Language of document : ECLI:EU:C:2014:192

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

27 de março de 2014 (*)

«Reenvio prejudicial — Aproximação das legislações — Direito de autor e direitos conexos — Sociedade da informação — Diretiva 2001/29/CE — Sítio Internet que coloca obras cinematográficas à disposição do público, sem o consentimento dos titulares de um direito conexo com o direito de autor — Artigo 8.°, n.° 3 — Conceito de ‘intermediários cujos serviços sejam utilizados por terceiros para violar um direito de autor ou direitos conexos’ — Fornecedor de acesso à Internet — Despacho judicial, proferido contra um fornecedor de acesso à Internet, que o proíbe de facultar aos seus clientes o acesso a um sítio Internet — Ponderação dos direitos fundamentais»

No processo C‑314/12,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Oberster Gerichtshof (Áustria), por decisão de 11 de maio de 2012, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 29 de junho de 2012, no processo

UPC Telekabel Wien GmbH

contra

Constantin Film Verleih GmbH,

Wega Filmproduktionsgesellschaft mbH,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: L. Bay Larsen, presidente de secção, K. Lenaerts, vice‑presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Quarta Secção, M. Safjan, J. Malenovský (relator) e A. Prechal, juízes,

advogado‑geral: P. Cruz Villalón,

secretário: A. Impellizzeri, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 20 de junho de 2013,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação da UPC Telekabel Wien GmbH, por M. Bulgarini e T. Höhne, Rechtsanwälte,

¾        em representação da Constantin Film Verleih GmbH e da Wega Filmproduktionsgesellschaft mbH, por A. Manak e N. Kraft, Rechtsanwälte,

¾        em representação do Governo austríaco, por A. Posch, na qualidade de agente,

¾        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por W. Ferrante, avvocato dello Stato,

¾        em representação do Governo neerlandês, por C. Schillemans e C. Wissels, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo do Reino Unido, por L. Christie, na qualidade de agente, assistido por S. Malynicz, barrister,

¾        em representação da Comissão Europeia, por J. Samnadda e F. W. Bulst, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 26 de novembro de 2013,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 5.°, n.os 1 e 2, alínea b), e 8.°, n.° 3, da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (JO L 167, p. 10), bem como de certos direitos fundamentais consagrados pelo direito da União.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a UPC Telekabel Wien GmbH (a seguir «UPC Telekabel») à Constantin Film Verleih GmbH (a seguir «Constantin Film») e à Wega Filmproduktionsgesellschaft mbH (a seguir «Wega»), a respeito de um pedido de que seja dada injunção à primeira de bloquear o acesso dos seus clientes a um sítio Internet que coloca à disposição do público alguns dos filmes das segundas, sem o consentimento destas.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Os considerandos 9 e 59 da Diretiva 2001/29 enunciam:

«(9)      Qualquer harmonização do direito de autor e direitos conexos deve basear‑se num elevado nível de proteção, uma vez que tais direitos são fundamentais para a criação intelectual. [...] A propriedade intelectual é pois reconhecida como parte integrante da propriedade.

[...]

(59) Nomeadamente no meio digital, os serviços de intermediários poderão ser cada vez mais utilizados por terceiros para a prática de violações. Esses intermediários encontram‑se frequentemente em melhor posição para porem termo a tais atividades ilícitas. Por conseguinte, sem prejuízo de outras sanções e vias de recurso disponíveis, os titulares dos direitos deverão ter a possibilidade de solicitar uma injunção contra intermediários que veiculem numa rede atos de violação de terceiros contra obras ou outros materiais protegidos. [...] As condições e modalidades de tais injunções deverão ser regulamentadas nas legislações nacionais dos Estados‑Membros.»

4        O artigo 1.° da referida diretiva, intitulado «Âmbito de aplicação», dispõe, no seu n.° 1:

«A presente diretiva tem por objetivo a proteção jurídica do direito de autor e dos direitos conexos no âmbito do mercado interno, com especial ênfase na sociedade da informação.»

