Language of document : ECLI:EU:C:2010:578

TOMADA DE POSIÇÃO DO ADVOGADO‑GERAL

NIILO JÄÄSKINEN

apresentada em 4 de Outubro de 2010 1(1)

Processo C‑296/10

Bianca Purrucker

contra

Guillermo Vallés Pérez

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Amtsgericht Stuttgart (Alemanha)]

«Cooperação judiciária em matéria civil – Competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria de responsabilidade parental – Regulamento (CE) n.° 2201/2003 – Litispendência – Conceito de ‘tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar’ – Acção para conhecimento do mérito relativa ao direito de guarda interposta num tribunal de um Estado‑Membro – Pedido de medidas provisórias relativo ao direito de guarda da mesma criança apresentado anteriormente num tribunal de outro Estado‑Membro – Reconhecimento e execução – Autoridade de caso julgado»





I –    Introdução

1.        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000 (2), dito «Regulamento Bruxelas II A».

2.        Este pedido foi apresentado no quadro de um processo, iniciado na Alemanha por B. Purrucker contra G. Vallés Pérez, relativo ao direito de guarda dos filhos gémeos de ambos, M. e S. Vallés Purrucker, processo esse do qual são descritos alguns elementos nos n.os 41 a 43 do acórdão proferido em 15 de Julho de 2010 no processo C‑256/09 (3) (a seguir «acórdão Purrucker I»).

3.        No referido acórdão, em resposta a uma questão prejudicial submetida pelo Bundesgerichtshof (Alemanha), o Tribunal de Justiça declarou que as disposições dos artigos 21.° e seguintes do Regulamento n.° 2201/2003, relativas ao reconhecimento de uma decisão proferida noutro Estado‑Membro, não se aplicam a medidas provisórias executórias, em matéria de direito de guarda, abrangidas pelo artigo 20.° deste regulamento.

4.        O presente processo envolve as mesmas partes e o direito de guarda relativamente às mesmas crianças, mas o Tribunal é neste caso convidado pelo Amtsgericht Stuttgart (Alemanha) a pronunciar‑se sobre os critérios de determinação do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar, ou primeiro tribunal, na acepção do artigo 19.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 2201/2003. Ora, esta qualificação é essencial, uma vez que dela decorre uma espécie de hierarquia entre os tribunais potencialmente competentes, sendo dada prioridade ao tribunal em que o processo tenha sido instaurado em primeiro lugar em detrimento do tribunal em que o processo tenha sido instaurado em segundo lugar, ou segundo tribunal.

5.        Nos termos do seu pedido de decisão prejudicial, o tribunal de reenvio indica que as partes no processo principal não estão de acordo quanto à questão de saber se o tribunal alemão no qual B. Purrucker intentou, em 21 de Setembro de 2007, uma acção com vista à obtenção de medidas definitivas em matéria de direito de guarda relativamente ao seu filho M. é um «tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar», na acepção do artigo 19.° do Regulamento n.° 2201/2003, em relação ao tribunal espanhol no qual G. Vallés Pérez apresentou um pedido isolado, em 28 de Junho de 2007, com vista à obtenção de medidas provisórias em matéria de direito de guarda, e no qual o mesmo demandante desencadeou posteriormente, em Janeiro de 2008, um processo requerendo uma apreciação de mérito.

6.        Este processo põe em destaque o facto de que, embora o regime jurídico da litispendência entre os tribunais de diversos Estados‑Membros seja definido pelo artigo 19.° do Regulamento n.° 2201/2003, esta disposição não precisa quais os tipos de conflitos de processos que são abrangidos pela sua estatuição. O Tribunal é pela primeira vez convidado, segundo é do meu conhecimento, a pronunciar‑se sobre o conceito de «litispendência», na acepção do artigo 19.°, n.° 2, do referido regulamento, em caso de apresentação simultânea de um pedido de medidas provisórias e de uma acção quanto ao mérito em matéria de responsabilidade parental. Existe uma dúvida designadamente quanto à questão de saber de que forma os conceitos autónomos contidos no referido regulamento se articulam com as regras processuais nacionais que distinguem os diferentes tipos de iniciativas processuais destinadas à obtenção de medidas de carácter provisório e as acções em que se pretende obter uma decisão de mérito. Além disso, o tribunal de reenvio interroga o Tribunal de Justiça sobre a interacção entre as disposições do artigo 19.° do Regulamento n.° 2201/2003 e dos artigos 20.° e 21.° do mesmo regulamento.

II – Quadro jurídico

7.        Antes da entrada em vigor do Regulamento n.° 2201/2003 (4), o Conselho da União Europeia tinha adoptado, por Acto de 28 de Maio de 1998, com base no artigo K.3 do Tratado da União Europeia, a Convenção relativa à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial (5) (a seguir «Convenção de Bruxelas II»). Esta Convenção não entrou em vigor. Na medida em que o seu texto inspirou o do Regulamento n.° 2201/2003, o relatório explicativo relativo à referida Convenção (6), elaborado por A. Borrás (a seguir «relatório Borrás»), foi invocado para clarificar a interpretação deste regulamento.

8.        O Regulamento n.° 2201/2003 foi precedido pelo Regulamento (CE) n.° 1347/2000 do Conselho, de 29 de Maio de 2000, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e de regulação do poder paternal em relação a filhos comuns do casal (7). O Regulamento n.° 1347/2000 foi revogado pelo Regulamento n.° 2201/2003, cujo âmbito de aplicação é mais amplo.

9.        O décimo segundo e décimo sexto considerandos do Regulamento n.° 2201/2003 enunciam:

«(12) As regras de competência em matéria de responsabilidade parental do presente regulamento são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade. Por conseguinte, a competência deverá ser, em primeiro lugar, atribuída aos tribunais do Estado‑Membro de residência habitual da criança, excepto em determinados casos de mudança da sua residência habitual ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental. […]

(16)      O presente regulamento não impede que, em caso de urgência, os tribunais de um Estado‑Membro ordenem medidas provisórias ou cautelares em relação a pessoas ou bens presentes nesse Estado‑Membro.»

10.      O artigo 1.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 2201/2003 estabelece o âmbito de aplicação deste no que respeita à responsabilidade parental, indicando que este «é aplicável, independentemente da natureza do tribunal, às matérias civis relativas […] à atribuição, ao exercício, à delegação, à limitação ou à cessação da responsabilidade parental». O n.° 2 deste artigo esclarece que as referidas matérias «dizem, nomeadamente, respeito:

a)      Ao direito de guarda e ao direito de visita;

b)      À tutela, à curatela e a outras instituições análogas;

c)      À designação e às funções de qualquer pessoa ou organismo encarregado da pessoa ou dos bens da criança e da sua representação ou assistência;

d)      À colocação da criança ao cuidado de uma família de acolhimento ou de uma instituição;

e)      Às medidas de protecção da criança relacionadas com a administração, conservação ou disposição dos seus bens.»

11.      Nos termos do artigo 2.° do Regulamento n.° 2201/2003, intitulado «Definições»:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

1.      ‘Tribunal’ todas as autoridades que nos Estados‑Membros têm competência nas matérias abrangidas pelo âmbito de aplicação do presente regulamento por força do artigo 1.°;

[…]

4.      ‘Decisão’, […] qualquer decisão relativa à responsabilidade parental proferida por um tribunal de um Estado‑Membro, independentemente da sua designação, tal como ‘acórdão’, ‘sentença’ ou ‘despacho judicial’;

[…]

7.      ‘Responsabilidade parental’, o conjunto dos direitos e obrigações conferidos a uma pessoa singular ou colectiva por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor relativo à pessoa ou aos bens de uma criança. O termo compreende, nomeadamente, o direito de guarda e o direito de visita;

[…]

9.      ‘Direito de guarda’, os direitos e as obrigações relativos aos cuidados devidos à criança e, em particular, o direito de decidir sobre o seu lugar de residência;

[…]»

12.      O artigo 8.°, n.° 1, deste regulamento, relativo à «Competência geral» em matéria de responsabilidade parental, prevê:

«Os tribunais de um Estado‑Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado‑Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal.»

13.      O artigo 9.°, n.° 1, do referido regulamento prevê, um «Prolongamento da competência do Estado‑Membro da anterior residência habitual da criança» nas seguintes condições:

«Quando uma criança se desloca legalmente de um Estado‑Membro para outro e passa a ter a sua residência habitual neste último, os tribunais do Estado‑Membro da anterior residência habitual da criança mantêm a sua competência, em derrogação do artigo 8.°, durante um período de três meses após a deslocação, para alterarem uma decisão, sobre o direito de visita proferida nesse Estado‑Membro antes da deslocação da criança, desde que o titular do direito de visita, por força dessa decisão, continue a residir habitualmente no Estado‑Membro da anterior residência habitual da criança.»

14.      O artigo 10.° do mesmo regulamento, relativo à «Competência em caso de rapto da criança» dispõe que, «[e]m caso de deslocação ou retenção ilícitas de uma criança, os tribunais do Estado‑Membro onde a criança residia habitualmente imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas, continuam a ser competentes até a criança passar a ter a sua residência habitual noutro Estado‑Membro […]».

15.      O artigo 12.° do Regulamento n.° 2201/2003 prevê causas de extensão da competência que oferecem a possibilidade, na condição de serem aceites pelas partes, de recorrer a um tribunal de um Estado‑Membro no qual a criança não tem a sua residência habitual, seja porque a questão está relacionada com um processo em curso de dissolução do vínculo matrimonial, seja porque a criança tem uma ligação particular com esse Estado‑Membro.

16.      O artigo 13.° do referido regulamento, relativo à «Competência baseada na presença da criança», dispõe:

«1.      Se não puder ser determinada a residência habitual da criança nem for possível determinar a competência com base no artigo 12.°, são competentes os tribunais do Estado‑Membro onde a criança se encontra.

2.      O n.° 1 é igualmente aplicável a crianças refugiadas ou a crianças internacionalmente deslocadas, na sequência de perturbações no seu país.»

17.      O artigo 14.° do Regulamento n.° 2201/2003, intitulado «Competências residuais», prevê que «[s]e nenhum tribunal de um Estado‑Membro for competente, por força dos artigos 8.° a 13.°, a competência é, em cada Estado‑Membro, regulada pela lei desse Estado».

18.      O artigo 15.° do referido regulamento estabelece que, em certas circunstâncias, se podem derrogar as regras de competência previstas pelo regulamento quando um tribunal de um Estado‑Membro com o qual a criança tenha uma ligação particular se encontre mais bem colocado para conhecer do processo.

19.      O artigo 16.° do Regulamento n.° 2201/2003, intitulado «Apreciação da acção por um tribunal», dispõe:

«1.      Considera‑se que o processo foi instaurado:

a)      Na data de apresentação ao tribunal do acto introdutório da instância, ou acto equivalente, desde que o requerente não tenha posteriormente deixado de tomar as medidas que lhe incumbem para que seja feita a citação ou a notificação ao requerido; ou

b)      Se o acto tiver de ser citado ou notificado antes de ser apresentado ao tribunal, na data em que é recebido pela autoridade responsável pela citação ou notificação, desde que o requerente não tenha posteriormente deixado de tomar as medidas que lhe incumbem para que o acto seja apresentado a tribunal.»

20.      O artigo 19.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 2201/2003, intitulado «Litispendência e acções dependentes», prevê:

«2.      Quando são instauradas em tribunais de Estados‑Membros diferentes acções relativas à responsabilidade parental em relação a uma criança, que tenham o mesmo pedido e a mesma causa de pedir, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar suspende oficiosamente a instância até que seja estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar.

3.      Quando estiver estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar declarar‑se incompetente a favor daquele.

Neste caso, o processo instaurado no segundo tribunal pode ser submetid[o] pelo requerente à apreciação do tribunal em que a acção foi instaurada em primeiro lugar.»

21.      O artigo 20.° do mesmo regulamento, relativo às «Medidas provisórias e cautelares», dispõe:

«1.      Em caso de urgência, o disposto no presente regulamento não impede que os tribunais de um Estado‑Membro tomem as medidas provisórias ou cautelares relativas às pessoas ou bens presentes nesse Estado‑Membro, e previstas na sua legislação, mesmo que, por força do presente regulamento, um tribunal de outro Estado‑Membro seja competente para conhecer do mérito.

2.      As medidas tomadas por força do n.° 1 deixam de ter efeito quando o tribunal do Estado‑Membro competente quanto ao mérito ao abrigo do presente regulamento tiver tomado as medidas que considerar adequadas.»

22.      Nos termos do artigo 21.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2201/2003:

«As decisões proferidas num Estado‑Membro são reconhecidas nos outros Estados‑Membros, sem quaisquer formalidades.»

23.      O artigo 24.° do mesmo regulamento indica:

«Não se pode proceder ao controlo da competência do tribunal do Estado‑Membro de origem. O critério de ordem pública, referido na alínea a) do artigo 22.° e na alínea a) do artigo 23.°, não pode ser aplicado às regras de competência enunciadas nos artigos 3.° a 14.°».

III – Litígio no processo principal

A –    Factos

24.      Resulta da decisão de reenvio, dos factos relatados no acórdão Purrucker I, já referido, e dos autos do processo comunicados ao Tribunal de Justiça pelo tribunal de reenvio que, em meados de 2005, B. Purrucker, de nacionalidade alemã, foi viver para Espanha com G. Vallés Pérez, de nacionalidade espanhola, nascido na Alemanha. Da relação entre ambos nasceram em 31 de Maio de 2006 os gémeos prematuros M., um rapaz, e S., uma rapariga. G. Vallés Pérez reconheceu os filhos. Dado que os pais viviam juntos, dispõem, ao abrigo do direito espanhol, de um direito de guarda comum. As crianças são titulares das nacionalidades alemã e espanhola.

