à livre circulação de eletricidade teria um alcance relativamente limitado uma vez que, à época, a proporção de eletricidade verde produzida na Flandres era ainda bastante reduzida, basta recordar que, mesmo supondo que tal circunstância se tenha verificado, uma medida nacional não deixa de qualquer modo de estar sujeita à proibição prevista no artigo 28.° CE pelo simples facto de o entrave criado à importação ser reduzido e de existirem outras possibilidades de escoar os produtos importados (v., nomeadamente, acórdão de 5 de junho de 1986, Comissão/Itália, 103/84, EU:C:1986:229, n.° 18 e jurisprudência referida).

100    Por outro lado, segundo jurisprudência constante, uma regulamentação nacional que constitui uma medida de efeito equivalente a restrições quantitativas pode, no entanto, ser justificada por uma das razões de interesse geral enumeradas no artigo 30.° CE ou por exigências imperativas. Em ambos os casos, a medida nacional deve, em conformidade com o princípio da proporcionalidade, ser adequada para garantir a realização do objetivo prosseguido e não ultrapassar o necessário para atingir esse objetivo (v., designadamente, acórdão de 1 de julho de 2014, Ålands Vindkraft, C‑573/12, EU:C:2014:2037, n.° 76 e jurisprudência referida).

101    Assim sendo, as medidas nacionais suscetíveis de entravar o comércio intracomunitário podem ser justificadas por exigências imperativas decorrentes da proteção do ambiente e, nomeadamente, pela preocupação de fomentar o aumento da utilização das fontes de energia renováveis para a produção de eletricidade que, como já recordado no n.° 84 do presente acórdão, é útil à referida proteção e que, além disso, também visa a proteção da saúde e da vida das pessoas e animais bem como a preservação dos vegetais, razões de interesse geral enumeradas no artigo 30.° CE (v., neste sentido, nomeadamente, acórdão de 1 de julho de 2014, Ålands Vindkraft, C‑573/12, EU:C:2014:2037, n.os 77 a 80 e jurisprudência referida).

102    Nestas condições, há ainda que verificar se regulamentações regionais como as que estão em causa no processo principal respeitam o princípio da proporcionalidade.

 Quanto ao princípio da proporcionalidade

103    Como resulta dos n.os 63, 85, 93 e 100 do presente acórdão, a conformidade, à luz do disposto, respetivamente, no artigo 3.°, n.° 1, e no artigo 4.° da Diretiva 2001/77, no artigo 3.°, n.° 2, e no artigo 16.° da Diretiva 96/92, no artigo 3.°, n.os 2 e 8, e no artigo 20.°, n.° 1, da Diretiva2003/54, bem como nos artigos 28.° e 30.° CE, de regulamentações regionais como as que estão em causa no processo principal depende, no caso em apreço, da questão de saber se as referidas regulamentações preenchem as exigências decorrentes do princípio da proporcionalidade.

104    Como recordado no n.° 100 do presente acórdão, para que assim seja, é necessário que as referidas regulamentações regionais sejam simultaneamente aptas para atingir o objetivo que prosseguem, cuja legitimidade foi reconhecida nos n.os 54, 84 e 101 do presente acórdão, concretamente, a promoção de um aumento da produção de eletricidade verde, e necessárias para esse efeito.

105    A este respeito, importa antes de mais recordar que, como já observado pelo Tribunal de Justiça, o facto de um regime nacional de apoio ser concebido de forma a beneficiar diretamente a produção de eletricidade verde em vez de exclusivamente o seu consumo é, nomeadamente, suscetível de ser explicado à luz do facto de o caráter verde da eletricidade apenas respeitar ao seu modo de produção e ser assim, em primeira linha, na fase da produção que os objetivos ambientais relativos à redução das emissões de gás são suscetíveis de ser efetivamente prosseguidos (v. acórdão de 11 de setembro de 2014, Essent Belgium, C‑204/12 a C‑208/12, EU:C:2014:2192, n.° 98 e jurisprudência referida).

106    Importa de igual modo sublinhar, como já recordado no n.° 62 do presente acórdão, que decorre da leitura combinada do artigo 3.°, n.os 1 e 2, e do artigo 4.° da Diretiva 2001/77 que os mecanismos nacionais de apoio aos produtores de eletricidade visados neste último artigo, que são nomeadamente chamados a contribuir para a realização, pelos Estados‑Membros, dos objetivos indicativos nacionais que lhes foram atribuídos pela referida diretiva, devem, em princípio, conduzir a um reforço da produção nacional de eletricidade verde (v. acórdão de 26 de novembro de 2014, Green Network, C‑66/13, EU:C:2014:2399, n.° 57 e jurisprudência referida).

