Language of document : ECLI:EU:C:2018:180

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

14 de março de 2018 (*)

«Reenvio prejudicial — Política social — Artigo 45.o TFUE — Princípio da não discriminação em razão da idade — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 21.o, n.o 1 — Diretiva 2000/78/CE — Artigos 2.o, 6.o e 16.o — Data de referência para efeitos de promoção — Legislação discriminatória de um Estado‑Membro que exclui a tomada em consideração de períodos de atividade efetuados antes de perfazer 18 anos de idade para efeitos da determinação da remuneração — Supressão das disposições contrárias ao princípio da igualdade de tratamento»

No processo C‑482/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Oberlandesgericht Innsbruck (Tribunal Regional Superior de Innsbruck, Áustria), por decisão de 2 de setembro de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de setembro de 2016, no processo

Georg Stollwitzer

contra

ÖBB Personenverkehr AG,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, presidente de secção, J.‑C. Bonichot, A. Arabadjiev (relator), S. Rodin e E. Regan, juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 5 de julho de 2017,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de G. Stollwitzer, por M. Orgler e J. Pfurtscheller, Rechtsanwälte,

–        em representação da ÖBB Personenverkehr AG, por C. Wolf, Rechtsanwalt,

–        em representação do Governo austríaco, por J. Schmoll e G. Hesse, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por D. Martin e B.‑R. Killmann, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 23 de novembro de 2017,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 45.o TFUE, do artigo 21.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e dos artigos 2.o, 6.o e 16.o da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional (JO 2000, L 303, p. 16).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Georg Stollwitzer à ÖBB‑Personenverkehr AG (a seguir «ÖBB»), a respeito da licitude do regime profissional de remuneração instituído pelo legislador austríaco para eliminar uma discriminação em razão da idade.

 Quadro jurídico

 Diretiva 2000/78

3        Nos termos do seu artigo 1.o, a Diretiva 2000/78 «tem por objeto estabelecer um quadro geral para lutar contra a discriminação em razão da religião ou das convicções, de uma deficiência, da idade ou da orientação sexual, no que se refere ao emprego e à atividade profissional, com vista a pôr em prática nos Estados‑Membros o princípio da igualdade de tratamento».

4        O artigo 2.o dessa diretiva prevê:

«1.      Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por “princípio da igualdade de tratamento” a ausência de qualquer discriminação, direta ou indireta, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o

2.      Para efeitos do n.o 1:

a)      Considera‑se que existe discriminação direta sempre que, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o, uma pessoa seja objeto de um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável;

b)      Considera‑se que existe discriminação indireta sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutra seja suscetível de colocar numa situação de desvantagem pessoas com uma determinada religião ou convicções, com uma determinada deficiência, pessoas de uma determinada classe etária ou pessoas com uma determinada orientação sexual, comparativamente com outras pessoas, a não ser que:

i)      essa disposição, critério ou prática sejam objetivamente justificados por um objetivo legítimo e que os meios utilizados para o alcançar sejam adequados e necessários […]

[…]»

5        Nos termos do artigo 3.o, n.o 1, alínea c), a referida diretiva é aplicável, dentro dos limites das competências atribuídas à União Europeia, a todas as pessoas, tanto no setor público como no privado, incluindo os organismos públicos, no que diz respeito às condições de emprego e de trabalho, incluindo, nomeadamente, as condições de remuneração.

6        O artigo 6.o, n.o 1, da mesma diretiva tem a seguinte redação:

«Sem prejuízo do disposto no n.o 2 do artigo 2.o, os Estados‑Membros podem prever que as diferenças de tratamento com base na idade não constituam discriminação se forem objetiva e razoavelmente justificadas, no quadro do direito nacional, por um objetivo legítimo, incluindo objetivos legítimos de política de emprego, do mercado de trabalho e de formação profissional, e desde que os meios para realizar esse objetivo sejam apropriados e necessários.

