Language of document : ECLI:EU:T:2015:906

DESPACHO DO TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção)

23 de novembro de 2015 (*)

«Recurso de anulação — Orientações relativas a auxílios estatais à proteção ambiental e à energia 2014‑2020 — Associação — Falta de afetação direta dos membros — Inadmissibilidade»

No processo T‑670/14,

Milchindustrie‑Verband eV, com sede em Berlim (Alemanha),

Deutscher Raiffeisenverband eV, com sede em Berlim,

representadas por I. Zenke e T. Heymann, advogados,

recorrentes,

contra

Comissão Europeia, representada por K. Herrmann, T. Maxian Rusche e R. Sauer, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido de anulação da Comunicação da Comissão, de 28 de junho de 2014, intitulada «Orientações relativas a auxílios estatais à proteção ambiental e à energia 2014‑2020» (JO C 200, p. 1), na medida em que o setor das indústrias do leite e derivados (NACE 10.51) não é referido no anexo 3 desta comunicação,

O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção),

composto por: H. Kanninen, presidente (relator), I. Pelikánová e E. Buttigieg, juízes,

secretário: E. Coulon,

profere o presente

Despacho

 Antecedentes do litígio

 Orientações impugnadas

1        Em 28 de junho de 2014, a Comissão Europeia adotou a Comunicação intitulada «Orientações relativas a auxílios estatais à proteção ambiental e à energia 2014‑2020 (JO C 200, p. 1, a seguir «orientações impugnadas»).

2        A secção 3.7.2 das orientações impugnadas define as condições em que se devem enquadrar os auxílios concedidos pelos Estados‑Membros sob a forma de reduções do financiamento de apoio à energia proveniente de fontes renováveis (a seguir «reduções»), a fim de serem considerados compatíveis com o mercado interno na aceção do artigo 107.°, n.° 3, alínea c), TFUE. Assim, o ponto 185 das orientações impugnadas prevê o seguinte:

«Os auxílios devem limitar‑se a setores cuja situação concorrencial está exposta ao risco, devido aos custos resultantes do financiamento do apoio à energia proveniente de fontes renováveis em virtude da sua eletrointensidade e da sua exposição ao comércio internacional. Por consequência, os auxílios só podem ser concedidos se a empresa pertencer aos setores listados no anexo 3 [das orientações impugnadas]. O uso desta lista destina‑se exclusivamente à determinação da elegibilidade para esta forma específica de compensação.»

3        A nota de rodapé n.° 85 das orientações impugnadas, inserida no final da penúltima frase do ponto 185 destas, tem a seguinte redação:

«A Comissão considera que existem esses riscos nos setores que se veem confrontados com uma intensidade de comércio de 10% a nível da União quando a eletrointensidade do setor atingir 10% a nível da UE. Existe também um risco semelhante nos setores que se veem confrontados com um menor risco comercial (mas não inferior a 4%) e têm uma eletrointensidade muito superior (de, pelo menos, 20%) ou que são economicamente semelhantes (por exemplo, devido à substituibilidade). De igual modo, os setores com uma eletrointensidade ligeiramente mais baixa (mas de, pelo menos, 7%) e confrontados com um risco comercial muito elevado (de, pelo menos, 80%) confrontar‑se‑iam com o mesmo risco. A lista de setores elegíveis foi elaborada nessa base. Por último, foram incluídos os seguintes setores, porque são economicamente semelhantes aos setores listados e produzem produtos substituíveis (fundição de aço, metais leves e metais não ferrosos […] recuperação de desperdícios e resíduos selecionados […]).»

