Language of document : ECLI:EU:C:2012:643

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

18 de outubro de 2012 (*)

«Diretiva 2004/18/CE ― Contratos de empreitada de obras públicas, contratos públicos de fornecimento e contratos públicos de serviços ― Artigos 44.°, n.° 2, e 47.°, n.os 1, alínea b), 2 e 5 ― Capacidade económica e financeira dos candidatos ou dos proponentes ― Nível mínimo de capacidade estabelecido com base num único dado do balanço ― Dado contabilístico suscetível de ser influenciado por divergências entre os direitos nacionais em matéria de contas anuais das sociedades»

No processo C‑218/11,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Fővárosi Ítélőtábla (Hungria), por decisão de 20 de abril de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 11 de maio de 2011, no processo

Észak‑dunántúli Környezetvédelmi és Vízügyi Igazgatóság (Édukövízig),

Hochtief Construction AG Magyarországi Fióktelepe, atualmente Hochtief Solutions AG Magyarországi Fióktelepe,

contra

Közbeszerzések Tanácsa Közbeszerzési Döntőbizottság,

estando presente:

Vegyépszer Építő és Szerelő Zrt,

MÁVÉPCELL Kft,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),

composto por: G. Arestis, exercendo funções de presidente de secção, J. Malenovský e D. Šváby (relator), juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: K. Sztranc‑Sławiczek, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 29 de março de 2012,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação da Észak‑dunántúli Környezetvédelmi és Vízügyi Igazgatóság (Édukövízig), por G. Buda, A. Cséza e D. Kuti, ügyvédek,

¾        em representação da Hochtief Construction AG Magyarországi Fióktelepe, atualmente Hochtief Solutions AG Magyarországi Fióktelepe, por Z. Mucsányi, ügyvéd,

¾        em representação do Governo húngaro, por M. Z. Fehér, K. Szíjjártó e G. Koós, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo checo, por M. Smolek e T. Müller, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo alemão, por T. Henze e J. Möller, na qualidade de agentes,

¾        em representação da Comissão Europeia, por A. Tokár e A. Sipos, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 44.°, n.° 2, e 47.°, n.os 1, alínea b), 2 e 5, da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO L 134, p. 114).

2        Este pedido foi apresentado pelo Fővárosi Ítélőtábla (Tribunal de Recurso da capital), que conhece, em segunda instância, do recurso de uma decisão da Közbeszerzések Tanácsa Közbeszerzési Döntőbizottság (comissão arbitral em matéria de contratação pública do Conselho de Contratos Públicos), instância administrativa arbitral. Esta decisão foi proferida no âmbito de um litígio que opõe a Hochtief Construction AG Magyarországi Fióktelepe, atualmente Hochtief Solutions AG Magyarországi Fióktelepe (a seguir «Hochtief Hungria»), sucursal húngara da Hochtief Solutions AG, sociedade de direito alemão, à Észak‑dunántúli Környezetvédelmi és Vízügyi Igazgatóság (Édukövízig) (Direção da Proteção do Ambiente e das Questões Hidráulicas da Transdanúbia Setentrional) a respeito de um concurso limitado para adjudicação de um contrato público, aberto por esta última. No quadro do referido recurso, interposto pela Hochtief Hungria, essa instância arbitral é a recorrida e a Édukövízig é, por seu turno, considerada recorrente, a par da Hochtief Hungria.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Diretiva 2004/18

3        A Diretiva 2004/18 contém nomeadamente os seguintes considerandos:

«[...]

