Language of document : ECLI:EU:C:2011:498

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

21 de Julho de 2011 (*)

«Livre circulação de pessoas – Directiva 2004/38/CE – Artigo 16.° – Direito de residência permanente – Períodos cumpridos antes do termo do prazo de transposição dessa directiva – Residência legal – Residência apenas ao abrigo de um cartão de residência emitido nos termos da Directiva 68/360/CEE, sem estarem reunidos os requisitos para beneficiar de qualquer direito de residência»

No processo C‑325/09,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pela Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) (Reino Unido), por decisão de 4 de Agosto de 2009, entrado no Tribunal de Justiça em 12 de Agosto de 2009, no processo

Secretary of State for Work and Pensions

contra

Maria Dias,

O Tribunal de Justiça (Terceira Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente de secção, D. Šváby, R. Silva de Lapuerta (relatora), G. Arestis e J. Malenovský, juízes,

advogado‑geral: V. Trstenjak,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 16 de Dezembro de 2010,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de M. Dias, por A. Berry, barrister, mandatado por J. Borrero, solicitor,

–        em representação do Governo do Reino Unido, por S. Ossowski, na qualidade de agente, assistido por K. Smith, barrister,

–        em representação do Governo dinamarquês, por B. Weis Fogh, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo português, por L. Fernandes, na qualidade de agente, 

–        em representação da Comissão Europeia, por D. Maidani e M. Wilderspin, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 17 de Fevereiro de 2011,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 16.° da Directiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.° 1612/68 e que revoga as Directivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO L 158, p. 77, e rectificações no JO L 229, p. 35, e JO 2005, L 197, p. 34), no que diz respeito aos períodos de residência cumpridos antes do termo do prazo de transposição desta directiva, bem como a interpretação da Directiva 68/360/CEE do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativa à supressão das restrições à deslocação e permanência dos trabalhadores dos Estados‑Membros e suas famílias na Comunidade (JO L 257, p. 13; EE 05 F1 p. 88), no que diz respeito aos cartões de residência emitidos nos termos desta última directiva.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Secretary of State for Work and Pensions (Ministro do Trabalho e das Pensões) a M. Dias a respeito do direito desta última ao complemento de rendimento («income support»).

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Directiva 68/360

3        Nos termos do artigo 4.° da Directiva 68/360:

«1.      Os Estados‑Membros reconhecerão o direito de permanência no seu território [aos nacionais dos referidos Estados e aos membros da sua família aos quais se aplica o Regulamento (CEE) n.° 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores no interior da Comunidade (JO L 257, p. 2; EE 05 F1 p. 88)], que possam apresentar os documentos referidos no n.° 3.

2.      O direito de permanência é confirmado pela emissão de um documento denominado ‘Cartão de Residência de Nacional de um Estado‑Membro da CEE’. Este documento deve conter a menção de que foi emitido nos termos do Regulamento […] n.° 1612/68 e das disposições adoptadas pelos Estados‑Membros em aplicação da presente directiva. O texto desta menção consta do anexo da presente directiva.

3.      Para a emissão do Cartão de Residência de Nacional de um Estado‑Membro da CEE, os Estados‑Membros apenas podem exigir a apresentação dos seguintes documentos:

–        Ao trabalhador:

a)      O documento ao abrigo do qual entrou no seu território;

b)      Uma declaração de contrato passada pelo empregador ou um certificado de trabalho;

[…]»

4        O artigo 6.° da referida directiva prevê:

«1.      O cartão de residência:

a)      Deve ser válido para a totalidade do território d[o] Estado‑Membro que o emitiu;

b)      Deve ter um período de validade de, pelo menos, cinco anos a contar da data de emissão e ser automaticamente renovável.

2.      As interrupções de residência que não ultrapassem seis meses consecutivos e as ausências motivadas pelo cumprimento de obrigações militares não afectam a validade do cartão de residência.

3.      Quando o trabalhador ocupar um emprego durante um período superior a três meses e inferior a um ano ao serviço de um empregador do Estado de acolhimento ou por conta de um prestador de serviços, o Estado‑Membro de acolhimento emitirá em seu favor uma autorização temporária de residência cujo prazo de validade pode ser limitado à duração prevista para o emprego.

Sem prejuízo do disposto no n.° 1, alínea c), do artigo 8.°, será igualmente emitida uma autorização temporária de residência em favor do trabalhador sazonal que ocupar um emprego por um período superior a três meses. A duração do emprego deve ser indicada nos documentos previstos no n.° 3, alínea b), do artigo 4.°»

5        O artigo 7.° da mesma directiva enuncia:

«1.      O cartão de residência válido não pode ser retirado ao trabalhador pelo simples facto de ele já não ocupar um emprego, quer por o interessado ter ficado temporariamente incapacitado para o trabalho por motivo de doença ou de acidente, quer por se encontrar em situação de desemprego involuntário devidamente comprovada pelo serviço de emprego competente.

2.      Aquando da primeira renovação, o prazo de validade do cartão de residência pode ser limitado se o trabalhador se encontrar há mais de doze meses consecutivos numa situação de desemprego involuntário no Estado de acolhimento. Esse prazo de validade não pode, porém, ser inferior a doze meses.»

