Language of document : ECLI:EU:C:2012:475

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

19 de julho de 2012 (*)

«Segurança social dos trabalhadores migrantes — Regulamento (CE) n.° 987/2009 — Artigo 44.°, n.° 2 — Análise do direito a pensão de velhice — Contagem dos períodos de educação de filhos cumpridos noutro Estado‑Membro — Aplicabilidade — Artigo 21.° TFUE — Livre circulação de cidadãos»

No processo C‑522/10,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Sozialgericht Würzburg (Alemanha), por decisão de 29 de outubro de 2010, entrado no Tribunal de Justiça em 9 de novembro de 2010, no processo

Doris Reichel‑Albert

contra

Deutsche Rentenversicherung Nordbayern,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente de secção, J. Malenovský, R. Silva de Lapuerta, G. Arestis e D. Šváby (relator), juízes,

advogado‑geral: N. Jääskinen,

secretário: A. Impellizzeri, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 12 de janeiro de 2012,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação de Doris Reichel‑Albert, por J. Schwach, Rechtsanwalt,

¾        em representação da Deutsche Rentenversicherung Nordbayern, por W. Willeke, Direktor,

¾        em representação do Governo alemão, por T. Henze e J. Möller, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer, na qualidade de agente,

¾        em representação da Comissão Europeia, por V. Kreuschitz e M. van Hoof, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 1 de março de 2012,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 44.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 987/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento (CE) n.° 883/2004 relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (JO L 284, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe D. Reichel‑Albert à Deutsche Rentenversicherung Nordbayern (a seguir «DRN»), devido à recusa de esta tomar em consideração e imputar, para efeitos de cálculo da futura pensão de velhice de D. Reichel‑Albert, os «períodos dedicados à educação dos filhos» e os «períodos a tomar em consideração» por ela cumpridos na Bélgica.

 Quadro jurídico

 Regulamentação da União

 Regulamento (CEE) n.° 1408/71

3        O artigo 13.°, n.° 2, do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade (JO L 149, p. 2; EE 05 F1 p. 98), prevê uma série de regras com vista a determinar a legislação aplicável na matéria. Estas regras aplicam‑se sem prejuízo dos artigos 14.° a 17.° deste regulamento, que contém diversas regras especiais.

4        O artigo 13.°, n.° 2, alínea a), deste regulamento dispõe:

«A pessoa que exerça uma atividade assalariada no território de um Estado‑Membro está sujeito à legislação desse Estado, mesmo se residir no território de outro Estado‑Membro ou se a empresa ou entidade patronal que a emprega tiver a sua sede ou domicílio no território de outro Estado‑Membro.»

5        O artigo 13.°, n.° 2, alínea f), do Regulamento n.° 1408/71, introduzido pelo Regulamento (CEE) n.° 2195/91 do Conselho, de 25 de junho de 1991, que altera o Regulamento n.° 1408/71 e o Regulamento (CEE) n.° 574/72, que estabelece as regras de aplicação do Regulamento n.° 1408/71 (JO L 206, p. 2), com efeitos a partir de 29 de julho de 1991, prevê:

«A pessoa à qual a legislação de um Estado‑Membro deixa de ser aplicável, sem que lhe seja aplicável a legislação de um outro Estado‑Membro em conformidade com uma das regras enunciadas nas alíneas precedentes ou com uma das exceções ou regras especiais constantes dos artigo 14.° a 17.°, está sujeita à legislação do Estado‑Membro no território do qual reside, de acordo com as disposições desta legislação.»

 Regulamento (CE) n.° 883/2004

6        O Regulamento (CE) n.° 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (JO L 166, p. 1), entrado em vigor em 20 de maio de 2004, tem por objeto coordenar os sistemas nacionais de segurança social. Nos termos do artigo 91.°, é aplicável a partir da data de entrada em vigor do seu regulamento de aplicação, o Regulamento n.° 987/2009, ou seja, em 1 de maio de 2010, e substitui o dispositivo anterior, modernizando‑o e simplificando‑o.

7        O artigo 87.° do Regulamento n.° 883/2004, que estabelece «Disposições transitórias», dispõe:

«1.      O presente regulamento não confere qualquer direito em relação a um período anterior à data da sua aplicação.

2.      Qualquer período de seguro, bem como, se for caso disso, qualquer período de emprego, de atividade por conta própria ou de residência cumprido ao abrigo da legislação de um Estado‑Membro antes da data de aplicação do presente regulamento num dado Estado‑Membro é tido em consideração para a determinação dos direitos adquiridos ao abrigo do presente regulamento.