25.      As relações entre B. Purrucker e G. Vallés Pérez deterioraram‑se, pelo que B. Purrucker quis regressar à Alemanha com os filhos, situação a que G. Vallés Pérez inicialmente se opôs. Em 30 de Janeiro de 2007, as partes concluíram um acordo perante um notário espanhol, sujeito a homologação por um tribunal para ser executório, nos termos do qual B. Purrucker devia mudar‑se para a Alemanha com os filhos (8).

26.      Em razão de problemas de saúde, a menor S. não pôde abandonar o hospital no dia previsto para a partida. Assim, B. Purrucker partiu para a Alemanha com o filho M. em 2 de Fevereiro de 2007.

27.      Estão actualmente em curso três processos entre as partes:

–        o primeiro, em Espanha, tendo por objecto a concessão de medidas provisórias, intentado por G. Vallés Pérez. Ao que parece, este processo, poderia, em certas condições, ser considerado um processo que conhece do mérito relativo à atribuição do direito de guarda das crianças M. e S.;

–        o segundo, na Alemanha, instaurado por G. Vallés Pérez, tendo por objecto o exequatur do despacho do Juzgado de Primera Instancia n.° 4 de San Lorenzo de El Escorial (Espanha) (a seguir «Juzgado de Primera Instancia»), que decreta medidas provisórias; trata‑se do processo no âmbito do qual foi proferido o acórdão Purrucker I, já referido, e

–        o terceiro, na Alemanha, instaurado por B. Purrucker, tendo por objecto a atribuição do direito de guarda relativo às mesmas crianças; trata‑se do processo que deu lugar ao presente pedido de decisão prejudicial.

B –    Os três processos pendentes

1.      O processo desencadeado em Espanha por G. Vallés Pérez requerendo medidas provisórias relativas à guarda (e eventualmente com vista a obter uma decisão de mérito)

28.      G. Vallés Pérez apresentou no Juzgado de Primera Instancia, em Junho de 2007, um pedido de medidas provisórias no qual requeria, designadamente, que lhe fosse atribuído o direito de guarda dos seus filhos M. e S.

29.      Por despacho de 8 de Novembro de 2007, o Juzgado de Primera Instancia considerou‑se competente (9) e adoptou medidas urgentes e provisórias (10), designadamente no que respeita ao direito de guarda relativo às crianças. Sobre esse despacho recaiu um despacho de rectificação, de 28 de Novembro de 2007, tendo o ponto 1 do seu dispositivo sido alterado, atribuindo ao pai o «direito de guarda» e não o «direito de guarda comum».

30.      Por despacho de 28 de Outubro de 2008, o Juzgado de Primera Instancia tomou posição sobre a questão do «tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar», na acepção do artigo 19.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2201/2003. Salientou que já tinha decidido a questão da sua competência no despacho de 8 de Novembro de 2007 e recordou os diferentes elementos factuais de conexão citados nesse despacho. Indicou que, em 28 de Junho de 2007, tinha acolhido o pedido de medidas provisórias relativas às crianças M. e S. Dado que o tribunal alemão só tinha sido chamado a pronunciar‑se em Setembro de 2007 pela mãe, o Juzgado de Primera Instancia considerou‑se «tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar» na acepção do artigo 19.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 2201/2003 e declarou‑se competente para conhecer do processo, em conformidade com o artigo 16.°, n.° 1, do referido regulamento.

31.      Por despacho de 21 de Janeiro de 2010, a Audiencia provincial de Madrid, sección 24a (Espanha), para a qual B. Purrucker interpôs recurso, confirmou o despacho de 28 de Outubro de 2008. O tribunal de recurso considerou que, em aplicação do artigo 16.° do Regulamento n.° 2201/2003, o primeiro pedido era o pedido de medidas provisórias apresentado em conformidade com o direito espanhol no Juzgado de Primera Instancia, anterior ao pedido formulado apresentado no tribunal alemão. A Audiencia Provincial de Madrid considera que, em contrapartida, o artigo 20.° do Regulamento n.° 2201/2003, invocado pela recorrente, embora fosse aplicável no caso vertente, não estabelece uma regra em matéria de competência e apenas regula a adopção de medidas cautelares em caso de urgência, ao passo que a competência, que estava em causa nessa situação, é determinada em conformidade com as regras previstas no artigo 19.° do mesmo regulamento.

2.      O processo desencadeado na Alemanha por G. Vallés Pérez com vista a obter o exequatur do despacho de 8 de Novembro de 2007 do tribunal espanhol

32.      Trata‑se do processo que deu origem ao acórdão Purrucker I, já referido. G. Vallés Pérez tinha, num primeiro momento, exigido, designadamente, a restituição do seu filho M. e, à cautela, apresentado um pedido destinado a obter a declaração de executoriedade do despacho proferido pelo Juzgado de Primera Instancia em 8 de Novembro de 2007. Num segundo momento, pediu prioritariamente o exequatur desta decisão. Por consequência, o Amtsgericht Stuttgart, por decisão de 4 de Julho de 2008, e o Oberlandesgericht Stuttgart (Alemanha), por decisão de 22 de Setembro de 2008 proferida em instância de recurso, concederam exequatur à decisão do tribunal espanhol.

33.      Na sequência de um recurso interposto por B. Purrucker, o Bundesgerichtshof submeteu uma questão prejudicial ao Tribunal. No acórdão Purrucker I, já referido, este respondeu que as disposições dos artigos 21.° e seguintes do Regulamento n.° 2201/2003, relativas ao reconhecimento das decisões proferidas noutro Estado‑Membro, não se aplicam a medidas provisórias, em matéria de direito de guarda, abrangidas pelo artigo 20.° do referido regulamento.

3.      O processo desencadeado na Alemanha por B. Purrucker requerendo a concessão do direito de guarda

34.      Em 21 de Setembro de 2007, ou seja, antes da adopção do referido despacho do Juzgado de Primera Instancia, B. Purrucker requereu, numa acção para conhecimento do mérito intentada no Amtsgericht Albstadt (tribunal de primeira instância de Albstadt, Alemanha), que lhe fosse concedido o direito de guarda exclusivo dos seus filhos M. e S. A sua petição apenas foi notificada ao demandado no processo principal em 22 de Fevereiro de 2008, por carta registada com aviso de recepção. Todavia, o demandado já anteriormente tinha tido conhecimento de tal petição, tal como o tribunal espanhol.

35.      Resulta designadamente de decisões de 25 de Setembro de 2007 e 9 de Janeiro de 2008 do Amtsgericht Albstadt que, segundo este tribunal, o pedido de B. Purrucker não tinha hipótese de obter vencimento. Com efeito, dado que os pais não eram casados e que não se afigurava existir uma declaração quanto ao direito de guarda comum – não se podendo considerar que o acto notarial não homologado de 30 de Janeiro de 2007 constituía tal declaração –, B. Purrucker dispunha do direito de guarda exclusivo dos seus filhos, de modo que não era necessária uma decisão de atribuição do direito de guarda. O Amtsgericht Albstadt mencionou além disso o processo pendente em Espanha.

36.      Por decisão de 19 de Março de 2008, o Amtsgericht Albstadt rejeitou designadamente, por incompetência, o pedido na parte em que dizia respeito à menor S. Tal decisão foi confirmada em 5 de Maio de 2008 pelo Oberlandesgericht Stuttgart.

37.      Através de outra decisão de 19 de Março de 2008, o Amtsgericht Albstadt suspendeu a instância em matéria de direito de guarda ao abrigo do artigo 16.° da Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, assinada em Haia em 25 de Outubro de 1980, no âmbito da Conferência de Haia de direito internacional privado (a seguir «Convenção de Haia de 1980») (11). A instância foi retomada em 28 de Maio de 2008 a pedido de B. Purrucker, uma vez que, até essa data, G. Vallés Pérez não tinha apresentado um pedido de regresso com fundamento na Convenção de Haia de 1980. Nenhum pedido foi posteriormente apresentado.

38.      Em razão do pedido de execução do despacho de 8 de Novembro de 2007, apresentado por G. Vallés Pérez, o processo relativo ao direito de guarda foi atribuído ao Familiengericht (tribunal de família) do Amtsgericht Stuttgart, em conformidade com o § 13 da Lei relativa à execução e à aplicação de certos instrumentos legais em matéria de direito internacional da família (Gesetz zur Aus‑ und Durchführung bestimmter Rechtsinstrumente auf dem Gebiet des internationalen Familienrechts).

39.      Em 16 de Julho de 2008, B. Purrucker apresentou no Amtsgericht Stuttgart, com fundamento no artigo 20.° do Regulamento n.° 2201/2003, um pedido destinado a obter uma medida provisória, requerendo que lhe fosse atribuída a guarda exclusiva do seu filho M., ou, a título subsidiário, o direito exclusivo de fixar a residência deste.

40.      Resulta dos autos do processo comunicados ao Tribunal de Justiça pelo órgão jurisdicional de reenvio que o juiz alemão multiplicou, sem sucesso, as diligências para entrar em contacto com o seu homólogo espanhol que já tinha adoptado medidas nesse processo, a fim de apurar se também estava pendente em Espanha uma acção para conhecimento do mérito.

41.      Em 28 de Outubro de 2008, o juiz do Amtsgericht Stuttgart adoptou uma decisão na qual descreve as diligências efectuadas junto do magistrado espanhol de ligação e a falta de resposta do Juzgado de Primera Instancia. Pedia às partes que fornecessem e provassem, em primeiro lugar, a data do pedido de medidas provisórias apresentado pelo pai em Espanha, em segundo lugar, a notificação do despacho do tribunal espanhol de 8 de Novembro de 2007 e, em terceiro lugar, a propositura pelo pai, em Espanha, da acção para conhecimento do mérito, bem como a data da notificação desta acção à mãe.

42.      Na mesma data, 28 de Outubro de 2008, o Juzgado de Primera Instancia adoptou o despacho cujo conteúdo é descrito no n.° 30 da presente tomada de posição.

43.      Depois de convidar as partes a tomar novamente posição, o Amtsgericht Stuttgart adoptou uma decisão, em 8 de Dezembro de 2008, na qual faz referência ao despacho do Juzgado de Primera Instancia de 28 de Outubro de 2008 e ao recurso que dele seria interposto por B. Purrucker. Considerou que não podia decidir ele próprio sobre a questão do «tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar» dado que isso poria em causa a segurança jurídica, uma vez que dois tribunais de Estados‑Membros diferentes poderiam adoptar decisões contraditórias. Em sua opinião, a questão deveria ser decidida pelo tribunal que tivesse declarado a sua competência em primeiro lugar. Em consequência, o Amtsgericht Stuttgart decidiu suspender a instância em conformidade com o artigo 19.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2201/2003 até ao trânsito em julgado da decisão do Juzgado de Primera Instancia.

44.      B. Purrucker recorreu da decisão do Amtsgericht Stuttgart. Em 14 de Maio de 2009, o Oberlandesgericht Stuttgart anulou a decisão e remeteu o processo ao Amtsgericht Stuttgart para que este adoptasse nova decisão. O Oberlandesgericht Stuttgart considerou que um órgão jurisdicional era obrigado a controlar a sua própria competência e que o artigo 19.° do Regulamento n.° 2201/2003 não conferia a nenhum dos tribunais aos quais o litígio tinha sido submetido a competência exclusiva para determinar qual era o tribunal em que um processo tinha sido instaurado em primeiro lugar. O Oberlandesgericht Stuttgart referiu que o pedido relativo ao direito de guarda, apresentado em Espanha em Junho de 2007 por G. Vallés Pérez, se inscrevia no âmbito de um processo destinado a obter medidas provisórias, ao passo que o pedido relativo ao direito de guarda, apresentado na Alemanha em 20 de Setembro de 2007 por B. Purrucker, era constitutivo de uma acção para conhecimento do mérito. Esta acção e um processo destinado a obter medidas provisórias têm por objecto litígios diferentes ou pedidos diferentes. Haveria que admitir, se necessário, a existência de um conflito de competência positivo entre os dois tribunais.

45.      Por despacho de 8 de Junho de 2009, o Amtsgericht Stuttgart pediu novamente às partes que lhe indicassem em que fase se encontrava o processo instaurado em Espanha e convidou‑as a tomar posição sobre a possibilidade de, em conformidade com o artigo 104.°‑B do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, submeter ao Tribunal de Justiça a questão prejudicial relativa à determinação do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar.

46.      Em 21 de Janeiro de 2010, através do acórdão referido no n.° 31 da presente tomada de posição, a Audiencia provincial de Madrid pronunciou‑se sobre o recurso interposto por B. Purrucker. Esse acórdão foi comunicado ao Amtsgericht Stuttgart por carta do advogado alemão de G. Vallés Pérez.

IV – Reenvio prejudicial

47.      Por decisão de 31 de Maio de 2010, apresentada em 16 de Junho de 2010 (12), o Amtsgericht Stuttgart decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O disposto no artigo 19.°, n.° 2, do Regulamento [n.° 2201/2003] é aplicável quando uma das partes instaura, em primeiro lugar, num tribunal de um Estado‑Membro, um mero procedimento cautelar para regulação da responsabilidade parental e a outra parte instaura, em segundo lugar, num tribunal de outro Estado‑Membro, uma acção principal com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir?

2)      Essa disposição também é aplicável quando uma decisão proferida num procedimento cautelar isolado, instaurado num Estado‑Membro, não é susceptível de reconhecimento noutro Estado‑Membro, nos termos do artigo 21.° do Regulamento n.° 2201/2003?