5        O artigo 3.° da mesma diretiva, intitulado «Direito de comunicação de obras ao público, incluindo o direito de colocar à sua disposição outro material», prevê, no seu n.° 2:

«Os Estados‑Membros devem prever que o direito exclusivo de autorização ou proibição de colocação à disposição do público, por fio ou sem fio, por forma a que seja acessível a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido, cabe:

[...]

c)      Aos produtores de primeiras fixações de filmes, para o original e as cópias dos seus filmes;

[...]»

6        O artigo 8.° da Diretiva 2001/29, intitulado «Sanções e vias de recurso», prevê, no seu n.° 3:

«Os Estados‑Membros deverão garantir que os titulares dos direitos possam solicitar uma injunção contra intermediários cujos serviços sejam utilizados por terceiros para violar um direito de autor ou direitos conexos.»

 Direito austríaco

7        O § 18, n.° 1, da Lei relativa aos direitos de autor (Urheberrechtsgesetz), de 9 de abril de 1936 (BGBl. 111/1936), conforme alterada pela Nova Lei de 2003 sobre o direito de autor (Urheberrechtsgesetz‑Novelle 2003, BGBl. I, 32/2003, a seguir «UrhG»), tem a seguinte redação:

«O autor tem o direito exclusivo de colocar a obra à disposição do público, por fio ou sem fio, por forma a que seja acessível a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido.»

8        O § 81, n.os 1 e 1a, da UrhG dispõe:

«1.      Toda a pessoa cujo direito exclusivo conferido pela presente lei tiver sido violado ou que tema tal violação pode requerer judicialmente a cessação da violação. O titular de uma empresa também pode ser acionado judicialmente se essa infração tiver sido cometida, ou for potencialmente cometida, no âmbito da atividade da sua empresa, por um funcionário ou mandatário seu; o § 81, n.° 1a, aplica‑se mutantis mutandis.

1a.      Se a pessoa que cometer a violação ou em relação à qual existe o risco do seu cometimento recorrer ao serviço de um intermediário, também este poderá ser demandado judicialmente para cessar a violação nos termos do n.° 1. [...]»

9        O § 355, n.° 1, do Código do Processo Executivo dispõe:

«O processo executivo contra quem tenha sido condenado a abster‑se de um comportamento ou a tolerá‑lo consiste na aplicação pelo tribunal de execução, quando defere a execução, e a requerimento do interessado, de uma multa por cada violação cometida após o título executivo se tornar exequível. Por cada violação ulterior, o tribunal de execução deve aplicar, a requerimento do interessado, uma outra multa ou uma pena de prisão, com a duração total máxima de um ano. […]»

10      Decorre das explicações dadas pelo órgão jurisdicional de reenvio no seu pedido de decisão prejudicial que, no âmbito do processo executivo, o destinatário da proibição pode alegar, para se eximir da sua responsabilidade, que tomou todas as medidas que lhe eram exigíveis para impedir a produção do resultado proibido.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

11      A Constantin Film e a Wega, duas sociedades de produção cinematográfica, que descobriram que um determinado sítio Internet disponibilizava, sem o seu consentimento, quer para download quer através da visualização por meio de «streaming», certos filmes que haviam produzido, requereram ao juiz das medidas provisórias, com fundamento no § 81, n.° 1a, da UrhG, que decretasse, contra a UPC Telekabel, um fornecedor de acesso à Internet, uma ordem de bloqueio do acesso dos respetivos clientes ao sítio Internet em questão, na medida em que nele se colocavam à disposição do público, sem o consentimento daquelas, obras cinematográficas sobre as quais eram titulares de um direito conexo com os direitos de autor.

12      Por despacho de 13 de maio de 2011, o Handelsgericht Wien (Áustria) proibiu a UPC Telekabel de facultar aos seus clientes o acesso ao sítio Internet controvertido, devendo em particular proceder, para concretizar essa proibição, ao bloqueio do nome do domínio e do endereço IP («Internet Protocol») atual desse sítio, e de todos os endereços IP do mesmo de que esta sociedade viesse a ter conhecimento.

13      Em junho de 2011, o sítio Internet controvertido cessou a sua atividade, após uma intervenção das autoridades policiais alemãs contra os operadores daquele.