6        O anexo da Directiva 68/360, intitulado «Texto da menção prevista no n.° 2 do artigo 4.°», dispunha:

«O presente cartão é emitido em aplicação do Regulamento (CEE) n.° 1612/68 do Conselho das Comunidades Europeias, de 15 de Outubro de 1968, e das disposições adoptadas para execução da Directiva do Conselho de 15 de Outubro de 1968.

Nos termos das disposições do referido regulamento, o titular do presente cartão tem o direito de acesso nas mesmas condições que os trabalhadores […] às actividades assalariadas e de as exercer no território […]»

 Directiva 90/364/CEE

7        O artigo 1.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da Directiva 90/364/CEE do Conselho, de 28 de Junho de 1990, relativa ao direito de residência (JO L 180, p. 26), enuncia:

«Os Estados‑Membros concederão o direito de residência aos nacionais dos Estados‑Membros que não beneficiem desse direito por força de outras disposições de direito comunitário e aos membros das respectivas famílias tal como são definidos no n.° 2, na condição de disporem, para si próprios e para as suas famílias, de um seguro de doença que cubra todos os riscos no Estado‑Membro de acolhimento e de recursos suficientes para evitar que se tornem, durante a sua permanência, uma sobrecarga para a assistência social do Estado‑Membro de acolhimento.»

8        Nos termos do artigo 2.°, n.os 1 e 2, da referida directiva:

«1.      O direito de residência é consignado através da emissão de um documento denominado ‘cartão de residência de nacional de um Estado‑Membro da CEE’, cuja validade pode ser limitada a um prazo de cinco anos renovável. Todavia, se o considerarem necessário, os Estados‑Membros podem solicitar a revalidação do cartão no termo dos dois primeiros anos de residência. Quando um membro da família não tiver a nacionalidade de um Estado‑Membro, ser‑lhe‑á emitido um documento de residência com a mesma validade do concedido ao nacional de que depende.

Para a emissão do cartão ou do documento de residência, o Estado‑Membro apenas pode pedir ao requerente que apresente um bilhete de identidade ou um passaporte válido e que comprove que satisfaz as condições previstas no artigo 1.°

2.      Os artigos 2.° e 3.°, os n.° 1, alínea a), e n.° 2 do artigo 6.° e o artigo 9.° da Directiva 68/360/CEE são aplicáveis mutatis mutandis aos beneficiários da presente directiva.

[…]

Os Estados‑Membros apenas podem derrogar ao disposto na presente directiva por razões de ordem pública, segurança pública ou saúde pública. […]»

9        O artigo 3.° da mesma directiva dispunha:

«O direito de residência será válido enquanto os respectivos titulares preencherem as condições previstas no artigo 1.°»

Directiva 2004/38

10      Nos termos do décimo sétimo considerando da Directiva 2004/38:

«A possibilidade de residência permanente para os cidadãos da União que tiverem optado por se instalar de forma duradoura no Estado‑Membro de acolhimento reforçaria o sentimento de cidadania da União e constitui um elemento‑chave para promover a coesão social, que é um dos objectivos fundamentais da União. Por conseguinte, há que instituir o direito de residência permanente para todos os cidadãos da União e membros das suas famílias que tenham residido no Estado‑Membro de acolhimento de acordo com as condições estabelecidas na presente directiva durante um período de cinco anos consecutivos sem se tornarem passíveis de medida de afastamento.»

11      O capítulo III da referida directiva, intitulado «Direito de residência», inclui os artigos 6.° a 15.° desta última.

12      Sob a epígrafe «Direito de residência até três meses», o referido artigo 6.° prevê:

«1.      Os cidadãos da União têm o direito de residir no território de outro Estado‑Membro por período até três meses sem outras condições e formalidades além de ser titular de um bilhete de identidade ou passaporte válido.

2.      O disposto no n.° 1 é igualmente aplicável aos membros da família que não tenham a nacionalidade de um Estado‑Membro e que, munidos de um passaporte válido, acompanhem ou se reúnam ao cidadão da União.»

13      O artigo 7.° da Directiva 2004/38, sob a epígrafe «Direito de residência por mais de três meses», tem a seguinte redacção:

«1.      Qualquer cidadão da União tem o direito de residir no território de outro Estado‑Membro por período superior a três meses, desde que:

a)      Exerça uma actividade assalariada ou não assalariada no Estado‑Membro de acolhimento; ou

b)      Disponha de recursos suficientes para si próprio e para os membros da sua família, a fim de não se tornar uma sobrecarga para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período de residência, e de uma cobertura extensa de seguro de doença no Estado‑Membro de acolhimento; ou,

c)      –       Esteja inscrito num estabelecimento de ensino público ou privado, reconhecido ou financiado por um Estado‑Membro de acolhimento com base na sua legislação ou prática administrativa, com o objectivo principal de frequentar um curso, inclusive de formação profissional e

–        disponha de uma cobertura extensa de seguro de doença no Estado‑Membro de acolhimento, e garanta à autoridade nacional competente, por meio de declaração ou outros meios à sua escolha, que dispõe de recursos financeiros suficientes para si próprio e para os membros da sua família a fim de evitar tornar‑se uma sobrecarga para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período de residência; ou

d)      Seja membro da família que acompanha ou se reúne a um cidadão da União que preencha as condições a que se referem as alíneas a), b) ou c).