4        O ponto 186 das orientações impugnadas dispõe o seguinte:

«Além disso, devido ao facto de determinados setores poderem ser heterogéneos em termos de eletrointensidade, um Estado‑Membro pode incluir uma empresa no seu regime nacional que concede reduções relativamente aos custos resultantes do apoio às energias renováveis, caso a empresa tenha uma eletrointensidade de, pelo menos, 20% e pertença a um setor com uma eletrointensidade de, pelo menos, 4% a nível da União, ainda que não pertença aos setores listados no anexo 3 [das orientações impugnadas]»

5        O anexo 3 das orientações impugnadas (a seguir «anexo 3»), intitulado «Lista de setores elegíveis ao abrigo da secção 3.7.2 [das orientações impugnadas]», enumera os setores económicos em que as empresas podem beneficiar de uma redução considerada pela Comissão compatível com o mercado interno sem que tenham de atingir individualmente uma eletrointensidade específica.

6        O anexo 5 das orientações impugnadas (a seguir «anexo 5»), intitulado «As indústrias extrativas e transformadoras não incluídas na lista do anexo 3 com uma intensidade de comércio fora da UE de, pelo menos, 4%», enumera certos setores económicos, não listados no anexo 3, cujas empresas podem beneficiar de uma redução considerada pela Comissão compatível com o mercado interno desde que atinjam individualmente uma eletrointensidade de 20%. Entre estes setores figura o setor das indústrias do leite e derivados (NACE 10.51) (a seguir «setor das indústrias do leite»).

 Recorrentes

7        Os recorrentes, o Milchindustrie‑Verband eV e o Deutscher Raiffeisenverband eV, são dois agrupamentos cujo objetivo é a representação e a defesa dos interesses, respetivamente, da indústria leiteira alemã e de empresas do setor agroalimentar alemão. Os membros do Milchindustrie‑verband são empresas e cooperativas que asseguram, na Alemanha, cerca de 95% do aprovisionamento de leite e 100% do volume de exportação. Quanto ao Deutscher Raiffeisenverband, entre os seus membros figuram empresas que atuam no comércio agrícola, bem como na transformação e comercialização de produtos de origem animal e vegetal, incluindo o leite.

 Tramitação processual e pedidos das partes

8        Por petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 19 de setembro de 2014, os recorrentes interpuseram o presente recurso, no qual concluem pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular as orientações impugnadas na medida em que o setor do leite não é referido no anexo 3;

–        condenar a Comissão nas despesas.

9        Por requerimento separado, entrado na Secretaria do Tribunal Geral em 4 de dezembro de 2014, a Comissão suscitou uma exceção de inadmissibilidade nos termos do artigo 114.° do Regulamento de Processo do Tribunal Geral de 2 de maio de 1991. Conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        julgar o recurso inadmissível;

–        condenar os recorrentes nas despesas.

10      Os recorrentes apresentaram as suas observações sobre a exceção de inadmissibilidade em 19 de janeiro de 2015. Pedem que o Tribunal se digne julgar improcedente a exceção de inadmissibilidade em aplicação do artigo 114.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral de 2 de maio de 1991 e dar seguimento ao processo.

 Questão de direito

11      Nos termos do artigo 130.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, se o demandado o pedir, o Tribunal pode pronunciar‑se sobre a inadmissibilidade ou sobre a incompetência sem dar início à discussão do mérito da causa.

12      No caso vertente, o Tribunal considera‑se suficientemente esclarecido pelos elementos constantes dos autos e decide pronunciar‑se pondo termo à instância.

 Observações introdutórias sobre o objeto do litígio

13      Os recorrentes pedem a anulação das orientações impugnadas na medida em que o setor das indústrias do leite não é referido no anexo 3, embora apresente uma intensidade de comércio e uma eletrointensidade de mais de 10%. Os recorrentes salientam que o anexo 3 é exaustivo e que o seu conteúdo deve ser fielmente transposto para a legislação alemã. Assim, os setores enumerados no anexo 3 figuram na lista 1 do anexo 4 da Erneuerbare‑Energien‑Gesetz (Lei alemã sobre energias renováveis) de 21 de julho de 2014 (BGBl. 2014 I, p. 1066, a seguir «EEG 2014»), relativa aos setores que podem beneficiar de uma redução. Os setores enumerados no anexo 5, entre os quais o setor das indústrias do leite, figuram na lista 2 do anexo 4 da EEG 2014, cujo artigo 64.° prevê condições mais severas para a concessão de reduções às empresas pertencentes a esses setores. Consequentemente, apenas as poucas indústrias do leite que preenchem essas condições mais severas podem beneficiar de uma redução, o que ameaça gravemente a competitividade internacional e a existência de cerca de 80% das indústrias do leite alemãs.