14      Por despacho de 27 de outubro de 2011, o Oberlandesgericht Wien (Áustria), enquanto órgão jurisdicional de recurso, alterou parcialmente a decisão do tribunal de primeira instância, na medida em que este havia erradamente especificado os meios que a UPC Telekabel devia usar para proceder ao bloqueio do acesso ao sítio Internet controvertido e, assim, cumprir a injunção. Para chegar a esta conclusão, o Oberlandesgericht Wien entendeu que o § 81, n.° 1a, da UrhG deve ser interpretado à luz do artigo 8.°, n.° 3, da Diretiva 2001/29. Depois, entendeu que a UPC Telekabel, porque facultou aos seus clientes o acesso a conteúdos disponibilizados de forma ilegal, devia ser considerada um intermediário cujos serviços eram utilizados para violar um direito conexo com o direito de autor, pelo que a Constantin Film e a Wega tinham legitimidade para requerer que fosse decretada uma injunção contra esta sociedade. No entanto, no que diz respeito à proteção dos direitos de autor, o Oberlandesgericht Wien decidiu que a UPC Telekabel só podia ser obrigada, mediante a imposição de uma obrigação de resultado, a proibir o acesso dos seus clientes ao sítio Internet controvertido, mas que devia continuar a ser livre de escolher os meios para a concretização deste objetivo.

15      A UPC Telekabel interpôs um recurso de «Revision» desse acórdão no Oberster Gerichtshof (Áustria).

16      Em apoio do seu recurso, a UPC Telekabel alega, designadamente, que não se pode considerar que os seus serviços sejam utilizados para violar um direito de autor ou um direito conexo na aceção do artigo 8.°, n.° 3, da Diretiva 2001/29, porquanto não tem nenhuma relação comercial com os operadores do sítio Internet controvertido e não está provado que os seus próprios clientes agiram de forma ilegal. Em todo o caso, a UPC Telekabel sustenta que as diferentes medidas de bloqueio suscetíveis de serem tomadas podem ser contornadas tecnicamente e que algumas são demasiado dispendiosas.

17      Nestas condições, o Oberster Gerichtshof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 8.°, n.° 3, da Diretiva 2001/29[...] ser interpretado no sentido de que uma pessoa que[,] sem a autorização do titular dos direitos[,] coloca à disposição na Internet material protegido [na aceção do artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2001/29] utiliza os serviços do fornecedor de acesso [à Internet] [da]s pessoas que acedem a esse material protegido?

Em caso de resposta negativa à primeira questão:

2)      Devem reproduções efetuadas para uso privado [na aceção do artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2001/29] e reproduções transitórias ou episódicas [na aceção do artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29] ser apenas admissíveis quando o [exemplar que serviu para a] reprodução tenha sido legalmente reproduzido, difundido ou tornado acessível ao público?

Em caso de resposta afirmativa à primeira ou à segunda questão e de, por conseguinte, ser necessário [decretar] injunções contra o fornecedor de acesso [à Internet], nos termos do artigo 8.°, n.° 3, da Diretiva 2001/29:

3)      É compatível com o direito da União, em particular com a ponderação assim necessária entre os direitos fundamentais das partes envolvidas, proibir em termos gerais (ou seja, sem imposição de medidas concretas), um fornecedor de acesso [à Internet] de permitir aos seus clientes acederem a uma determinada página na Internet, enquanto aí sejam exclusiva ou maioritariamente colocados à disposição conteúdos sem a autorização dos titulares dos direitos, caso o fornecedor de acesso possa evitar sanções da violação desta proibição através da prova de que aplicou todas as medidas que lhe são exigíveis?

Em caso de resposta negativa à terceira questão:

4)      É compatível com o direito da União, em particular com a ponderação assim necessária entre os direitos fundamentais das partes envolvidas, impor a um fornecedor de acesso [à Internet] determinadas medidas, para dificultar aos seus clientes o acesso a uma página da Internet com um conteúdo colocado à disposição de forma ilegal, caso essas medidas requeiram um esforço considerável, embora possam facilmente ser contornadas também sem conhecimentos técnicos específicos?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à admissibilidade das questões prejudiciais

18      A título preliminar, importa referir que a circunstância de o sítio Internet ter cessado a sua atividade não torna as questões prejudiciais inadmissíveis.