2.      O direito de residência disposto no n.° 1 é extensivo aos membros da família de um cidadão da União que não tenham a nacionalidade de um Estado‑Membro, quando acompanhem ou se reúnam ao cidadão da União no Estado‑Membro de acolhimento, desde que este preencha as condições a que se referem as alíneas a), b) ou c) do n.° 1.

3.      Para os efeitos da alínea a) do n.° 1, o cidadão da União que tiver deixado de exercer uma actividade assalariada ou não assalariada mantém o estatuto de trabalhador assalariado ou não assalariado nos seguintes casos:

a)      Quando tiver uma incapacidade temporária de trabalho, resultante de doença ou acidente;

b)      Quando estiver em situação de desemprego involuntário devidamente registado depois de ter tido emprego durante mais de um ano e estiver inscrito no serviço de emprego como candidato a um emprego;

c)      Quando estiver em situação de desemprego involuntário devidamente registado no termo de um contrato de trabalho de duração determinada inferior a um ano ou ficar em situação de desemprego involuntário durante os primeiros 12 meses, e estiver inscrito no serviço de emprego como candidato a um emprego. Neste caso, mantém o estatuto de trabalhador assalariado durante um período não inferior a seis meses;

d)      Quando seguir uma formação profissional. A menos que o interessado esteja em situação de desemprego involuntário, a manutenção do estatuto de trabalhador assalariado pressupõe uma relação entre a actividade profissional anterior e a formação em causa.

4.      Em derrogação da alínea d) do n.° 1 e do n.° 2, apenas o cônjuge, o parceiro registado a que se refere a alínea b) do ponto 2) do artigo 2.° e os filhos a cargo têm direito de residência como membros da família de um cidadão da União que preencha as condições previstas na alínea c) do n.°1. O n.° 2 do artigo 3.° aplica‑se aos seus ascendentes directos a seu cargo e aos do cônjuge ou parceiro registado.»

14      No capítulo IV da Directiva 2004/38, intitulado «Direito de residência permanente», o artigo 16.° desta, ele próprio com a epígrafe «Regra geral para os cidadãos da União e membros das suas famílias», enuncia:

«1.      Os cidadãos da União que tenham residido legalmente por um período de cinco anos consecutivos no território do Estado‑Membro de acolhimento[…] têm direito de residência permanente no mesmo. Este direito não está sujeito às condições previstas no Capítulo III.

2.      O n.° 1 aplica‑se igualmente aos membros da família que não tenham a nacionalidade de um Estado‑Membro e que tenham residido legalmente com o cidadão da União no Estado‑Membro de acolhimento por um período de cinco anos consecutivos.

3.      A continuidade da residência não é afectada por ausências temporárias que não excedam seis meses por ano, nem por ausências mais prolongadas para cumprimento de obrigações militares, nem por uma ausência de 12 meses consecutivos no máximo, por motivos importantes, como gravidez ou parto, doença grave, estudos ou formação profissional, ou destacamento por motivos profissionais para outro Estado‑Membro ou país terceiro.

4.      Uma vez adquirido, o direito de residência permanente só se perde devido a ausência do Estado‑Membro de acolhimento por um período que exceda dois anos consecutivos.»

15      O artigo 38.° da Directiva 2004/38 prevê:

«1.      São revogados, com efeitos a partir de 30 de Abril de 2006, os artigos 10.° e 11.° do Regulamento (CEE) n.° 1612/68.

2.      São revogadas, com efeitos a partir de 30 de Abril de 2006, as Directivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE.

3.      As remissões feitas para as disposições revogadas entendem‑se feitas para a presente directiva.»

16      Conforme resulta do artigo 40.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da Directiva 2004/38, os Estados‑Membros deviam pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento a esta directiva até 30 de Abril de 2006.

 Direito nacional

17      A Lei de 1992 relativa às contribuições e prestações de segurança social (Social Security Contributions and Benefits Act 1992) e o Regulamento (geral) de 1987 relativo ao complemento de rendimento [Income Support (General) Regulations 1987] constituem a regulamentação aplicável ao complemento de rendimento.

18      O complemento de rendimento é uma prestação concedida em função do rendimento a diferentes grupos de pessoas. O referido complemento está sujeito à condição de os rendimentos do interessado não excederem o «montante aplicável» fixado, podendo ser fixado em zero, o que implica na prática que, neste caso, não é concedida qualquer prestação.

19      O montante aplicável fixado para uma «pessoa de origem estrangeira» é zero, uma vez que esta pessoa é definida como «um requerente que não reside habitualmente no Reino Unido, nas ilhas Anglo‑Normandas, na Ilha de Man ou na República da Irlanda». Para poder ser considerado residente habitual no Reino Unido, nas ilhas Anglo‑Normandas, na Ilha de Man ou na República da Irlanda, é necessário que o requerente do complemento de rendimento seja titular de um «direito de residência».

