Language of document : ECLI:EU:C:2015:10

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

15 de janeiro de 2015 (*)

«Reenvio prejudicial ― Diretiva 96/9/CE ― Proteção jurídica das bases de dados ― Base de dados que não está protegida pelo direito de autor nem pelo direito sui generis ― Limitação contratual dos direitos dos utilizadores da base de dados»

No processo C‑30/14,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Hoge Raad der Nederlanden (Países Baixos), por decisão de 17 de janeiro de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 22 de janeiro de 2014, no processo

Ryanair Ltd

contra

PR Aviation BV,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, presidente de secção, K. Lenaerts (relator), vice‑presidente do Tribunal de Justiça, J.‑C. Bonichot, A. Arabadjiev e J. L. da Cruz Vilaça, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: C. Strömholm,

vistos os autos e após a audiência de 12 de novembro de 2014,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação da Ryanair Ltd, inicialmente, por M. van Heezik, A. van Aerde e R. Le Poole e, em seguida, por A. van Aerde e R. Le Poole, advocaten,

¾        em representação da PR Aviation BV, por A. Groen, advocaat,

¾        em representação da Comissão Europeia, por J. Samnadda e F. Wilman, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 96/9/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de março de 1996, relativa à proteção jurídica das bases de dados (JO L 77, p. 20).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Ryanair Ltd (a seguir «Ryanair») à PR Aviation BV (a seguir «PR Aviation»), a respeito da utilização, por esta última, de dados provenientes do sítio Internet da Ryanair.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        A Diretiva 96/9 tem quatro capítulos.

4        No capítulo I da Diretiva 96/9, intitulado «Âmbito de aplicação», o seu artigo 1.°, sob a mesma epígrafe, dispõe, nos seus n.os 1 e 2:

«1.      A presente diretiva diz respeito à proteção jurídica das bases de dados, seja qual for a forma de que estas se revistam.

2.      Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por ‘base de dados’, uma coletânea de obras, dados ou outros elementos independentes, dispostos de modo sistemático ou metódico e suscetíveis de acesso individual por meios eletrónicos ou outros.»

5        No capítulo II da diretiva, intitulado «Direito de autor», figura o artigo 3.°, sob a epígrafe «Objeto da proteção», cujo n.° 1 prevê:

«Nos termos da presente diretiva, as bases de dados que, devido à seleção ou disposição das matérias, constituam uma criação intelectual específica do respetivo autor, serão protegidas nessa qualidade pelo direito de autor. Não serão aplicáveis quaisquer outros critérios para determinar se estas podem beneficiar dessa proteção.»

6        No capítulo II, o artigo 5.° da referida diretiva, sob a epígrafe «Atos sujeitos a restrições», tem a seguinte redação:

«O autor de uma base de dados beneficia do direito exclusivo de efetuar ou autorizar os seguintes atos relativos à forma de expressão protegida pelo direito de autor:

a)      Reprodução permanente ou provisória, total ou parcial, por quaisquer meios e sob qualquer forma;

b)      Tradução, adaptação, transformação ou qualquer outra modificação;

c)      Qualquer forma de distribuição da base ou de uma cópia ao público. […]

d)      Qualquer comunicação, exposição ou representação pública;

e)      Qualquer reprodução, distribuição, comunicação, exposição ou representação pública dos resultados dos atos citados na alínea b).»

7        No mesmo capítulo II, o artigo 6.°, n.° 1, da mesma diretiva, sob a epígrafe «Exceções aos atos sujeitos a restrições», dispõe:

«O utilizador legítimo de uma base de dados ou das suas cópias pode efetuar todos os atos enumerados no artigo 5.°, necessários para aceder ao conteúdo da base de dados e para a utilizar em condições normais sem autorização do autor da base. Se o utilizador legítimo estiver autorizado a utilizar apenas uma parte da base de dados, o presente número é aplicável unicamente a essa parte.»