3)      A instauração, num tribunal de um Estado‑Membro, de um procedimento cautelar isolado pode ser equiparada à propositura da acção principal, na acepção do artigo 19.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2201/2003, se, por força das normas processuais nacionais desse Estado‑Membro, a esse procedimento cautelar tiver de se seguir, num determinado prazo, a propositura de uma acção principal nesse mesmo tribunal, para evitar consequências processuais negativas?»

48.      Em apoio do seu pedido de decisão prejudicial, o tribunal de reenvio indica que não se lhe afigura existir nenhuma dúvida razoável de que, em 21 de Setembro de 2007, o filho das partes, M., tinha residência habitual na Alemanha, no momento da apresentação do pedido de guarda apresentado por B. Purrucker.

49.      Segundo aquele tribunal, o Juzgado de Primera Instancia não dispunha, com fundamento no artigo 10.° do Regulamento n.° 2201/2003, de competência ininterrupta até 21 de Setembro de 2007 pelo facto de os membros da família terem anteriormente a sua residência habitual comum em Espanha, uma vez que não é verosímil nem está provado que a deslocação do filho das partes pela recorrente de Espanha para a Alemanha tenha sido ilícita.

50.      O Amtsgericht Stuttgart recorda que, segundo o artigo 16.° do Regulamento n.° 2201/2003, considera‑se que um processo é instaurado num tribunal na data em que a petição inicial nele tenha sido apresentada, desde que o demandante não tenha posteriormente deixado de tomar as medidas que lhe incumbem para que o demandado seja citado ou notificado.

51.      Indica que a petição de 20 de Setembro de 2007 foi entregue em 21 de Setembro de 2007, mas só em 22 de Fevereiro de 2008 foi notificada ao demandado, por motivos não imputáveis a B. Purrucker, relacionados com a contestação, no âmbito do processo de concessão de apoio judiciário, da competência internacional deste tribunal para adoptar medidas em matéria de direito de guarda relativas à filha das partes, S., que vivia em Espanha.

52.      O Amtsgericht Stuttgart afirma que o artigo 19.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2201/2003 prevê que o tribunal de um Estado‑Membro que primeiro tenha sido chamado a conhecer de uma acção tendo por objecto a responsabilidade parental relativa a uma criança tem competência prioritária relativamente ao tribunal que tenha sido chamado a conhecer de uma acção com o mesmo objecto e a mesma causa de pedir em segundo lugar. Considera que o objecto do litígio que deu lugar, em Junho de 2007, à apresentação de um pedido de medidas provisórias no tribunal espanhol é idêntico ao do litígio que deu lugar à acção para conhecimento do mérito intentada no tribunal alemão em Setembro de 2007. Com efeito, ambos os processos têm por objecto um pedido de medidas judiciais em matéria de responsabilidade parental relativas ao mesmo filho comum. As partes são idênticas nos dois processos e cada uma delas pede, em cada caso, que lhe seja atribuída a guarda exclusiva.

53.      O tribunal de reenvio indica que a prioridade temporal de um processo é apreciada nos termos do artigo 16.° do Regulamento n.° 2201/2003. Salienta porém que, uma vez que a redacção desta disposição não distingue entre uma acção para conhecimento do mérito e um processo tendo por objecto a concessão de medidas provisórias, esta situação deixa margem para diferentes concepções jurídicas relativas ao domínio de aplicação do artigo 19.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2201/2003.

54.      Resulta da concepção jurídica adoptada pelo Juzgado de Primera Instancia e pela Audiencia provincial de Madrid que se considera que um processo é instaurado num tribunal espanhol, na acepção dos artigos 16.° e 19.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2201/2003, quando seja apresentado um pedido de medidas provisórias. O processo de medidas provisórias constitui, conjugado com a acção para conhecimento do mérito intentada posteriormente, uma unidade processual. Um despacho de medidas provisórias deixaria porém de ser ipso jure válido no caso de não ser intentada uma acção para conhecimento do mérito no prazo de 30 dias a contar da notificação do despacho.

55.      Segundo esta teoria, o processo relativo ao direito de guarda do filho das partes, M., está pendente no tribunal espanhol, na acepção do artigo 19.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2201/2003, não só desde Janeiro de 2008 mas desde 28 de Junho de 2007.

56.      Em contrapartida, segundo uma parte considerável da doutrina alemã e segundo despacho de 14 de Maio de 2009 do Oberlandesgericht Stuttgart, o artigo 19.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2201/2003 não é aplicável à relação entre uma acção para conhecimento do mérito e um processo de medidas provisórias, uma vez que estes processos têm objectos diferentes, apesar de uma decisão que atribui a guarda de uma criança proferida num processo de medidas provisórias ter efeitos idênticos a uma decisão de mérito de concessão da guarda. Esta tese seria, entre outras, igualmente justificada pelo facto de, alegadamente, os artigos 21.° e seguintes do Regulamento n.° 2201/2003 não se aplicarem às medidas provisórias, na acepção do artigo 20.° do referido regulamento.

57.      O Amtsgericht Stuttgart acrescenta que a confirmação, com autoridade de caso julgado desde 21 de Janeiro de 2010, pela Audiencia provincial de Madrid, da competência internacional do Juzgado de Primera Instancia e o facto de este constituir o tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar não pode servir de fundamento à constatação prevista no artigo 19.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2201/2003, segundo a qual é estabelecida «a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar». Esta decisão não vincula o tribunal alemão, dado que o Regulamento n.° 2201/2003 não prevê um efeito vinculativo desse tipo. Caso contrário, isso favoreceria uma «competição» entre tribunais no que respeita à prioridade de competência e o seu resultado dependeria das contingências e das particularidades do direito processual nacional. A decisão tão‑pouco é susceptível de ser reconhecida na acepção do artigo 21.° do Regulamento n.° 2201/2003 uma vez que não constitui uma decisão de mérito relativa à responsabilidade parental, mas apenas uma decisão relativa a uma questão processual.

58.      Segundo o tribunal de reenvio, a proibição de proceder ao controlo da competência do tribunal do Estado‑Membro de origem, em conformidade com o artigo 24.° do Regulamento n.° 2201/2003, só se aplica se tiver sido proferida uma decisão sobre o mérito da causa. Este princípio resulta da inserção desta norma no capítulo III, secção 1, do Regulamento n.° 2201/2003, relativo ao reconhecimento das decisões. Ora, o tribunal espanhol ainda não tinha proferido uma decisão sobre o mérito da causa no processo principal.

59.      Além disso, o eventual reconhecimento, ao abrigo do artigo 21.° do Regulamento n.° 2201/2003, da medida provisória em matéria de direito de guarda do Juzgado de Primera Instancia, de 8 de Novembro de 2007, não pode pura e simplesmente ser extensivo a uma posterior decisão de mérito.

V –    Tramitação processual no Tribunal de Justiça

60.      Na decisão de reenvio, o Amtsgericht Stuttgart pediu que o reenvio prejudicial fosse submetido a tramitação acelerada em aplicação do artigo 104.°‑B do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. Por carta de 1 de Julho de 2010, o Amtsgericht Stuttgart clarificou o seu pedido, precisando que o seu objectivo era a aplicação do artigo referido 104.°‑A do Regulamento de Processo e não do artigo 104.°‑B.

61.      Por despacho de 15 de Julho de 2010, o presidente do Tribunal de Justiça deferiu o pedido de tramitação acelerada.

62.      No quadro do presente processo, apresentaram observações orais e escritas B. Purrucker, os Governos alemão, checo, espanhol e francês, bem como a Comissão Europeia. O Governo do Reino Unido apenas apresentou observações escritas.

63.      Na hipótese essencial descrita pelo tribunal de reenvio, ou seja, no caso de um pedido de medidas provisórias apresentado em primeiro lugar entrar em concorrência com uma acção quanto mérito relativa à mesma criança intentada posteriormente, os intervenientes concordam globalmente em considerar que as medidas provisórias requeridas com fundamento no artigo 20.° do Regulamento n.° 2201/2003 não podem levar à situação de litispendência prevista no artigo 19.° do Regulamento n.° 2201/2003.

64.      No que respeita às medidas tomadas por um juiz competente fora do âmbito de aplicação do referido artigo 20.°, em minha opinião dois grupos de propostas se opõem. Por um lado, a recorrente no processo principal, a República Federal da Alemanha, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte e a Comissão defendem a tese segundo a qual não há litispendência possível na situação em causa dado que o pedido de medidas provisórias não tem o mesmo objectivo que um pedido destinado a obter uma decisão de mérito, embora tanto um como o outro possam ter um objecto material idêntico, como a atribuição da guarda de uma criança. Por outro lado, a República Checa, o Reino de Espanha e a República Francesa consideram que o Regulamento n.° 2201/2003 não distingue em função da natureza processual do pedido e que, em consequência, um processo de medidas provisórias pode estar na origem de litispendência da mesma forma que um processo cujo objecto seja a apreciação do mérito.

VI – Análise

A –    Observações preliminares

1.      Quanto ao nexo existente entre autoridade de caso julgado e litispendência

65.      Penso que importa começar por clarificar as relações que existem entre certos elementos‑chave pertinentes para a resposta que o Tribunal de Justiça dará às questões prejudiciais.

66.      O objectivo principal das disposições relativas à litispendência é impedir que decisões contrárias ou incompatíveis quanto aos seus efeitos (13) sejam tomadas pelos tribunais de vários Estados‑Membros (14). Daqui resulta um nexo estreito entre os conceitos de litispendência e de autoridade de caso julgado (ou res judicata) (15).

67.      No quadro das relações entre ordens jurídicas diferentes, a litispendência internacional resultante de um processo em curso fora do território nacional, bem como a autoridade de caso julgado de uma decisão proferida por um tribunal estrangeiro estão ligadas à questão do reconhecimento das decisões. Sabendo que uma decisão de origem estrangeira só pode ter autoridade de caso julgado numa ordem jurídica se nela for reconhecida, um processo desencadeado no estrangeiro só pode criar litispendência quando puder conduzir a uma decisão susceptível de reconhecimento na ordem jurídica do tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar (16).

68.      O nexo entre a litispendência e a autoridade de caso julgado decorre também do facto de que uma decisão que obteve autoridade de caso julgado no que respeita à situação sobre a qual se pronuncia impede que a mesma situação venha novamente a ser julgada noutro processo, seja entre as mesmas partes, seja de maneira mais geral (17). Este efeito, qualificado de dimensão negativa da autoridade de caso julgado, está ligado ao princípio ne bis in idem, que é um princípio geral de direito universalmente reconhecido.

69.      A dimensão positiva da autoridade de caso julgado deriva, por seu turno, da vocação essencial dos tribunais, que é decidir os litígios entre as partes com vista a dar uma solução revestida de autoridade ao contencioso relativo à relação jurídica em causa. Isto significa que uma decisão que tenha adquirido autoridade de caso julgado deve ser encarada como uma decisão vinculativa nos outros processos administrativos ou judiciais.

70.      As dimensões negativa e positiva da autoridade de caso julgado de uma decisão devem ser analisadas tanto do ponto de vista subjectivo como objectivo. O efeito subjectivo de uma decisão pode limitar‑se unicamente à relação entre as partes. Abrange sobretudo decisões civis com mero carácter declarativo, na medida em que mais não fazem do que confirmar direitos e obrigações já existentes das partes, com base na relação jurídica que as une, e extrair as respectivas consequências. Pelo contrário, as decisões constitutivas podem ter um alcance subjectivo mais amplo, na medida em que criem novas relações jurídicas ou que alterem relações jurídicas já existentes.

71.      As decisões em matéria de responsabilidade parental têm normalmente carácter constitutivo, dado que atribuem ou alteram direitos relativos a tal responsabilidade. Daqui decorre que tais decisões podem ter autoridade de caso julgado extra partes, e não apenas inter partes. Por exemplo, uma decisão que confere o direito de guarda de uma criança exclusivamente à mãe é vinculativa para as autoridades administrativas e judiciais no que respeita à representação legal da criança.

72.      Em contrapartida, as decisões proferidas neste domínio não têm normalmente o efeito negativo da autoridade de caso julgado. Por outras palavras, a atribuição ou as modalidades de exercício da responsabilidade parental podem normalmente ser reexaminadas por um tribunal competente num novo processo, sem que uma decisão que tenha obtido força de lei o possa impedir. Como afirmou a advogada‑geral E. Sharpston no processo Purrucker I (18), já referido, as decisões sobre a responsabilidade parental não podem ser senão mais ou menos «firmes». O interesse da criança, que é a principal linha de orientação na matéria, exige que as decisões que lhe dizem respeito possam, se necessário, ser modificadas.

73.      A litispendência encontra a sua justificação no efeito positivo da autoridade de caso julgado da decisão a proferir pelo tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar. Na medida em que tal decisão seja susceptível de ser reconhecida na ordem jurídica do tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar, impede a adopção de uma decisão contrária ou incompatível por parte deste último no caso de não se conseguir pronunciar antes do primeiro. Em contrapartida, no caso de o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar conseguir proferir a sua decisão antes do primeiro tribunal, a obrigação de reconhecer a decisão proferida por este último deixaria de ter substância. Ora, em conformidade com o princípio geral do perpetuatio fori, a regra da litispendência segundo a qual se dá prioridade cronológica ao tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar é a solução mais compatível com a regra da autoridade de caso julgado das decisões estrangeiras susceptíveis de reconhecimento. Esta solução tem em conta o facto de que os efeitos processuais decorrentes do início de um processo num tribunal começam a partir do momento em que tal processo é desencadeado e continuam até ao termo da instância perante esse tribunal.