 Quanto à admissibilidade

14      Antes de mais, deve recordar‑se que os recursos interpostos por associações ou agrupamentos são admissíveis, segundo a jurisprudência, em três situações, a saber, quando representem os interesses de empresas que tenham legitimidade por si próprias, quando sejam individualizadas em razão da afetação dos seus interesses próprios enquanto associação ou enquanto agrupamento, nomeadamente porque a sua posição negocial foi afetada pelo ato cuja anulação é pedida, ou ainda quando uma disposição legal lhes reconheça expressamente uma série de faculdades de caráter processual (v., neste sentido, acórdão de 18 de março de 2010, Forum 187/Comissão, T‑189/08, Colet., EU:T:2010:99, n.° 58 e jurisprudência referida).

15      Neste caso, os recorrentes, por um lado, não citam qualquer disposição que lhes reconheça legitimidade processual no que respeita às orientações impugnadas e, por outro, não invocam ter desempenhado um papel negocial específico no âmbito do processo de adoção destas orientações. Por conseguinte, como alega acertadamente a Comissão e os recorrentes reconhecem, a admissibilidade do recurso depende apenas da questão de saber se as empresas que atuam no setor das indústrias do leite representadas pelos recorrentes (a seguir «empresas representadas») têm legitimidade para pedir a anulação das orientações impugnadas na medida em que o setor do leite não é referido no anexo 3.

16      Em seguida, deve recordar‑se que, nos termos do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE, qualquer pessoa singular ou coletiva pode interpor, nas condições previstas no primeiro e segundo parágrafos, recursos contra os atos de que não seja destinatária ou em duas hipóteses alternativas, a saber, por um lado, quando o ato em causa lhe diga direta e individualmente respeito, e, por outro, quando se trate de um ato regulamentar que lhe diga diretamente respeito e não necessite de medidas de execução.

17      Por conseguinte, importa analisar se as empresas representadas se encontram, à luz das orientações impugnadas, numa das duas hipóteses referidas no número anterior, o que é contestado pela Comissão. Uma vez que ambas as hipóteses pressupõem que o recorrente seja diretamente afetado pelo ato impugnado, importa antes de mais analisar este critério.

18      Saliente‑se, a este respeito, que a expressão «que lhe digam diretamente respeito» surge em termos idênticos nas duas hipóteses previstas pelo artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE e reproduz literalmente o artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, embora esta última disposição se referisse apenas à primeira daquelas hipóteses. Foi já declarado que o conceito de afetação direta que decorre da segunda das referidas hipóteses não pode ser objeto de uma interpretação mais restritiva do que aquele que decorre da primeira hipótese [v. neste sentido o acórdão de 25 de outubro de 2011, Microban International e Microban (Europe)/Comissão, T‑262/10, Colet., EU:T:2011:623, n.° 32]. Ora, nenhum elemento permite considerar que, no presente caso, a condição da afetação direta deveria ser objeto de uma interpretação menos restritiva do que na hipótese de as orientações impugnadas constituírem um ato regulamentar que não necessita de medidas de execução.

19      A Comissão alega que as orientações impugnadas não afetam diretamente as empresas representadas, o que é contestado pelos recorrentes.