19      Com efeito, decorre de jurisprudência constante que, no âmbito de um processo nos termos do artigo 267.° TFUE, que se baseia numa separação nítida de funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, é apenas ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, que compete apreciar, atendendo às especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que coloca ao Tribunal de Justiça (v., neste sentido, acórdão de 14 de março de 2013, Aziz, C‑415/11, n.° 34).

20      Assim, o Tribunal de Justiça só se pode recusar a responder a uma questão prejudicial submetida à sua apreciação por um órgão jurisdicional nacional quando for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem qualquer relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não disponha dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe foram submetidas (acórdão Aziz, já referido, n.° 35).

21      Ora, isso não é o que sucede no processo principal, porquanto resulta do pedido de decisão prejudicial que, por força do direito austríaco, o órgão jurisdicional de reenvio deve tomar a sua decisão com base nos factos expostos na decisão proferida em primeira instância, ou seja, no momento em que o sítio Internet em causa no processo principal ainda estava acessível.

22      Resulta do exposto que o pedido de decisão prejudicial é admissível.

 Quanto à primeira questão

23      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 8.°, n.° 3, da Diretiva 2001/29 deve ser interpretado no sentido de que uma pessoa que coloca material protegido à disposição do público num sítio Internet, sem a autorização do titular dos direitos na aceção do artigo 3.°, n.° 2, desta diretiva, utiliza os serviços do fornecedor de acesso à Internet das pessoas que consultam esse material protegido, fornecedor esse que deverá ser considerado intermediário na aceção do artigo 8.°, n.° 3, da Diretiva 2001/29.

24      A título preliminar, há que salientar que, no processo principal, é facto assente que diversos materiais protegidos foram colocados à disposição de utilizadores de um sítio Internet, sem o consentimento dos titulares dos direitos evocados no referido artigo 3.°, n.° 2.

25      Tendo em conta que, segundo esta disposição, os titulares de direitos gozam do direito exclusivo de autorizar ou proibir qualquer ato de colocação à disposição do público, deve concluir‑se que um ato de colocação à disposição do público de material protegido num sítio Internet sem o consentimento dos titulares dos respetivos direitos viola os direitos de autor e os direitos conexos.

26      Para remediar esta situação de violação dos direitos em questão, o artigo 8.°, n.° 3, da Diretiva 2001/29 prevê a possibilidade de os titulares dos direitos solicitarem uma injunção contra intermediários cujos serviços sejam utilizados por terceiros para violar um dos seus direitos.

27      Com efeito, como indica o considerando 59 da Diretiva 2001/29, uma vez que os serviços de intermediários são cada vez mais utilizados para violar direitos de autor ou direitos conexos, esses intermediários encontram‑se frequentemente na melhor posição para pôr termo a tais atividades ilícitas.

28      No caso em apreço, o Handelsgericht Wien e, posteriormente, o Oberlandesgericht Wien ordenaram à UPC Telekabel, fornecedora de acesso à Internet e destinatária da injunção em causa no processo principal, que pusesse termo à violação dos direitos da Constantin Film e da Wega.

29      A UPC Telekabel contesta, todavia, que possa ser qualificada, na aceção do artigo 8.°, n.° 3, da Diretiva 2001/29, de intermediário cujos serviços sejam utilizados por terceiros para violar um direito de autor ou um direito conexo.

30      A este respeito, decorre do considerando 59 da Diretiva 2001/29 que o termo «intermediário», utilizado no artigo 8.°, n.° 3, desta diretiva, visa qualquer pessoa que veicule, numa rede, atos de terceiros de violação de obras ou outros materiais protegidos.

31      Atendendo ao objetivo prosseguido pela Diretiva 2001/29, tal como decorre designadamente do considerando 9 da mesma, que é assegurar aos titulares dos direitos um elevado nível de proteção, o conceito de ato de violação de direitos assim utilizado deve ser entendido no sentido de que também inclui a situação em que o material protegido é colocado na Internet, à disposição do público, sem o consentimento dos titulares dos direitos em questão.