(2)      A adjudicação de contratos celebrados nos Estados‑Membros por conta do Estado, das autarquias locais e regionais e de outros organismos de direito público deve respeitar os princípios do Tratado, nomeadamente os princípios da livre circulação de mercadorias, da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços, assim como os princípios deles resultantes, tais como os princípios da igualdade de tratamento, da não discriminação, do reconhecimento mútuo, da proporcionalidade e da transparência. Todavia, no que se refere aos contratos públicos que ultrapassem um determinado valor, é aconselhável estabelecer disposições que instituam uma coordenação comunitária dos procedimentos nacionais para a adjudicação dos contratos públicos que se baseiem nesses princípios por forma a garantir os seus efeitos e a abertura à concorrência dos contratos públicos. Por conseguinte, tais disposições de coordenação devem ser interpretadas em conformidade com as regras e princípios atrás referidos, bem como com as restantes regras do Tratado.

[...]

(39)      A verificação da aptidão dos proponentes, nos concursos públicos, e dos candidatos, nos concursos limitados e nos procedimentos por negociação com publicação de um anúncio de concurso, bem como no diálogo concorrencial, e a respetiva seleção devem ser efetuadas em condições de transparência. Para tanto, importa indicar os critérios não discriminatórios que as entidades adjudicantes podem utilizar para selecionar os concorrentes e os meios que os operadores económicos podem utilizar para provar que satisfazem tais critérios. Nesta perspetiva de transparência, a entidade adjudicante terá a obrigação de indicar, desde a abertura de um concurso, os critérios de seleção que utilizará, bem como o nível de capacidades específicas que eventualmente exige aos operadores económicos para os admitir ao processo de adjudicação.

(40) Uma entidade adjudicante pode limitar o número de candidatos nos concursos limitados, nos procedimentos por negociação com publicação de um anúncio de concurso e no diálogo concorrencial. Esta redução do número de candidaturas deve ser efetuada com base em critérios objetivos indicados no anúncio de concurso. [...]

[...]»

4        Nos termos do artigo 2.° da Diretiva 2004/18, intitulado «Princípios de adjudicação dos contratos»:

«As entidades adjudicantes tratam os operadores económicos de acordo com os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação e agem de forma transparente.»

5        O artigo 44.° desta diretiva, intitulado «Verificação da aptidão, seleção dos participantes e adjudicação dos contratos», dispõe:

«1.      Os contratos são adjudicados com base nos critérios estabelecidos nos artigos 53.° e 55.°, [...] após verificada a aptidão dos operadores económicos [...] pelas entidades adjudicantes de acordo com os critérios relativos à capacidade económica e financeira, aos conhecimentos ou capacidades profissionais e técnicos referidos nos artigos 47.° a 52.° e, eventualmente, com as regras e critérios não discriminatórios referidos no n.° 3.

2.      As entidades adjudicantes poderão exigir níveis mínimos de capacidade que os candidatos e proponentes devem satisfazer nos termos dos artigos 47.° e 48.°

O âmbito das informações referidas nos artigos 47.° e 48.°, bem como os níveis mínimos de capacidades exigidos para um determinado concurso, devem estar ligados e ser proporcionais ao objeto do contrato.

Tais níveis mínimos serão indicados no anúncio do concurso.

3.      Nos concursos limitados, nos procedimentos por negociação com publicação de anúncio de concurso e no diálogo concorrencial, as entidades adjudicantes podem restringir o número de candidatos adequados que convidarão a concorrer, a negociar ou a participar, desde que exista um número suficiente de candidatos. As entidades adjudicantes indicarão no anúncio de concurso os critérios ou regras objetivos e não discriminatórios que pretendem aplicar [...]

[...]»

6        O artigo 47.° da referida diretiva, intitulado «Capacidade económica e financeira», enuncia:

«1.      A prova da capacidade económica e financeira do operador económico pode ser feita, regra geral, por um ou mais dos elementos de referência seguintes:

a)      Declarações bancárias adequadas ou, se necessário, prova de que se encontra seguro contra riscos profissionais;

b)      Balanços ou extratos de balanços, sempre que a publicação de balanços seja exigida pela legislação do país onde o operador económico estiver estabelecido;

c)      Uma declaração relativa ao volume de negócios global e, eventualmente, ao volume de negócios no domínio de atividades objeto do contrato, respeitante no máximo aos três últimos exercícios disponíveis, em função da data da criação ou do início de atividades do operador económico, desde que estejam disponíveis as referências desse volume de negócios.