8        No capítulo III da Diretiva 96/9, intitulado «Direito sui generis», figura o artigo 7.°, sob a epígrafe «Objeto da proteção», que dispõe, nos seus n.os 1 e 5:

«1.      Os Estados‑Membros instituirão o direito de o fabricante de uma base de dados proibir a extração e/ou a reutilização da totalidade ou de uma parte substancial, avaliada qualitativa ou quantitativamente, do conteúdo desta, quando a obtenção, verificação ou apresentação desse conteúdo representem um investimento substancial do ponto de vista qualitativo ou quantitativo.

[…]

5.      Não serão permitidas a extração e/ou reutilização [repetidas] e sistemáticas de partes não substanciais do conteúdo da base de dados que pressuponham atos contrários à exploração normal dessa base, ou que possam causar um prejuízo injustificado aos legítimos interesses do fabricante da base.»

9        No mesmo capítulo III figura o artigo 8.° da mesma diretiva, sob a epígrafe «Direitos e obrigações do utilizador legítimo», que dispõe:

«1.      O fabricante de uma base de dados posta à disposição do público, seja por que meio for, não pode impedir o utilizador legítimo dessa base de extrair e/ou reutilizar partes não substanciais do respetivo conteúdo, avaliadas qualitativa ou quantitativamente, para qualquer efeito. Se o utilizador legítimo estiver autorizado a extrair e/ou a reutilizar apenas uma parte da base de dados, o presente número é aplicável unicamente a essa parte.

2.      O utilizador legítimo de uma base de dados posta à disposição do público, seja por que meio for, não pode praticar quaisquer atos que colidam com a exploração normal dessa base, ou lesem injustificadamente os legítimos interesses do fabricante da base.

3.      O utilizador legítimo de uma base de dados posta à disposição do público, seja por que meio for, não pode prejudicar o titular de um direito de autor ou de um direito conexo sobre obras ou prestações contidas nessa base.»

10      No capítulo IV da Diretiva 96/9, intitulado «Disposições comuns», o artigo 15.°, sob a epígrafe «Caráter imperativo de certas disposições», enuncia:

«É nula qualquer disposição contratual contrária ao n.° 1 do artigo 6.° e ao artigo 8.°»

 Direito neerlandês

11      A Diretiva 96/9 foi transposta para o direito neerlandês pela Lei de adaptação da legislação neerlandesa à Diretiva 96/9/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de março de 1996, relativa à proteção jurídica das bases de dados (Wet houdende aanpassing van de Nederlandse wetgeving aan richtlijn 96/9/EG van het Europees Parlement en de Raad van 11 maart 1996 betreffende de rechtsbescherming van databanken), de 8 de julho de 1999 (Stb. 1999, p. 303; a seguir «lei sobre as bases de dados»).

12      A Lei dos direitos de autor (Auteurswet, a seguir «Aw») dispõe, no seu artigo 1.°:

«O direito de autor é o direito exclusivo do autor de uma obra literária, científica ou artística, ou dos seus sucessores, de a divulgar e reproduzir, sob reserva das limitações previstas pela lei.»

13      O artigo 10.º da Aw dispõe:

«1.       Para efeitos da presente lei, entende‑se por obra literária, científica ou artística:

1°      os livros, folhetos, jornais, revistas e todos os outros escritos;

[…]

3.      As coletâneas de obras, de dados ou de outros elementos independentes, dispostos de modo sistemático ou metódico e individualmente acessíveis por meios eletrónicos ou por outra forma, são, sem prejuízo de outros direitos sobre a coletânea e sem prejuízo do direto de autor ou de outros direitos sobre as obras, dados ou outros elementos contidos na coletânea, protegidos como obras independentes.

[…]»

14      Nos termos do artigo 24.°a da Aw:

«1.      Não é considerada uma infração do direito de autor sobre uma coletânea, na aceção do artigo 10.°, n.° 3, a reprodução feita pelo utilizador legítimo da coletânea, que é necessária para obter o acesso à coletânea de dados e fazer uma utilização normal.

[…]

3.      Os n.os 1 e 2 não podem ser derrogados por contrato em prejuízo do utilizador legítimo.»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

15      A PR Aviation explora um sítio Internet onde os consumidores podem fazer buscas nos dados de voo das companhias aéreas de baixo custo, comparar os preços e, mediante o pagamento de uma comissão, reservar um voo. A PR Aviation obtém os dados necessários para responder a uma busca individual, por via automatizada, designadamente, a partir de uma coletânea de dados ligada ao sítio Internet da Ryanair, igualmente acessível aos consumidores.

