Language of document : ECLI:EU:C:2000:188

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

6 de Abril de 2000 (1)

«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância - Recurso de anulação - Fundamentos - Violação das formalidades essenciais - Não autenticação de uma decisão adoptada pelo colégio dos membros da Comissão - Fundamento que pode ser suscitado ex officio»

No processo C-286/95 P,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por J. Currall e B. J. Drijber, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido noLuxemburgo no gabinete de C. Gómez de la Cruz, membro do mesmo serviço, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrente,

que tem por objecto um recurso de anulação do acórdão proferido pelo Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias (Primeira Secção Alargada) em 29 de Junho de 1995, ICI/Comissão (T-37/91, Colect., p. II-1901),

sendo a outra parte no processo:

Imperial Chemical Industries plc (ICI), com sede em Londres (Reino Unido), representada por D. Vaughan, QC, G. Barling, QC, e D. Anderson, barrister, mandatados por V. O. White, R. J. Coles e S. M. Turner, solicitors, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Lambert H. Dupong, 14 A, rue des Bains,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: L. Sevón (relator), presidente da Primeira Secção, exercendo funções de presidente da Quinta Secção, P. J. G. Kapteyn, P. Jann, H. Ragnemalm e M. Wathelet, juízes,

advogado-geral: N. Fennelly,


secretário: L. Hewlett, administradora,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações das partes na audiência de 7 de Outubro de 1999,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 25 de Novembro de 1999,

profere o presente

Acórdão

1.
    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 30 de Agosto de 1995, a Comissão das Comunidades Europeias interpôs, nos termos do artigo 49.° do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, recurso do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Junho de 1995, ICI/Comissão (T-37/91, Colect., p. II-1901, a seguir «acórdão impugnado»), que anulou a Decisão 91/300/CEE da Comissão, de 19 de Dezembro de 1990, relativa a um processo de aplicação do artigo 86.° do Tratado CEE (IV/33.133-D: Carbonato de sódio - ICI) (JO 1991, L 152, p. 40, a seguir «decisão controvertida»).

2.
    Quanto aos factos que estão na origem do presente recurso, resulta do acórdão impugnado que o colégio dos membros da Comissão, durante a sua 1040.² reunião,que decorreu em 17 e 19 de Dezembro de 1990, adoptou a decisão controvertida que conclui, no essencial, que a Imperial Chemical Industries plc (a seguir «ICI») ocupava uma posição dominante no mercado do carbonato de sódio do Reino Unido e que abusou dessa posição, na acepção do artigo 86.° do Tratado CEE (actual artigo 82.° CE), desde cerca de 1983 e aplicou-lhe, consequentemente, uma coima de 10 milhões de ecus. A decisão controvertida foi notificada à ICI por carta registada de 1 de Março de 1991.

3.
    O Tribunal de Primeira Instância assinalou que o texto da decisão notificada não tinha sido objecto de uma autenticação prévia, através da aposição das assinaturas do presidente e do secretário executivo da Comissão, nas condições previstas no artigo 12.°, primeiro parágrafo, do Regulamento interno 63/41/CEE da Comissão, de 9 de Janeiro de 1963 (JO 1963, 17, p. 181), mantido provisoriamente em vigor pelo artigo 1.° da Decisão 67/426/CEE da Comissão, de 6 de Julho de 1967 (JO 1967, 147, p. 1; EE 01 F1 p. 117), na redacção dada pela Decisão 86/61/CEE, Euratom, CECA da Comissão, de 8 de Janeiro de 1986 (JO L 72, p. 34), então em vigor (a seguir «regulamento interno»).

4.
    Dos n.os 17 a 22 do acórdão impugnado resulta o seguinte quanto à tramitação no Tribunal de Primeira Instância.

5.
    Em 14 de Maio de 1991, a ICI interpôs recurso no Tribunal de Primeira Instância pedindo a anulação da decisão controvertida e a condenação da Comissão nas despesas.