74.      Do mesmo modo que a autoridade de caso julgado, a litispendência deve ser analisada tanto numa perspectiva subjectiva como numa perspectiva objectiva. Apesar das diferenças terminológicas existentes entre as versões linguísticas do Regulamento n.° 2201/2003, o teor do artigo 19.°, n.° 2, deste parece‑me exigir, para que haja litispendência entre duas acções, simultaneamente:

–        uma identidade subjectiva (a mesma criança),

–        e uma identidade objectiva («mesmo pedido e mesma causa de pedir») (19).

75.      No que respeita à sua dimensão subjectiva, a litispendência, tal como a autoridade de caso julgado, restringe‑se normalmente às acções entre as mesmas partes. Todavia, contrariamente a várias outras disposições com as quais pode ser utilmente comparado (20), o teor do artigo 19.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2201/2003 não exige que as partes sejam idênticas no quadro de processos em matéria de responsabilidade parental, mas apenas que tais processos tenham por objecto a mesma criança. Tendo em conta o que já indiquei no que respeita ao alcance alargado da autoridade de caso julgado das decisões constitutivas, categoria de que fazem normalmente parte as decisões proferidas em matéria de responsabilidade parental, isso parece‑me assaz lógico. Assim, uma decisão proferida num processo entre os pais de uma criança perante um tribunal de um Estado‑Membro (A) que atribui o direito de guarda exclusivo ao pai seria incompatível com uma decisão de um tribunal de um Estado‑Membro (B) que atribuísse o direito de guarda da criança à avó materna na sequência de um processo opondo esta última aos dois progenitores. Sabendo que o artigo 19.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2201/2003 apenas parece exigir que os processos digam respeito à mesma criança, quanto ao elemento subjectivo da litispendência nesta matéria, sou de opinião que a estes dois processos concorrentes se aplicaria a regra definida por este artigo.

76.      Relativamente à questão da identidade objectiva, o alcance da litispendência deve ser definido com base nas mesmas considerações que o alcance objectivo da autoridade de caso julgado, isto é, tendo em conta a necessidade de evitar decisões contraditórias.

77.      No âmbito da responsabilidade parental, o critério decisivo deveria ser o efeito executório material de uma decisão. Se as decisões a proferir susceptíveis de resultar de acções desencadeadas perante tribunais diferentes não puderem ser respeitadas pelas partes ou se não lhes puder ser dada execução de forma coactiva ao mesmo tempo, existe uma identidade objectiva entre estas duas acções e, por conseguinte, litispendência.

78.      Em princípio, existindo comprovadamente litispendência, o juiz deve declarar a inadmissibilidade de uma acção ou a necessidade de suspender a instância, e deve fazê‑lo ex officio. Em contrapartida, não se pode considerar que um juiz tem a obrigação de conhecer por sua própria iniciativa a existência de outro processo, ou eventualmente de outra decisão, tendo o mesmo objecto que o pedido que lhe foi submetido. O modo normal de evocar a litispendência ou a autoridade de caso julgado é uma excepção de inadmissibilidade suscitada pelo demandado. Ao examinar tal excepção, o juiz deve necessariamente interrogar‑se sobre a competência dos dois tribunais em causa. Deve, pelo menos numa fase inicial, identificar se existe um fundamento de competência potencial com base no qual o tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar poderia adoptar uma decisão susceptível de ser reconhecida. O método mais evidente que se lhe oferece é comparar as petições iniciais ou os outros documentos relativos às duas instâncias. Pode igualmente pedir todas as informações úteis às partes, ou ainda entrar em contacto com o tribunal estrangeiro em causa, directamente ou através da autoridade central do Estado‑Membro desse tribunal.

2.      Quanto aos conflitos de processos ou de decisões

79.      Parece‑me necessário fazer uma distinção clara entre as três situações que podem apresentar‑se em caso de conflitos de processos ou de decisões, seguindo uma ordem cronológica.

80.      Em primeiro lugar, uma excepção de litispendência internacional pode ser suscitada quando haja um conflito entre vários processos pendentes perante os tribunais de Estados‑Membros diferentes. O presente processo pertence a esta categoria, uma vez que o tribunal de reenvio deve determinar se, no momento em que foi instaurado um processo no tribunal alemão, já estava pendente um processo num tribunal de outro Estado‑Membro, concretamente em Espanha perante o Juzgado de Primera Instancia. Sublinho que a litispendência cessa quando termina um dos processos, seja qual for a razão. Na verdade, isso pode acontecer não apenas se um dos dois tribunais «concorrentes» tiver decidido, mas igualmente se a instância pendente num deles se tiver extinguido por qualquer razão: desistência, transacção, caducidade por inactividade processual, morte de uma das partes em caso de legitimidade não transmissível, etc.

81.      Em segundo lugar, pode haver um conflito entre um processo em curso num Estado‑Membro e uma decisão já proferida noutro Estado‑Membro. Nesse caso, a autoridade de caso julgado deve levar o juiz perante o qual esteja pendente um processo a declarar este inadmissível por falta de objecto se a decisão estrangeira for susceptível de ser reconhecida.

82.      Em terceiro lugar, pode haver um conflito entre decisões tomadas em Estados‑Membros diferentes, na sequência, por hipótese, de competências concorrentes. Embora as regras comuns de reconhecimento e de exequatur permitam fazer de modo a que os efeitos de uma prevaleçam sobre os efeitos da outra, respeitando os direitos adquiridos por uma parte num dos Estados‑Membros, ambas as decisões proferidas continuarão porém a existir. Foi nesta fase do litígio entre as partes no processo principal que foi submetida ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial no processo C‑256/09 dito Purrucker I.

83.      A finalidade das regras relativas à litispendência internacional é, em minha opinião, dupla. Como já indiquei, tais regras têm principalmente como objectivo evitar um conflito positivo de decisões. Na verdade, quando as partes intentam perante os tribunais de Estados‑Membros diferentes acções com o mesmo objecto, a mesma causa de pedir e relativas à mesma criança, esta situação é susceptível de dar origem a decisões dificilmente conciliáveis, ou mesmo diametralmente opostas, e cria insegurança jurídica para os particulares envolvidos. A solução reside na obrigação imposta ao tribunal no qual o processo tenha sido instaurado em último lugar de renunciar à sua competência em benefício do tribunal no qual tenha sido anteriormente instaurado um processo, e isso antes mesmo de serem proferidas decisões em paralelo.

84.      Estas regras visam igualmente evitar que as partes obtenham um benefício abusivo da multiplicidade de sistemas judiciais praticando um «forum shopping» que consistiria em uma parte intentar uma acção num tribunal de outro Estado‑Membro quando tivesse a sensação de que o tribunal inicialmente chamado a pronunciar‑se poderia tomar uma decisão contrária às suas pretensões. Observo que o risco de «forum shopping» é limitado, atendendo às regras de competência relativas à responsabilidade parental estabelecidas pelo Regulamento n.° 2201/2003 (21), uma vez que o critério de conexão principal, isto é, o lugar de residência habitual da criança, dificilmente permite manobras fraudulentas, salvo se se recorrer a mudanças de residência sucessivas com uma duração suficientemente longa para que o carácter habitual da residência seja adquirido.

85.      Nos termos do Guia prático para a aplicação do Regulamento n.° 2201/2003 (22) e da sua proposta que levou à adopção desse regulamento (23), a Comissão considerou que os casos de verdadeira litispendência são raros em matéria de responsabilidade parental, na medida em que a criança tem geralmente residência habitual num único Estado‑Membro no qual os tribunais são competentes ao abrigo da regra geral de competência do artigo 8.° do referido regulamento. Todavia, não se pode ignorar, em minha opinião, que o lugar de residência habitual da criança pode ser difícil de determinar (24) ou que se situe fora do território da União (25), o que pode levar a que os tribunais de vários Estados‑Membros se considerem competentes de forma concomitante.

86.      O tribunal de reenvio observa acertadamente que, ao optar pelo fundamento de competência ligado ao lugar de residência habitual de uma criança, o legislador da União permitiu que vários tribunais fossem competentes para conhecer de factos idênticos mas relativos a crianças diferentes. Sublinho que, para que haja litispendência na acepção do artigo 19.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2201/2003, uma só e mesma criança deve ser objecto das acções concorrentes, independentemente dos irmãos, encarados como conjunto (26). No caso vertente, o tratamento jurídico das duas crianças em causa, gémeas, deve ser apreendido de maneira distinta, na medida em que a respectiva situação individual é diferente, desde logo porque vivem separados. Assim, os tribunais alemães declararam‑se internacionalmente incompetentes para conhecer do pedido de guarda exclusiva apresentado por B. Purrucker (27) na medida em que se referia à menor S., uma vez que a residência desta se situava em Espanha desde o seu nascimento, tendo‑se ao invés considerado competentes relativamente ao menor M.

B –    Quanto à interpretação do artigo 19.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2201/2003

87.      Através da sua primeira questão, o tribunal de reenvio pergunta, em substância, se as disposições do artigo 19.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2201/2003, relativas à litispendência em matéria de responsabilidade parental, são aplicáveis quando uma das partes tiver desencadeado em primeiro lugar um processo num tribunal de um Estado‑Membro com vista à obtenção de medidas provisórias, e a outra parte tiver posteriormente apresentado um pedido com o mesmo objecto num tribunal de outro Estado‑Membro requerendo‑lhe que proferisse uma decisão de mérito.

88.      Começo por esclarecer que, a meu ver, é oportuno examinar esta questão juntamente com as duas outras questões prejudiciais submetidas ao Tribunal de Justiça. Na verdade, estas últimas estão ligadas à primeira por um nexo de causalidade estreito, do qual resulta que a resposta que me parece dever ser dada à primeira leva a que não haja que responder às seguintes.

1.      Quanto ao alcance da interpretação requerida

89.      Em meu entender, o critério do Tribunal de Justiça deve ser neutro, objectivo e desligado das contingências, tanto factuais como processuais ou jurídicas, próprias do litígio no processo principal. Os dados do presente caso, por mais específicos e trágicos que possam ser, não podem orientar de forma determinante a solução a fornecer. Em particular, o facto de o tribunal de primeira instância espanhol ser eventualmente incompetente à luz dos critérios do Regulamento n.° 2201/2003 não deveria exercer uma influência susceptível de pôr em causa os princípios fundamentais enunciados no referido regulamento, como a confiança mútua (28) subjacente ao reconhecimento das decisões proferidas nos outros Estados‑Membros (29).

90.      Além disso, é necessário que as respostas dadas ao tribunal de reenvio permitam cobrir o conjunto das acções que se enquadram no âmbito de aplicação da «responsabilidade parental» na acepção do Regulamento n.° 2201/2003. Recordo que o artigo 2.°, ponto 7, do referido regulamento define a responsabilidade parental como «o conjunto dos direitos e obrigações conferidos a uma pessoa singular ou colectiva por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor relativo à pessoa ou aos bens de uma criança. O termo compreende, nomeadamente, o direito de guarda e o direito de visita».

91.      O artigo 1.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 2201/2003, prevê que este regulamento «é aplicável, independentemente da natureza do tribunal, às matérias civis [(30)] relativas à atribuição, ao exercício, à delegação, à limitação ou à cessação da responsabilidade parental». O n.° 2 deste artigo precisa que as referidas matérias «dizem, nomeadamente, respeito:

a)      Ao direito de guarda e ao direito de visita;

b)      À tutela, à curatela e a outras instituições análogas;

c)      À designação e às funções de qualquer pessoa ou organismo encarregado da pessoa ou dos bens da criança e da sua representação ou assistência;

d)      À colocação da criança ao cuidado de uma família de acolhimento ou de uma instituição;

e)      Às medidas de protecção da criança relacionadas com a administração, conservação ou disposição dos seus bens.»

92.      Em minha opinião, só pode haver risco de conflito de processos, e portanto litispendência, entre acções pertencentes à mesma rubrica da responsabilidade parental, e não entre duas ou mais destas rubricas (31). No entanto, em certas ordens jurídicas, uma mesma medida pode incluir ex lege vários aspectos da responsabilidade parental que são citados no referido artigo (32).

93.      Decorre claramente destas disposições que os processos em matéria de «responsabilidade parental» na acepção do Regulamento n.° 2201/2003 podem dizer respeito tanto a partes como a pedidos bastante diferentes da instância pendente no tribunal a quo, ou seja, a guarda de uma criança solicitada pelos respectivos progenitores. A este respeito, sublinho, em primeiro lugar, que o titular da responsabilidade parental pode ser uma pessoa singular diferente do pai ou da mãe ou mesmo uma pessoa colectiva, em segundo lugar, que o conceito de «matérias civis» foi definido extensivamente pelo Tribunal de Justiça (33), em terceiro lugar, que a lista das matérias definidas como pertencendo ao domínio da «responsabilidade parental» não é exaustiva e, em quarto lugar, que as medidas de protecção em causa podem ter por objecto a pessoa ou o património de uma criança (34). A grande diversidade das instâncias susceptíveis de ser abrangidas pela interpretação dos artigos 19.° e 21.° do referido regulamento não deve ser ignorada quando o Tribunal de Justiça se pronunciar sobre as questões prejudiciais submetidas.

94.      Essa variedade de acções tem igualmente uma incidência na apreensão da litispendência em matéria de responsabilidade parental, conforme prevista pelo artigo 19.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2201/2003, dado que desta situação resulta que uma multiplicidade de tipos de conflitos de processos pode verificar‑se neste domínio. Para dar apenas alguns exemplos empíricos das combinações possíveis, permita‑se‑me que evoque, em primeiro lugar, um processo desencadeado perante um tribunal de menores para efeitos de colocação de uma criança paralelamente a um processo desencadeado perante um tribunal de família com vista à concessão de um direito de visita aos avós da criança; em segundo lugar, um pedido de medidas provisórias tendo por objecto a transferência provisória do direito de guarda na expectativa do resultado de uma medida de inquérito social ou psicológico, concomitante com uma acção relativa à mesma criança tendo por finalidade pôr definitivamente em causa o direito de visita concedido a um dos progenitores. Por conseguinte, é fundamental definir os conceitos de «mesmo pedido» ou objecto e de «mesma causa de pedir» que delimitam os contornos da litispendência na acepção da referida disposição.