16      O acesso ao referido sítio Internet pressupõe que o visitante aceita a aplicação das condições gerais da Ryanair, preenchendo uma quadrícula para esse efeito. Na data dos factos do processo principal, essas condições continham as seguintes cláusulas:

«2.      Distribuição exclusiva. Este sítio Internet e o centro de chamadas telefónicas da Ryanair são os distribuidores exclusivos dos serviços da Ryanair. A Ryanair.com é o único sítio Internet autorizado a vender voos da Ryanair. A Ryanair não autoriza outros sítios a vender os seus voos, quer para reservas de voos simples quer para reservas fixas e estadas (package). […]

3.      Utilizações permitidas. A utilização deste sítio Internet só é permitida para os seguintes fins privados e não comerciais: (i) consultar este sítio Internet; (ii) efetuar reservas; (iii) verificar/alterar reservas; (iv) consultar informações sobre chegadas/partidas; (v) efetuar check‑in em linha; (vi) consultar outros sítios Internet através de ligações fornecidas neste sítio Internet; (vii) utilizar outras funcionalidades eventualmente disponibilizadas neste sítio Internet.

É proibida a utilização de sistemas automatizados ou de software para extrair dados desse sítio Internet ou do sítio Internet www.bookryanair.com, para fins comerciais (captura de dados no ecrã) (‘screen scraping’), exceto se os terceiros tiverem celebrado um contrato de licença por escrito com a Ryanair, nos termos do qual é autorizado o acesso à parte em questão, unicamente com o objetivo de comparação de preços, às informações da Ryanair sobre os preços, voos e horários.»

17      Invocando a Diretiva 96/9, a lei sobre as bases de dados e a Aw, a Ryanair alega que a PR Aviation violou os seus direitos sobre a sua coletânea de dados e agiu sem observar as condições gerais de utilização do seu sítio Internet, contudo aceites pela PR Aviation. A Ryanair pediu que a PR Aviation fosse condenada a abster‑se de qualquer infração aos seus direitos, sob pena do pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, bem como de lhe pagar uma indemnização.

18      Por sentença de 28 de julho de 2010, o Rechtbank Utrecht (tribunal d’Utrecht) negou provimento ao pedido da Ryanair na medida em que era baseado na violação da Diretiva 96/9 e da lei sobre as bases de dados. Em contrapartida, deu provimento ao pedido enquanto baseado na Aw e condenou a PR Aviation a abster‑se de qualquer violação dos direitos de autor da Ryanair sobre os seus dados de voos, bem como a indemnizá‑la pelo prejuízo sofrido.

19      A PR Aviation interpôs recurso desta sentença. A Ryanair interpôs um recurso subordinado com o objetivo de contestar a apreciação do Rechtbank Utrecht segundo a qual ela não pode beneficiar da proteção prevista na Diretiva 96/9 e na lei sobre as bases de dados.

20      Por acórdão de 13 de março de 2012, o Gerechtshof te Amsterdam (Tribunal de Recuso de Amesterdão) anulou a sentença do Rechtbank Utrecht e negou provimento ao recurso subordinado interposto pela Ryanair.

21      Em substância, decidiu, no que diz respeito ao direito de autor, que, mesmo partindo do princípio de que as informações digitais tornadas públicas pela Ryanair estão abrangidas pela proteção dos escritos («geschriftenbescherming»), no sentido do artigo 10.°, n.° 1, 1°, da Aw, a PR Aviation não tinha infringido os direitos da Ryanair, dado que o seu comportamento correspondia a uma utilização normal, no sentido do artigo 24.°a, n.° 1, da Aw, e, portanto, legítima, do sítio Internet da Ryanair. Acrescentou que a proibição, contida nas condições gerais da Ryanair, de utilizar o seu sítio Internet para fins comerciais não era suscetível de infirmar a conclusão anterior, tendo em conta, especialmente, o artigo 24.°a, n.° 3, da Aw, que corresponde ao artigo 15.° da Diretiva 96/9.