3.      Sem prejuízo do n.° 1, um direito é adquirido ao abrigo do presente regulamento mesmo que se refira a uma eventualidade ocorrida antes da data da sua aplicação num dado Estado‑Membro.

[…]»

 Regulamento n.° 987/2009

8        O Regulamento n.° 987/2009 estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento de base n.° 883/2004, em conformidade com o artigo 89.° do mesmo.

9        O artigo 44.° do Regulamento n.° 987/2009, que tem por epígrafe «Contagem dos períodos de educação de filhos», dispõe:

«1.      Para efeitos do presente artigo, entende‑se por ‘período de educação de filhos’ qualquer período que seja tomado em consideração ao abrigo da legislação sobre pensões de um Estado‑Membro ou relativamente ao qual um suplemento de pensão seja concedido explicitamente pelo facto de uma pessoa ter educado um filho, independentemente do método utilizado para calcular tal período e de este ser contabilizado durante o tempo da educação do filho ou de ser retroativamente reconhecido.

2.      Sempre que, ao abrigo da legislação do Estado‑Membro competente nos termos do título II do regulamento de base, não sejam tomados em consideração quaisquer períodos de educação de filhos, a instituição do Estado‑Membro cuja legislação nos termos do título II do regulamento de base era aplicável à pessoa em causa devido ao exercício de uma atividade por conta de outrem ou por conta própria à data em que, ao abrigo da referida legislação, o período de educação de filhos começou a ser tomado em consideração relativamente ao descendente em causa, continua a ser responsável pela contagem deste período de educação de filhos, nos termos da sua legislação, como se a educação de filhos tivesse ocorrido no seu próprio território.

[…]»

10      O artigo 93.° deste regulamento, que tem por epígrafe «Disposições transitórias», está redigido nestes termos:

«O disposto no artigo 87.° do regulamento de base é aplicável às situações abrangidas pelo regulamento de aplicação.»

 Legislação alemã

11      A legislação alemã prevê dois mecanismos de tomada em conta do período de educação de filhos, no quadro do regime legal das pensões de velhice. O primeiro consiste na contagem dos períodos dedicados à educação de filhos («Kindererziehungszeiten») como períodos de cotização obrigatória para o regime legal de seguro de velhice, permitindo desta forma contabilizar os referidos períodos para o cálculo do período de carência exigido para beneficiar de uma pensão de reforma. O segundo consiste nos períodos a tomar em consideração («Berücksichtigungszeiten»), os quais não criam direito a pensão, mas entram no cálculo de certos períodos de carência, preservam a proteção reconhecida às pessoas com capacidade limitada para assegurar a sua subsistência e têm um efeito positivo no valor atribuído aos períodos sem cotização.

12      O § 56 do livro VI do Código da Segurança Social (Sozialgesetzbuch, a seguir «SGB VI»), que tem por título «Períodos de educação de um filho», dispõe:

«1)      Os períodos de educação de um filho são os períodos dedicados à educação de um filho, até aos três anos de idade. Um período de educação é imputado a um dos progenitores do filho (§ 56, n.° 1, primeiro período, ponto 3, e n.° 3, pontos 2 e 3, do livro I), se

1.      o período de educação for atribuível a esse progenitor,

2.      a educação tiver ocorrido no território da República Federal da Alemanha ou se a tal for equiparável e

3.      a imputação do período de educação não for excluída para esse progenitor.

[…]

3)      O período de educação ocorreu no território da República Federal da Alemanha se o progenitor que dela esteve encarregado aí tiver residido habitualmente com o filho. É equiparada à educação no território da República Federal da Alemanha a situação em que o progenitor encarregado da educação residiu habitualmente com o seu filho no estrangeiro e aí cumpriu períodos de cotização obrigatória durante a educação ou imediatamente antes do nascimento do filho, a título da atividade por conta de outrem ou por conta própria que aí exerceu. Em caso de residência comum no estrangeiro dos cônjuges ou parceiros de facto, tal aplica‑se igualmente ao caso em que o cônjuge ou parceiro do progenitor encarregado da educação tiver cumprido tais períodos de cotização obrigatória ou não os tiver cumprido apenas por se incluir nas pessoas mencionadas no § 5, n.os 1 e 4, ou por estar isento do seguro obrigatório.