6.
    A ICI apresentou, em 2 de Abril de 1992, um «suplemento à réplica», no qual invocou um fundamento novo no sentido de a decisão impugnada ser declarada inexistente. Remetendo para dois artigos de imprensa publicados no Wall Street Journal de 28 de Fevereiro de 1992 e no Financial Times de 2 de Março de 1992, alegou, nomeadamente, que a Comissão tinha publicamente indicado que a falta de autenticação dos actos adoptados pelo colégio dos seus membros era uma prática seguida desde há anos e que, desde há 25 anos, nenhuma decisão tinha sido objecto de autenticação. Estas declarações da Comissão referiam-se a processos então pendentes no Tribunal de Primeira Instância contra uma decisão da Comissão declarando verificado um acordo no domínio do policloreto de vinilo (a seguir «decisão PVC») e que o Tribunal de Primeira Instância decidiu por acórdão de 27 de Fevereiro de 1992, BASF e o./Comissão (T-79/89, T-84/89 a T-86/89, T-89/89, T-91/89, T-92/89, T-94/89, T-96/89, T-98/89, T-102/89 e T-104/89, Colect., p. II-315).

7.
    Na sua tréplica, a Comissão apresentou observações escritas sobre o suplemento à réplica.

8.
    Tendo o Tribunal de Justiça decidido do recurso interposto deste acórdão do Tribunal de Primeira Instância, por acórdão de 15 de Junho de 1994, Comissão/BASF e o. (C-137/92 P, Colect., p. I-2555), o Tribunal de Primeira Instância adoptou medidas de organização do processo convidando nomeadamente a Comissão a apresentar, entreoutras coisas, o texto da decisão controvertida, tal como autenticada nessa época, nas línguas em que faz fé, pelas assinaturas do presidente e do secretário-geral e anexada à acta.

9.
    A Comissão respondeu que lhe parecia indicado, enquanto o Tribunal de Primeira Instância não tivesse decidido da admissibilidade do fundamento assente na falta de autenticação da decisão controvertida, não abordar a procedência do fundamento assim invocado.

10.
    Por despacho de 25 de Outubro de 1994, o Tribunal de Primeira Instância, em aplicação do disposto no artigo 65.° do Regulamento de Processo, ordenou à Comissão que apresentasse o texto acima mencionado.

11.
    Na sequência deste despacho a Comissão apresentou, em 11 de Novembro de 1994, nomeadamente, o texto da decisão controvertida em língua inglesa, cuja primeira página contém uma fórmula de autenticação, sem data, assinada pelo presidente e pelo secretário executivo da Comissão.

12.
    No acórdão impugnado, o Tribunal de Primeira Instância julgou admissível o fundamento novo. No n.° 82 do acórdão impugnado, considerou que as declarações feitas por representantes da Comissão constituíam um elemento de facto susceptível de ser invocado pela ICI, dado que, embora sendo certo que estas declarações tivessem sido proferidas apenas no contexto do processo BASF e o./Comissão, já referido, o seu conteúdo abrangia todos os processos de aplicação dos artigos 85.° do Tratado CEE (actual artigo 81.° CE) e 86.° do Tratado que decorreram até ao fim do ano de 1991, incluindo o processo objecto do litígio submetido à apreciação do Tribunal de Primeira Instância.

13.
    Verificou, no n.° 84 do acórdão impugnado, que o artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo não prevê nem prazo nem formalidade específica para a apresentação de um novo fundamento.

14.
    No n.° 85 considerou aliás que, mesmo que a referida disposição devesse ser interpretada no sentido de que um novo fundamento só é admissível se for apresentado o mais rapidamente possível, deve dizer-se que, no presente caso, essa exigência foi satisfeita, tendo o suplemento à réplica sido apresentado num prazo razoável depois da publicação dos artigos invocados como facto novo.

15.
    Decidindo quanto ao mérito, o Tribunal de Primeira Instância recordou, antes de mais, os termos do artigo 12.° do regulamento interno da Comissão, na versão em vigor à época dos factos:

«Os actos adoptados pela Comissão... serão autenticados, na ou nas línguas em que façam fé, pelas assinaturas do presidente e do secretário executivo.

O texto destes actos será anexado à acta da Comissão na qual se faça menção da sua adopção.