22      No que diz respeito ao direito sui generis, o Gerechtshof te Amsterdam considerou que a Ryanair não tinha provado a existência de um «investimento substancial» na criação da sua coletânea de dados, no sentido da Diretiva 96/9 e da lei sobre as bases de dados.

23      A Ryanair interpôs recurso do acórdão do Gerechtshof te Amsterdam para o Hoge Raad der Nederlanden (Tribunal Supremo dos Países Baixos). Em apoio do seu recurso, invoca um único fundamento que está dividido em duas partes.

24      Na primeira parte do fundamento, a Ryanair critica a apreciação do Gerechtshof segundo a qual ela não pode beneficiar da proteção dos escritos, no sentido do artigo 10.°, n.° 1, 1º, da Aw.

25      A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio considera, todavia, que nenhum outro critério, a não ser o da originalidade, pode intervir para efeitos da proteção do direito de autor. Sublinhando que decorre do acórdão do Gerechtshof te Amsterdam que a coletânea de dados da Ryanair não cumpre este critério, concluiu que essa parte do fundamento suscitado pela Ryanair não pode levar à anulação desse acórdão.

26      Na segunda parte do seu fundamento de recurso, invocada a título subsidiário, a Ryanair alega, em substância, que foi sem razão que o Gerechtshof te Amsterdam considerou que o facto de a PR Aviation ter desobedecido à proibição contratual que lhe foi imposta, de extrair dados da base da Ryanair para fins comerciais sem ter celebrado um contrato de licença escrito com esta última sociedade, não era constitutivo de um incumprimento da PR Aviation.

27      A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à questão de saber se o âmbito de aplicação da Diretiva 96/9 engloba as bases de dados que não são protegidas nem pelo direito de autor, ao abrigo do capítulo II da diretiva, nem pelo direito sui generis, ao abrigo do capítulo III da referida diretiva, e se, portanto, os limites à liberdade contratual que decorrem dos artigos 6.°, n.° 1, 8.° e 15.° da mesma diretiva são também válidos para essas bases de dados.

28      Nestas circunstâncias, o Hoge Raad der Nederlanden decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O âmbito de aplicação da [Diretiva 96/9] inclui as bases de dados online que não são protegidas nem pelo direito de autor, ao abrigo do capítulo II [desta] diretiva, nem pelo direito sui generis, ao abrigo do capítulo III [da mesma diretiva], no sentido de que a liberdade de utilizar essas bases de dados, ex vi (ou mediante aplicação analógica) [dos] artigo[s] 6.°, n.° 1, e 8.°, em conjugação com o artigo 15.° [da Diretiva 96/9], não pode ser contratualmente limitada?»

 Quanto à questão prejudicial

29      Através da sua questão, que assenta na premissa segundo a qual a coletânea de dados da Ryanair, em causa no processo principal, constitui uma base de dados na aceção do artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 96/9, que não é, contudo, protegida pelo direito de autor, ao abrigo do capítulo II desta diretiva, nem pelo direito sui generis, ao abrigo do capítulo III da mesma diretiva, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, este órgão pergunta, no essencial, se a Diretiva 96/9 deve ser interpretada no sentido de que, tendo em conta a aplicação conjugada dos seus artigos 6.°, n.° 1, 8.° e 15.°, a liberdade de utilizar essa base de dados não pode ser contratualmente limitada.

30      A título liminar, convém recordar que, em conformidade com jurisprudência constante, uma diretiva não pode, por si mesma, criar obrigações a um particular, nem, por conseguinte, ser invocada, enquanto tal, contra ele (v., designadamente, acórdãos Faccini Dori, C‑91/92, EU:C:1994:292, n.° 20; Kücükdeveci, C‑555/07, EU:C:2010:21, n.° 46; e Dominguez, C‑282/10, EU:C:2012:33, n.° 37).