Essas diferenças de tratamento podem incluir, designadamente:

a)      O estabelecimento de condições especiais de acesso ao emprego e à formação profissional, de emprego e de trabalho, nomeadamente condições de despedimento e remuneração, para os jovens, os trabalhadores mais velhos e os que têm pessoas a cargo, a fim de favorecer a sua inserção profissional ou garantir a sua proteção;

b)      A fixação de condições mínimas de idade, experiência profissional ou antiguidade no emprego para o acesso ao emprego ou a determinadas regalias associadas ao emprego;

[…]»

7        O artigo 16.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2000/78 prevê que os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para assegurar que sejam suprimidas as disposições legislativas, regulamentares e administrativas contrárias ao princípio da igualdade de tratamento.

 Direito austríaco

8        Na sequência do Acórdão de 18 de junho de 2009, Hütter (C‑88/08, EU:C:2009:381), a Bundesgesetz zur Neuordnung der Rechtsverhältnisse der Österreichischen Bundesbahnen (Bundesbahngesetz 1992) [Lei federal relativa à reorganização do regime jurídico dos caminhos de ferro federais austríacos (Lei federal sobre os caminhos de ferro de 1992), BGBl. I, 825/1992)] foi alterada em 2011 (BGBl. I, 129/2011, a seguir «Lei federal dos caminhos de ferro de 2011»). Esta alteração inseriu, no § 53a desta lei e a partir de 1 de janeiro de 2004, uma nova data de referência para efeitos de promoção.

9        No Acórdão de 28 de janeiro de 2015, ÖBB Personenverkehr (C‑417/13, EU:C:2015:38), o Tribunal de Justiça declarou que o regime instituído no § 53a da Lei federal dos caminhos de ferro de 2011 era contrário ao direito da União, especialmente aos artigos 2.o e 6.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78, na medida em que, para pôr termo a uma discriminação em razão da idade, a alteração legislativa que ocorreu tomava em conta os períodos de serviço anteriores aos 18 anos de idade, mas previa simultaneamente, unicamente para os trabalhadores vítimas dessa discriminação, uma disposição que prolongava em um ano o período necessário para a promoção em cada um dos três primeiros escalões de remuneração, confirmando assim, definitivamente, uma diferença de tratamento em razão da idade. Na sequência deste acórdão, a Lei federal dos caminhos de ferro de 2011 foi novamente alterada em 2015 (BGBl. I, 64/2015, a seguir «Lei federal dos caminhos de ferro de 2015»).

10      O § 53a da Lei federal dos caminhos de ferro de 2015 tem a seguinte redação:

«(1)      A data de referência para efeitos de promoção é a data em que começa a correr pela primeira vez o prazo de promoção para o acesso ao escalão de remuneração superior.

(2)      Para determinar a data de referência para efeitos da promoção, apenas serão tomados em consideração os períodos de emprego cumpridos no âmbito de uma relação de trabalho ou de uma relação de formação como aprendiz na:

a)      [ÖBB] ou num dos seus legais predecessores ou, a partir da entrada em vigor dos procedimentos de cisão e de reorganização relativos à ÖBB‑Holding AG, nas sociedades indicadas na parte 3 desta lei federal — na versão da lei federal publicada no BGBl. I 138/2003 —, nos seus legais sucessores e nas empresas surgidas de uma dessas sociedades na sequência das medidas de reorganização tomadas ao abrigo do direito das sociedades em vigor, bem como nas empresas para as quais foram transferidas as relações de trabalho dos agentes que trabalhavam para a [ÖBB] em 31 de dezembro de 2003, contratualmente ou na sequência de uma (ou de várias) transferência(s) de empresa, e

b)      nas empresas de infraestruturas ferroviárias e/ou de transporte ferroviário de um Estado‑Membro do Espaço Económico Europeu (EEE), da República da Turquia ou da Confederação Suíça, sempre que essa obrigação decorra dos respetivos acordos de associação ou de livre circulação.

(3)      A promoção ocorrerá no dia 1 de janeiro seguinte ao termo do prazo para a promoção.