O presidente notificará, se necessário, os actos adoptados pela Comissão.»

16.
    Considerou, no n.° 88 do acórdão impugnado, que a própria economia desta regulamentação implica uma ordem de tramitação, de acordo com a qual os actos são, em primeiro lugar, adoptados pelo colégio dos membros da Comissão e são seguidamente objecto de autenticação, antes de serem, se necessário, notificados e, eventualmente, publicados. Daqui deduziu que a autenticação de um acto deve forçosamente preceder a sua notificação.

17.
    No n.° 89 considerou que esta ordem, que resulta de uma interpretação literal e sistemática da disposição em causa, é confirmada pela finalidade da mesma. Recordou a este respeito que, no acórdão Comissão/BASF e o., já referido, o Tribunal de Justiça decidiu, no n.° 73, que esta disposição é a consequência da obrigação que incumbe à Comissão de tomar as medidas adequadas para permitir identificar com certeza o texto completo dos actos adoptados pelo colégio, e, no n.° 75, que a autenticação tem assim por finalidade garantir a segurança jurídica ao fixar, nas línguas que fazem fé, o texto adoptado pelo colégio, para poder ser verificada, em caso de contestação, a correspondência perfeita dos textos notificados ou publicados com o texto adoptado e, ao mesmo tempo, com a vontade do seu autor.

18.
    Tendo verificado que a autenticação da decisão controvertida tinha sido efectuada após a notificação desta, o Tribunal de Primeira Instância concluiu, no n.° 90 do acórdão impugnado, que tinha havido violação de uma formalidade essencial na acepção do artigo 173.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 230.° CE).

19.
    Precisou, no n.° 91, que esta violação é constituída apenas pela falta de respeito da formalidade essencial em causa e que é, portanto, independente da questão de saber se entre o texto adoptado, o notificado e o publicado há divergências e, em caso afirmativo, se estas últimas se revestem ou não de um carácter essencial.

20.
    No n.° 92 acrescentou que, não é possível que, após a apresentação da petição introdutória do processo, uma instituição possa fazer desaparecer, através de uma simples medida de regularização retroactiva, um vício essencial que afecta a decisão impugnada.

21.
    Através do acórdão impugnado, o Tribunal de Primeira Instância anulou a decisão controvertida e condenou a Comissão nas despesas.

22.
    No seu recurso, a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que anule o acórdão impugnado e que rejeite o fundamento de anulação da decisão controvertida assente na falta de autenticação regular, que remeta os autos ao Tribunal de Primeira Instânciapara que este decida sobre os outros fundamentos de anulação e que condene a ICI nas despesas.

23.
    A ICI pede que seja negado provimento ao recurso e a condenação da Comissão nas despesas. A título subsidiário, pede que o Tribunal de Justiça julgue definitivamente o litígio em seu favor ou remeta os autos ao Tribunal de Primeira Instância para que este se pronuncie sobre os outros fundamentos de anulação por ela invocados.

24.
    Em apoio do seu recurso, a Comissão invoca dois fundamentos.

25.
    O primeiro fundamento é assente em erros de direito e de fundamentação quanto à admissibilidade do fundamento novo da ICI, à organização do processo e à reunião dos elementos de prova.

26.
    Com a primeira parte deste fundamento, a Comissão alega que, ao considerar, no n.° 82 do acórdão impugnado, que as declarações da Comissão a que é feita referência podem constituir, enquanto tais, um elemento de facto na acepção do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito.

27.
    Com a segunda parte deste fundamento, a Comissão alega que, ao considerar, nos n.os 84 e 85 do acórdão impugnado, que não existiam limites temporais para a apresentação de um fundamento novo conforme o disposto no artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito.

28.
    Com a terceira parte do primeiro fundamento, a Comissão sustenta que, ao ordenar-lhe que apresentasse o texto da decisão controvertida como autenticada na época, o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito, consistente numa concepção errada da tramitação processual e das regras relativas à reunião dos elementos de prova, bem como uma falta de fundamentação, na medida em que não indicou, tanto no despacho de 25 de Outubro de 1994, já referido, como no acórdão impugnado, os motivos que o levaram a julgar que havia que ordenar à Comissão que apresentasse o referido texto.