31      É igualmente jurisprudência constante que, ao aplicar o direito interno, os órgãos jurisdicionais nacionais são obrigados a interpretá‑lo, na medida do possível, à luz do texto e da finalidade da diretiva em causa (v., designadamente, acórdãos Pfeiffer e o., C‑397/01 a C‑403/01, EU:C:2004:584, n.° 114; Kücükdeveci, EU:C:2010:21, n.° 48, e Dominguez, EU:C:2012:33, n.° 24).

32      Feitas estas precisões preliminares, convém salientar que, no capítulo I da Diretiva 96/9, o artigo 1.°, n.° 2, define o conceito de «base de dados».

33      Embora, como salienta a PR Aviation, a referida disposição confira a esse conceito um vasto âmbito, sem considerações de ordem formal, técnica ou material (v., neste sentido, acórdão Fixtures Marketing, C‑444/02, EU:C:2004:697, n.os 20 à 32), também é um facto que a definição contida no artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 96/9 deve ser interpretada, segundo os seus próprios termos, «[p]ara efeitos da presente diretiva».

34      Ora, nos termos do artigo 1.°, n.° 1, da Diretiva 96/9, esta tem por objeto a «proteção jurídica das bases de dados». A este propósito, a diretiva institui duas formas de proteção jurídica destas bases. A primeira forma, regida pelos artigos 3.° a 6.° da referida diretiva, que fazem parte do seu capítulo II, consiste na proteção pelo direito de autor e é aplicável, nos termos do artigo 3.°, n.° 1, da mesma diretiva, às bases de dados que, pela seleção ou disposição das matérias, constituam uma criação intelectual específica do respetivo autor. A segunda forma, regida pelos artigos 7.° a 11.° da Diretiva 96/9, que fazem parte do seu capítulo III, consiste na proteção por um direito sui generis e é aplicável, nos termos do artigo 7.°, n.° 1, da mesma diretiva, às bases de dados cuja obtenção, verificação ou apresentação do conteúdo representem um investimento substancial do ponto de vista qualitativo ou quantitativo. Estas duas formas de proteção jurídica são objeto de disposições comuns nos artigos 12.° a 16.° da referida diretiva, que fazem parte do seu capítulo IV.

35      Por conseguinte, a circunstância de uma base de dados corresponder aos elementos da definição contida no artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 96/9 não permite considerar, contrariamente ao que sustenta a PR Aviation, que lhe sejam aplicáveis as disposições dessa diretiva que regulam o direito de autor e/ou o direito sui generis, se ela não cumprir o requisito de aplicação da proteção pelo direito de autor previsto no artigo 3.°, n.° 1, da dita diretiva nem o requisito de aplicação da proteção pelo direito sui generis previsto no artigo 7.°, n.° 1, da mesma diretiva.

36      Quanto às disposições da Diretiva 96/9 especificamente referidas pelo órgão jurisdicional de reenvio na sua questão, convém acrescentar que o artigo 6.°, n.° 1, desta diretiva, que, sob determinadas condições, autoriza o utilizador legítimo de uma base de dados a efetuar, sem autorização do autor dessa base, os atos enumerados no artigo 5.° da dita diretiva, faz parte, como este último artigo, do capítulo da diretiva consagrado ao direito de autor e não é, por conseguinte, aplicável às bases de dados que não são protegidas por este direito.

37      O artigo 8.° da Diretiva 96/9, que prevê, designadamente, os direitos do utilizador legítimo de uma base de dados, figura, por seu turno, no capítulo da diretiva consagrado ao direito sui generis e não é, por conseguinte, aplicável às bases de dados que não são protegidas por este direito.

38      Quanto ao artigo 15.° da Diretiva 96/9, que consagra o caráter imperativo de certas disposições da mesma diretiva ao declarar nula qualquer disposição contratual contrária a estas, visa expressamente apenas os artigos 6.°, n.° 1, e 8.° da referida diretiva.

39      Resulta assim do objeto e da estrutura da Diretiva 96/9 que os seus artigos 6.°, n.° 1, 8.° e 15.°, que instituem direitos de caráter imperativo a favor dos utilizadores legítimos de uma base de dados, não são aplicáveis a uma base de dados que não é protegida pelo direito de autor nem pelo direito sui generis, previstos na diretiva, de modo que esta não se opõe à adoção de cláusulas contratuais que tenham por objeto as condições de utilização dessa base de dados.