2.      Quanto às grandes orientações de interpretação

95.      Certos diplomas que eram ou ainda são aplicáveis entre os Estados‑Membros podem ser úteis no quadro da interpretação das disposições do Regulamento n.° 2201/2003 (35). É o caso, entre outros instrumentos (36), da Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968 (37), bem como do Regulamento n.° 44/2001 de 22 de Dezembro de 2000, que substituiu esta última a partir de 1 de Março de 2002 (38). Existem semelhanças, designadamente, no que respeita ao conceito de litispendência (39). Todavia, a responsabilidade parental na acepção do Regulamento n.° 2201/2003 é uma questão relativa ao estado das pessoas, matéria expressamente excluída destes dois outros diplomas. A abordagem em matéria patrimonial não é necessariamente válida em matéria extra‑patrimonial, tendo em conta as diferenças que existem quanto à natureza e aos efeitos das decisões tomadas nestes dois domínios, bem como quanto aos princípios orientadores neles aplicáveis. Com efeito, preceitos próprios do Regulamento n.° 2201/2003, como o lugar preponderante reconhecido ao interesse superior da criança em matéria de responsabilidade parental (40), dão uma perspectiva particular, à luz da qual a interpretação de um conceito como a litispendência pode ter uma orientação diferente da dada a propósito dos outros instrumentos.

96.      De resto, chamo a atenção para o facto de que, embora haja decisões do Tribunal de Justiça relativas à interpretação da Convenção de Bruxelas de 27 Setembro 1968 que tratam dos conceitos de litispendência e de medidas provisórias, segundo julgo saber apenas o fazem separadamente e não conjugando os dois conceitos, ou seja, sem se pronunciarem sobre a litispendência em caso de decisões que decretam medidas provisórias. Na jurisprudência dos Estados‑Membros, parece que também não existem elementos significativos, designadamente tendo em conta as raras respostas dadas na audiência à pergunta expressamente feita pelo Tribunal de Justiça.

97.      Em minha opinião, o conceito de litispendência na acepção do Regulamento n.° 2201/2003 deve ser objecto de interpretação autónoma (41), isto é, tomando como referência não as concepções adoptadas num ou noutro Estado‑Membro, mas, por um lado, os objectivos e o sistema do diploma e, por outro, os princípios gerais que resultam do conjunto dos sistemas de direito nacionais (42). Parece‑me que se deve fazer o mesmo relativamente a todos os conceitos autónomos contidos no Regulamento n.° 2201/2003.

98.      Seria possível considerar que conceitos de carácter processual como «tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar» deveriam depender das regras nacionais. Todavia, a este respeito, o Regulamento n.° 2201/2003 tentou criar um sistema comum susceptível de ultrapassar os particularismos nacionais. Assim, o artigo 16.° do referido regulamento uniformiza, definindo as suas características tanto processuais como temporais, o conceito de recurso a um tribunal. Com efeito, prevê em que momento e em que condições este intervém, independentemente do que prevejam as regras aplicáveis no plano interno nos Estados‑Membros. Parece‑me que o legislador se afastou da jurisprudência relativa à Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968 (43), enunciando uma regra de direito da União que identifica o ponto de partida do recurso ao tribunal por referência à data em que a petição inicial que desencadeia o processo é entregue no tribunal ou é recebido pela autoridade encarregada de citar o demandado ou da notificação (44). A opção entre estas duas alternativas depende das modalidades de propositura das acções previstas pelo direito nacional.

99.      A interpretação do artigo 19.° do Regulamento n.° 2201/2003 deve, em primeiro lugar (45), ser efectuada atendendo ao teor desta disposição e ao teor das disposições que a enquadram. A este propósito, observo que não é efectuada nenhuma distinção, no que respeita à litispendência referida no artigo 19.°, entre a propositura de acções para conhecimento do mérito e a apresentação de pedidos de medidas provisórias. Do mesmo modo, o artigo 16.° do referido regulamento não faz uma distinção desta natureza.

100. O conceito de processo medidas provisórias não é, enquanto tal, tratado no Regulamento n.° 2201/2003, que visa apenas as medidas tomadas em razão da «urgência» (46). Em contrapartida, o regulamento faz expressamente referência à competência para conhecer do «mérito» no artigo 15.°, relativo à transferência do processo para um tribunal mais bem colocado para apreciar a acção, e no artigo 20.°, que evoca as medidas provisórias ou cautelares tomadas em caso de urgência.

101. O conceito de medidas provisórias, que podem ser tomadas quer no quadro do referido artigo 20.° quando os requisitos estabelecidos por esta disposição estão preenchidos, quer, de contrário, fora do âmbito deste artigo, não está claramente definido, o que pode ocasionar problemas de interpretação, atendendo à diversidade assinalada nos sistemas jurídicos dos Estados‑Membros (47). Saliento igualmente que o artigo 2.°, n.° 1, ponto 4, do Regulamento n.° 2201/2003 define as «decisões» na acepção deste regulamento e inclui no seu âmbito de aplicação não só as «sentenças», mas também os «despachos judiciais», como os que poderia adoptar o juiz das medidas provisórias decidindo em caso de urgência.

102. Em segundo lugar, a interpretação do artigo 19.° assenta no lugar que esta disposição ocupa na estrutura geral do Regulamento n.° 2201/2003. À semelhança do que o Tribunal de Justiça julgou nesta óptica a propósito do artigo 20.° do referido regulamento (48), considero que o artigo 19.° não estabelece uma regra de competência quanto ao mérito, mas institui uma regra de articulação, ou «uma regra de aplicação das regras de competência» (49), em caso de multiplicidade de acções e de conflitos de processos. A este respeito, é significativo salientar a colocação sistemática do referido artigo 19.° em relação às disposições que o enquadram. Na verdade, as disposições que o precedem estabelecem regras de competência, ao passo que a disposição que o segue, o artigo 20.° do Regulamento n.° 2201/2003, evoca medidas tomadas em caso de urgência. Se as medidas provisórias ou cautelares objecto do artigo 20.° pudessem ser abrangidas pela previsão do referido artigo 19.°, teriam sido mencionadas antes deste. Podemos portanto deduzir, como todos os intervenientes, que não há litispendência possível quando um processo é desencadeado com vista à adopção de medidas baseadas na urgência por parte de um tribunal que de outra forma não seria competente.

103. Em terceiro lugar, a interpretação deve levar em linha de conta a lógica inerente ao artigo 19.° e ao Regulamento n.° 2201/2003 no seu conjunto. Manifestamente, as regras de competência harmonizadas impõem‑se aos tribunais nacionais, uma vez que, de contrário, o sistema instituído não pode funcionar. Recordo que, nos termos do décimo segundo considerando do Regulamento n.° 2201/2003, cujo espírito é retomado no artigo 8.° do referido regulamento, um dos princípios mais importantes deste regulamento é que «[a]s regras de competência em matéria de responsabilidade parental do presente regulamento são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade». Outro princípio essencial tem que ver com a prioridade cronológica (50) imposta pelo artigo 19.° do Regulamento n.° 2201/2003, que retoma a regra prior temporis, clássica em matéria de litispendência (51). Sou de opinião que a apreciação da sua competência incumbe ao tribunal no qual o processo tenha sido instaurado em primeiro lugar (52) e que a decisão que este tome vincula o segundo tribunal, contrariamente ao que evoca o tribunal de reenvio; a mesma posição discutível foi tomada pelo Oberlandsgericht Stuttgart. A jurisprudência do Tribunal de Justiça parece‑me apontar no mesmo sentido (53).

3.      Quanto às categorias distintas de medidas provisórias

104. Para responder à questão submetida no que respeita ao funcionamento das regras de litispendência previstas pelo Regulamento n.° 2201/2003 na hipótese de ser apresentado um pedido de medidas provisórias e uma acção concorrente requerendo uma decisão sobre o mérito em matéria de responsabilidade parental, o acórdão Purrucker I, já referido, bem como as conclusões apresentadas nesse processo pela advogada‑geral E. Sharpston, fornecem um certo número de respostas úteis, mas unicamente na perspectiva das medidas provisórias, em particular na acepção do artigo 20.° do Regulamento n.° 2201/2003, sem com isto querer antecipar a interpretação a dar no presente caso ao artigo 19.° do referido regulamento.

105. Resulta designadamente do referido acórdão que há que fazer uma distinção entre, por um lado, as decisões que decretam medidas provisórias ou cautelares em aplicação do artigo 20.° do Regulamento n.° 2201/2003 e, por outro, as medidas provisórias adoptadas fora deste quadro. Assim, há que distinguir entre, por um lado, as medidas provisórias tomadas com fundamento no artigo 20.°, baseadas portanto nos critérios enunciados por esta disposição, e, por outro, as restantes medidas provisórias, que podem ser adoptadas por um tribunal que se considere competente para conhecer do mérito ao abrigo dos artigos 8.° a 14.° do Regulamento n.° 2201/2003.

–       Medidas provisórias decretadas em aplicação do artigo 20.° do Regulamento n.° 2201/2003

106. Tendo em conta a economia geral do Regulamento n.° 2201/2003, parece‑me evidente que é impossível haver litispendência em caso de multiplicação de processos destinados, por um lado, a obter medidas provisórias ou cautelares por razões de urgência junto de um tribunal incompetente do Estado‑Membro em que a criança se encontra e, por outro, a obter uma decisão de um tribunal competente para conhecer do mérito. A litispendência prevista no artigo 19.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2201/2003 pode, em meu entender, respeitar unicamente a acções que tenham em vista a adopção de decisões a tomar por tribunais de Estados‑Membros diferentes que baseiam as respectivas competências nos artigos 8.° a 14.° do referido regulamento. Parece‑me que todas as partes que apresentaram observações sobre esta questão estão de acordo quanto a este ponto.

107. O fundamento jurídico essencial (54) desta solução reside na falta de efeito extraterritorial das medidas baseadas no artigo 20.° do Regulamento n.° 2201/2003 (55). Na verdade, as medidas provisórias que respeitam os requisitos do artigo 20.° não têm efeitos vinculativos nos outros Estados‑Membros, mas apenas no território do Estado‑Membro do tribunal que as decretou. Por conseguinte, não pode haver litispendência na acepção do artigo 19.° do Regulamento n.° 2201/2003, o que implicaria que um processo abrangido pelo artigo 20.° do regulamento que fosse desencadeado em primeiro lugar poderia impedir que o processo desencadeado no tribunal de outro Estado‑Membro competente para conhecer do mérito pudesse correr os seus termos.

108. Na audiência, a Comissão considerou que uma distinção entre as medidas provisórias abrangidas pelo artigo 20.° do Regulamento n.° 2201/2003 e as medidas provisórias decretadas por um tribunal competente para conhecer do mérito não seria praticável como critério de aplicação do artigo 19.°, n.° 2, deste regulamento, uma vez que o segundo tribunal não poderia saber se as medidas provisórias decretadas pelo primeiro tribunal se baseavam ou não num dos fundamentos de competência previstos nos artigos 8.° e seguintes do referido regulamento. Não partilho desta preocupação.

109. Recordo que o artigo 20.° do Regulamento n.° .° 2201/2003 permite a um tribunal tomar medidas provisórias ou cautelares, ao abrigo do seu direito interno, relativas a uma criança que se encontre no seu território, mesmo que um tribunal de outro Estado‑Membro seja competente quanto ao mérito. A medida pode ser tomada por um tribunal ou por uma autoridade competente em todas as matérias que se enquadram no âmbito de aplicação deste regulamento, conforme definido no artigo 1 .°, n.° 2 e no artigo 2.°, n.° 1, do mesmo regulamento. O referido artigo 20.° não é uma regra de competência, pelo que as medidas provisórias tomadas neste contexto deixam de produzir efeitos a partir do momento em que o tribunal competente quanto ao mérito, que é assim substituído temporariamente por razões de tempo e distância, tenha a possibilidade de tomar as medidas que considerar adequadas (56).

110. Como já observei, a aplicação do artigo 19.°, n.° 2, do Regulamento n.° .° 2201/2003 é normalmente desencadeada por uma excepção de inadmissibilidade em razão de litispendência, suscitada por uma parte no tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar. No entanto, não se pode excluir que haja situações em que a existência de um processo relativo à responsabilidade parental pendente noutro Estado‑Membro seja levada ao conhecimento de um tribunal, não pelas próprias partes, mas com base em informações enviadas pela autoridade central.

111. Para o tribunal de um Estado‑Membro (B) no qual um processo seja instaurado em segundo lugar, a identificação de um processo com vista à concessão de medidas provisórias tomadas por um tribunal de um Estado‑Membro (A) ao abrigo do artigo 20.° do Regulamento n.° 2201/2003 é possível se se verificarem duas condições: primeiro, a presença da criança ou dos seus bens no território desse Estado‑Membro (A) e, segundo, a constatação de que a criança não tinha residência habitual nesse Estado (A) no momento em que o processo teve início em tal tribunal. Sublinho que as medidas provisórias relativas à pessoa de uma criança que não está presente no Estado‑Membro do tribunal que toma essas medidas não se enquadram no âmbito do referido artigo 20.° (57).