32      Por conseguinte, visto que o fornecedor de acesso à Internet está necessariamente implicado na transmissão de um ato ilícito através da Internet, entre um dos seus clientes e um terceiro, porquanto, ao facultar o acesso à rede de Internet, torna possível essa transmissão (v., neste sentido, despacho de 19 de fevereiro de 2009, LSG‑Gesellschaft zur Wahrnehmung von Leistungsschutzrechten, C‑557/07, Colet., p. I‑1227, n.° 44), há que considerar que um fornecedor de acesso à Internet, como o que está em causa no processo principal, que permite aos seus clientes aceder a material protegido, que um terceiro colocou à disposição do público na Internet, é um intermediário cujos serviços são utilizados para violar um direito de autor ou um direito conexo, na aceção do artigo 8.°, n.° 3, da Diretiva 2001/29.

33      Esta conclusão é corroborada pelo objetivo prosseguido pela Diretiva 2001/29. Com efeito, excluir os fornecedores de acesso à Internet do âmbito de aplicação do artigo 8.°, n.° 3, da Diretiva 2001/29 diminuiria substancialmente a proteção dos titulares de direitos pretendida por esta diretiva (v., neste sentido, despacho LSG‑Gesellschaft zur Wahrnehmung von Leistungsschutzrechten, já referido, n.° 45).

34      A referida conclusão não é posta em causa pela objeção de que é necessário, para que o artigo 8.°, n.° 3, da Diretiva 2001/29 seja aplicável, que haja uma relação contratual entre o fornecedor de acesso à Internet e a pessoa que violou um direito de autor ou um direito conexo.

35      Com efeito, não decorre da letra do referido artigo 8.°, n.° 3, nem de nenhuma outra disposição da Diretiva 2001/29 que se exija uma relação particular entre a pessoa que viola um direito de autor ou um direito conexo e o intermediário. Por outro lado, esta exigência também não pode ser deduzida dos objetivos prosseguidos por esta diretiva, uma vez que admitir essa exigência reduziria a proteção jurídica reconhecida aos titulares de direitos em causa, quando o objetivo da referida diretiva, conforme resulta designadamente do seu considerando 9, é precisamente o de lhes garantir um elevado nível de proteção.

36      A conclusão a que o Tribunal de Justiça chegou no n.° 30 do presente acórdão também não é infirmada pela afirmação de que, para que seja decretada uma injunção contra um fornecedor de acesso à Internet, os titulares de um direito de autor ou de um direito conexo devem provar que determinados clientes do referido fornecedor consultam, efetivamente, no sítio Internet em causa, material protegido colocado à disposição do público sem o consentimento dos titulares de direitos.

37      Com efeito, a Diretiva 2001/29 exige que as medidas que os Estados‑Membros devem tomar para lhe dar cumprimento tenham por objetivo não só pôr termo às violações de direitos de autor ou de direitos conexos mas também prevenir novas violações (v., neste sentido, acórdãos de 24 de novembro de 2011, Scarlet Extended, C‑70/10, Colet., p. I‑11959, n.° 31, e de 16 de fevereiro de 2012, SABAM, C‑360/10, n.° 29).

38      Ora, esse efeito preventivo pressupõe que os titulares de um direito de autor ou de um direito conexo possam reagir sem terem de provar que os clientes de um fornecedor de acesso à Internet efetivamente consultam material protegido, colocado à disposição do público sem o consentimento dos referidos titulares.

39      Além do mais, a existência de um ato de colocação à disposição do público de uma obra apenas pressupõe que essa obra tenha sido colocada à disposição do público, sem que seja determinante que as pessoas que compõem esse público tenham ou não efetivamente tido acesso a essa obra (v., neste sentido, acórdão de 7 de dezembro de 2006, SGAE, C‑306/05, Colet., p. I‑11519, n.° 43).

40      Atendendo ao exposto, há que responder à primeira questão que o artigo 8.°, n.° 3, da Diretiva 2001/29 deve ser interpretado no sentido de que uma pessoa que coloca material protegido à disposição do público num sítio Internet, sem a autorização do titular dos direitos na aceção do artigo 3.°, n.° 2, desta diretiva, utiliza os serviços do fornecedor de acesso à Internet das pessoas que consultam esse material protegido, fornecedor esse que deve ser considerado intermediário na aceção do artigo 8.°, n.° 3, da Diretiva 2001/29.