[…]

(5)      Uma vez efetuada a comunicação e provados os períodos de serviço anteriores, o mais tardar no termo do prazo indicado no n.o 4, a classificação é efetuada nos escalões de remuneração das grelhas de salário que figuram nos anexos 2 e 2a das [Allgemeine Vertragsbedingungen für Dienstverträge bei den Österreichischen Bundesbahnen (AVB) (Condições gerais aplicáveis aos contratos de trabalho com o serviço dos caminhos de ferro austríacos)], com base na data de referência para efeitos da promoção fixada em conformidade com o n.o 2.

(6)      A classificação prevista no n.o 5 não dará origem a nenhuma redução dos salários recebidos antes da publicação da [Lei federal dos caminhos de ferro de 2015]. Se a classificação obtida nos termos do n.o 5 conduzir a uma redução do salário auferido relativamente ao último mês que precedeu a publicação da [Lei federal dos caminhos de ferro de 2015], este último salário é mantido até que o salário resultante da classificação obtida nos termos do n.o5 atinja o nível do salário mantido, em conformidade com os anexos 2 e 2a das [Condições gerais aplicáveis aos contratos de trabalho com o serviço dos caminhos de ferro austríacos].

[…]»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

11      G. Stollwitzer começou a trabalhar no dia 17 de janeiro de 1983 num dos predecessores legais da ÖBB. Tendo em conta os períodos de emprego cumpridos por G. Stollwitzer antes da sua entrada em funções, a data de referência fixada para efeitos da sua promoção foi o dia 2 de julho de 1980.

12      Esta data determina, designadamente, o grupo de remuneração na grelha dos salários, dentro da qual um trabalhador obtém periodicamente uma subida de escalão. Nessa época, a data era fixada pelo cálculo dos períodos de emprego cumpridos antes da entrada ao serviço, com exclusão, todavia, dos períodos anteriores aos 18 anos de idade. O período necessário para a subida de escalão era de dois anos para todos os escalões.

13      Com a adoção do § 53a da Lei federal dos caminhos de ferro de 2015, o legislador austríaco optou, no que diz respeito à ÖBB, por uma reforma completa e retroativa da tomada em conta dos períodos de atividade anteriores para suprimir a discriminação em razão da idade declarada pelo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 28 de janeiro de 2015, ÖBB Personenverkehr (C‑417/13, EU:C:2015:38).

14      Baseando‑se nos Acórdãos de 18 de junho de 2009, Hütter (C‑88/08, EU:C:2009:381), e de 28 de janeiro de 2015, ÖBB Personenverkehr (C‑417/13, EU:C:2015:38), G. Stollwitzer propôs uma ação no Landesgericht Innsbruck (Tribunal Regional de Innsbruck, Áustria) contra a ÖBB, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia correspondente à diferença entre o salário que auferiu durante os anos de 2008 a 2015 e o que lhe deveria ter sido pago, em sua opinião, se os períodos necessários para a subida de escalão tivessem sido calculados segundo a situação jurídica existente antes da entrada em vigor do § 53a da Lei federal dos caminhos de ferro de 2015, mas incluindo os períodos de serviço efetuados antes de perfazer 18 anos de idade.

15      O Landesgericht Innsbruck (Tribunal Regional de Innsbruck) julgou a ação improcedente, considerando que a aplicação retroativa do § 53a da Lei federal dos caminhos de ferro de 2015 tinha posto termo a toda a discriminação em razão da idade. Dado que G. Stollwitzer não carreou a prova dos períodos de serviço exigidos por força do § 53a, n.o 2, dessa lei, não procedia modificar no seu caso o cálculo da data de referência para efeitos de promoção.