112. Se a residência habitual da criança se situar no Estado‑Membro (B) do tribunal em que o processo tenha sido instaurado em segundo lugar (ou num terceiro Estado‑Membro) e de a criança estar realmente presente no Estado‑Membro (A) do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar com vista à obtenção de medidas provisórias, o segundo tribunal pode presumir que se trata de um processo nos termos do artigo 20 .° do Regulamento n.° 2201/2003, a menos que a parte que invoca a excepção de litispendência possa fornecer indicações de que o tribunal em que o processo tenha sido instaurado em primeiro lugar no Estado‑Membro (A) foi chamado a pronunciar‑se ao abrigo de um dos fundamentos de competência previstos nos artigos 9.° a 12.° do Regulamento n.° 2201/2003 (58).

113. Em relação às crianças cuja residência habitual não possa ser claramente estabelecida, os tribunais do Estado‑Membro em cujo território a criança está actualmente presente têm competência a este título, em conformidade com o artigo 13.° do Regulamento n.° 2201/2003, e, portanto, o artigo 20.° deste regulamento não se aplica às medidas provisórias ou cautelares tomadas por esses tribunais. O mesmo se diga em relação às crianças que têm normalmente a sua residência habitual fora da União, cuja situação é referida no artigo 14.° do referido regulamento, relativo às competências residuais. Se essa criança estiver presente no território de um Estado‑Membro, os tribunais nacionais são competentes na medida em que isso decorra da legislação desse Estado. Um conflito positivo de competências entre os tribunais de diferentes Estados‑Membros é nesse caso possível.

–       Medidas provisórias decretadas por um juiz competente com base nos artigos 8.° a 14.° do Regulamento n.° 2201/2003

114. A abordagem deve ser diferente, ou seja, pode haver litispendência, no que respeita às medidas provisórias decretadas não em caso de urgência, com fundamento no artigo 20 .° do Regulamento n.° 2201/2003, mas por um juiz que se declara competente quanto ao mérito, nos termos dos artigos 8.° a 14.° do mesmo regulamento. Afigura‑se‑me que este é o aspecto mais delicado dos problemas suscitados pela Amtsgericht Stuttgart

115. Saliente‑se que a primeira questão prejudicial diz respeito ao caso das acções em que apenas são requeridas medidas provisórias, de forma «isolada», segundo os termos utilizados pelo tribunal de reenvio, por oposição às acções que visam obter não apenas medidas provisórias, mas também, a título principal ou subsidiário, medidas definitivas quanto ao mérito. Para mim, esta premissa pode referir‑se a três casos. Por um lado, podem ser requeridas medidas temporárias na expectativa do resultado de investigações (inquérito social, exames médico‑psicológicos, inventário de bens, etc.) ou da ocorrência de um evento (mediação familiar, cura de desintoxicação de um dos progenitores, fim de uma hospitalização ou de uma pena de prisão, etc.). Por outro lado, podem ser requeridas medidas com uma duração previamente definida ou com uma limitação temporal (por exemplo, a colocação de uma criança numa família de acolhimento pelo período de um ano, tutela instituída até à maioridade da criança). Finalmente, podem ser solicitadas medidas provisórias na expectativa de um acto processual posterior do demandante sem que, nos termos do direito nacional, seja necessária uma nova petição (como parece ser o caso das disposições espanholas em causa no presente processo).

116. Dado o teor do Regulamento n.° 2201/2003, em especial do artigo 19.°, n.° 2, não é feita nenhuma distinção entre as decisões tomadas provisoriamente pelo juiz competente quanto ao mérito, ou seja, relativamente a um período determinado, e as que o mesmo juiz adopta de forma definitiva, mais precisamente por um período indeterminado mas que pode terminar se um elemento novo justificar a modificação das medidas que tinham organizado o exercício da responsabilidade parental.

117. Tendo em conta a finalidade do artigo 19.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2201/2003 e contrariamente ao que se produz no quadro do artigo 20.° (59), é lógico que o tribunal competente quanto ao mérito que tenha adoptado uma medida provisória em matéria de responsabilidade parental relativamente a uma criança não se limite a esta etapa preliminar e que seja este mesmo tribunal a tomar seguidamente uma decisão final ou «plena», sabendo que o que conta é o interesse superior da criança em que a sua situação seja resolvida de uma forma tão estável quanto possível e que o seja pelo mesmo tribunal, isto é, pelo tribunal que decretou as medidas temporárias, a fim de evitar variações em termos de abordagem. Deve assim evitar‑se, graças à aplicação da regra da litispendência, que um tribunal de outro Estado‑Membro possa conhecer de mérito quando um tribunal de um Estado‑Membro competente quanto ao mérito, chamado a pronunciar‑se anteriormente, tenha adoptado medidas provisórias.

118. Quanto à ideia de unidade processual, opõem‑se duas teorias: por um lado, a dos Governos checo, espanhol e francês, segundo a qual a litispendência ocorre em razão da unidade formada pelas medidas provisórias e pela decisão de mérito; por outro lado, a tese defendida pelo demandante no processo principal, pelo Governo alemão e pela Comissão, segundo a qual a decisão que decrete medidas provisórias constitui uma entidade distinta da decisão que será proferida sobre o mérito da causa e encerrará o processo a partir do momento em que é tomada. Em apoio desta segunda teoria, que se afasta da jurisprudência adoptada no domínio da interpretação da Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968, são invocadas razões de segurança jurídica e de celeridade, bem como a vontade de privilegiar o juiz geograficamente mais próximo da criança.

119. Como salienta o tribunal de reenvio, se se adoptar a primeira concepção jurídica, segundo a qual «o procedimento cautelar e uma acção principal proposta posteriormente constituem uma unidade em termos processuais», «o processo relativo à atribuição da guarda do filho [das partes M.] não está pendente no tribunal espanhol apenas desde Janeiro de 2008, mas já desde 28 de Junho de 2007, na acepção do artigo 19.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 2201/2003».

120. Em certos Estados‑Membros, seria artificial tentar cindir as decisões provisórias tomadas antes da decisão definitiva por um juiz competente quanto ao mérito e as decisões que este toma no final do processo, uma vez que tais decisões constituem um único e mesmo processo, e isto enquanto todos os aspectos do litígio submetido à apreciação deste juiz não sejam completamente decididos e, portanto, a sua competência não se esgote.

121. Ora, o artigo 19.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2201/2003 não distingue as categorias de decisões. Aplica‑se quando dois juízes que tenham competências concorrentes quanto ao mérito, em aplicação dos artigos 8.° a 14.° do mesmo regulamento, seja qual for o objectivo do pedido (medidas provisórias ou decisão final) e a duração dos efeitos da decisão requerida (duração definida ou indefinida) a cada um deles. O importante é o risco potencial, isto é, que se pode revelar no termo dos dois processos desencadeados, de serem proferidas decisões impossíveis de executar ao mesmo tempo (60).

122. O elemento determinante é a definição das «acções […] que tenham o mesmo pedido e a mesma causa de pedir» na acepção do artigo 19.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2201/2003, sendo estes dados apreciados no dia em que é desencadeado o processo em cada um deste tribunais, em conformidade com o artigo 16.° do mesmo regulamento, independentemente da evolução posterior do processo. A este respeito, recordo que uma aproximação útil pode ser feita com as decisões do Tribunal de Justiça relativas à interpretação das disposições equivalentes da Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968 relativas à litispendência e que as particularidades eventuais das regras do processo civil aplicáveis nos Estados‑Membros em causa não são, neste contexto, pertinentes (61).

4.      Quanto à aplicação prática das regras definidas pelo Regulamento n.° 2201/2003 em caso de litispendência

123. Tendo em conta as dificuldades encontradas no caso vertente pelo tribunal de reenvio para obter as informações necessárias a fim de lhe permitir apreciar se existia ou não um processo concorrente pendente em Espanha, permita‑se‑me propor ao Tribunal que reflicta na possibilidade de criar uma regra, de base jurisprudencial, que ponha cobro, na medida do possível, aos problemas relacionados com a troca de informações processuais e normativas entre os tribunais dos Estados‑Membros.

124. Em aplicação do artigo 19.° do Regulamento n.° 2201/2003, a partir do momento em que tem conhecimento da existência de outro processo que se lhe afigure estar pendente para decisão de mérito perante um tribunal de outro Estado‑Membro (62), o juiz junto do qual o processo tenha sido instaurado em segundo lugar é obrigado a inteirar‑se da realidade dessa instância, bem como do seu âmbito, isto é, a informar‑se sobre o objecto e a causa de pedir da acção subjacente a esse processo. As diligências a efectuar pelo interessado deveriam, em minha opinião, ser as seguintes: procurar entrar em contacto com o juiz no qual o processo foi instaurado em primeiro lugar, com a autoridade central do Estado‑Membro em causa, e, eventualmente, com o magistrado de ligação nacional através da RJE. Deveria também poder contar com a colaboração activa das partes, em especial da que suscita a excepção de litispendência, que tem interesse em fornecer as informações úteis para comprovar que o juiz no qual o processo foi instaurado em primeiro lugar é susceptível de proferir uma decisão incompatível com a que venha a ser proferida pelo juiz junto do qual o processo foi instaurado em segundo lugar.

125. Assim, o Tribunal de Justiça poderia utilmente declarar que os tribunais nacionais, bem como as autoridades centrais, são obrigadas a cooperar fornecendo todas as informações úteis relativamente aos processos perante eles pendentes aos tribunais dos outros Estados‑Membros que as solicitem, dentro de um prazo razoável. Com efeito, sob pena de incorrer em denegação de justiça, o segundo juiz deve suspender a instância, mas não deve esperar demasiado tempo pelas informações requeridas para determinar se há ou não litispendência. Embora o artigo 19.° do Regulamento n.° 2201/2003 não preveja um prazo de resposta por parte do primeiro tribunal, parece‑me necessário estabelecer uma data‑limite, atendendo ao interesse superior da criança em que seja tomada uma decisão rápida.

126. Na sequência de uma pergunta do Tribunal na audiência, a República Federal da Alemanha invocou a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem para propor que se optasse por um prazo de seis meses. Em minha opinião, a regra prevista no artigo 9.° do Regulamento n.° 2201/2003, que prevê a manutenção da competência da anterior residência habitual da criança por um período de três meses, poderia ser utilizada, por analogia, como ponto de referência para estabelecer o prazo adequado (63). Assim, o Tribunal poderia considerar que, se as informações solicitadas não forem fornecidas no prazo de três meses a contar da recepção do pedido pelo tribunal ou pela autoridade central em causa, salvo obstáculo devidamente justificado por razões de força maior, o segundo tribunal poderia ser autorizado a deduzir desse silêncio que não existe uma acção pendente simultaneamente noutro Estado‑Membro, na acepção do artigo 19.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2201/2003 (64).

127. Como já evoquei, a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar deve ser estabelecida por este, sem controlo possível por parte do tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar (65), contrariamente ao que parece afirmar o Oberlandesgericht Stuttgart na sua decisão de 14 de Maio de 2009. O tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar não pode verificar a adequação entre os dados factuais e a posição tomada sobre a competência, dado que esta decisão é válida no território dos outros Estados‑Membros, mesmo que o tribunal competente quanto ao mérito apenas se pronuncie a título provisório. Partilho do ponto de vista do Governo checo segundo o qual o referido tribunal pode, quando muito, fazer uma verificação formal, isto é, identificar o fundamento jurídico em que o outro tribunal se baseou para se declarar competente (66). Isto resulta de um dos princípios fundadores do sistema instituído pelo Regulamento n.° 2201/2003, ou seja, a confiança mútua entre as autoridades judiciais dos Estados‑Membros. Ora, este princípio é identificado como a pedra angular da criação de um verdadeiro espaço judiciário, como é salientado pelo segundo considerando do Regulamento n.° 2201/2003 (67).

C –    Quanto à segunda e terceira questões

128. Nos termos da sua segunda questão, o tribunal de reenvio interroga o Tribunal de Justiça sobre a questão de saber se as disposições do artigo 19.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2201/2003, relativas à litispendência também são de aplicar quando uma decisão tomada no âmbito de um processo de medidas provisórias isolado num Estado‑Membro não é susceptível de reconhecimento noutro Estado‑Membro na acepção do artigo 21.° do Regulamento n.° 2201/2003. Explica, resumidamente, que o facto de uma decisão num processo de medidas provisórias poder ser reconhecida, em aplicação deste último artigo, pode ser juridicamente pertinente para a primeira questão submetida.

129. Com efeito, no acórdão Purrucker I, já referido, o Tribunal de Justiça pronunciou‑se expressamente neste sentido: «[a]s disposições dos artigos 21.° e seguintes do Regulamento n.° 2201/2003 [...] não se aplicam a medidas provisórias, em matéria de direito de guarda, abrangidas pelo artigo 20.° do referido regulamento» (68).

130. Em meu entender, é necessário, como já indiquei na resposta à primeira questão, distinguir entre as medidas provisórias abrangidas pelo artigo 20.° do Regulamento n.° 2201/2003, que não podem ser objecto de reconhecimento segundo a mencionada jurisprudência do Tribunal de Justiça, e as medidas provisórias tomadas por um tribunal competente quanto ao mérito nos termos dos artigos 8.° e seguintes deste regulamento, abrangidas pelas disposições dos artigos 21.° e seguintes do mesmo regulamento e que podem portanto ser reconhecidas e executadas como todas as decisões tomadas por um juiz competente quanto ao mérito, independentemente do tipo de pedido. Na verdade, pouco importa que o juiz seja chamado a pronunciar‑se a título provisório ou que tome uma decisão definitiva. O artigo 19.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2201/2003 apenas se aplica a esta segunda categoria de medidas, de acordo com o que afirmei acima (69).

131. Através da sua terceira questão, o tribunal de reenvio pergunta se «a instauração, num tribunal de um Estado‑Membro, de um procedimento cautelar isolado, pode […] ser equiparada à propositura da acção principal, na acepção do artigo 19.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2201/2003, se, por força das normas processuais nacionais desse Estado‑Membro, a esse procedimento cautelar tiver de se seguir, num determinado prazo, a propositura de uma acção principal nesse mesmo tribunal, para evitar consequências processuais negativas». A decisão de reenvio precisa que «[se pretende] esclarecer se eventualmente se justifica um tratamento igual dos dois processos através de uma interpretação analógica».