2.      Um operador económico pode, se necessário e para um contrato determinado, recorrer às capacidades de outras entidades, independentemente da natureza jurídica do vínculo que tenha com elas. Deverá nesse caso provar à entidade adjudicante que disporá dos recursos necessários, por exemplo, através da apresentação do compromisso de tais entidades nesse sentido.

3.      Nas mesmas condições, um agrupamento de operadores económicos referido no artigo 4.° pode recorrer às capacidades dos participantes no agrupamento ou de outras entidades.

4.      As entidades adjudicantes devem especificar, no anúncio de concurso ou no convite à apresentação de propostas, qual o elemento ou elementos de referência previstos no n.° 1 que escolheram, bem como quaisquer outros elementos de referência que devam ser apresentados.

5.      Se, por motivo fundamentado, o operador económico não puder apresentar as referências pedidas pela entidade adjudicante, poderá provar a sua capacidade económica e financeira por qualquer outro documento que essa entidade considere adequado.»

 Diretiva 78/660/CEE

7        Como resulta do seu primeiro considerando, a Quarta Diretiva 78/660/CEE do Conselho, de 25 de julho de 1978, baseada no artigo [44.°, n.° 2, alínea g),] do Tratado, e relativa às contas anuais de certas formas de sociedades (JO L 222, p. 11; EE 17 F1 p. 55), introduziu uma harmonização das disposições nacionais respeitantes, designadamente, à estrutura e conteúdo das contas anuais, assim como aos métodos de avaliação e à publicidade destes documentos, no que respeita nomeadamente às sociedades anónimas e às sociedades de responsabilidade limitada. O artigo 1.°, n.° 1, desta diretiva, que enumera as formas de sociedades abrangidas, indica designadamente, no que respeita à República Federal da Alemanha, a «Aktiengesellschaft».

8        Porém, a harmonização realizada pela referida diretiva é apenas parcial. Assim, está designadamente previsto, no seu artigo 6.°, que os Estados‑Membros podem autorizar ou prescrever a adaptação dos esquemas do balanço e da conta de ganhos e perdas, a fim de evidenciar a afetação dos resultados.

 Direitos alemão e húngaro

9        Resulta da decisão de reenvio que ambas as legislações alemã e húngara em matéria de contas anuais das sociedades preveem que a distribuição de dividendos deve ser contabilizada na rubrica do balanço relativa ao resultado. Todavia, ao passo que a legislação húngara só o autoriza na medida em que não tenha por efeito tornar negativa a referida rubrica do balanço, a legislação alemã não prevê uma limitação semelhante, pelo menos no que diz respeito à transferência dos lucros de uma filial para a sua sociedade‑mãe.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

10      Por anúncio publicado no Jornal Oficial da União Europeia de 25 de julho de 2006, a Édukövízig abriu um concurso limitado com vista à adjudicação de um contrato público para a realização de obras de infraestruturas de transporte. Resulta dos autos que o valor estimado destas obras se situa num leque de 7,2 a 7,5 mil milhões de HUF, ou seja, entre cerca de 23 300 000 euros e 24 870 000 euros.

11      No tocante à capacidade económica e financeira dos candidatos, a entidade adjudicante exigiu a apresentação de um documento uniforme, elaborado de acordo com as normas contabilísticas, e fixou um nível mínimo que consistia no facto de o resultado constante do balanço não ter sido negativo em mais do que um exercício dentro dos três últimos exercícios encerrados (a seguir «requisito económico»).