29.
    O segundo fundamento do recurso assenta em erros de direito e de fundamentação respeitantes à função e às consequências da falta de autenticação da decisão controvertida no momento da sua adopção.

30.
    Com a primeira parte do segundo fundamento, a Comissão sustenta que, ao julgar, nomeadamente no n.° 91, que a autenticação é uma condição de forma que deve ser respeitada, independentemente da existência de elementos susceptíveis de pôr em causa o carácter autêntico do texto notificado, o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito.

31.
    Com a segunda parte deste fundamento, a Comissão sustenta que, ao decidir, nos n.os 88 a 90 e 92 do acórdão impugnado, que a autenticação deve ocorrer, sob pena de nulidade, antes da notificação do acto ao seu destinatário e que, no caso sub judice, a autenticação foi irregular, o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito.

32.
    Com a terceira parte do segundo fundamento, a Comissão sustenta que, ao não considerar a questão de saber se o pretenso vício era susceptível de prejudicar os interesses do destinatário da decisão, o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito e, subsidiariamente, não cumpriu a obrigação de fundamentação do seu acórdão.

Quanto ao segundo fundamento

33.
    Há que examinar em primeiro lugar o segundo fundamento e tratar conjuntamente as suas primeira e terceira partes.

34.
    Segundo a Comissão, o acórdão impugnado encontra-se viciado por erro de direito na medida em que o Tribunal de Primeira Instância considerou que a violação de uma formalidade essencial é constituída pelo não respeito da formalidade essencial em causa, independentemente, por um lado, da existência de outros vícios que afectem o texto notificado e, por outro, da existência de um prejuízo dos interesses da parte que pede a anulação do acto.

35.
    A Comissão defende que resulta do acórdão Comissão/BASF e o., já referido, que a falta de autenticação só constitui uma irregularidade processual em conjugação com um ou vários outros vícios afectando o texto notificado. Com efeito, a condição relativa à autenticação não pode ser dissociada da necessidade de poder identificar com certeza o texto completo dos actos adoptados pelo colégio. No caso sub judice, na ausência de indícios implicando uma incerteza quanto ao conteúdo exacto do texto adoptado, é irrelevante a questão de saber se a decisão controvertida tinha sido autenticada.

36.
    A Comissão considera, além disso, que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao ignorar a questão de saber se os interesses da ICI foram afectados pela falta de autenticação na época. Cita o exemplo do acórdão Comissão/BASF e o., já referido, no qual o Tribunal de Justiça examinou se as irregularidades verificadas no processo da tomada de decisão podiam ter tido incidência no conteúdo da decisão PVC e, assim, nos direitos dos seus destinatários.

37.
    A ICI responde que, segundo o acórdão Comissão/BASF e o., já referido, a autenticação dos actos constitui uma formalidade essencial na acepção do artigo 173.° do Tratado, cuja violação pode dar lugar a um recurso de anulação. Recorda a jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de formalidades essenciais, da qual resulta que a formalidade essencial é de tal modo importante que o juiz comunitário pode, e até mesmo deve, examinar ex officio se a mesma foi respeitada, que a violação de uma formalidade essencial não pode ser regularizada e que a violação de umaformalidade essencial implica a nulidade do acto independentemente das consequências concretas da violação. Sustenta por fim que a protecção da segurança jurídica exige que o processo de autenticação seja respeitado independentemente da questão de saber se o acto sofreu alterações posteriores à sua adopção.

38.
    A este respeito, basta recordar que, constituindo os elementos intelectual e formal um todo indissociável, a apresentação na forma escrita do acto é a expressão necessária da vontade da autoridade que o aprova (acórdão Comissão/BASF e o., já referido, n.° 70).

39.
    Com o artigo 12.°, primeiro parágrafo, do regulamento interno em vigor na altura dos factos, a Comissão definiu as medidas que permitem identificar com certeza o texto completo dos actos adoptados pelo colégio.