107    Esta circunstância, nomeadamente combinada com o facto de o direito da União não ter procedido à harmonização dos regimes nacionais de apoio à eletricidade verde, tem como consequência o facto de os Estados‑Membros poderem, em princípio, limitar o benefício desses regimes à produção de eletricidade verde localizada no seu território (v., por analogia, relativamente à Diretiva 2009/28, acórdão de 1 de julho de 2014, Ålands Vindkraft, C‑573/12, EU:C:2014:2037, n.os 94 e 97 a 99).

108    No que diz respeito à aptidão dos regimes nacionais de apoio à produção de eletricidade verde para atingir o objetivo de aumento da referida produção, o Tribunal de Justiça decidiu, nomeadamente, que uma obrigação de compra, a preços mínimos, de eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis confere uma vantagem económica certa aos produtores deste tipo de eletricidade, na medida em que lhes garante, sem qualquer risco, receitas superiores às que obteriam na sua ausência (acórdão de 13 de março de 2001, PreussenElektra, C‑379/98, EU:C:2001:160, n.° 54).

109    De igual modo, a respeito dos regimes nacionais de apoio que recorrem ao mecanismo dito de «certificados verdes», o Tribunal de Justiça observou que a obrigação de os fornecedores de eletricidade adquirirem junto dos produtores de eletricidade verde uma quota desses certificados se destina, nomeadamente, a garantir aos referidos produtores uma procura para os certificados que lhes foram atribuídos e assim a facilitar o escoamento da energia verde que produzem a um preço superior ao preço do mercado da energia clássica. O Tribunal de Justiça sublinhou, nomeadamente, que o efeito incentivador exercido por esse regime nos produtores de eletricidade em geral, com vista a levá‑los a aumentar a sua produção de eletricidade verde, não parece assim poder ser posto em causa nem, portanto, a sua aptidão para atingir o objetivo legítimo prosseguido (v., acórdão de 11 de setembro de 2014, Essent Belgium, C‑204/12 a C‑208/12, EU:C:2014:2192, n.os 109 e 110 e jurisprudência referida).

110    Esses regimes de apoio à energia verde, cujo custo de produção parece ainda ser bastante elevado em comparação com o da eletricidade produzida a partir de fontes de energia não renováveis, visam, por natureza, nomeadamente favorecer, numa perspetiva de longo prazo, investimentos em novas instalações, dando aos produtores certas garantias quanto ao futuro escoamento da sua produção de eletricidade verde (v. acórdão de 1 de julho de 2014, Ålands Vindkraft, C‑573/12, EU:C:2014:2037, n.° 103).

111    No caso em apreço, no que respeita ao regime de distribuição gratuita de eletricidade verde instituído pelas regulamentações regionais em causa no processo principal, há que observar desde já que o objetivo do mesmo, ao contrário dos regimes nacionais de apoio à eletricidade verde na forma de obrigação de compra ou certificado verde, que estavam em causa nos números anteriores do presente acórdão, não é a concessão de um apoio direto aos produtores de eletricidade verde.

112    Com efeito, como já foi observado no n.° 61 do presente acórdão, a distribuição gratuita de eletricidade verde é uma vantagem financeira conferida, em primeira linha, ao fornecedor de eletricidade, que eventualmente também pode, nomeadamente em função do preço de venda a que o fornecedor fatura a sua eletricidade ao consumidor, beneficiar em certa medida e de forma induzida este último.

113    Em contrapartida, esse mecanismo de apoio não oferece qualquer certeza quanto à circunstância de a vantagem económica que confere aos fornecedores beneficiar, in fine, efetiva e essencialmente, os produtores de eletricidade verde, em particular as pequenas instalações locais de produção que a Região da Flandres afirma ter pretendido apoiar e que não acumulam as qualidades de produtor e fornecedor.

114    Com efeito, o lucro que eventualmente esses produtores de eletricidade verde retiram da referida vantagem económica dependerá de algumas variantes dos mercados como, por exemplo, os preços da eletricidade nesses mercados, a oferta e a procura ou ainda as relações de forças entre os operadores presentes no mercado e a medida em que os fornecedores estão dispostos a permitir que os produtores beneficiem dessa vantagem.

115    Ora, tendo em conta o caráter simultaneamente indireto, incerto e aleatório do eventual apoio que pode resultar do regime de gratuitidade em causa no processo principal para o produtor de eletricidade verde, há que considerar que não ficou demonstrada a aptidão desse regime para atingir o objetivo legítimo que é prosseguido no caso vertente e que consiste em incitar de forma efetiva os operadores a produzirem mais eletricidade verde, apesar dos sobrecustos de produção que caracterizam esta última, contribuindo assim para a prossecução, por parte dos Estados‑Membros, dos objetivos indicativos de produção que lhes são atribuídos pelo artigo 3.° da Diretiva 2001/77.