132. Em minha opinião, a resposta a esta questão é igualmente destituída de objecto, tendo em conta a resposta que proponho para a primeira questão, da qual resulta que as especificidades das regras processuais em vigor num Estado‑Membro, neste caso em Espanha, por oposição ao regime aplicável na Alemanha (70), não são relevantes para a apreciação da existência de litispendência na acepção do artigo 19.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2201/2003.

VII – Conclusão

133. À luz das considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo às questões prejudiciais submetidas pelo Amtsgericht Stuttgart:

«As medidas provisórias ou cautelares relativas a uma criança presente no território de um Estado‑Membro, tomadas por um tribunal desse Estado, referidas no artigo 20.° do Regulamento n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000, que não têm efeitos jurídicos vinculativos fora do território desse Estado‑Membro e que, por conseguinte, não podem ser reconhecidas noutro Estado‑Membro na acepção do artigo 21.° do referido regulamento, tão‑pouco dão origem a litispendência, na acepção do artigo 19.°, n.° 2, deste mesmo regulamento, oponível aos tribunais dos outros Estados‑Membros aos quais tenha sido submetida uma acção em matéria de responsabilidade parental relativa à mesma criança.

Em contrapartida, um processo pendente num tribunal que baseia a sua competência em qualquer dos artigos 8.° a 14.° deste mesmo regulamento, no qual seja intentada em primeiro lugar uma acção em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança, como definida pelos artigos 1.°, n.os 1 e 2, e 2.°, ponto 7, do referido regulamento, independentemente da qualificação do processo segundo as regras nacionais em vigor nos Estados‑Membros em causa e da questão de saber se a medida é solicitada a título provisório, por um período definido ou indefinido, impede que um tribunal de outro Estado‑Membro se pronuncie sobre uma acção com o mesmo objecto e a mesma causa de pedir relativa à mesma criança até que o tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar tenha estabelecido a sua competência ou que o processo que neste se encontra pendente termine por qualquer razão, incluindo a negligência de uma parte em praticar um acto processual exigido para que o tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar possa conhecer do mérito em conformidade com o direito do Estado‑Membro ao qual pertence.»


1 – Língua original: francês.


2 – JO L 338, p. 1.


3 – Acórdão Purrucker, Colect., p. I‑0000.


4 – Recordo que uma descrição pormenorizada dos instrumentos jurídicos que precederam o Regulamento n.° 2201/2003 figura nos n.os 30 a 48 das conclusões que a advogada‑geral E. Sharpston apresentou no processo C‑256/09, dito «Purrucker I», já referido.


5 – JO C 221, p. 1.


6 – JO 1998, C 221, p. 27.


7 – JO L 160, p. 19.


8 – V. cláusulas 2 e 3 deste acordo, referidas no n.° 28 do acórdão Purrucker I, já referido.


9 – V. elementos de fundamentação deste despacho referidos no n.° 36 do acórdão Purrucker I, já referido.


10 – V. excertos deste despacho referidos no n.° 37 do acórdão Purrucker I, já referido.


11 – Todos os Estados‑Membros da União Europeia são partes contratantes da referida convenção, que entrou em vigor em 1 de Dezembro de 1983.


12 – Ou seja, numa data anterior à data em que foi proferido o acórdão no processo Purrucker I, já referido, mas posterior às conclusões que a advogada‑geral E. Sharpston apresentou no referido processo em 20 de Maio de 2010.


13 – V., por analogia, pronunciando‑se sobre o conceito de «decisão inconciliável» na acepção do artigo 27.°, n.° 3, da Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968, no processo Italian Leather (acórdão de 6 de Junho de 2002, C‑80/00, Colect., p. I‑4995), o advogado‑geral P. Léger sublinhou que se «se os pressupostos processuais [dos processos de medidas provisórias] previstos pelas legislações nacionais divergem, sem que as decisões proferidas em aplicação dessas condições processuais produzam efeitos incompatíveis entre si, não pode admitir‑se que a decisão estrangeira seja considerada inconciliável com a decisão proferida no Estado requerido». Quanto ao nexo funcional que existe entre o referido artigo e o artigo 21.° da mesma Convenção, relativo à litispendência, v. acórdãos de 19 de Maio de 1998, Drouot assurances (C‑351/96, Colect., p. I‑3075, n.° 16), e de 9 de Dezembro de 2003, Gasser (C‑116/02, Colect., p. I‑14693, n.° 41).


14 – O facto de as regras de competência terem sido uniformizadas não exclui que as partes que tenham interesses opostos possam validamente recorrer a tribunais de Estados‑Membros diferentes.


15 – Como indicou a advogada‑geral J. Kokott, a autoridade de caso julgado visa igualmente evitar a coexistência de decisões contraditórias [n.os 37 e segs. das suas conclusões no processo Comissão/Luxemburgo (acórdão de 29 de Junho de 2010, C‑526/08, Colect.,p. I‑0000)].


16 – Com efeito, não seria razoável que um tribunal suspendesse a instância na expectativa de uma decisão estrangeira que não seria posteriormente reconhecida no plano nacional. De contrário, o demandante seria confrontado com uma situação de denegação de justiça uma vez que seria impedido de obter um título executivo no território do Estado‑Membro em causa.


17 – A autoridade de caso julgado não deve ser confundida com a força de caso julgado: este último conceito corresponde ao estado de uma decisão que não é, ou que já não é, susceptível de recurso.


18 – V. n.os 119 e 121 das suas conclusões apresentadas no processo C‑256/09.


19 – A expressão varia em função das versões: «desselben Anspruchs» em alemão, «the same cause of action» em inglês, «samaa asiaa» em finlandês ou «samma sak» em sueco. Segundo a jurisprudência (v. acórdãos de 8 de Dezembro de 1987, Gubisch Maschinenfabrik, 144/86, Colect., p. 4861, n.° 14, e de 6 Dezembro de 1994, Tatry, C‑406/92, Colect., p. I‑5439, n.° 38), o alcance objectivo é definido tendo como referência dois factores diferentes, ou seja, o objecto e a causa de pedir da acção. Consequentemente, as versões linguísticas que fazem uma distinção clara entre estes dois conceitos devem ser tomados como um valor de referência.


20 – Comparar, em matéria civil e comercial: artigo 21.° da Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968 e artigo 27.° do Regulamento (CE) n.° 44/2001, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução das decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1); em matéria matrimonial e de responsabilidade parental: artigo 11.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1347/2000; em matéria matrimonial: artigo 19.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2201/2003. Relativamente ao Regulamento n.° 1347/2000, v., em especial, a p. 17 da proposta da Comissão que levou à sua adopção [Documento COM(1999) 220 final], que salienta a diferença existente entre os n.os 1 e 2 do artigo 11.° deste regulamento, igualmente perceptível pela leitura dos n.os 1 e 2 do artigo 19.° do Regulamento n.° 2201/2003. Este documento indica, além disso, que o conceito de litispendência é definido mais ou menos amplamente no direito dos Estados‑Membros, certas ordens jurídicas não distinguindo entre «objecto» e «causa de pedir», o que resulta também do relatório Borrás, op. cit. (n.° 52).


21 – O mesmo não acontece com um instrumento como a Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968, dado que os numerosos fundamentos de competência concorrentes nela previstos desencadeiam múltiplas possibilidades de litispendência.


22 – «Guia prático para a aplicação do novo Regulamento Bruxelas II», elaborado pelos serviços da Comissão em consulta com a Rede Judiciária Europeia em Matéria Civil e Comercial (a seguir «RJE»), versão actualizada em 1 de Junho de 2005, p. 22. Documento acessível no sítio Internet da Comissão (http://ec.europa.eu/justice_home).


23 – Documento COM(2002) 222 final, p. 11.


24 – Era o que acontecia no processo que deu lugar ao acórdão de 2 de Abril de 2009, A (C‑523/07, Colect., p. I‑2805), dado que a família em causa «saiu da Suécia para passar férias na Finlândia. Permaneceu na Finlândia alojada em caravanas em diversos parques de campismo, sem que os menores fossem à escola» (n.° 14). Recordo que os critérios de identificação da residência habitual foram fixados nesse acórdão do seguinte modo: «Além da presença física do menor num Estado‑Membro, devem também ser tidos em consideração outros factores susceptíveis de demonstrar que essa presença de forma alguma tem um carácter temporário ou ocasional e que a residência do menor revela uma determinada integração num ambiente social e familiar. Devem, nomeadamente, ser tidos em consideração a duração, a regularidade, as condições e as razões da permanência no território de um Estado‑Membro e da mudança da família para esse Estado, a nacionalidade da criança, o local e as condições de escolaridade, os conhecimentos linguísticos, bem como os laços familiares e sociais da criança no referido Estado.» (n.os 30 e segs.). V., também, os n.os 38 a 52 das conclusões da advogada‑geral J. Kokott no referido processo.


25 – Em tal hipótese, o artigo 14.° do Regulamento n.° 2201/2003 tem como consequência que «a competência [seja], em cada Estado‑Membro, regulada pela lei desse Estado».


26 – Observo porém que, no direito de certos Estados‑Membros, os irmãos e irmãs formam uma entidade que é protegida tanto quanto possível em termos de unidade: nesses casos, o legislador prescreve ao juiz que evite separar irmãos e, se tal não for possível, que se certifique de que se mantêm laços entre todos eles (v., por exemplo, artigo 371‑5 do Código Civil francês).


27 – Por decisão de 25 de Setembro de 2007, o Amtsgericht Albstadt considerou que o referido pedido era supérfluo com o fundamento de que, em aplicação da legislação alemã, a mãe já dispunha de um direito de guarda exclusivo. Importa salientar que, na sequência do acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, Zaunegger c. Alemanha de 3 de Dezembro de 2009 (pedido n.° 22028/04), o Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional alemão) declarou recentemente contrária ao artigo 6.°, n.° 2, da Lei Fundamental, a impossibilidade, resultante dos §§ 1626a e 1672 do Código Civil alemão (BGB), de o pai de um menor nascido fora do casamento obter um direito de guarda sobre esse menor em caso de recusa da mãe (acórdão de 21 de Julho de 2010, 1 BvR 420/09).


28 – A propósito deste princípio geralmente considerado um «pilar», v., em especial, os n.os 30 e segs. das conclusões do advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer no processo Turner (acórdão de 27 de Abril de 2004, C‑159/02, Colect., p. I‑3565), relativo à Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968.


29 – A fiscalização do respeito das disposições do Regulamento n.° 2201/2003 relativas aos critérios de competência compete aos tribunais nacionais que decidem em matéria de recurso, que são, em caso de dúvida quanto à interpretação destas disposições, obrigados a apresentar ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial. Em última análise, não é de excluir um processo de infracção contra o Estado‑Membro em causa.


30 – Recordo que o conceito de «matérias civis» é um conceito autónomo de direito da União que abrange igualmente medidas de direito público segundo o direito interno de um Estado‑Membro (acórdão de 27 de Novembro de 2007, C, C‑435/06, Colect., p. I‑10141, n.os 46 a 53). Consequentemente, os procedimentos, autoridades ou decisões administrativas de certos Estados‑Membros podem entrar no âmbito de aplicação do Regulamento n.° 2201/2003 (neste sentido, v., também, «Guia prático para a aplicação do novo Regulamento Bruxelas II», op. cit., p. 8).


31 – Por exemplo, uma combinação de processos como um pedido de tutela e um requerimento de colocação de um menor não poderia conduzir a litispendência uma vez que as matérias em causa são distintas e os referidos processos não têm evidentemente a mesma causa de pedir nem o mesmo objecto. É mais difícil determinar se poderia haver litispendência entre uma acção relativa à guarda e uma acção sobre o direito de visita.


32 – Por exemplo, o direito de guarda, enquanto atributo da autoridade parental, pode seguir automaticamente a decisão em matéria de tutela ou a colocação do menor num estabelecimento.


33 – Resulta do acórdão A, já referido, que «uma decisão única que ordena a retirada urgente de um menor e a sua colocação fora da sua família é abrangida pelo conceito de ‘matérias civis’, na acepção [do artigo 1.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2201/2003], quando essa decisão tiver sido tomada no quadro das normas de direito público relativas à protecção de menores».


34 – Saliente‑se que o nono e décimo primeiro considerandos do Regulamento n.° 2201/2003 indicam que as medidas relativas aos bens de um menor mas que não se referem à protecção deste não se enquadram no âmbito do referido regulamento mas do Regulamento n.° 44/2001, o mesmo acontecendo com as obrigações de alimentos.


35 – A este respeito, v. acórdão Purrucker I, já referido (n.os 84 e segs.).


36 – O terceiro considerando do Regulamento n.° 2201/2003 recorda que este substituiu o Regulamento n.° 1347/2000 (JO L 160, p. 19), que retomava em larga medida a Convenção de «Bruxelas II» com o mesmo objecto, conforme elucidada pelo relatório Borrás.


37 – Convenção relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1989, L 285, p. 24), conforme alterada em diversas ocasiões (v. acórdão Purrucker I, já referido, n.° 12).


38 – Quanto à conexão a estabelecer entre os dois diplomas em matéria de jurisprudência, v., designadamente, os n.os 28 e segs. das conclusões apresentadas pela advogada‑geral J. Kokott no processo Allianz (anteriormente Riunione Adriatica di Sicurta) (acórdão de 10 de Fevereiro de 2009, C‑185/07, Colect., p. I‑663).