 Quanto à segunda questão

41      Em face da resposta dada à primeira questão, não há que responder à segunda questão.

 Quanto à terceira questão

42      Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se os direitos fundamentais consagrados pelo direito da União devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que um juiz, através de uma injunção, proíba um fornecedor de acesso à Internet de facultar aos seus clientes o acesso a um sítio Internet em que é colocado em linha material protegido, sem o consentimento dos titulares de direitos, quando essa injunção não especifica as medidas que esse fornecedor de acesso deve tomar e quando o mesmo pode evitar, através da prova de que tomou todas as medidas razoáveis, as sanções pecuniárias compulsórias destinadas a reprimir a violação da referida proibição.

43      A este respeito, conforme resulta do considerando 59 da Diretiva 2001/29, as regras para as injunções que os Estados‑Membros devem prever por força do artigo 8.°, n.° 3, desta diretiva, como as das condições a cumprir e do procedimento a seguir, são estabelecidas pelo direito nacional.

44      Deste modo, as regras nacionais, bem como a sua aplicação pelos órgãos jurisdicionais nacionais, devem respeitar as limitações decorrentes da Diretiva 2001/29 e das fontes de direito às quais o seu considerando 3 faz referência (v., neste sentido, acórdão Scarlet Extended, já referido, n.° 33 e jurisprudência aí referida).

45      Para apreciar a conformidade, com o direito da União, de uma injunção como a que está em causa no processo principal, decretada com fundamento no artigo 8.°, n.° 3, da Diretiva 2001/29, há que ter em conta as exigências resultantes da proteção dos direitos fundamentais aplicáveis, e isto em conformidade com o artigo 51.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») (v., neste sentido, acórdão Scarlet Extended, já referido, n.° 41).

46      O Tribunal de Justiça já declarou que, quando vários direitos fundamentais estão em conflito, compete aos Estados‑Membros, na transposição de uma diretiva, zelar por que seja seguida uma interpretação desta última que permita assegurar o justo equilíbrio entre os direitos fundamentais aplicáveis, protegidos pela ordem jurídica da União. Depois, na execução das medidas de transposição dessa diretiva, compete às autoridades e aos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros não só interpretar o seu direito nacional em conformidade com a referida diretiva mas também zelar por que seja seguida uma interpretação desta que não entre em conflito com os referidos direitos fundamentais ou com os outros princípios gerais do direito da União, como o princípio da proporcionalidade (v., neste sentido, acórdão de 29 de janeiro de 2008, Promusicae, C‑275/06, Colet., p. I‑271, n.° 68).

47      No caso em apreço, há que salientar que uma injunção como a que está em causa no processo principal, decretada com base no artigo 8.°, n.° 3, da Diretiva 2001/29, implica principalmente um confronto entre, em primeiro lugar, os direitos de autor e os direitos conexos que integram o direito de propriedade intelectual e são, por isso, protegidos por força do artigo 17.°, n.° 2, da Carta, em segundo lugar, a liberdade de empresa de que gozam os operadores económicos, como os fornecedores de acesso à Internet, por força do artigo 16.° da Carta, e, em terceiro lugar, a liberdade de informação dos utilizadores da Internet, cuja proteção é assegurada pelo artigo 11.° da Carta.

48      Relativamente à liberdade de empresa, conclui‑se que a decretação de uma injunção, como a que está em causa no processo principal, restringe essa liberdade.

49      Com efeito, o direito à liberdade de empresa abrange designadamente o direito, de qualquer empresa, de poder livremente dispor, dentro dos limites da responsabilidade em que incorre pelos seus próprios atos, dos recursos económicos, técnicos e financeiros de que dispõe.

50      Ora, uma injunção como a que está em causa no processo principal impõe ao respetivo destinatário uma obrigação que restringe a livre utilização dos recursos que este tem à sua disposição, porquanto o obriga a tomar medidas suscetíveis de representar, para ele, um custo significativo, de ter um impacto considerável na organização das suas atividades ou de exigir soluções técnicas difíceis e complexas.

51      No entanto, tal injunção não parece afetar a própria essência do direito à liberdade de empresa de um fornecedor de acesso à Internet como o que está em causa no processo principal.