40      Esta análise é corroborada pela economia geral da Diretiva 96/9. Como sublinharam a Ryanair e a Comissão Europeia, esta diretiva assenta num equilíbrio entre, por um lado, os direitos da pessoa que criou uma base de dados e, por outro, os direitos dos utilizadores legítimos dessa base de dados, concretamente, os terceiros autorizados por essa pessoa a utilizar a referida base. Neste contexto, a aplicação dos artigos 6.º, n.° 1, 8.° e 15.° da Diretiva 96/9, que conferem direitos a esses utilizadores legítimos e, dessa maneira, limitam os direitos da pessoa que criou a base de dados, só é possível com uma base de dados sobre a qual o seu criador dispõe de direitos ao abrigo do direito de autor reconhecido no artigo 5.° da mesma diretiva, ou do direito sui generis reconhecido no seu artigo 7.° Em contrapartida, não são aplicáveis se se tratar de uma base de dados cujo criador não usufrui, ao abrigo da Diretiva 96/9, de nenhum dos direitos anteriormente mencionados.

41      Contrariamente ao alegado pela PR Aviation, esta interpretação da Diretiva 96/9 não pode reduzir o interesse de reivindicar a proteção jurídica instituída pela referida diretiva, na medida em que o criador de uma base de dados protegida pela mesma diretiva não dispõe, diferentemente do criador de uma base de dados não protegida pela diretiva, da liberdade contratual de limitar os direitos dos utilizadores da sua base.

42      Com efeito, essa argumentação não tem em consideração o interesse jurídico e económico que o regime de proteção automática, harmonizado nos Estados‑Membros, representa para a pessoa que investiu na criação de uma base de dados, que está ligado ao direito exclusivo, ao abrigo dos direitos de autor, de reservar para si os diferentes atos referidos no artigo 5.° da Diretiva 96/9, bem como ao direito de proibir, ao abrigo do direito sui generis, os atos previstos nos artigos 7.°, n.os 1 e 5, e 8.°, n.° 2, desta diretiva. Como a Comissão sublinhou na audiência, o benefício desta proteção não pressupõe o cumprimento de qualquer formalidade administrativa e não impõe nenhum compromisso convencional prévio.

43      Assim sendo, se o criador de uma base de dados protegida pela Diretiva 96/9 decidir autorizar a utilização da sua base de dados ou de uma cópia desta, poderá, como confirma o considerando 34 da diretiva, limitar essa utilização através de um contrato de licença celebrado com o utilizador legítimo, que precise, respeitando as disposições da dita diretiva, os «fins e [a] forma» de utilizar a referida base de dados ou a sua cópia.

44      Em contrapartida, tratando‑se de uma base de dados à qual a Diretiva 96/9 não é aplicável, o seu criador não beneficia do regime de proteção jurídica instituído pela diretiva, de modo que apenas pode invocar uma proteção da sua base de dados com fundamento no direito nacional aplicável.

45      Tendo em conta todas as considerações precedentes, deve responder‑se à questão colocada que a Diretiva 96/9 deve ser interpretada no sentido de que não é aplicável a uma base de dados que não é protegida pelo direito de autor nem pelo direito sui generis nos termos da diretiva, de modo que os artigos 6.°, n.° 1, 8.° e 15.° da diretiva não impedem o criador dessa base de dados de estabelecer limites contratuais à sua utilização por terceiros, sem prejuízo do direito nacional aplicável.

 Quanto às despesas

46      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

A Diretiva 96/9/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de março de 1996, relativa à proteção jurídica das bases de dados, deve ser interpretada no sentido de que não é aplicável a uma base de dados que não é protegida pelo direito de autor nem pelo direito sui generis nos termos da diretiva, de modo que os artigos 6.°, n.° 1, 8.° e 15.° da diretiva não impedem o criador dessa base de dados de estabelecer limites contratuais à sua utilização por terceiros, sem prejuízo do direito nacional aplicável.

Assinaturas


* Língua do processo: neerlandês.