20      O «direito de residência» que confere o direito ao complemento de rendimento não se encontra expressamente definido. Desde o mês de Maio de 2004, o direito nacional procurou limitar a atribuição desta prestação, para que certas pessoas não se tornem uma carga não razoável para o sistema de segurança social.

21      Assim, no que diz respeito aos cidadãos da União Europeia, alguns direitos de residência, como o atribuído em conformidade com o artigo 6.° da Directiva 2004/38, estão excluídos e não permitem por isso a atribuição do referido complemento. Pelo contrário, entre outros grupos de pessoas, os trabalhadores assalariados ou não assalariados na acepção da mesma directiva – incluindo os que mantêm essa qualidade, em conformidade com o seu artigo 7.°, n.° 3 –, bem como os membros da sua família na acepção da referida directiva, não se consideram «pessoas de origem estrangeira» para efeitos do complemento de rendimento e têm por isso direito à atribuição deste.

22      É geralmente admitido que o direito de residência permanente previsto no artigo 16.° da Directiva 2004/38 constitui um direito de permanência que permite beneficiar do complemento de rendimento.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

23      M. Dias é uma cidadã portuguesa que entrou no Reino Unido em Janeiro de 1998. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a permanência da interessada divide‑se nos cinco períodos seguintes (a seguir, respectivamente, «primeiro a quinto períodos»):

–        de Janeiro de 1998 ao Verão de 2002: a trabalhar;

–        do Verão de 2002 a 17 de Abril de 2003: em licença de maternidade;

–        de 18 de Abril de 2003 a 25 de Abril de 2004: desempregada;

–        de 26 de Abril de 2004 a 23 de Março de 2007: a trabalhar;

–        desde 24 de Março de 2007: desempregada.

24      Em 13 de Maio de 2000, o Home Office emitiu a favor de M. Dias um cartão de residência correspondente ao direito de residência previsto no artigo 4.° da Directiva 68/360. Este cartão continha as referências enunciadas no anexo desta directiva. Além disso, indicava um período de validade de 13 de Maio de 2000 a 13 de Maio de 2005 e especificava que «[a] validade do presente cartão representa a data‑limite da sua permanência no Reino Unido. Esta data‑limite é aplicável, salvo alteração, a qualquer entrada subsequente no território que possa efectuar após uma ausência do Reino Unido durante o período de validade do presente cartão».

25      No final do mês de Março de 2007, M. Dias pediu o complemento de rendimento.

26      Segundo o Social Security Commissioner (Comissário para a segurança social, a seguir «Commissioner»), M. Dias, já não possuindo, na referida data, a qualidade de trabalhador na acepção da Directiva 2004/38, não podia beneficiar do complemento de rendimento como titular de um direito de residência permanente na acepção do artigo 16.° desta directiva. A este respeito, o Commissioner considerou que o referido direito de permanência só podia ser invocado posteriormente ao termo do prazo de transposição da Directiva 2004/38 no Reino Unido, ou seja, a partir de 30 de Abril de 2006.

27      Na medida em que, segundo o Commissioner, M. Dias já não era um trabalhador na acepção do direito da União durante o terceiro período de permanência no Reino Unido, considerou que aquela não podia acrescentar este período, para efeitos do direito de residência permanente, nem ao primeiro e segundo períodos de permanência nem ao quarto período.

28      No entanto, o Commissioner considerou que a permanência de M. Dias no Reino Unido durante o terceiro período podia ser considerada uma permanência válida para efeitos do direito de residência permanente, quer em razão do cartão de residência que lhe tinha sido atribuído quer por força do artigo 18.° CE.

29      Por conseguinte, o Commissioner decidiu atribuir a M. Dias o complemento de rendimento.

30      A decisão do Commissioner foi impugnada pelo Secretary of State for Work and Pensions no órgão jurisdicional de reenvio.

31      Segundo esse órgão jurisdicional, a decisão do Commissioner parte da premissa de que o direito de residência permanente previsto no artigo 16.° da Directiva 2004/38 não pode ter em conta os períodos de residência cumpridos antes de 30 de Abril de 2006, termo do período de transposição desta directiva no Reino Unido. O órgão jurisdicional de reenvio considera, por seu turno, que estes períodos podem ser tidos em conta para efeitos da determinação do referido direito de residência. Todavia, na medida em que esta questão era objecto do pedido de decisão prejudicial que submetera ao Tribunal de Justiça no processo que deu origem ao acórdão de 7 de Outubro de 2010, 2010, Lassal (C‑162/09, Colect., p. I‑0000), não considerou necessário submeter‑lhe novamente a mesma questão.

32      Partindo da premissa do Commissioner, o órgão jurisdicional de reenvio considera, como aquele, que M. Dias não podia ser considerada um trabalhador na acepção do direito da União durante o terceiro período da sua permanência no Reino Unido. Pelo contrário, esse órgão jurisdicional considera que, durante esse período, a interessada não podia inferir um direito de permanência nos termos do artigo 16.° da Directiva 2004/38 apenas do cartão de residência que lhe tinha sido atribuído. Por fim, segundo o mesmo órgão jurisdicional, a permanência de M. Dias durante o referido período só podia ser considerada uma residência válida para efeitos da determinação do direito de residência permanente, por força do artigo 18.° CE, caso se concluísse que o artigo 16.° da Directiva 2004/38 contém uma lacuna no que respeita aos períodos de residência cumpridos antes do termo do prazo de transposição da mesma para a ordem jurídica dos Estados‑Membros.