12      A Hochtief AG é a sociedade‑mãe de um grupo ao qual pertence a Hochtief Solutions AG, filial a 100% da primeira. Trata‑se de sociedades de direito alemão. A Hochtief Hungria é a sucursal húngara da segunda. Resulta da decisão de reenvio que a Hochtief Hungria goza, no mínimo, da faculdade de se referir exclusivamente à situação da Hochtief Solutions AG no respeitante ao requisito económico.

13      Por força de um contrato de transferência de lucros, os lucros obtidos pela Hochtief Solutions AG devem ser transferidos todos os anos para a sociedade‑mãe, pelo que o resultado mencionado no balanço da Hochtief Solutions AG é sistematicamente igual a zero ou negativo.

14      A Hochtief Hungria contestou a regularidade do requisito económico, alegando que é discriminatório e viola determinadas disposições da lei húngara que procedeu à transposição da Diretiva 2004/18.

15      O órgão jurisdicional de reenvio expõe a este respeito que, por aplicação das regras em matéria de contas anuais aplicáveis às sociedades de direito alemão, ou, pelo menos, aos grupos de sociedades de direito alemão, é possível que uma sociedade apresente um resultado positivo após o imposto, mas que conste um resultado negativo do seu balanço, em razão de uma distribuição de dividendos ou de uma transferência de lucros que exceda o lucro após o imposto, ao passo que a legislação húngara proíbe uma distribuição de dividendos que tenha por efeito tornar negativo o resultado constante do balanço.

16      A Hochtief Hungria contestou a regularidade do requisito económico na Közbeszerzések Tanácsa Közbeszerzési Döntőbizottság. A decisão desta última foi objeto de recurso interposto pela Hochtief Hungria para um órgão jurisdicional de primeira instância e posteriormente para o órgão jurisdicional de reenvio.

17      No órgão jurisdicional de reenvio, a Hochtief Hungria alegou que o requisito económico não permite proceder a uma comparação não discriminatória e objetiva dos candidatos, na medida em que as regras sobre as contas anuais das sociedades no respeitante ao pagamento de dividendos nos grupos de empresas podem variar de um Estado‑Membro para outro. É, em todo o caso, o que ocorre no respeitante à Hungria e à República Federal da Alemanha. O requisito económico é indiretamente discriminatório, pois é desfavorável aos candidatos que não o podem preencher, ou só dificilmente o podem, por estarem sujeitos, no Estado‑Membro em que têm sede, a uma legislação diferente da aplicável no Estado‑Membro da entidade adjudicante.

18      O órgão jurisdicional de reenvio constata, por um lado, que resulta dos artigos 44.°, n.° 2, e 47.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva 2004/18 que uma entidade adjudicante pode fixar um nível mínimo de capacidade económica e financeira tomando por referência o balanço e, por outro, que este artigo 47.° tem em conta as diferenças que podem existir entre as legislações nacionais relativas às contas anuais das sociedades. Por isso, interroga‑se sobre de que modo é possível definir um nível mínimo de capacidade económica e financeira que seja comparável independentemente do lugar da sede de uma sociedade quando este nível deve ser atestado pelos documentos que constituem as referências previstas no referido artigo 47.°, n.° 1, alínea b), mas de que o teor e as indicações que proporcionam podem divergir de um Estado‑Membro para outro.

19      Nestas condições, o Fővárosi Ítélőtábla decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      A previsão de que os níveis mínimos de capacidade requeridos pelo artigo 44.°, n.° 2, da Diretiva 2004/18[…] sejam exigidos nos termos do artigo 47.°, n.° 1, alínea b), da [mesma] diretiva[…] pode ser interpretada no sentido de que as entidades adjudicantes têm o direito de considerar que os níveis mínimos de capacidade devem ser comprovados [por um único ‘indicador’ do] documento contabilístico (o balanço) por elas escolhido para provar a capacidade económica e financeira?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, […] uma informação (resultado do exercício) escolhida para apreciar o nível mínimo de capacidade, cujo conteúdo varia consoante a legislação contabilística de cada Estado‑Membro, cumpre o requisito de conformidade exigido pelo […] artigo 44.°, n.° 2, da [referida] diretiva?