116    Devido a este caráter simultaneamente indireto, incerto e aleatório e uma vez que, por outro lado, existem outros meios, como por exemplo a atribuição de certificados verdes, que contribuem de forma certa e efetiva para a prossecução do objetivo de aumentar a produção de eletricidade verde sem prejudicar o livre acesso de terceiros às redes de distribuição em condições não discriminatórias, previsto, nomeadamente, no artigo 20.°, n.° 1, da Diretiva 2003/54, enquanto uma das medidas essenciais para a realização do mercado interno da eletricidade, importa considerar que regulamentações regionais como as que estão em causa no processo principal não preenchem as exigências decorrentes do princípio da proporcionalidade e que o prejuízo que implicam para o referido livre acesso e para a livre circulação de mercadorias não pode, por conseguinte, ser justificado com base no referido objetivo.

117    Atendendo ao exposto, deve considerar‑se que, por não preencherem as exigências decorrentes do princípio da proporcionalidade, regulamentações regionais como as que estão em causa no processo principal violam simultaneamente o disposto nos artigos 28.° e 30.° CE, bem como no artigo 3.°, n.° 2, e no artigo 16.° da Diretiva 96/92, no artigo 3.°, n.os 2 e 8, e no artigo 20.°, n.° 1, da Diretiva 2003/54 e nos artigos 3.° e 4.° da Diretiva 2001/77.

 Quanto ao artigo 12.° CE

118    Atendendo, por um lado, à constatação feita no número precedente do presente acórdão, da qual decorre que regulamentações regionais como as que estão em causa no processo principal violam, nomeadamente, os artigos 28.° e 30.° CE, e, por outro lado, à falta de qualquer explicação do órgão jurisdicional de reenvio a respeito das razões pelas quais considera que as referidas regulamentações estão na origem de uma discriminação em razão da nacionalidade na aceção do artigo 12.° CE, o Tribunal de Justiça não tem de se debruçar sobre esta última disposição no presente processo.

119    Atendendo ao acima exposto, há que responder às questões submetidas que o disposto nos artigos 28.° e 30.° CE, no artigo 3.°, n.os 2 e 8, e no artigo 20.°, n.° 1, da Diretiva 2003/54, no artigo 3.°, n.os 2 e 3, e no artigo 16.° da Diretiva 96/92 e nos artigos 3.° e 4.° da Diretiva 2001/77, lidos em conjunto, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a regulamentações regionais como as que estão em causa no processo principal que impõem um regime de distribuição gratuita de eletricidade verde nas redes de distribuição situadas na região em causa, ao mesmo tempo que limitam o benefício deste regime, no que respeita à primeira, à eletricidade verde diretamente injetada por instalações de produção nas referidas redes de distribuição e, no que respeita à segunda, à eletricidade verde diretamente injetada por essas instalações em redes de distribuição situadas no Estado‑Membro a que pertence a referida região.

 Quanto às despesas

120    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

O disposto nos artigos 28.° e 30.° CE, no artigo 3.°, n.os 2 e 8, e no artigo 20.°, n.° 1, da Diretiva 2003/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2003, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade e que revoga a Diretiva 96/92/CE, no artigo 3.°, n.os 2 e 3, e no artigo 16.° da Diretiva 96/92/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de dezembro de 1996, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade, e nos artigos 3.° e 4.° da Diretiva 2001/77/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de setembro de 2001, relativa à promoção da eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis no mercado interno da eletricidade, lidos em conjunto, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a regulamentações como a besluit van de Vlaamse regering tot wijziging van het besluit van de Vlaamse regering van 28 september 2001 (Portaria do Governo flamengo que altera a Portaria do Governo flamengo, de 28 de setembro de 2001), de 4 de abril de 2003, e a besluit van de Vlaamse regering inzake de bevordering van elektriciteitsopwekking uit hernieuwbare energiebronnen (Portaria do Governo flamengo que favorece a produção de eletricidade a partir de fontes de energia renováveis), de 5 de março de 2004, que impõem um regime de distribuição gratuita de eletricidade verde nas redes de distribuição situadas na região em causa, ao mesmo tempo que limitam o benefício deste regime, no que respeita à primeira portaria, à eletricidade verde injetada diretamente por instalações de produção nas referidas redes de distribuição e, no que respeita à segunda portaria, à eletricidade verde diretamente injetada por essas instalações em redes de distribuição situadas no Estado‑Membro a que pertence a referida região.

Assinaturas


* Língua do processo: neerlandês.