33      Foi neste contexto que a Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Se um cidadão da União Europeia, presente num Estado‑Membro do qual não é nacional, tiver sido, antes da transposição da Directiva 2004/38[…], titular de um [cartão] de residência validamente emitido ao abrigo do artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 68/360[…], mas esteve, por um período de tempo durante a vigência do [cartão], voluntariamente desempregado, numa situação de não auto‑suficiência ou tiver perdido o estatuto necessário para a emissão desse [cartão], pode considerar‑se que essa pessoa, em virtude apenas da posse do [cartão], continuou, durante esse período, a ‘residir legalmente’ no Estado‑Membro de acolhimento para efeitos de adquirir posteriormente um direito de residência permanente nos termos do artigo 16.°, n.° 1, da Directiva 2004/38[...]?

2)      Caso a residência [no território de um Estado‑Membro de acolhimento] por um período de cinco anos consecutivos na qualidade de trabalhador antes de 30 de Abril de 2006 não [seja susceptível de fazer emergir] o direito de residência permanente criado pelo artigo 16.°, n.° 1, da Directiva 2004/38[...], essa residência contínua na qualidade de trabalhador confere o direito de residência permanente ao abrigo directamente do artigo 18.°, n.° 1, CE com base no facto de existir uma lacuna na directiva?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Observações preliminares relativas às consequências do acórdão Lassal para o processo principal

34      Como se referiu no n.° 31 do presente acórdão, as questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio partem de uma premissa do Commissioner de que, tendo os períodos de permanência de M. Dias no Reino Unido terminado antes do termo do prazo de transposição para esse Estado‑Membro da Directiva 2004/38, isto é, antes de 30 de Abril de 2006, não podem ser tidos em consideração para efeitos da aquisição do direito de residência permanente previsto no artigo 16.° desta directiva. Esse órgão jurisdicional considera que essa premissa é errada, mas não considerou necessário submeter uma nova questão ao Tribunal de Justiça a esse respeito, uma vez que essa questão já era objecto do pedido de decisão prejudicial submetido pelo mesmo órgão jurisdicional no processo que deu origem ao acórdão Lassal, já referido.

35      Ora, no dito acórdão Lassal, o Tribunal de Justiça declarou, por um lado, que os períodos de residência contínuos de cinco anos, cumpridos antes do termo do prazo de transposição da Directiva 2004/38, ou seja, antes de 30 de Abril de 2006, em conformidade com instrumentos do direito da União anteriores a essa data, devem ser tidos em consideração para efeitos da aquisição do direito de residência permanente nos termos do artigo 16.°, n.° 1, desta directiva e, por outro, que as ausências do Estado‑Membro de acolhimento que não excedam dois anos consecutivos, ocorridas antes de 30 de Abril de 2006 e posteriores a uma residência legal de cinco anos consecutivos decorridos antes desta data, não são susceptíveis de afectar a aquisição do direito de residência permanente ao abrigo do referido artigo 16.°, n.° 1.

36      Daqui decorre que a premissa em que se baseiam as questões prejudiciais, como refere acertadamente o órgão jurisdicional de reenvio, é errada e que é à luz do acórdão Lassal, já referido, que devem ser analisadas estas questões.

37      A este respeito, como resulta do n.° 23 do presente acórdão, cumpre referir que, por um lado, M. Dias permaneceu no Reino Unido na qualidade de trabalhador, na acepção dos instrumentos do direito da União em vigor à época, entre Janeiro de 1998 e 17 de Abril de 2003 (primeiro e segundo períodos de residência).

38      Por conseguinte, há que concluir que M. Dias completou um período de residência contínuo de cinco anos no Reino Unido antes do termo do prazo de transposição da Directiva 2004/38 para esse Estado‑Membro, ou seja, antes de 30 de Abril de 2006, em conformidade com os instrumentos do direito da União em vigor antes dessa data, e que esse período deve ser tomado em consideração para efeitos da aquisição do direito de residência permanente para efeitos do artigo 16.°, n.° 1, desta directiva.

39      Por outro lado, durante o terceiro período de residência no Reino Unido, ou seja, entre 18 de Abril de 2003 a 25 de Abril de 2004, M. Dias estava em situação de desemprego voluntário e não tinha, por isso, a qualidade de trabalhador na acepção dos instrumentos do direito da União então em vigor. Em contrapartida, recuperou essa qualidade durante o quarto período de residência, ou seja, entre 16 de Abril de 2004 e 23 de Março de 2007. Além disso, durante o terceiro período, M. Dias continuava a ser titular do cartão de residência validamente emitido em 13 de Maio de 2000 na sua qualidade de trabalhador, por força da Directiva 68/360, mesmo não reunindo os requisitos que lhe permitiam beneficiar de um direito de residência, nem nos termos do direito da União nem nos termos do direito nacional.