3)      Para corrigir as diferenças indubitavelmente existentes entre os Estados‑Membros é suficiente que a entidade adjudicante, além dos documentos escolhidos para provar a capacidade económica e financeira, assegure a possibilidade de recorrer a elementos externos (artigo 47.°, n.° [2, da Diretiva 2004/18]) ou, para que o requisito de conformidade seja preenchido relativamente a todos os documentos solicitados pela entidade adjudicante, esta deve assegurar que a referida capacidade possa ser provada de outra forma (artigo 47.°, n.° 5[, desta diretiva])?»

 Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

20      A Édukövízig sustenta, a título preliminar, que o pedido de decisão prejudicial é inadmissível por um duplo fundamento. Por um lado, tem por objeto elementos jurídicos que, não tendo sido discutidos no decurso do processo tramitado antes da instância pendente no órgão jurisdicional de reenvio, são irrelevantes no tocante ao litígio efetivamente submetido a esse órgão jurisdicional. Por outro lado, o requisito económico não suscita nenhuma dificuldade real, na medida em que a Hochtief Hungria podia ter apresentado o seu próprio balanço, o que teria permitido satisfazer o referido requisito, ou agido em nome da Hochtief Solutions AG, a qual, dado o contrato de transferência de lucros que a vincula à sua sociedade‑mãe, a Hochtief AG, devia ter recorrido, ao abrigo da legislação que lhe é aplicável, à capacidade económica e financeira desta última, a qual é legalmente responsável, o que teria igualmente bastado para satisfazer o requisito económico.

21      No tocante ao primeiro fundamento de inadmissibilidade assim suscitado, cabe constatar que respeita à amplitude dos poderes do órgão jurisdicional de reenvio para conhecer do recurso nele interposto, decorrentes da aplicação das regras de processo nacionais, questão cujo exame exorbita da competência do Tribunal de Justiça.

22      Quanto ao segundo fundamento de inadmissibilidade, assenta nas pretensas consequências decorrentes da apreciação de elementos factuais que se prendem ou com o direito húngaro, a saber, a possibilidade de a Hochtief Hungria cumprir, por si própria, o requisito económico, ou com o direito alemão das sociedades, a saber, a possibilidade de a Hochtief Solutions AG cumprir este mesmo requisito devido à obrigação de recorrer à capacidade económica da sua sociedade‑mãe, elementos cuja apreciação não compete ao Tribunal de Justiça.

23      Quanto ao restante, importa recordar que, no âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, instituída pelo artigo 267.° TFUE, compete apenas ao juiz nacional apreciar, tendo em conta as especificidades de cada processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que coloca ao Tribunal de Justiça. O indeferimento, por este, de um pedido apresentado por um órgão jurisdicional nacional só é possível se for manifesto que a interpretação solicitada do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio, ou quando a questão é geral ou hipotética (v., designadamente, acórdão de 28 de outubro de 2010, Volvo Car Germany, C‑203/09, Colet., p. I‑10721, n.° 23 e jurisprudência referida).

24      Como não se verifica aqui nenhum destes casos, há que examinar as questões prejudiciais submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira e segunda questões

25      Com a primeira e segunda questões, que importa examinar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se os artigos 44.°, n.° 2, e 47.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva 2004/18 devem ser interpretados no sentido de que uma entidade adjudicante está autorizada a exigir um nível mínimo de capacidade económica e financeira com referência a uma determinada rubrica do balanço, mesmo quando possam existir divergências, relativamente a esta rubrica, entre as legislações dos vários Estados‑Membros e, por conseguinte, nos balanços das sociedades, consoante a legislação a que estejam sujeitas no respeitante à apresentação das suas contas anuais.