20      Importa salientar que, de acordo com jurisprudência constante, a condição de o ato da União dizer diretamente respeito a uma pessoa singular ou coletiva, prevista no artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE, exige que o ato impugnado produza efeitos diretos na situação jurídica do particular e que não deixe nenhum poder de apreciação aos seus destinatários, encarregados da sua implementação, já que esta é de caráter puramente automático e decorre apenas da regulamentação da União, sem aplicação de outras regras intermédias (v. acórdão de 13 de março de 2008, Comissão/Infront WM, C‑125/06 P, Colet., p. I‑1451, n.° 47 e jurisprudência referida).

21      O mesmo se passa quando a possibilidade de os destinatários não implementarem um ato da União é puramente teórica, não havendo dúvida alguma de que pretendem retirar consequências conformes ao referido ato (acórdãos de 5 de maio de 1998, Dreyfus/Comissão, C‑386/96 P, Colet., EU:C:1998:193, n.° 44, e Glencore Grain/Comissão, C‑404/96 P, Colet., EU:C:1998:196, n.° 42; v. também, neste sentido, acórdãos de 23 de novembro de 1971, Bock/Comissão, 62/70, Colet., EU:C:1971:108, n.os 6 a 8, e de 17 de janeiro de 19885, Piraiki‑Patraiki e o./Comissão, 11/82, Colet., EU:C:1985:18, n.os 8 a 10).

22      Consequentemente importa analisar se as orientações impugnadas produzem diretamente tais efeitos na situação jurídica das empresas representadas, o que é contestado pela Comissão

23      A este respeito, importa recordar que a Comissão pode dotar‑se de linhas diretrizes para o exercício dos seus poderes de apreciação, particularmente em matéria de auxílios de Estado. Desde que não se afastem das regras do Tratado, as regras indicativas que contenham impõem‑se à instituição (v. neste sentido acórdãos de 24 de fevereiro de 1987, Deufil/Comissão, 310/85, Colet., EU:C:1987:96, n.° 22; de 24 de março de 1993, CIRFS e o./Comissão, C‑313/90, Colet., EU:C:1993:111, n.os 34 e 36, e de 15 de outubro de 1996, IJssel‑Vliet, C‑311/94, Colet., EU:C:1996:383, n.° 42).

24      Por conseguinte, ao adotar as orientações impugnadas, a Comissão assumiu o compromisso, em princípio vinculativo, de exercer, conforme anunciado nessas orientações, a margem de discricionariedade de que dispõe para apreciar a compatibilidade com o mercado interno dos auxílios por elas abrangidos. Em especial, comprometeu‑se a não considerar compatível com o mercado interno qualquer redução concedida por um Estado‑Membro em benefício de um setor não enumerado no anexo 3 e a considerar compatível com o mercado interno uma redução concedida a uma empresa que integre um setor enumerado no anexo 5 apenas no caso de essa empresa atingir uma eletrointensidade de 20%.

25      Contudo, o anteriormente referido não significa que as orientações digam diretamente respeito às empresas representadas.

26      Na verdade, em primeiro lugar, no que respeita às empresas representadas que beneficiam de uma redução notificada pela República Federal da Alemanha à Comissão e relativamente às quais não foi tomada uma decisão quanto à sua compatibilidade com o mercado interno antes da data de entrada em vigor das orientações impugnadas, é efetivamente exato que, como alegam os recorrentes, nos termos dos pontos 246 e 247 dessas orientações impugnadas, estas se aplicam a partir de 1 de julho de 2014 e até 31 de dezembro de 2020 a todas as medidas de auxílio relativamente às quais a Comissão seja chamada a pronunciar‑se, mesmo aquelas que tenham sido notificadas antes da primeira daquelas datas. No entanto, a Comissão só pode aplicar as orientações impugnadas a tal redução através de uma decisão nos termos do artigo 4.°, n.os 2 e 3, do Regulamento (CE) n.° 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [108 TFUE] (JO L 83, p. 1), ou de uma decisão de dar início ao procedimento formal de exame prévio previsto no artigo 108.°, n.° 2, TFUE, ou, por último, de uma decisão de encerramento deste procedimento nos termos do artigo 7.° do Regulamento n.° 659/1999. Ora, são estas decisões, e não o anexo 3, que são suscetíveis de afetar diretamente as empresas representadas, ao constatarem que a redução de que beneficiam não é compatível com o mercado interno em razão da não inclusão do setor das indústrias do leite no referido anexo 3. As empresas representadas poderão contestar a legalidade de tais decisões perante o Tribunal Geral e nomeadamente alegar que o setor das indústrias do leite deveria ter sido incluído no anexo 3.