[…]»

13      O § 57 do SGB VI, que tem por título «Períodos a ter em consideração», tem a seguinte redação:

«O período dedicado à educação de um filho, até aos dez anos de idade, constitui um período a tomar em consideração para um dos progenitores, se se verificarem os requisitos para a imputação de um período de educação de um filho […]»

14      Para os filhos nascidos antes de 1 de janeiro de 1992, o § 249 do SGB VI reduz de três anos para doze meses os períodos de cotização a título da educação de um filho.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

15      D. Reichel‑Albert, de nacionalidade alemã, exerceu uma atividade por conta de outrem na Alemanha, onde residiu até 30 de junho de 1980. Em seguida, recebeu um subsídio de desemprego atribuído por este Estado‑Membro, cujo pagamento terminou em 10 de outubro de 1980.

16      De 1 de julho de 1980 a 30 de junho de 1986, residiu na Bélgica com o seu cônjuge, que exercia uma atividade por conta de outrem. O casal teve dois filhos nascidos na Bélgica, respetivamente, em 25 de maio de 1981 e 29 de outubro de 1984.

17      A partir de 1 de janeiro de 1984, D. Reichel‑Albert cotizou voluntariamente para o regime legal de seguro de velhice na Alemanha.

18      Em 1 de julho de 1986, D. Reichel‑Albert, o seu cônjuge e os seus filhos foram oficialmente declarados residentes na Alemanha.

19      Por decisões de 12 de agosto e 28 de outubro de 2008, a DRN rejeitou o pedido de D. Reichel‑Albert para serem tomados em consideração os períodos dedicados à educação dos filhos e os «períodos a ter em consideração» cumpridos durante a sua permanência na Bélgica, com o fundamento de que, durante este período, a educação dos filhos ocorreu no estrangeiro. Apenas os períodos posteriores a 1 de julho de 1986, data a partir da qual a família em causa voltou a estar de novo oficialmente domiciliada na Alemanha, foram levados em consideração a título de educação de filhos. Em 1 de dezembro de 2008, D. Reichel‑Albert apresentou uma reclamação, que a DRN indeferiu por decisão de 29 de janeiro de 2009.

20      As decisões da DRN realçam que, durante a sua permanência na Bélgica, não foi mantida a ligação exigida com a vida profissional na Alemanha, nem por intermédio de uma relação de emprego de D. Reichel‑Albert nem através do seu cônjuge, uma vez que decorreu mais de um mês completo entre o fim da atividade por conta de outrem de D. Reichel‑Albert — incluindo o período de subsídio de desemprego — e o início do período de educação de filhos.

21      Por requerimento de 13 de fevereiro de 2009, D. Reichel‑Albert interpôs no Sozialgericht Würzburg um recurso de anulação da decisão proferida em 29 de janeiro de 2009, em que pedia que a DRN fosse obrigada a tomar em consideração os períodos de 25 de maio de 1981 a 30 de junho de 1986, no que respeita ao primeiro dos seus filhos, e de 29 de outubro de 1984 a 30 de junho de 1986, no que respeita ao segundo. Em apoio do seu recurso, fez alusão aos acórdãos de 23 de novembro de 2000, Elsen (C‑135/99, Colet., p. I‑10409), e de 7 de fevereiro de 2002, Kauer (C‑28/00, Colet., p. I‑1343), e alegou que, à época, não tinha deixado completamente a Alemanha para residir na Bélgica.

22      O Sozialgericht Würzburg considerou que a leitura conjugada do § 56, n.° 3, do SGB VI e do artigo 44.°, n.° 2, do Regulamento n.° 987/2009 não permitia a D. Reichel‑Albert a imputação dos períodos de educação controvertidos dos seus filhos, nem na Alemanha nem na Bélgica, na medida em que ela não exercia nenhuma atividade — por conta de outrem ou por conta própria — à data em que os referidos períodos tinham começado, e que, dessa forma, a interessada seria penalizada pelo exercício do direito de que goza nos termos do artigo 21.° TFUE, o direito de circular e permanecer livremente no território da União Europeia.