26      Por força do artigo 44.°, n.° 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 2004/18, uma entidade adjudicante está autorizada a exigir um nível mínimo de capacidade económica e financeira nos termos do artigo 47.° desta diretiva. Este último artigo prevê no seu n.° 1, alínea b), que a entidade adjudicante pode, designadamente, requerer aos candidatos e aos proponentes que provem esta capacidade através da apresentação do seu balanço.

27      Importa, todavia, constatar que um nível mínimo de capacidade económica e financeira não poderia ser formulado com referência ao balanço em geral. Daqui se conclui que a faculdade prevista no artigo 44.°, n.° 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 2004/18 só pode ser exercida, no tocante ao referido artigo 47.°, n.° 1, alínea b), com referência a um ou vários elementos específicos do balanço.

28      Quanto à escolha desses elementos, o artigo 47.° da Diretiva 2004/18 confere uma ampla liberdade às entidades adjudicantes. Com efeito, contrariamente ao artigo 48.° desta diretiva, que, no respeitante às capacidades técnicas e profissionais, estabelece um sistema fechado que limita os modos de avaliação e de verificação de que dispõem as referidas entidades e, portanto, as suas possibilidades de formular requisitos (v., no tocante a disposições análogas das diretivas anteriores à Diretiva 2004/18, acórdão de 10 de fevereiro de 1982, Transporoute et travaux, 76/81, Recueil, p. 417, n.os 8 a 10 e 15), o n.° 4 deste artigo 47.° autoriza expressamente as entidades adjudicantes a escolher as referências comprobatórias que devem ser apresentadas pelos candidatos ou proponentes para justificarem a sua capacidade económica e financeira. Referindo‑se o artigo 44.°, n.° 2, da Diretiva 2004/18 a esse artigo 47.°, a mesma liberdade de escolha existe no respeitante aos níveis mínimos de capacidade económica e financeira.

29      Contudo, esta liberdade não é ilimitada. Com efeito, nos termos do artigo 44.°, n.° 2, segundo parágrafo, da Diretiva 2004/18, um nível mínimo de capacidade deve estar ligado e ser proporcional ao objeto do contrato. Daqui se conclui que o ou os elementos do balanço escolhidos por uma entidade adjudicante para formular um nível mínimo de capacidade económica e financeira devem ser objetivamente adequados a dar informação sobre esta capacidade por parte de um operador económico e que o limiar assim fixado deve ser ajustado à importância do contrato em questão, no sentido de que constitui objetivamente um indício positivo da existência de uma base económica e financeira bastante para levar a bom termo a execução deste contrato, sem, todavia, ir além do que é razoavelmente necessário para esse fim.

30      Uma vez que as legislações dos Estados‑Membros respeitantes às contas anuais das sociedades não foram objeto de uma harmonização completa, não é possível excluir que existam divergências entre estas legislações no tocante a um elemento específico do balanço com referência ao qual uma entidade adjudicante formulou um nível mínimo de capacidade. Cabe, porém, realçar que, como resulta do teor dos n.os 1, alíneas b) e c), e 5 do seu artigo 47.°, a Diretiva 2004/18 integra a ideia de que, no que diz respeito à justificação da capacidade económica e financeira dos candidatos ou dos proponentes, pode ser legitimamente exigida uma referência por uma entidade adjudicante mesmo quando, objetivamente, nem todos os candidatos ou proponentes potenciais estejam na posição de a poderem apresentar, ainda que, no caso do referido n.° 1, alínea b), tal se fique a dever a uma diferença de legislação. Portanto, tal exigência não pode ser considerada, por si só, constitutiva de uma discriminação.

31      Daqui decorre que o requisito de um nível mínimo de capacidade económica e financeira não pode, em princípio, ser afastado unicamente pelo motivo de este nível dever ser justificado com referência a um elemento do balanço a respeito do qual podem existir divergências entre as legislações dos vários Estados‑Membros.