40      Na medida em que o direito de residência permanente previsto no artigo 16.°, n.° 1, da Directiva 2004/38 só pode ser adquirido a partir de 30 de Abril de 2006 (acórdão Lassal, já referido, n.° 38), coloca‑se assim a questão de saber quais as consequências, para efeitos da aquisição do direito de residência permanente nos termos desta disposição, de um período de residência como o decorrido entre 18 de Abril de 2003 e 25 de Abril de 2004, ou seja, o terceiro período de residência de M. Dias no Reino Unido.

41      Assim, à luz do acórdão Lassal, já referido, importa reformular as questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio no sentido de que este último pergunta, no essencial, se os períodos de residência de um cidadão da União num Estado‑Membro de acolhimento, cumpridos apenas ao abrigo de um cartão de residência validamente emitido nos termos da Directiva 68/360 e sem que estejam reunidos os requisitos para poder beneficiar de qualquer direito de residência, cumpridos antes de 30 de Abril de 2006 e posteriormente a um período de residência legal contínuo de cinco anos antes dessa data, podem afectar a aquisição do direito de residência permanente nos termos do artigo 16.°, n.° 1, da Directiva 2004/38.

 Quanto às questões prejudiciais, conforme reformuladas pelo Tribunal de Justiça à luz do acórdão Lassal

42      Para responder às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, conforme reformuladas pelo Tribunal de Justiça, há que analisar, em primeiro lugar, a questão de saber se os períodos de residência de um cidadão da União num Estado‑Membro de acolhimento apenas ao abrigo de um cartão de residência validamente emitido nos termos da Directiva 68/360 e quando o titular deste cartão não reunia os requisitos para beneficiar de nenhum direito de residência podem ser considerados legalmente cumpridos para efeitos de aquisição do direito de residência permanente nos termos do artigo 16.°, n.° 1, da Directiva 2004/38.

43      A este respeito, recorde‑se que o Tribunal de Justiça já declarou que os períodos de residência de cinco anos consecutivos, decorridos antes da data de transposição da Directiva 2004/38, em conformidade com instrumentos do direito da União anteriores a esta data, devem ser tidos em conta para efeitos da aquisição do direito de residência permanente ao abrigo do artigo 16.°, n.° 1, desta directiva (acórdão Lassal, já referido, n.os 40 e 59).

44      O terceiro período de residência de M. Dias no Reino Unido baseava‑se apenas na posse de um cartão de residência emitido em conformidade com a Directiva 68/360, pelo que o presente processo implica que se analise a questão de saber se esses cartões de residência têm natureza declarativa ou constitutiva de direitos.

45      A este propósito, M. Dias alega que um cartão de residência emitido pelo governo do Estado‑Membro de acolhimento e não revogado por este, quando o podia ter feito, confere um direito de residência à interessada durante toda a validade daquele. Segundo M. Dias, na medida em que a Directiva 68/360 não incluía nenhuma disposição equivalente ao artigo 3.° da Directiva 90/364, o direito de residência reconhecido por aplicação da Directiva 68/360 e atestado pela emissão de um cartão de residência mantém‑se até que esse cartão expire ou seja revogado, independentemente de o titular do cartão ter deixado de reunir os requisitos necessários para a residência.

46      Pelo contrário, o Governo do Reino Unido e o Governo dinamarquês, bem como a Comissão Europeia, consideram que o cartão de residência emitido nos termos da Directiva 68/360 tinha um valor meramente declarativo e não implicava a constituição de nenhum direito de residência.

47      A tese sustentada por M. Dias não pode ser acolhida.

48      Com efeito, como o Tribunal de Justiça já declarou várias vezes, o direito dos nacionais de um Estado‑Membro de entrarem no território de outro Estado‑Membro e aí residirem para os fins visados pelo Tratado CE constitui um direito directamente atribuído por este ou, se for caso disso, pelas disposições adoptadas para a sua execução. A emissão de uma autorização de residência a um nacional de um Estado‑Membro deve ser considerada não como um acto constitutivo de direitos, mas como um acto destinado a comprovar, por parte de um Estado‑Membro, a situação individual de um nacional de outro Estado‑Membro relativamente às disposições do direito da União (v. acórdão de 23 de Março de 2006, Comissão/Bélgica, C‑408/03, Colect., p. I‑2647, n.os 62, 63 e jurisprudência referida).

49      Essa natureza declarativa e não constitutiva de direitos das autorizações de residência foi reconhecida pelo Tribunal de Justiça independentemente de esta autorização ter sido emitida nos termos das disposições da Directiva 68/360 ou da Directiva 90/364 (v., neste sentido, acórdão Comissão/Bélgica, já referido, n.° 65).

50      Daqui decorre que as diferenças entre as disposições das Directivas 90/364 e 68/360 não podem corroborar a tese de que, contrariamente ao princípio recordado no n.° 48 do presente acórdão, os cartões de residência emitidos nos termos desta última directiva podem constituir direitos na esfera jurídica dos respectivos titulares.

51      Além disso, cumpre notar que o artigo 3.° da Directiva 90/364 se referia não ao cartão emitido para declarar o direito de residência, mas ao próprio direito de residência, bem como aos requisitos previstos para o atribuir. Por conseguinte, não se pode retirar nenhuma consequência desta disposição no que respeita à natureza do cartão de residência previsto no artigo 2.°, n.° 1, da Directiva 90/364 nem, a fortiori, do previsto no artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 68/360.