23      Nestas condições, o Sozialgericht Würzburg decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 44.°, n.° 2, do Regulamento [n.° 987/2009] ser interpretado no sentido que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro nos termos da qual os períodos de educação dos filhos cumpridos noutro Estado‑Membro da União Europeia só podem ser reconhecidos como períodos cumpridos em território nacional quando o progenitor encarregado da educação tiver residido habitualmente no estrangeiro com o filho e, durante o período de educação ou imediatamente antes do nascimento do filho, tiver cumprido períodos de cotização obrigatória por ter exercido nesse país uma atividade por conta de outrem ou por conta própria ou quando, em caso de residência comum no estrangeiro dos cônjuges ou dos parceiros de facto, o cônjuge ou o parceiro do progenitor encarregado da educação tiver cumprido esses períodos de cotização obrigatória ou não os tiver cumprido por pertencer às pessoas mencionadas no § 5, n.os 1 e 4, do SGB VI, ou por estar isento da obrigação de seguro obrigatório ao abrigo do § 6 do SGB VI (§§ 56, n.° 3, segundo e terceiro períodos, 57 e 249 do SGB VI)?

2)      Deve o artigo 44.°, n.° 2, do Regulamento [n.° 987/2009] ser interpretado no sentido, para além da letra, de que, a título de exceção, devem ser tidos em conta os períodos de educação dos filhos também no caso de não ter sido exercida uma atividade por conta de outrem ou por conta própria, quando, de outra forma, os referidos períodos não sejam computados nos termos da legislação do Estado‑Membro competente nem da de outro Estado‑Membro em que a pessoa tenha residido de forma habitual durante a educação dos filhos?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Observações preliminares quanto à aplicabilidade ratione temporis do artigo 44.° do Regulamento n.° 987/2009

24      Atenta a cronologia da matéria de facto em causa no processo principal, como resulta dos n.os 15 a 21 do presente acórdão, bem como a data de entrada em vigor do Regulamento n.° 987/2009, importa, antes de mais, verificar se o artigo 44.° do referido regulamento, cuja interpretação é pedida pelo órgão jurisdicional de reenvio, é efetivamente aplicável ratione temporis aos factos em causa no processo principal.

25      A este respeito, é jurisprudência assente que, regra geral, o princípio da segurança jurídica se opõe a que o alcance temporal de um ato da União tenha o seu início em data anterior à da publicação desse ato, exceto, a título excecional, quando uma finalidade de interesse geral o exija e a confiança legítima dos interessados seja devidamente respeitada e ainda quando resulte claramente dos termos, da finalidade ou da economia das regras em causa que tal efeito lhes deve ser atribuído (v., neste sentido, acórdão de 19 de março de 2009, Mitsui & Co. Deutschland, C‑256/07, Colet., p. I‑1951, n.° 32 e jurisprudência referida).

26      No artigo 97.° do Regulamento n.° 987/2009, o legislador da União fixou a entrada em vigor deste regulamento em 1 de maio de 2010, sem que nenhum outro considerando ou nenhuma outra disposição do referido regulamento possam ser entendidos como visando fixar numa data anterior à da publicação desse diploma legal o início da aplicação no tempo do artigo 44.° do referido regulamento. Pelo contrário, resulta do artigo 87.°, n.° 1, do Regulamento n.° 883/2004, o qual se aplica às situações regidas pelo Regulamento n.° 987/2009 em conformidade com o artigo 93.° deste, que esse regulamento não atribui direitos para o período anterior à data da sua aplicação, ou seja, 1 de maio de 2010.

27      Ora, à semelhança do advogado‑geral no n.° 40 das suas conclusões, importa salientar que, quando a DNR tomou as decisões controvertidas no processo principal, recusando a D. Reichel‑Albert a tomada em consideração dos períodos de educação controvertidos, o Regulamento n.° 987/2009 não era ainda aplicável.

28      Por conseguinte, o artigo 44.° do Regulamento n.° 987/2009 não é aplicável ratione temporis aos factos em causa no processo principal.

29      Nestas circunstâncias, são, em princípio, as regras da União em matéria de coordenação dos regimes nacionais de segurança social, como resultantes do Regulamento n.° 1408/71, interpretadas à luz das disposições pertinentes do Tratado FUE e, em especial, das relativas à livre circulação de pessoas a que o órgão jurisdicional de reenvio se refere na sua decisão, que devem ser aplicadas aos factos em causa no processo principal.

30      Contudo, o Regulamento n.° 1408/71 não estabelece nenhuma regra específica aplicável à imputação, no âmbito do seguro de velhice, dos períodos consagrados à educação de um filho e cumpridos noutro Estado‑Membro, devendo as questões colocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio ser entendidas como visando, no essencial, determinar se, numa situação como a que está em causa no processo principal, o artigo 21.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que obriga a instituição competente de um primeiro Estado‑Membro a tomar em consideração, para efeitos da concessão de uma pensão de velhice, os períodos consagrados à educação de um filho, cumpridos num segundo Estado‑Membro, como se esses períodos tivessem sido cumpridos no território nacional por uma pessoa que, no momento do nascimento dos seus filhos, tivesse deixado de trabalhar nesse primeiro Estado‑Membro e tivesse temporariamente fixado a sua residência no território do segundo Estado‑Membro sem, contudo, aí ter exercido uma atividade por conta de outrem ou uma atividade por conta própria.