16      G. Stollwitzer interpôs recurso da sentença para o órgão jurisdicional de reenvio, o Oberlandesgericht Innsbruck (Tribunal Regional Superior de Innsbruck, Áustria). Paralelamente, interpôs um recurso no Verfassungsgerichtshof (Tribunal Constitucional, Áustria), no fim do qual este último declarou o § 53a da Lei federal dos caminhos de ferro de 2015 compatível com o sistema constitucional austríaco. O Verfassungsgerichtshof (Tribunal Constitucional) referiu a este respeito que, na sequência do Acórdão de 28 de janeiro de 2015, ÖBB Personenverkehr (C‑417/13, EU:C:2015:38), as datas de referência para efeitos de promoção de todos os trabalhadores da empresa tinham sido recalculadas escrupulosamente. Na eventualidade de que uma modificação das datas de referência para efeitos de promoção tivesse por efeito prejudicar alguns dos trabalhadores, os salários existentes seriam mantidos, em conformidade com o § 53a, n.o 6, da referida lei (a seguir «cláusula de salvaguarda»), para respeitar o princípio da confiança legítima.

17      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, há que examinar se o § 53a da Lei federal dos caminhos de ferro de 2015 eliminou efetivamente toda a discriminação em razão da idade. A este respeito, deve examinar‑se se esta disposição não instaura uma outra forma de discriminação diferente da das normas anteriormente aplicáveis.

18      Nestas circunstâncias, o Oberlandesgericht Innsbruck (Tribunal Regional Superior de Innsbruck) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve‑se interpretar o direito da União Europeia, no seu estado atual, e, em especial, o princípio geral da igualdade de tratamento, o princípio geral da não discriminação em razão da idade, previsto no artigo 6.o, n.o 3, do TUE e no artigo 21.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, a proibição de discriminação no que se refere à livre circulação dos trabalhadores prevista no artigo 45.o TFUE e a Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional, no sentido de que se opõe à legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, a qual, para eliminar uma discriminação em razão da idade constatada pelo Tribunal de Justiça no [Acórdão de 28 de janeiro de 2015, ÖBB Personenverkehr (C‑417/13, EU:C:2015:38)] (nomeadamente o facto de, relativamente aos trabalhadores da ÖBB, não terem sido considerados os períodos de emprego anteriores aos 18 anos de idade), apenas tem efetivamente em consideração os períodos de emprego anteriores aos 18 anos de idade em relação a uma pequena parte dos trabalhadores da ÖBB objeto de discriminação nos termos do regime anterior (concretamente apenas os períodos de emprego cumpridos na ÖBB ou em empresas públicas de infraestrutura ferroviária e/ou em empresas públicas ferroviárias equiparáveis da UE, do EEE e dos países associados à UE por acordos de associação e/ou por acordos relativos à livre circulação dos trabalhadores), mas que, em relação à maior parte dos trabalhadores da ÖBB originalmente discriminados, não tem em consideração quaisquer outros períodos de emprego anteriores aos 18 anos de idade, e, em particular, não tem em conta os períodos que permitem a estes trabalhadores da ÖBB desempenharem melhor as suas tarefas, como, por exemplo, os períodos de emprego realizados em empresas, públicas ou privadas, de transporte e/ou empresas ligadas à gestão da infraestrutura responsáveis pela construção, comercialização ou manutenção da infraestrutura (material circulante, construção de carris, catenárias, instalações elétricas e eletrónicas, postos de sinalização, construção de estações ferroviárias e semelhantes) utilizada pelo empregador, ou em empresas equiparáveis, estabelecendo desta forma, definitivamente, uma discriminação em razão da idade para a maior parte dos trabalhadores da ÖBB afetados pela anterior legislação discriminatória?

2)      O comportamento de um Estado‑Membro, que é proprietário a 100% de uma empresa de transporte ferroviário e que, de facto, é o empregador dos trabalhadores da referida empresa, que consiste em tentar impedir, por motivos puramente fiscais e recorrendo a alterações legislativas com efeitos retroativos nos anos de 2011 e de 2015, o direito dos referidos trabalhadores ao pagamento retroativo de remunerações, resultante do direito da União, na sequência da constatação pelo Tribunal de Justiça, em várias decisões (Acórdãos David Hütter, Siegfried Pohl, Gotthard Starjakob), da existência de uma discriminação — entre outros motivos, em razão da idade — e que também foi reconhecida em várias decisões judiciais nacionais, entre outras, do Oberste Gerichtshof (8 ObA 11/15y), cumpre os requisitos enunciados pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência relativos à responsabilização do referido Estado‑Membro, ao abrigo do direito da União, em particular devido a violação suficientemente caracterizada do direito da União, designadamente do artigo 2.o, n.o 1, em conjugação com o artigo 1.o da Diretiva 2000/78/CE, interpretado em vários acórdãos do Tribunal de Justiça (David Hütter, Siegfried Pohl, Gotthard Starjakob)?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