52      Além disso, a única disposição da Directiva 68/360 que se referia à retirada do cartão de residência, ou seja, o artigo 7.°, n.° 1, desta directiva, confirma a existência de uma ligação intrínseca entre o referido cartão e o direito de residência preexistente do cidadão em causa. Com efeito, do mesmo modo que o direito de residência de um trabalhador, o qual não se perdera, como a própria qualidade de trabalhador, pelo facto de o seu titular não estar empregado, quer por ter sofrido uma incapacidade temporária para o trabalho resultante de doença ou acidente quer por se ter encontrado em situação de desemprego involuntário devidamente comprovado pelo organismo competente, a referida disposição também não permitia a retirada do cartão de residência de um trabalhador que se encontrasse nessa situação.

53      Por fim, é certo que, relativamente à natureza declarativa dos cartões de residência, o Tribunal de Justiça só se pronunciou a respeito de situações em que esse cartão não tinha sido emitido quando o cidadão da União em causa reunia os requisitos para permanecer no Estado‑Membro de acolhimento em conformidade com o direito da União.

54      Todavia, como se referiu nos n.os 48 a 52 do presente acórdão, a natureza declarativa dos cartões de residência implica que estes cartões mais não fazem do que comprovar um direito preexistente. Por conseguinte, do mesmo modo que essa natureza impede que se considere ilegal, na acepção do direito da União, a permanência de um cidadão, atendendo apenas à circunstância de que não dispõe de um cartão de residência, obsta a que se considere legal, na acepção do direito da União, a permanência de um cidadão desta apenas em razão de lhe ter sido atribuído validamente esse cartão.

55      Assim, há que concluir que os períodos de residência cumpridos antes de 30 de Abril de 2006, apenas com base num cartão validamente emitido nos termos da Directiva 68/360 e sem estarem reunidos os requisitos que permitiam beneficiar de qualquer direito de residência, não se podem considerar legalmente cumpridos para efeitos da aquisição do direito de residência permanente nos termos do artigo 16.°, n.° 1, da Directiva 2004/38.

56      À luz desta conclusão, as questões submetidas, conforme reformuladas pelo Tribunal de Justiça no n.° 41 do presente acórdão, implicam que seja analisada, em segundo lugar, a relevância desses períodos de residência, decorridos antes de 30 de Abril de 2006 e posteriormente a uma residência legal contínua de cinco anos, decorrida antes dessa data, para a aquisição do referido direito de residência permanente.

57      A este respeito, importa recordar que o direito de residência permanente previsto no artigo 16.° da Directiva 2004/38 só pode ser adquirido a partir de 30 de Abril de 2006, como foi dito no n.° 40 do presente acórdão. Por conseguinte, contrariamente aos períodos de residência legal contínua de cinco anos cumpridos a partir dessa data, que conferem aos cidadãos da União, a contar do próprio momento em que foram cumpridos, o direito de residência permanente, os períodos decorridos antes dessa data não permitem a estes últimos beneficiar desse direito de residência antes de 30 de Abril de 2006.

58      Na medida em que os períodos de residência de um cidadão da União num Estado‑Membro de acolhimento, cumpridos apenas com base num cartão de residência validamente emitido nos termos da Directiva 68/360, mas sem estarem reunidos os requisitos para beneficiar de um direito de residência, não se podem considerar legalmente cumpridos para efeitos da aquisição do direito de residência permanente nos termos do artigo 16.°, n.° 1, da Directiva 2004/38, coloca‑se então a questão de saber qual a relevância, relativamente a essa aquisição, desse período de residência decorrido antes de 30 de Abril de 2006 e posteriormente a uma residência legal contínua já decorrida antes dessa data.

59      A este respeito, há que observar desde logo que o Tribunal de Justiça já declarou que o artigo 16.°, n.° 4, da Directiva 2004/38 visa a perda do direito de residência permanente devido à ausência do Estado‑Membro de acolhimento por um período que exceda dois anos consecutivos e que essa medida se justifica pelo facto de, após tal ausência, a ligação ao Estado‑Membro de acolhimento ser menos forte (acórdão Lassal, já referido, n.° 55).

60      Em seguida, o Tribunal de Justiça declarou igualmente que a referida disposição se destina a ser aplicada independentemente da questão de saber se estão em causa períodos de residência decorridos antes ou depois de 30 de Abril de 2006, já que, na medida em que os períodos de residência de cinco anos consecutivos decorridos antes dessa data devem ser tidos em conta para efeitos da aquisição do direito de residência permanente previsto no artigo 16.°, n.° 1, da Directiva 2004/38, a não aplicação do n.° 4 desse artigo aos referidos períodos implicaria que os Estados‑Membros seriam obrigados a atribuir o referido direito de residência permanente mesmo em caso de ausências importantes que põem em causa a ligação entre a pessoa em causa e o Estado‑Membro de acolhimento (acórdão Lassal, já referido, n.° 56).