 Quanto às questões prejudiciais

31      Importa, num primeiro momento, determinar qual o Estado‑Membro cuja legislação deve definir ou admitir como períodos equiparados a períodos de seguro propriamente ditos os períodos consagrados pela recorrente no processo principal à educação dos seus filhos, na Bélgica, entre o ano de 1981 e o ano de 1986 e, num segundo momento, na hipótese de a legislação alemã ser a designada, apreciar se as modalidades de tomada em consideração dos períodos de educação de filhos, previstas por tal legislação, são conformes ao artigo 21.° TFUE.

32      Quanto à legislação aplicável, como foi pertinentemente alegado pelo Governo alemão na audiência, o direito à tomada em consideração dos períodos de educação de filhos só pode ser baseado nas disposições legais do Estado‑Membro a que a pessoa em causa estava sujeita no momento do nascimento da criança.

33      Resulta dos autos do processo principal que D. Reichel‑Albert, após ter residido, trabalhado e cotizado para o regime de seguro de velhice na Alemanha, até 30 de junho de 1980, se mudou para a Bélgica, onde continuou a receber um subsídio de desemprego, até 30 de outubro de 1980, e teve duas crianças; em 1 de julho de 1986, reinstalou‑se oficialmente com a sua família, na Alemanha, onde retomou uma atividade profissional regular.

34      Nestas condições, mesmo que se admitisse que devia ser tido em consideração o artigo 13.°, n.° 2, alínea f), introduzido no Regulamento n.° 1408/71 pelo Regulamento n.° 2195/91, isto é, posteriormente ao cumprimento dos períodos consagrados por D. Reichel‑Albert à educação dos seus filhos na Bélgica, essa disposição não seria pertinente, nas circunstâncias do caso no processo principal, no que se refere à relevância dos períodos de educação no âmbito do seguro de velhice (v., neste sentido, acórdão Kauer, já referido, n.° 31).

35      Com efeito, quando uma pessoa, como D. Reichel‑Albert, tiver trabalhado e cotizado exclusivamente num único e mesmo Estado‑Membro, quer anteriormente quer posteriormente à transferência temporária da sua residência, por razões estritamente familiares, para outro Estado‑Membro no qual nunca trabalhou nem cotizou, há que reconhecer que existe uma ligação suficiente entre esses períodos de educação de filhos e os períodos de seguro cumpridos a título do exercício de uma atividade profissional no primeiro Estado‑Membro considerado (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Elsen, n.os 25 a 28, e Kauer, n.° 32). Foi, aliás, devido ao cumprimento destes últimos períodos que D. Reichel‑Albert pediu à DRN que tomasse em consideração os períodos dedicados à educação dos seus filhos durante a interrupção da sua carreira profissional.

36      Em consequência, há que considerar que a legislação alemã é aplicável numa situação como a de D. Reichel‑Albert e que, no que diz respeito à tomada em consideração e à imputação dos períodos dedicados à educação de filhos da interessada no quadro do seguro de velhice, se pode considerar que D. Reichel‑Albert está abrangida pela legislação do Estado‑Membro da sua residência nos períodos em causa (v., neste sentido, acórdão Elsen, já referido, n.° 28).

37      Relativamente às modalidades de tomada em consideração dos períodos de educação de filhos, importa apreciar a compatibilidade, à luz do artigo 21.° TFUE, de disposições nacionais como as que constam dos §§ 56 e 57 do SGB VI, em aplicação das quais, para efeitos da concessão de uma pensão de velhice pela instituição competente de um Estado‑Membro, os períodos de educação de filhos cumpridos fora do território desse Estado‑Membro, contrariamente aos cumpridos no território nacional, só são tomados em consideração quando o progenitor encarregado da educação dos filhos tiver residido habitualmente com o seu filho no estrangeiro e aí tiver adquirido períodos de cotização, durante a educação ou imediatamente antes do nascimento do filho, a título da atividade por conta de outrem ou por conta própria que aí tenha exercido.