19      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 45.o TFUE e os artigos 2.o, 6.o e 16.o da Diretiva 2000/78 devem ser interpretados no sentido de que se opõem à legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que, para pôr termo a uma discriminação em razão da idade, resultante da aplicação de normas nacionais que apenas têm em conta, para efeitos da classificação dos trabalhadores de uma empresa na tabela dos salários, os períodos de atividade exercida após os 18 anos de idade, suprime esse limite de idade com efeitos retroativos e em relação a todos os trabalhadores, mas apenas permite a tomada em consideração da experiência adquirida nas empresas que operem no mesmo setor económico.

20      Antes de mais, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, resulta tanto do título e do preâmbulo como do conteúdo e da finalidade da Diretiva 2000/78 que a mesma visa estabelecer um quadro geral para assegurar a todas as pessoas a igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional, proporcionando‑lhes uma proteção eficaz contra as discriminações baseadas num dos motivos referidos no seu artigo 1.o, entre os quais figura a idade (v., nomeadamente, Acórdão de 10 de novembro de 2016, de Lange, C‑548/15, EU:C:2016:850, n.o 16 e jurisprudência referida).

21      Importa recordar que, nos termos do artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78, para efeitos desta diretiva entende‑se por «princípio da igualdade de tratamento» a ausência de qualquer discriminação, direta ou indireta, por qualquer dos motivos referidos no seu artigo 1.o, entre os quais figura a idade.

22      Nos termos do artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da referida diretiva, existe discriminação direta sempre que, em razão da sua idade, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável. Por força do disposto no artigo 2.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2000/78, existe discriminação indireta sempre que uma disposição, um critério ou uma prática aparentemente neutra seja suscetível de colocar numa situação de desvantagem pessoas de uma determinada classe etária, comparativamente com outras pessoas, a não ser que essa disposição, esse critério ou essa prática sejam objetivamente justificados por um objetivo legítimo e que os meios utilizados para alcançar esse objetivo sejam adequados e necessários.

23      Como resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça, o § 53a da Lei federal dos caminhos de ferro de 2015 prevê três fases. A primeira delas consiste em recalcular retroativamente a data de referência para a promoção do trabalhador em causa na grelha dos salários ligada ao seu emprego. Assim, para o cálculo dessa nova data, essa legislação tem unicamente em consideração, de forma integral e independentemente da idade em que esse trabalhador os cumpriu, os períodos de atividade efetuados anteriormente nas empresas ferroviárias nacionais, de outros Estados‑Membros, da República da Turquia e da Confederação Suíça. Em contrapartida, esta nova legislação não prevê nenhuma tomada em consideração dos outros períodos de atividade anteriormente efetuados pelo referido trabalhador.

24      A segunda fase consiste em reclassificar o trabalhador em causa em função da nova data de referência para efeitos da sua promoção, quer dizer, aplicar‑lhe o regime previsto pelo § 53a da Lei federal dos caminhos de ferro de 2015. A nova data de referência tomada em consideração pode implicar um aumento do salário recebido e, portanto, implicar o pagamento de salários em atraso. Em conformidade com a cláusula de salvaguarda, se a nova data de referência para efeitos da promoção conduzir a uma classificação do trabalhador em causa num escalão inferior, o salário efetivamente recebido no momento da fixação dessa nova data é mantido por razões respeitantes à proteção dos direitos adquiridos. Este salário ser‑lhe‑á garantido até que o trabalhador cumpra os períodos de serviço necessários para atingir um escalão superior com base na nova data de referência para efeitos da promoção.