40.
    O Tribunal de Justiça já declarou que a autenticação dos actos prevista no primeiro parágrafo do referido artigo 12.° tem por finalidade garantir a segurança jurídica ao cristalizar o texto aprovado pelo colégio nas línguas em que faz fé (acórdão Comissão/BASF e o., já referido, n.° 75).

41.
    Daqui deduz que essa autenticação constitui uma formalidade essencial na acepção do artigo 173.° do Tratado, cuja violação pode dar lugar a um recurso de anulação (acórdão Comissão/BASF e o., já referido, n.° 76).

42.
    Contrariamente ao que sustenta a Comissão, há que assinalar que a violação de uma formalidade essencial é constituída pela mera falta de autenticação de um acto, sem que seja necessário demonstrar, além disso, que o acto está afectado por outro vício ou que a falta de autenticação causou um prejuízo a quem a invoca.

43.
    A este respeito, o acórdão Comissão/BASF e o., já referido, não pode ser interpretado no sentido proposto pela Comissão.

44.
    Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça precisou, no n.° 75, que a autenticação dos actos tem por finalidade garantir a segurança jurídica.

45.
    O princípio da segurança jurídica, que faz parte da ordem jurídica comunitária, exige que todo e qualquer acto da Administração que produza efeitos jurídicos seja certo nomeadamente quanto ao seu autor e ao seu conteúdo.

46.
    A fiscalização do respeito da formalidade da autenticação e, assim, do carácter certo do acto é um preliminar de qualquer outra fiscalização como a da competência do autor do acto, do respeito do princípio da colegialidade ou ainda a do respeito da obrigação de fundamentação dos actos.

47.
    É só também depois de se ter, eventualmente, fiscalizado o carácter certo do acto adoptado pelo seu autor que será possível fiscalizar se há uma correspondência perfeita do texto notificado ou publicado com o texto adoptado pelo autor do acto.

48.
    Se, na maioria dos casos em que foi ordenada a apresentação de um acto autenticado, se tratava de um litígio em que uma das partes fazia, além disso, outras críticas em relação ao acto, daí não se pode deduzir que tal alegação seja uma condição necessária para ordenar a apresentação de um acto autenticado. A fortiori, não é necessário demonstrar, por um certo número de indícios, um princípio de prova da existência de outro vício do acto.

49.
    Cabe, com efeito, ao juiz comunitário decidir da necessidade da apresentação de tal acto, em função das circunstâncias do litígio, em conformidade com as disposições do Regulamento de Processo aplicáveis às medidas de instrução.

50.
    Quanto ao Tribunal de Primeira Instância, resulta das disposições conjugadas dos artigos 49.° e 65.°, alínea b), do Regulamento de Processo, que o pedido de apresentação de documentos faz parte das medidas de instrução que o Tribunal de Primeira Instância pode ordenar em qualquer fase do processo.

51.
    Se o juiz comunitário verificar, ao examinar o acto que lhe é apresentado, que este último não foi regularmente autenticado, cabe-lhe suscitar ex officio o fundamento assente na violação de uma formalidade essencial consistente numa falta de autenticação regular e anular, em consequência, o acto afectado por tal vício.

52.
    Pouco importa, a este respeito, que a falta de autenticação não tenha causado qualquer prejuízo a uma das partes no litígio. Com efeito, a autenticação dos actos é uma formalidade essencial na acepção do artigo 173.° do Tratado, vital para a segurança jurídica, cuja violação implica a anulação do acto viciado, sem que seja necessário demonstrar a existência de tal prejuízo.

53.
    Daqui resulta que, ao anular a decisão controvertida por violação de uma formalidade essencial na acepção do artigo 173.° do Tratado, consistente na autenticação irregular do acto adoptado pela Comissão, o Tribunal de Primeira Instância não cometeu qualquer erro de direito e fundamentou o seu acórdão.

54.
    Por conseguinte, as primeira e terceira partes do segundo fundamento devem ser rejeitadas.

55.
    Com a segunda parte do segundo fundamento, a Comissão sustenta que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito e de fundamentação ao considerar, nos n.os 88 a 90 e 92 do acórdão impugnado, que a autenticação deve ocorrer, sob pena de nulidade, antes da notificação do acto ao seu destinatário.