32      Consequentemente, há que responder à primeira e segunda questões submetidas que os artigos 44.°, n.° 2, e 47.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva 2004/18 devem ser interpretados no sentido de que uma entidade adjudicante está autorizada a exigir um nível mínimo de capacidade económica e financeira com referência a um ou vários elementos específicos do balanço, desde que estes sejam objetivamente adequados a dar informação sobre esta capacidade por parte de um operador económico e que este nível esteja ajustado à importância do contrato em questão, no sentido de que constitui objetivamente um indício positivo da existência de uma base económica e financeira bastante para levar a bom termo a execução deste contrato, sem, todavia, ir além do que é razoavelmente necessário para esse fim. O requisito de um nível mínimo de capacidade económica e financeira não pode, em princípio, ser afastado unicamente pelo motivo de este nível dever ser justificado com referência a um elemento do balanço a respeito do qual podem existir divergências entre as legislações dos vários Estados‑Membros.

 Quanto à terceira questão

33      Com a terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se o artigo 47.° da Diretiva 2004/18 deve ser interpretado no sentido de que, quando um operador económico não pode satisfazer um nível mínimo de capacidade económica e financeira devido a uma divergência entre as legislações dos Estados‑Membros nos quais ele próprio e a entidade adjudicante estão respetivamente estabelecidos quanto à rubrica do balanço com referência à qual este nível mínimo de capacidade foi fixado, basta que esse operador possa recorrer às capacidades de outra entidade, em conformidade com o n.° 2 desse artigo, ou se deve ser autorizado a provar a sua capacidade económica e financeira por qualquer documento adequado, em conformidade com o n.° 5 do referido artigo.

34      Todavia, há que salientar que, como resulta da decisão de reenvio, a divergência de legislação no cerne do processo principal não respeita ao alcance da rubrica do balanço visada pelo requisito económico, a saber, o resultado constante do balanço. Com efeito, as legislações alemã e húngara preveem ambas que esta rubrica deve ter em conta o resultado do exercício e a distribuição de dividendos. Em contrapartida, estas legislações divergem na medida em que a lei húngara proíbe que a distribuição de dividendos, ou a transferência de lucros, tenha como consequência tornar negativa a referida rubrica, ao passo que a lei alemã não o proíbe, em todo o caso na situação de uma filial como a Hochtief Solutions AG, que está vinculada à sua sociedade‑mãe por um contrato de transferência de lucros.

35      Portanto, a referida divergência de legislação respeita ao facto de, ao invés da lei húngara, a lei alemã não limitar a possibilidade de uma sociedade‑mãe decidir que os lucros da sua filial lhe serão transferidos, mesmo quando esta transferência tem por efeito tornar negativo o resultado constante do balanço desta filial, sem, todavia, impor tal transferência de lucros.

36      Consequentemente, há que considerar que, com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o artigo 47.° da Diretiva 2004/18 deve ser interpretado no sentido de que, quando um operador económico se encontre na impossibilidade de satisfazer um nível mínimo de capacidade económica e financeira, tal como o requisito económico, devido a uma convenção por força da qual este operador económico transfere sistematicamente os seus lucros para a sua sociedade‑mãe, basta que esse operador possa recorrer às capacidades de outra entidade, em conformidade com o n.° 2 do referido artigo, ou se deve ser autorizado a provar a sua capacidade económica e financeira por qualquer documento adequado, em conformidade com o n.° 5 do referido artigo, atendendo a que tal convenção é autorizada sem limitações pela legislação do Estado‑Membro de estabelecimento do dito operador económico, ao passo que, segundo a legislação do Estado‑Membro de estabelecimento da entidade adjudicante, só o é na condição de a transferência dos lucros não ter por efeito tornar negativo o resultado constante do balanço.

37      Afigura‑se que, em tal situação, a impossibilidade em que uma filial se encontra de satisfazer um nível mínimo de capacidade económica e financeira fixado com referência a um elemento específico do balanço decorre, em última análise, não de uma divergência de legislação, mas de uma decisão da sua sociedade‑mãe, que obriga esta filial a transferir‑lhe sistematicamente a totalidade dos seus lucros.