38      A este respeito, há que recordar que os Estados‑Membros, embora mantenham a sua competência para organizar os seus sistemas de segurança social, devem, no exercício dessa competência, respeitar o direito da União, em especial as disposições do Tratado relativas à livre circulação dos cidadãos garantida pelo artigo 21.° TFUE (v., neste sentido, acórdãos Elsen, já referido, n.° 33, e de 1 de abril de 2008, Gouvernement de la Communauté française e Gouvernement wallon, C‑212/06, Colet., p. I‑1683, n.° 43).

39      Mais exatamente, o Tribunal de Justiça, no n.° 34 do acórdão Elsen, já referido, teve já a oportunidade de constatar que as disposições em causa no processo principal, numa versão anterior, desfavorecem os nacionais da União que exerceram o seu direito de circular e de permanecer livremente nos Estados‑Membros, garantido pelo artigo 21.° TFUE.

40      Numa situação como a de D. Reichel‑Albert, as disposições em causa conduzem a que uma pessoa que tenha educado os filhos, não tendo adquirido, a título de uma atividade por conta de outrem ou por conta própria, períodos de cotização obrigatórios durante a educação dos seus filhos ou imediatamente antes de eles terem nascido, fica privada, para efeitos da determinação do montante da sua pensão, do direito à contagem dos seus períodos de educação de filhos, pelo simples facto de ter fixado temporariamente a sua residência noutro Estado‑Membro, mesmo que não tenha exercido nenhuma atividade por conta de outrem ou por conta própria neste segundo Estado‑Membro.

41      Deste modo, essa pessoa fica sujeita, no Estado‑Membro de que é nacional, a um tratamento menos favorável do que aquele de que beneficiaria se não tivesse exercido os direitos conferidos pelo Tratado em matéria de livre circulação (v. acórdão de 21 de julho de 2011, Stewart, C‑503/09, Colet., p. I‑6497, n.° 83 e jurisprudência referida).

42      Ora, uma legislação nacional que desfavoreça certos nacionais pelo simples facto de terem exercido o seu direito de livre circulação e de permanência noutro Estado‑Membro gera, portanto, uma desigualdade de tratamento contrária aos princípios subjacentes ao estatuto de cidadão da União, ou seja, a garantia de um mesmo tratamento jurídico no exercício da sua liberdade de circulação (acórdão de 9 de novembro de 2006, Turpeinen, C‑520/04, Colet., p. I‑10685, n.° 22).

43      Além disso, não está demonstrado nem sequer foi alegado pelo Estado‑Membro em causa que uma legislação como a que está em causa no processo principal seja suscetível de ser justificada por considerações objetivas e proporcionada ao objetivo legitimamente prosseguido pelo direito nacional (v., neste sentido, acórdão de 12 de maio de 2011, Runevič Vardyn e Wardyn, C‑391/09, Colet., p. I‑3787, n.° 83 e jurisprudência referida).

44      Por conseguinte, há que concluir que, num contexto como o que está em causa no processo principal, a não consideração dos períodos de educação de filhos, cumpridos fora do território nacional, tal como previsto nos §§ 56 e 57 do SGB VI, é contrária ao artigo 21.° TFUE.

45      Destarte, face às considerações que precedem, é de responder às questões colocadas que, numa situação como a que está em causa no processo principal, o artigo 21.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que obriga a instituição competente de um primeiro Estado‑Membro a tomar em consideração, para efeitos da concessão de uma pensão de velhice, os períodos consagrados à educação dos filhos, cumpridos num segundo Estado‑Membro, como se esses períodos tivessem sido cumpridos no seu território nacional, por uma pessoa que apenas exerceu atividades profissionais nesse primeiro Estado‑Membro e que, no momento em que os seus filhos nasceram, tinha temporariamente deixado de trabalhar e fixado residência, por motivos estritamente familiares, no território do segundo Estado‑Membro.

 Quanto às despesas

46      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

Numa situação como a que está em causa no processo principal, o artigo 21.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que obriga a instituição competente de um primeiro Estado‑Membro a tomar em consideração, para efeitos da concessão de uma pensão de velhice, os períodos consagrados à educação dos filhos, cumpridos num segundo Estado‑Membro, como se esses períodos tivessem sido cumpridos no seu território nacional, por uma pessoa que apenas exerceu atividades profissionais nesse primeiro Estado‑Membro e que, no momento em que os seus filhos nasceram, tinha temporariamente deixado de trabalhar e fixado residência, por motivos estritamente familiares, no território do segundo Estado‑Membro.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.