27      Em segundo lugar, no que respeita às empresas representadas que beneficiam de uma redução notificada pela República Federal da Alemanha à Comissão e que foi considerada por esta como um auxílio compatível com o mercado interno antes da data de entrada em vigor das orientações impugnadas, deve salientar‑se que, nos termos do ponto 250 dessas orientações, a Comissão propõe as alterações necessárias aos auxílios existentes a fim de os adaptar às referidas orientações o mais tardar até 1 de janeiro de 2016. Ora, como alega acertadamente a Comissão, uma vez que não estão vinculados pelas orientações impugnadas, os Estados‑Membros podem aceitar ou rejeitar essas orientações. Na hipótese da proposta da Comissão ser aceite, qualquer efeito jurídico relativamente às empresas representadas decorreria da atuação do Estado‑Membro em questão, a qual poderia, se fosse caso disso, ser impugnada junto dos órgãos jurisdicionais nacionais competentes. Na hipótese de a proposta da Comissão ser rejeitada pelo Estado‑Membro em questão, qualquer efeito jurídico relativamente às empresas representadas apenas decorreria da obrigação de suspensão decorrente de uma eventual decisão da Comissão de dar início, nos termos do artigo 19.°, n.° 2, do Regulamento n.° 659/1999, ao procedimento formal de exame prévio previsto no artigo 108.°, n.° 2, TFUE. Uma vez mais, as empresas representadas poderiam contestar a legalidade de tal decisão perante o Tribunal Geral e nomeadamente alegar que o setor das indústrias do leite deveria ter sido incluído no anexo 3.

28      Em terceiro lugar, no que respeita às empresas representadas que beneficiam de uma redução suscetível de ser considerada pela Comissão um auxílio ilegal, por ter sido concedida antes de ser notificada e analisada pela Comissão depois da data de entrada em vigor das orientações impugnadas, deve salientar‑se que a Comissão só pode aplicar as referidas orientações impugnadas relativamente a tal redução através de uma das decisões aludidas no n.° 26, supra, sendo que as empresas representadas apenas poderiam ser diretamente afetadas por uma decisão desse tipo, a qual poderiam, se fosse o caso, impugnar perante o Tribunal Geral.

29      Por último, em quarto lugar, no que respeita à eventual decisão de um Estado‑Membro de não conceder novas reduções em benefício dos setores não enumerados no anexo 3, como alega acertadamente a Comissão, tratar‑se‑ia se uma decisão soberana do Estado‑Membro em questão.

30      Com efeito, a existência das orientações impugnadas não impede um Estado‑Membro de notificar à Comissão uma nova redução em benefício de um setor não enumerado no anexo 3, seja porque considera, eventualmente, na sequência das explicações fornecidas pelas empresas representadas, que esse setor reúne as condições para figurar na lista do referido anexo, seja porque considera que tais condições não podem ser validamente adotadas pela Comissão. Efetivamente, é muito provável que, em aplicação das orientações impugnadas, a Comissão tenda a adotar uma decisão nos termos do artigo 7.°, n.° 5, do Regulamento n.° 659/1999, em que declare que a redução projetada é um auxílio incompatível com o mercado interno. No entanto, apenas esta decisão seria suscetível de provocar efeitos jurídicos diretos relativamente às empresas que deveriam beneficiar da redução. Estas empresas poderiam, tal como o Estado‑Membro em questão, impugnar no Tribunal Geral a procedência da decisão adotada pela Comissão e, designadamente, alegar que o setor das indústrias do leite deveria ter sido incluído no anexo 3.