25      A terceira fase prevista pelo legislador austríaco consiste na introdução de um penúltimo escalão salarial adicional aplicável a todos os trabalhadores da ÖBB, destinado a compensar os efeitos pecuniários negativos que ocasionaria, se assim não fosse, a alteração da data de referência para efeitos da sua promoção.

26      Convém examinar se essa legislação não perpetua as discriminações em razão da idade dos regimes anteriores e não cria uma nova discriminação em razão da idade entre os trabalhadores da ÖBB.

27      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o aumento de salário que resulta da tomada em consideração, em conformidade com os Acórdãos de 18 de junho de 2009, Hütter (C‑88/08, EU:C:2009:381), e de 28 de janeiro de 2015, ÖBB Personenverkehr (C‑417/13, EU:C:2015:38), dos períodos de serviço efetuados antes dos 18 anos de idade seria anulado pelo regime criado pelo § 53a da Lei federal dos caminhos de ferro de 2015 devido, em primeiro lugar, à inexistência quase total de tomada em consideração dos períodos de serviço efetuadosentre os 18 anos de idade e a entrada ao serviço, períodos que, portanto, permitiriam ao trabalhador em causa efetuar de melhor forma as suas prestações, em segundo lugar, à introdução de um penúltimo escalão de remuneração e, em terceiro lugar, à cláusula de salvaguarda. Em todo o caso, estas medidas levam a uma redução do rendimento recebido durante toda a vida profissional dos trabalhadores que não eram discriminados até então.

28      Em primeiro lugar, há que salientar que o órgão jurisdicional de reenvio se baseia numa interpretação errada desses acórdãos. Com efeito, a adequação da legislação nacional ao Acórdão de 28 de janeiro de 2015, ÖBB Personenverkehr (C‑417/13, EU:C:2015:38), não confere necessariamente o direito, em relação aos trabalhadores que não foram objeto da discriminação declarada pelo Tribunal de Justiça, a esse aumento salarial. Como o Tribunal de Justiça referiu nos n.os 43 a 45 desse acórdão, embora os Estados‑Membros, em conformidade com o artigo 16.o da Diretiva 2000/78, tenham a obrigação de suprimir as disposições legislativas, regulamentares e administrativas contrárias ao princípio da igualdade de tratamento, este artigo não lhes impõe, todavia, a adoção de medidas específicas em caso de violação da proibição de discriminação, mas permite‑lhes escolher entre as diferentes soluções adequadas à realização do objetivo que pretende alcançar, a que lhes pareça melhor adaptada para esse efeito, em função das situações que possam ocorrer.

29      Por conseguinte, essa adequação, destinada a suprimir a discriminação em razão da idade, em conformidade com o artigo 16.o dessa diretiva, não implica necessariamente que um trabalhador, cujos períodos de atividade efetuados antes de perfazer 18 anos de idade não foram tomados em consideração no cálculo da sua promoção devido à aplicação da legislação nacional discriminatória, obtenha uma compensação financeira correspondente à diferença entre o salário que teria recebido não havendo discriminação e o salário que efetivamente ele recebeu.

30      Por outras palavras, a supressão de uma discriminação não significa que a pessoa discriminada sob o regime legal anterior beneficie automaticamente do direito a receber retroativamente essa diferença de salário ou um aumento salarial futuro. Só assim será enquanto não forem adotadas pelo legislador nacional medidas que restabeleçam a igualdade de tratamento. Com efeito, nessa situação, o cumprimento do princípio da igualdade de tratamento apenas pode ser assegurado pela concessão, às pessoas da categoria desfavorecida, das mesmas vantagens de que beneficiam as pessoas da categoria privilegiada, regime este que, por falta da aplicação correta do direito da União, é o único sistema de referência válido (Acórdão de 28 de janeiro de 2015, ÖBB Personenverkehr, C‑417/13, EU:C:2015:38, n.o 46 e jurisprudência referida).