39 – V. artigo 21.° da Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968, artigo 11.° do Regulamento n.° 1347/2000 e artigo 27.° do Regulamento n.° 44/2001.


40 – V. décimo segundo considerando do Regulamento n.° 2201/2003.


41 – Por analogia, v. acórdão Gubisch Maschinenfabrik, já referido (n.os 6 e segs.), no qual é mencionado que «há que concluir pela autonomia das noções utilizadas no artigo 21.° [da Convenção de 27 de Setembro de 1968] para determinar a existência de uma situação de litispendência», bem como o n.° 2 das conclusões do advogado‑geral G. F. Mancini nesse processo. V., também, acórdão de 20 de Janeiro de 2005, Gruber (C‑464/01, Colect., p. I‑439, n.° 31) e jurisprudência constante referida. Quanto à opção entre uma definição autónoma ou uma abordagem nacional, v., designadamente, acórdão de 6 de Outubro de 1976, Industrie Tessili Italiana Como (12/76, Colect., p. 585, n.os 10 e 11).


42 – V., por analogia, acórdão de 14 de Outubro de 1976, LTU (29/76, Colect., p. 629, n.° 3).


43 – Acórdão de 7 de Junho de 1984, Zelger (129/83, Recueil p. 2397, n.° 16), no qual se indica que «o artigo 21.° da Convenção deve ser interpretado no sentido de que deve considerar‑se que a acção foi submetida ‘em primeiro lugar’ no tribunal no qual tiverem sido cumpridos em primeiro lugar os requisitos que permitem concluir pela existência de litispendência definitiva, devendo tais requisitos ser apreciados segundo a lei nacional de cada um dos tribunais envolvidos». As conclusões do advogado‑geral G. F. Mancini apontavam no mesmo sentido, atendendo à diversidade dos regimes jurídicos aplicados à litispendência nos Estados‑Membros.


44 – Quanto à ligação entre a notificação da petição inicial do processo e a litispendência, v. n.° 68 das conclusões da advogada‑geral V. Trstenjak no processo Weiss und Partner (acórdão de 8 de Maio de 2008, C‑14/07, Colect., p. I‑3367).


45 – Por analogia, relativamente à interpretação da disposição equivalente que figura na Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968, isto é, o artigo 21.° desta, v. acórdão Gasser, já referido (n.° 70), no qual o Tribunal de Justiça declarou que havia que ter em conta «quer [a] letra quer [a] economia e [a] finalidade desta Convenção». Comparar com os n.os 62 a 64 do acórdão Purrucker I, já referido.


46 – Quanto a este conceito, v., por analogia, acórdão de 26 de Março de 1992, Reichert e Kockler (C‑261/90, Colect., p. I‑2149, n.° 34), sobre a interpretação do artigo 24.° da Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968.


47 – A este respeito, v. a análise de direito comparado que figura no sítio da RJE (http://ec.europa.eu/civiljustice/interim_measures/interim_measures_gen_pt.htm): «Uma comparação das legislações nacionais evidencia uma ausência quase geral de definição das medidas provisórias e cautelares, bem como uma heterogeneidade considerável dos regimes jurídicos.»


48 – V. acórdão Purrucker I, já referido (n.os 60 e 61), no qual é indicado que «[o] artigo 20.° do Regulamento n.° 2201/2003 é o último artigo do capítulo II deste regulamento, relativo à competência. Não faz parte dos artigos que regulam especificamente a competência em matéria de responsabilidade parental, que constituem a secção 2 deste capítulo, mas faz parte da secção 3 deste, intitulada ‘Disposições comuns’. Resulta da [colocação] desta disposição na estrutura do Regulamento n.° 2201/2003 que este artigo 20.° não pode ser considerado uma disposição atributiva de competência para conhecimento do mérito na acepção deste regulamento».


49 – A expressão é tirada, por analogia, do relatório Borrás, op. cit. (n.° 55).


50 – Por analogia, no que respeita às disposições da Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968 relativas à litispendência, v. acórdão Gasser, já referido (n.° 47): «a aplicação da regra processual contida no artigo 21.° da referida convenção […] [baseia‑se] clara e unicamente na ordem cronológica em que a acção é proposta nos órgãos jurisdicionais».


51 – Comparar: proposta da Comissão de 1999 que levou à adopção do Regulamento n.° 1347/2000 [Documento COM(1999) 220 final, p. 17] e relatório A. Borrás, já referido (n.os 52 e 53).


52 – V., também, o «Guia prático para a aplicação do novo Regulamento Bruxelas II», op. cit. (p. 22), no qual se indica que «o n.° 2 do artigo 19.° estabelece que o tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar é, em princípio, competente. O tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar deve suspender a instância até que o primeiro tribunal decida se tem ou não competência. Se o tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar se declarar competente, o outro tribunal deve declarar‑se incompetente. O segundo tribunal apenas poderá continuar a apreciação da acção se o tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar chegar à conclusão de que não tem competência ou se decidir transferir o processo nos termos do artigo 15.°».


53 – Por analogia, no que respeita à Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968: v. acórdão Gasser, já referido (n.° 48). V., igualmente, acórdão de 27 de Junho de 1991, Overseas Union Insurance e o. (C‑351/89, Colect. p. I‑3317, n.° 26), no qual se afirma que «sem prejuízo da hipótese em que o órgão jurisdicional demandado em segundo lugar dispõe de uma competência exclusiva prevista pela convenção e, nomeadamente, pelo artigo 16.°, o […] artigo 21.° da convenção deve ser interpretado no sentido de que, quando a competência do tribunal primeiramente demandado for contestada, o órgão jurisdicional demandado em segundo lugar, no caso de não se declarar incompetente, deve suspender a instância sem poder pronunciar‑se sobre a competência do tribunal primeiramente demandado». Neste último processo, o advogado‑geral W. Van Gerven tinha salientado que «[d]ecidir de outro modo constituiria uma ingerência injustificada do segundo tribunal no poder jurisdicional do primeiro» (n.° 15 das conclusões).


54 – Outros argumentos apontam igualmente neste sentido, isto é, de que as medidas baseadas no artigo 20.° têm, além do referido alcance espacial limitado, efeitos limitados, por um lado, do ponto de vista material, já que o n.° 1 deste artigo prevê que as medidas adoptadas por razões de urgência não põem em causa a eventual competência quanto ao mérito dos tribunais de outros Estados‑Membros e não vinculam estes últimos, e, por outro, do ponto de vista temporal, uma vez que o n.° 2 do mesmo artigo prevê que as medidas evocadas deixam de ter efeito quando o tribunal competente quanto ao mérito tiver decidido e quando, portanto, já não houver razão para o substituir temporariamente. As duas categorias de processos não podem entrar em conflito directo, dado que o processo referido no artigo 20.° está subordinado ao processo que conhecerá do mérito, a fim de evitar o risco de que as regras de competência sejam eludidas. Quanto a este último ponto, v. acórdão Purrucker I, já referido (n.os 86 e 91).


55 – Comparar com o acórdão Purrucker I, já referido (n.os 84 e segs.), e com os n.os 172 a 175 das conclusões da advogado‑geral E. Sharpston nesse processo. Esta análise respeita ao reconhecimento e à execução de decisões, mas, do meu ponto de vista, é igualmente válida em relação à litispendência. Com efeito, há que manter a coerência com o sistema jurisprudencial existente, isto é, há que seguir a lógica deste acórdão.


56 – V. «Guia prático para a aplicação do novo Regulamento Bruxelas II», op. cit. (p. 11).


57 – Excluo aqui a questão das medidas urgentes tomadas em relação aos bens do menor eventualmente presentes neste território nacional.


58 – Quanto à conjugação entre as disposições do artigo 11.° do Regulamento n.° 2201/2003 e de artigo 19.° do mesmo regulamento, v. n.os 63 a 66 das conclusões da advogada‑geral E. Sharpston no processo Rinau acórdão de 11 de Julho de 2008 (C‑195/08 PPU, Colect., p. I‑5271).


59 – V. conclusões da advogada‑geral E. Sharpston no processo Purrucker I, já referido (n.° 131).


60 – Por exemplo, no que respeita aos progenitores que vivem separados, a residência de um menor judicialmente fixada em casa da mãe não pode ser fixada por outro tribunal com o pai sem que essas decisões sejam inconciliáveis na prática, mesmo que uma delas apenas tenha sido tomada a título provisório.


61 – Por analogia, v. acórdão Tatry, já referido (n.os 39 e segs.), no qual se afirma que, «[n]a acepção do artigo 21.° da Convenção, a ‘causa de pedir’ abrange os factos e as normas jurídicas invocados como fundamento da acção. […] O ‘pedido’, na acepção do mesmo artigo 21.°, consiste no objecto da acção». V., também, o n.° 19 das conclusões do advogado‑geral G. Tesauro nesse processo. O acórdão Gubisch Maschinenfabrik, já referido (n.os 14 e segs.), acrescenta que «[m]esmo se a versão alemã do artigo 21.° não distingue expressamente as noções de ‘pedido’ e de ‘causa de pedir’, há que interpretar esta versão em sentido análogo ao das outras versões linguísticas, que consagram todas esta distinção». No acórdão de 8 de Maio de 2003, Gantner Electronic (C‑111/01, Colect., p. I‑4207), o Tribunal de Justiça indicou que «para apreciar se duas acções intentadas entre as mesmas partes em órgãos jurisdicionais de Estados contratantes diferentes têm o mesmo pedido, há que apenas ter em conta as pretensões dos respectivos demandantes, com exclusão dos fundamentos de defesa aduzidos por um demandado».


62 – Esclareço que, se um dos tribunais envolvidos no conflito de processos pertencer a um Estado terceiro, tal situação não é regulada pelas disposições do artigo 19.° do Regulamento n.° 2201/2003 mas por outras regras de litispendência internacional.


63 – Recordo que um prazo ainda mais curto é fixado no artigo 15.°, n.° 5, do referido regulamento, que prevê um período de seis semanas a contar da data da propositura da acção para que os tribunais se declarem competente em caso de transferência do processo para um tribunal de outro Estado‑Membro mais bem colocado para conhecer do processo.


64 – A problemática aqui abordada é diferente da suscitada no acórdão Gasser, já referido, nos termos do qual o Tribunal de Justiça tinha decidido que «o artigo 21.° da Convenção de Bruxelas [de 27 de Setembro de 1968] deve ser interpretado no sentido de que as suas disposições não podem ser derrogadas quando, de uma maneira geral, a duração dos processos nos órgãos jurisdicionais do Estado contratante onde se situa o tribunal no qual a acção foi proposta em primeiro lugar é excessivamente longa» (n.° 70). Com efeito, por um lado, a abordagem que proponho não é geral mas casuística, por outro, não viola o princípio da confiança mútua, dado que só na falta de resposta do primeiro tribunal é que o segundo tribunal poderá decidir prosseguir a instância, e, finalmente, garante a segurança jurídica das partes, na medida em que estas saberão num prazo curto se há ou não litispendência.


65 – A advogada‑geral J. Kokott pronunciou‑se igualmente neste sentido, relativamente ao artigo 19.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2201/2003: «[o] tribunal em que o processo foi intentado em segundo lugar não pode prosseguir o processo por considerar que o tribunal em que processo foi intentado em primeiro lugar é incompetente» (n.° 31 das conclusões apresentadas no processo Hadadi, acórdão de 16 de Julho de 2009, C‑168/08,Colect., p. I‑6871). Em meu entender, a obrigação de suspender oficiosamente a instância, mas não de renunciar ab initio à sua competência, impõe‑se em todas as circunstâncias.


66 – Comparar com o n.° 75 do acórdão Purrucker I, já referido. Na verdade, o juiz que se deve declarar incompetente não deve proceder a um controlo de competência quando, em aplicação do artigo 24.° do Regulamento n.° 2201/2003, não pudesse exercer tal controlo relativamente à decisão a tomar pelo juiz de outro Estado‑Membro se esta fosse tomada e lhe fosse submetida para efeitos de execução.


67 – V. acórdão Purrucker I, já referido (n.os 71 e segs.). A este respeito, gostaria de fazer uma observação relativamente à obrigação que incumbe aos tribunais dos Estados‑Membros de fundamentarem expressamente a sua competência internacional quanto ao mérito, por referência a um dos critérios de competência indicados nos artigos 8.° a 14.° deste regulamento, enunciada no n.° 76 do referido acórdão. Observo que, na prática, isso raramente será feito oficiosamente pelo juiz quando as partes não suscitam uma excepção de incompetência ou quando o factor de estraneidade controvertido não estava presente no momento em que a acção lhe foi submetida.


68 – Dispositivo do acórdão, já referido. O Tribunal de Justiça indicou porém que «[o] facto de medidas abrangidas pelo artigo 20.° do Regulamento n.° 2201/2003 não beneficiarem do sistema de reconhecimento e de execução nele previsto não impede, no entanto, o reconhecimento e a execução dessas medidas noutro Estado‑Membro, como referiu a advogada‑geral no n.° 176 das suas conclusões. Com efeito, outros instrumentos internacionais ou outras legislações nacionais podem ser utilizados, observado que esteja o referido regulamento» (n.° 92).


69 – No mesmo sentido, v. n.° 169 das conclusões da advogada‑geral E. Sharpston no processo Purrucker I, já referido: «[o] simples facto de actuar apenas com base no artigo 20.° significa que a sua competência não pode ser estabelecida para os efeitos do artigo 19.°, de modo que o processo nele instaurado não despoleta as regras da litispendência».


70 – Segundo os elementos fornecidos pelo tribunal de reenvio, em direito alemão, apenas são decretadas medidas provisórias se tiver sido intentada uma acção principal, enquanto em direito espanhol parece que pode ser apresentado um pedido isolado de medidas provisórias.