31      Esta conclusão não é infirmada pelo argumento apresentado pelos recorrentes, nas suas observações sobre a exceção de inadmissibilidade, segundo o qual era já claro, quando da adoção das orientações impugnadas, que a República Federal da Alemanha incorporaria «palavra por palavra» o anexo 3 na sua legislação em matéria de reduções, pelo que a jurisprudência referida no n.° 21, supra, seria aplicável neste caso.

32      Quanto a este ponto, os recorrentes alegam que a Comissão tinha iniciado, em dezembro de 2013, um procedimento formal de exame relativamente à legislação alemã em matéria de reduções e indicado que duvidava da legalidade das reduções previstas fora dos setores do aço e do alumínio. Por conseguinte, a elaboração das orientações impugnadas foi sido acompanhada de negociações intensas entre a Comissão e as autoridades alemãs no que respeita à lista dos setores que poderiam figurar no anexo 3. Apesar do recurso de anulação interposto em 28 de fevereiro de 2014 contra a decisão de dar início ao procedimento formal, as autoridades alemãs indicaram, por um lado, que pretendiam alcançar um compromisso e, por outro, que a nova legislação alemã em matéria de reduções devia ser estreitamente coordenada com as orientações impugnadas em elaboração, e mesmo respeitar as suas disposições.

33      Contudo, tal não significa que a jurisprudência referida no n.° 21, supra, seja aplicável neste caso, contrariamente ao que sustentam os recorrentes.

34      Com efeito, uma vez que, como indicado no n.° 30, supra, os Estados‑Membros não estão vinculados pelas orientações impugnadas nem são responsáveis pela não notificação à Comissão das reduções que não respeitem as condições nelas previstas, a possibilidade dos referidos Estados‑Membros manterem ou adotarem uma legislação nacional incompatível com aquelas orientações impugnadas não pode ser considerada puramente teórica. Em todo o caso, os recorrentes não explicam minimamente porque é que os Estados‑Membros e, nomeadamente, a República Federal da Alemanha deveriam ser obrigados, de direito ou de facto, a aceitar as regras indicativas que a Comissão se impôs no exercício dos seus poderes de apreciação, ao adotar as orientações impugnadas.

35      O exposto é confirmado pelo facto de, como salientam os próprios recorrentes, a República Federal da Alemanha ter interposto um recurso de anulação no Tribunal Geral contra a decisão de dar início ao procedimento formal de exame prévio adotada pela Comissão relativamente à legislação alemã em matéria de reduções anterior à EEG 2014. No âmbito desse recurso, do qual decidiu entretanto desistir (despacho de 8 de junho de 2015, Alemanha/Comissão, T‑134/14, EU:T:2015:392), a República Federal da Alemanha pôde contestar uma apreciação preliminar da Comissão quanto às reduções que tencionava conceder, sendo tal apreciação, segundo os próprios recorrentes, idêntica à que decorre das orientações impugnadas.

36      Nestas circunstâncias, o facto de as autoridades alemãs terem anunciado que adaptariam a sua legislação em matéria de reduções com vista a torná‑la compatível com as orientações impugnadas, antes da sua adoção, admitindo que se tal verificou, não significa que essas orientações tenham tido um efeito direto nas empresas representadas.

37      De todo o modo, a situação do presente caso é muito diferente das que estão na origem da jurisprudência referida no n.° 21, supra.