31      Como salientou o advogado‑geral no n.o 36 das suas conclusões, para eliminar a discriminação em razão da idade declarada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 18 de junho de 2009, Hütter (C‑88/08, EU:C:2009:381), o legislador austríaco tinha, portanto, a faculdade de decidir, como fez, modificar com efeitos retroativos todo o regime de tomada em consideração dos períodos de atividade anteriores. O acabar pura e simplesmente com a proibição da tomada em consideração da experiência profissional adquirida antes dos 18 anos de idade era apenas uma das possibilidades que tinha esse legislador para dar cumprimento às disposições da Diretiva 2000/78.

32      Convém também referir que, devido à sua entrada em vigor com efeitos retroativos, o critério da idade é formalmente suprimido, permitindo assim a tomada em consideração da experiência acumulada, independentemente da idade em que foi adquirida.

33      Além disso, o § 53a da Lei federal dos caminhos de ferro de 2015 é indistintamente aplicável a todos os trabalhadores da ÖBB, por conseguinte, tanto aos que eram discriminados pelo regime anterior como aos que que esse regime favorecia, e transfere todos esses trabalhadores para o novo regime que instaura.

34      O § 53a da Lei federal dos caminhos de ferro 2015 difere a este respeito da legislação nacional em causa nos processos que deram origem aos Acórdãos de 11 de novembro de 2014, Schmitzer (C‑530/13, EU:C:2014:2359), e de 28 de janeiro de 2015, ÖBB Personenverkehr (C‑417/13, EU:C:2015:38), em que a nova legislação apenas produzia efeitos em relação aos trabalhadores discriminados pelo anterior regime e mantinha, assim, a diferença de tratamento entre esses dois grupos de trabalhadores no que diz respeito à sua classificação na tabela de remuneração.

35      Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que os trabalhadores que antes de perfazerem os 18 anos de idade cumpriram períodos de atividade ou de formação que não são abrangidos pelos tomados em consideração com base no § 53a da Lei federal dos caminhos de ferro 2015 (a seguir «experiência não pertinente») estão numa situação, como antes da entrada em vigor desta lei, em que lhes é recusada a tomada em consideração desses períodos, e isso, quer para efeitos da fixação da remuneração recebida antes da publicação da referida lei, cuja manutenção é garantida ao abrigo da cláusula de salvaguarda, quer para efeitos do pagamento dos montantes dos atrasos salariais ainda não prescritos.

36      Todavia, esta categoria é composta exclusivamente pelos trabalhadores que só dispõem de uma experiência não pertinente.

37      Portanto, a consideração formulada pelo órgão jurisdicional de reenvio, segundo a qual uma discriminação em razão da idade poderia resultar da não tomada em consideração dos períodos de atividade efetuados antes dos 18 anos de idade noutras empresas, equivale a colocar em causa as novas formas de tomada em consideração da experiência pelas quais optou o legislador nacional.

38      O Governo austríaco alega a este respeito que a tomada em consideração pela legislação anterior, sem restrições e de metade, da experiência não pertinente ia além do reconhecimento da experiência adquirida no domínio em causa e, em substância, tinha as mesmas desvantagens que o critério da idade, na medida em que não se baseava na experiência que permite ao trabalhador desempenhar melhor as suas prestações ao serviço da ÖBB.

39      A este respeito, convém recordar que, por um lado, segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o facto de recompensar a experiência adquirida no domínio em causa, que permite ao trabalhador desempenhar melhor as suas prestações, constitui um objetivo legítimo de política salarial (v., neste sentido, Acórdãos de 3 de outubro de 2006, Cadman, C‑17/05, EU:C:2006:633, n.os 34 e segs., e de 18 de junho de 2009, Hütter, C‑88/08, EU:C:2009:381, n.o 47 e jurisprudência referida). Portanto, em princípio, a entidade patronal tem a liberdade de apenas ter em consideração, para efeitos da remuneração, os períodos de atividade efetuados anteriormente.