52      Por um lado, uma injunção como a que está em causa no processo principal deixa ao seu destinatário a responsabilidade de determinar as medidas concretas a tomar para alcançar o resultado pretendido, de modo que este pode optar por executar as medidas que melhor se adaptem aos recursos e às capacidades de que dispõe e que sejam compatíveis com as restantes obrigações e desafios a que deve fazer face no exercício da sua atividade.

53      Por outro lado, essa injunção permite ao seu destinatário eximir‑se da sua responsabilidade se provar que tomou todas as medidas razoáveis. Ora, esta possibilidade de se eximir tem, obviamente, o efeito de o destinatário dessa injunção não ser obrigado a fazer sacrifícios insuportáveis, o que parece ser justificado atendendo, designadamente, a que aquele não é responsável pela violação do direito fundamental de propriedade intelectual que provocou a decretação dessa injunção.

54      A este respeito, em conformidade com o princípio da segurança jurídica, o destinatário de uma injunção como a que está em causa no processo principal deve ter a possibilidade de alegar no órgão jurisdicional, uma vez conhecidas as medidas de execução que tomou e antes de, se for caso disso, ser proferida uma decisão que lhe aplique uma sanção, que as medidas tomadas eram efetivamente as que dele se podiam esperar para impedir o resultado proibido.

55      Assim sendo, quando o destinatário de uma injunção como a que está em causa no processo principal escolhe as medidas a tomar para efeitos do cumprimento da mesma deve zelar pelo respeito do direito fundamental à liberdade de informação dos utilizadores da Internet.

56      A este respeito, as medidas tomadas pelo fornecedor de acesso à Internet devem ser estritamente delimitadas, no sentido de que devem servir para pôr termo à violação do direito de autor ou de um direito conexo cometida por um terceiro, sem que sejam afetados os utilizadores da Internet que recorrem aos serviços desse fornecedor para aceder legalmente a informações. Caso contrário, a ingerência do referido fornecedor na liberdade de informação dos referidos utilizadores mostra‑se injustificada atendendo ao objetivo prosseguido.

57      Os órgãos jurisdicionais nacionais devem ter a possibilidade de verificar que é isso que sucede. Ora, no caso de uma injunção como a que está em causa no processo principal, importa salientar que, se o fornecedor de acesso à Internet tomar medidas que lhe permitam concretizar a proibição decretada, os órgãos jurisdicionais nacionais não terão a possibilidade de efetuar essa fiscalização no âmbito do processo executivo, se não houver contestação quanto a esse aspeto. Por conseguinte, para que os direitos fundamentais consagrados pelo direito da União não se oponham à decretação de uma injunção como a que está em causa no processo principal, é necessário que as regras processuais nacionais prevejam a possibilidade de os internautas invocarem os seus direitos no órgão jurisdicional, uma vez conhecidas as medidas de execução tomadas pelo fornecedor de acesso à Internet.

58      No que diz respeito ao direito de propriedade intelectual, importa referir desde logo que não se exclui que a execução de uma injunção como a que está em causa no processo principal não culmine na cessação total das violações do direito de propriedade intelectual das pessoas em questão.

59      Com efeito, por um lado, tal como já foi declarado, o destinatário dessa injunção tem a possibilidade de se eximir da sua responsabilidade e, assim, de não tomar certas medidas eventualmente concretizáveis, quando não podem ser qualificadas de razoáveis.

60      Por outro lado, não se exclui que não haja, ou não seja concretizável na prática, qualquer outra técnica que permita pôr termo, por completo, às violações do direito de propriedade intelectual, o que terá a consequência de certas medidas tomadas eventualmente poderem ser contornadas de uma forma ou outra.

61      Importa referir que não decorre de forma alguma do artigo 17.°, n.° 2, da Carta que o direito de propriedade intelectual seja intangível e que a sua proteção deva, portanto, ser assegurada de forma absoluta (v., neste sentido, acórdão Scarlet Extended, já referido, n.° 43).