38      Assim, os acórdãos Bock/Comissão, n.° 21, supra (EU:C:1971:108), e Piraiki‑Patraiki e o./Comissão, n.° 21, supra (EU:C:1985:18), respeitavam a pedidos de anulação de duas decisões pelas quais a Comissão autorizou certos Estados‑Membros, a seu pedido, a aplicar medidas de salvaguarda aos produtos originários de certos países. O Tribunal de Justiça considerou que, uma vez que as autoridades dos Estados‑Membros em questão indicaram que aplicariam as medidas de salvaguarda pedidas, a autorização da Comissão dizia diretamente respeito às empresas que as devessem suportar.

39      Ora, neste caso, a República Federal da Alemanha não tem necessidade de qualquer autorização da parte da Comissão para adaptar a sua legislação em matéria de reduções com vista a torná‑la compatível com as orientações impugnadas ou para notificar a Comissão de reduções incompatíveis com essas orientações, diversamente dos Estados‑Membros a que dizem respeito as medidas de salvaguarda mencionadas no n.° 38, supra, que necessitavam de uma autorização da Comissão para impor tais medidas. Por conseguinte, as orientações impugnadas não afetam os potenciais beneficiários das reduções não concedidas pela República Federal da Alemanha da mesma forma que afetam as empresas que devem suportar as medidas de salvaguarda em questão.

40      Quanto aos acórdãos Dreyfus/Comissão, n.° 21, supra (EU:C:1998:193), e Glencore Grain/Comissão, n.° 21, supra (EU:C:1998:196), têm por objeto recursos de anulação de decisões dirigidas, respetivamente, às autoridades russas e às autoridades ucranianas, pelas quais a Comissão recusou o financiamento do fornecimento de certos produtos agrícolas em condições de preços especiais. Ora, foi atendendo à situação económica e financeira crítica que a Federação da Rússia e a Ucrânia enfrentavam, bem como ao agravamento da sua situação alimentar e sanitária, em que o pagamento dos fornecimentos só podia ser feito com recurso ao financiamento da União, que o Tribunal de Justiça considerou puramente teórica a possibilidade de as autoridades em questão cumprirem os contratos de fornecimento nas condições de preço contestadas pela Comissão e, assim, renunciarem ao referido financiamento.

41      Neste caso, não há motivo para considerar que a República Federal da Alemanha se encontra, de facto, numa situação crítica análoga à dos Estados referidos no n.° 40, supra, por força da qual teria apenas uma possibilidade puramente teórica de não seguir as orientações impugnadas, por exemplo notificando à Comissão as reduções incompatíveis com essas orientações.

42      Decorre das considerações precedentes, por um lado, que, contrariamente ao que alegam os recorrentes, a República Federal da Alemanha não era obrigada, nem de direito nem de facto, a adaptar a sua legislação em matéria de reduções para torná‑la compatível com as orientações impugnadas e, por outro, que a situação jurídica das empresas representadas não é diretamente afetada pela não inclusão do setor das indústrias do leite no anexo 3.

43      Na medida em que as empresas representadas não são diretamente afetadas pelas orientações impugnadas, não é necessário analisar se são individualmente afetadas, nem se as referidas orientações impugnadas são um ato regulamentar que não necessita de medidas de execução, para decidir que as mesmas não têm legitimidade para requerer a anulação.

44      Daqui resulta que os recorrentes não se encontram numa das situações que permitem declarar admissível o recurso das associações ou agrupamentos, em conformidade com a jurisprudência referida no n.° 14, supra.

45      O recurso deve, por conseguinte, ser julgado inadmissível.

 Quanto às despesas

46      Nos termos do artigo 134.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo os recorrentes sido vencidos, há que condená‑los nas despesas, em conformidade com os pedidos da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção)

decide:

1)      O recurso é julgado inadmissível.

2)      O Milchindustrie‑Verband eV e o Deutscher Raiffeisenverband eV são condenados a suportar as suas próprias despesas e as efetuadas pela Comissão Europeia.

Feito no Luxemburgo, em 23 de novembro de 2015.

O secretário

 

       O presidente

E. Coulon

 

       H. Kanninen


* Língua do processo: alemão.