61      Por fim, o Tribunal de Justiça concluiu que a aplicação do artigo 16.°, n.° 4, da Directiva 2004/38 a períodos de residência legal de cinco anos consecutivos, decorridos antes de 30 de Abril de 2006, implica, designadamente, que as ausências do Estado‑Membro de acolhimento, que não excedam dois anos consecutivos, ocorridas posteriormente a estes períodos, mas antes dessa data, não são susceptíveis de afectar o vínculo de integração do cidadão da União em causa e que, consequentemente, essas ausências não são susceptíveis de afectar a aquisição do direito de residência permanente ao abrigo do artigo 16.°, n.° 1 (acórdão Lassal, já referido, n.os 57 e 58).

62      Esse raciocínio deve igualmente aplicar‑se por analogia aos períodos decorridos apenas com base num cartão de residência validamente emitido nos termos da Directiva 68/360, sem estarem reunidos os requisitos para beneficiar de um direito de residência, decorridos antes de 30 de Abril de 2006 e posteriormente a uma residência legal contínua de cinco anos decorrida antes dessa data.

63      Com efeito, ainda que o artigo 16.°, n.° 4, da Directiva 2004/38 só se refira às ausências do Estado–Membro de acolhimento, o vínculo de integração entre a pessoa em causa e esse Estado‑Membro é igualmente posto em causa no caso de um cidadão que, tendo embora residido legalmente durante um período contínuo de cinco anos, decide em seguida permanecer nesse Estado‑Membro sem dispor de um direito de residência.

64      A este respeito, importa recordar, como fez a advogada‑geral nos n.os 106 e 107 das suas conclusões, que a integração, que preside à aquisição do direito de residência permanente previsto no artigo 16.°, n.° 1, da Directiva 2004/38, se baseia não apenas em factores espaciais e temporais mas também em factores qualitativos, relativos ao grau de integração no Estado‑Membro de acolhimento.

65      Tratando‑se, por isso, de situações comparáveis, daqui resulta que a regra enunciada no artigo 16.°, n.° 4, da Directiva 2004/38 deve ser igualmente aplicada por analogia aos períodos de permanência no Estado‑Membro de acolhimento cumpridos apenas ao abrigo de um cartão de residência validamente emitido nos termos da Directiva 68/360, sem que estejam reunidos os requisitos para beneficiar de qualquer direito de residência, decorridos antes de 30 de Abril de 2006 e após uma residência legal contínua de cinco anos decorrida antes dessa data.

66      Daqui decorre que os períodos que não excedam dois anos consecutivos, cumpridos apenas ao abrigo de um cartão de residência validamente emitido nos termos da Directiva 68/360, sem que estejam reunidos os requisitos para beneficiar de qualquer direito de residência, decorridos antes de 30 de Abril de 2006 e após uma residência legal contínua de cinco anos ocorrida antes dessa data, não são susceptíveis de afectar o direito de residência permanente nos termos do artigo 16.°, n.° 1, da Directiva 2004/38.

67      Em face do exposto, há que responder às questões submetidas que o artigo 16.°, n.os 1 e 4, da Directiva 2004/38 deve ser interpretado no sentido de que:

–        os períodos de residência cumpridos antes de 30 de Abril de 2006 apenas ao abrigo de um cartão de residência validamente emitido nos termos da Directiva 68/360, sem que estejam reunidos os requisitos para beneficiar de qualquer direito de residência, não se podem considerar legalmente cumpridos para efeitos da aquisição do direito de residência permanente nos termos do artigo 16.°, n.° 1, da Directiva 2004/38; e

–        os períodos de residência que não excedam dois anos consecutivos, cumpridos apenas ao abrigo de um cartão de residência validamente emitido nos termos da Directiva 68/360, sem que estejam reunidos os requisitos para beneficiar de qualquer direito de residência, decorridos antes de 30 de Abril de 2006 e após uma residência legal contínua de cinco anos ocorrida antes dessa data, não são susceptíveis de afectar o direito de residência permanente nos termos do artigo 16.°, n.° 1.

 Quanto às despesas

68      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

O artigo 16.°, n.os 1 e 4, da Directiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.° 1612/68 e que revoga as Directivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE, deve ser interpretado no sentido de que:

–        os períodos de residência cumpridos antes de 30 de Abril de 2006 apenas ao abrigo de um cartão de residência validamente emitido nos termos da Directiva 68/360/CEE do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativa à supressão das restrições à deslocação e permanência dos trabalhadores dos Estados‑Membros e suas famílias na Comunidade, sem que estejam reunidos os requisitos para beneficiar de qualquer direito de residência, não se podem considerar legalmente cumpridos para efeitos da aquisição do direito de residência permanente nos termos do artigo 16.°, n.° 1, da Directiva 2004/38; e

–        os períodos de residência que não excedam dois anos consecutivos, cumpridos apenas ao abrigo de um cartão de residência validamente emitido nos termos da Directiva 68/360, sem que estejam reunidos os requisitos para beneficiar de qualquer direito de residência, decorridos antes de 30 de Abril de 2006 e após uma residência legal contínua de cinco anos ocorrida antes dessa data, não são susceptíveis de afectar o direito de residência permanente nos termos do artigo 16.°, n.° 1.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.