62      Assim sendo, as medidas tomadas pelo destinatário de uma injunção como a que está em causa no processo principal, para cumprimento da mesma, devem ser suficientemente eficazes para assegurar uma proteção efetiva do direito fundamental em questão, ou seja, devem ter o efeito de impedir ou, pelo menos, de tornar dificilmente realizáveis as consultas não autorizadas de material protegido e de desencorajar seriamente os utilizadores da Internet que recorrem aos serviços do destinatário da injunção de consultar esse material, colocado à sua disposição em violação do referido direito fundamental.

63      Por conseguinte, apesar de as medidas tomadas em cumprimento de uma injunção como a que está em causa no processo principal eventualmente não conseguirem garantir a cessação total das violações do direito de propriedade intelectual, nem por isso podem ser consideradas incompatíveis com a exigência de encontrar um justo equilíbrio, nos termos do artigo 52.°, n.° 1, in fine, da Carta, entre todos os direitos fundamentais aplicáveis, desde que, por um lado, as medidas tomadas não impeçam desnecessariamente os utilizadores da Internet de acederem licitamente às informações disponíveis e, por outro, essas medidas tenham o efeito de impedir ou, pelo menos, de tornar dificilmente realizáveis as consultas não autorizadas de material protegido e de desencorajar seriamente os utilizadores da Internet que recorrem aos serviços do destinatário da injunção de consultar esse material, colocado à sua disposição em violação do direito da propriedade intelectual.

64      À luz das considerações precedentes, há que responder à terceira questão que os direitos fundamentais consagrados pelo direito da União devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que, através de uma injunção decretada por um juiz, um fornecedor de acesso à Internet seja proibido de facultar aos seus clientes o acesso a um sítio Internet em que é colocado em linha material protegido, sem a autorização dos titulares de direitos, quando essa injunção não especifica as medidas que esse fornecedor de acesso deve tomar e quando este último pode evitar, através da prova de que tomou todas as medidas razoáveis, as sanções pecuniárias compulsórias destinadas a reprimir a violação da referida proibição, desde que, por um lado, as medidas tomadas não impeçam desnecessariamente os utilizadores da Internet de acederem licitamente às informações disponíveis e, por outro, essas medidas tenham o efeito de impedir ou, pelo menos, de tornar dificilmente realizáveis as consultas não autorizadas de material protegido e de desencorajar seriamente os utilizadores da Internet que recorrem aos serviços do destinatário dessa mesma injunção de consultar esse material, colocado à sua disposição em violação do direito da propriedade intelectual, o que cabe às autoridades e aos órgãos jurisdicionais nacionais verificar.

 Quanto à quarta questão

65      Tendo em conta a resposta dada à terceira questão, não há que responder à quarta questão.

 Quanto às despesas

66      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

1)      O artigo 8.°, n.° 3, da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação, deve ser interpretado no sentido de que uma pessoa que coloca material protegido à disposição do público num sítio Internet, sem a autorização do titular dos direitos na aceção do artigo 3.°, n.° 2, desta diretiva, utiliza os serviços do fornecedor de acesso à Internet das pessoas que consultam esse material protegido, fornecedor esse que deve ser considerado intermediário na aceção do artigo 8.°, n.° 3, da Diretiva 2001/29.

2)      Os direitos fundamentais consagrados pelo direito da União devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que, através de uma injunção decretada por um juiz, um fornecedor de acesso à Internet seja proibido de facultar aos seus clientes o acesso a um sítio Internet em que é colocado em linha material protegido, sem a autorização dos titulares de direitos, quando essa injunção não especifica as medidas que esse fornecedor de acesso deve tomar e quando este último pode evitar, através da prova de que tomou todas as medidas razoáveis, as sanções pecuniárias compulsórias destinadas a reprimir a violação da referida proibição, desde que, por um lado, as medidas tomadas não impeçam desnecessariamente os utilizadores da Internet de acederem licitamente às informações disponíveis e, por outro, essas medidas tenham o efeito de impedir ou, pelo menos, de tornar dificilmente realizáveis as consultas não autorizadas de material protegido e de desencorajar seriamente os utilizadores da Internet que recorrem aos serviços do destinatário dessa mesma injunção de consultar esse material, colocado à sua disposição em violação do direito da propriedade intelectual, o que cabe às autoridades e aos órgãos jurisdicionais nacionais verificar.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.