56.
    Segundo a Comissão, a adopção de uma decisão está completa e perfeita com a aprovação de um projecto de decisão pelo colégio dos comissários. A posição do Tribunal de Primeira Instância ignora a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual eventuais irregularidades ocorridas depois da adopção de uma decisão não são susceptíveis de afectar a sua validade.

57.
    Alega igualmente que é exigida uma notificação imediata para um certo número de actos em razão do seu carácter urgente e a fim de garantir a sua eficácia, sem que seja possível esperar até que a acta de reunião da Comissão tenha sido aprovada e autenticada.

58.
    Segundo a ICI, resulta do processo descrito no artigo 12.° do regulamento interno que a autenticação deve preceder a notificação e a publicação do acto. Tal princípio pode aliás ser deduzido do n.° 75 do acórdão Comissão/BASF e o., já referido, segundo o qual a autenticação permite a verificação da correspondência dos textos notificados ou publicados com o texto autenticado.

59.
    A este respeito, basta verificar que o artigo 12.° do regulamento interno prevê que os actos adoptados pela Comissão serão autenticados pelas assinaturas do presidente e do secretário executivo e que serão notificados, se necessário, pelo presidente.

60.
    Foi portanto acertadamente que o Tribunal de Primeira Instância considerou, nos n.os 88 e 89 do acórdão impugnado, que resulta de uma interpretação literal e sistemática desta disposição que a autenticação de um acto deve forçosamente preceder a sua notificação, o que é confirmado pela finalidade da disposição relativa à autenticação.

61.
    Importa com efeito, para garantir a segurança jurídica, velar por que os actos adoptados pela Comissão sejam autenticados num curto prazo, depois de o presidente e o secretário executivo, a quem incumbe a responsabilidade da autenticação, se terem assegurado de que o acto que autenticam corresponde ao que foi adoptado.

62.
    É pelo menos indispensável que a autenticação preceda a notificação, caso contrário existiria sempre o risco de o acto notificado não ser idêntico ao acto adoptado pela Comissão.

63.
    Foi portanto acertadamente que o Tribunal de Primeira Instância julgou que há violação de uma formalidade essencial na acepção do artigo 173.° do Tratado quando a autenticação de uma decisão ocorre numa data indeterminada, posterior à notificação do acto e mesmo à interposição de um recurso de anulação deste acto.

64.
    Por conseguinte, a segunda parte do segundo fundamento não é procedente e deve ser rejeitada.

Quanto ao primeiro fundamento

65.
    Este fundamento é assente em erros de direito e de fundamentação relativos à admissibilidade do fundamento novo da ICI, à organização do processo e à reunião dos elementos de prova.

66.
    Atendendo ao que foi acima exposto quanto, por um lado, ao direito de o Tribunal de Primeira Instância, em conformidade com os artigos n.os 49.° e 65.°, alínea b), doRegulamento de Processo, ordenar a apresentação de documentos em qualquer fase do processo e, por outro, à sua obrigação de suscitar ex officio um fundamento assente na violação de uma formalidade essencial como a falta de autenticação regular de um acto, não é necessário ir mais além na resposta ao primeiro fundamento deduzido pela Comissão que deve ser julgado manifestamente improcedente.

67.
    Resulta de tudo o que precede que os fundamentos deduzidos pela Comissão são improcedentes, de modo que deve ser negado provimento ao recurso.

Quanto às despesas

68.
    Por força do disposto no n.° 2 do artigo 69.° do Regulamento de Processo, aplicável ao processo de recurso de decisões do Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 118.°, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão sido vencida, há que condená-la nas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

decide:

1)    É negado provimento ao recurso.

2)    A Comissão das Comunidades Europeias é condenada nas despesas.

Sevón
Kapteyn
Jann

Ragnemalm

Wathelet

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 6 de Abril de 2000.

O secretário

O presidente da Quinta Secção

R. Grass

D. A. O. Edward


1: Língua do processo: inglês.