38      Em tal contexto, a referida filial dispõe unicamente da faculdade prevista no artigo 47.°, n.° 2, da Diretiva 2004/18, que lhe permite recorrer à capacidade económica e financeira de outra entidade através da apresentação do compromisso desta última de colocar os meios necessários à sua disposição. Impõe‑se constatar que essa faculdade é particularmente ajustada a tal contexto, visto que a sociedade‑mãe pode assim sanar a impossibilidade na qual colocou a sua filial de satisfazer um nível mínimo de capacidade.

39      Há, pois, que responder à terceira questão submetida que o artigo 47.° da Diretiva 2004/18 deve ser interpretado no sentido de que, quando um operador económico se encontre na impossibilidade de satisfazer um nível mínimo de capacidade económica e financeira, que consiste em que o resultado constante do balanço dos candidatos ou dos proponentes não tinha sido negativo em mais do que um exercício dentro dos três últimos exercícios encerrados, devido a uma convenção por força da qual este operador económico transfere sistematicamente os seus lucros para a sua sociedade‑mãe, a este não resta outra possibilidade, para satisfazer este nível mínimo de capacidade, senão recorrer às capacidades de outra entidade, em conformidade com o n.° 2 do referido artigo. A este respeito, é irrelevante que as legislações do Estado‑Membro de estabelecimento do referido operador económico e do Estado‑Membro de estabelecimento da entidade adjudicante divirjam no sentido de que tal convenção é autorizada sem limitações pela legislação do primeiro Estado‑Membro ao passo que, de acordo com a legislação do segundo, só o é na condição de a transferência dos lucros não ter por efeito tornar negativo o resultado constante do balanço.

 Quanto às despesas

40      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) declara:

1)      Os artigos 44.°, n.° 2, e 47.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços, devem ser interpretados no sentido de que uma entidade adjudicante está autorizada a exigir um nível mínimo de capacidade económica e financeira com referência a um ou vários elementos específicos do balanço, desde que estes sejam objetivamente adequados a dar informação sobre esta capacidade por parte de um operador económico e que este nível esteja ajustado à importância do contrato em questão, no sentido de que constitui objetivamente um indício positivo da existência de uma base económica e financeira bastante para levar a bom termo a execução deste contrato, sem, todavia, ir além do que é razoavelmente necessário para esse fim. O requisito de um nível mínimo de capacidade económica e financeira não pode, em princípio, ser afastado unicamente pelo motivo de este nível dever ser justificado com referência a um elemento do balanço a respeito do qual podem existir divergências entre as legislações dos vários Estados‑Membros.

2)      O artigo 47.° da Diretiva 2004/18 deve ser interpretado no sentido de que, quando um operador económico se encontre na impossibilidade de satisfazer um nível mínimo de capacidade económica e financeira, que consiste em que o resultado constante do balanço dos candidatos ou dos proponentes não tenha sido negativo em mais do que um exercício dentro dos três últimos exercícios encerrados, devido a uma convenção por força da qual este operador económico transfere sistematicamente os seus lucros para a sua sociedade‑mãe, a este não resta outra possibilidade, para satisfazer este nível mínimo de capacidade, senão recorrer às capacidades de outra entidade, em conformidade com o n.° 2 do referido artigo. A este respeito, é irrelevante que as legislações do Estado‑Membro de estabelecimento do referido operador económico e do Estado‑Membro de estabelecimento da entidade adjudicante divirjam no sentido de que tal convenção é autorizada sem limitações pela legislação do primeiro Estado‑Membro ao passo que, de acordo com a legislação do segundo, só o é na condição de a transferência dos lucros não ter por efeito tornar negativo o resultado constante do balanço.

Assinaturas


* Língua do processo: húngaro.