40      Por outro lado, o Tribunal de Justiça considerou que, se uma disposição do direito nacional que apenas tem em consideração determinados períodos de atividade anteriores e não tem em conta outros pode, na verdade, ocasionar uma diferença de tratamento entre os trabalhadores em razão da data da sua contratação pela empresa em questão, essa diferença não é direta ou indiretamente baseada na idade nem num acontecimento ligado à idade. Com efeito, é a experiência adquirida noutras empresas que não é tomada em consideração, independentemente da idade em que foi adquirida ou da idade em que o trabalhador em causa foi contratado (v., neste sentido, Acórdão de 7 de junho de 2012, Tyrolean Airways Tiroler Luftfahrt Gesellschaft, C‑132/11, EU:C:2012:329, n.o 29).

41      Em terceiro lugar, quanto à cláusula de salvaguarda, ao abrigo da qual se a nova data de referência para efeitos da promoção levar à classificação do trabalhador em causa num escalão inferior, o salário efetivamente recebido aquando da fixação dessa nova data é mantido, resulta dos autos na posse do Tribunal de Justiça que essa cláusula garante ao trabalhador a transferência para o novo regime sem perda financeira, sendo respeitados os direitos adquiridos e a proteção da confiança legítima, que constitui um objetivo legítimo da política do emprego e do mercado de trabalho.

42      De qualquer forma, há que salientar que essa cláusula apenas é aplicável aos trabalhadores que já não possam invocar a sua experiência não pertinente. Portanto, a alegada discriminação ligada às consequências da aplicação da cláusula de salvaguarda não é de modo nenhum baseada no critério da idade, mas nas formas de tomada em consideração da experiência anterior. Ora, decorre dos n.os 39 e 40 do presente acórdão que este fundamento não pode ser colocado em causa no caso em apreço.

43      O mesmo se passa quanto à criação de um penúltimo escalão de remuneração, que, como resulta, em especial, das respostas a uma questão colocada pelo Tribunal de Justiça, tem por objetivo compensar os efeitos ligados a uma reclassificação no escalão inferior.

44      Portanto, tendo em conta as obrigações impostas aos Estados‑Membros por força do direito da União no respeitante à supressão da discriminação em razão da idade aquando da tomada em consideração dos períodos de trabalho anteriores e à liberdade de que dispõe o legislador nacional para reorganizar o regime salarial dos trabalhadores da ÖBB, há que declarar que a modificação necessária do direito em vigor não perde a sua natureza não discriminatória pelo facto dessa modificação não implicar, no âmbito da transferência global dos trabalhadores para um novo sistema de tomada em consideração da experiência anterior que não origina diferenças de tratamento em razão da idade, a concessão de uma vantagem a todos os trabalhadores. Por conseguinte, não parece que o legislador tenha ultrapassado os limites do poder que tem nesta matéria.

45      Nestas circunstâncias, procede considerar, tendo em conta a ampla margem de apreciação reconhecida aos Estados‑Membros na escolha não apenas na prossecução de um determinado objetivo em matéria de política social e de emprego, mas também na definição das medidas suscetíveis de o realizar, que o legislador austríaco no âmbito do processus de adoção do § 53a da Lei federal dos caminhos de ferro de 2015, respeitou o equilíbrio entre a supressão da discriminação em razão da idade e a manutenção dos direitos adquiridos sob o regime legal anterior.

46      Por último, quanto ao artigo 45.o TFUE, na medida em que o § 53a da Lei federal dos caminhos de ferro de 2015 prevê expressamente a tomada em consideração dos períodos de atividade anteriores no setor ferroviário que foram efetuados noutros Estados‑Membros, há que observar que o Tribunal de Justiça não dispõe de nenhum elemento que permita declarar uma eventual violação da liberdade de circulação dos trabalhadores prevista nesse artigo.

47      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 45.o TFUE e os artigos 2.o, 6.o e 16.o da Diretiva 2000/78 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem à legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que, para pôr termo a uma discriminação em razão da idade, resultante da aplicação de normas nacionais que apenas têm em conta, para efeitos da classificação dos trabalhadores de uma empresa na tabela dos salários, os períodos de atividade exercida após os 18 anos de idade, suprime esse limite de idade com efeitos retroativos e em relação a todos os trabalhadores, mas apenas permite a tomada em consideração da experiência adquirida nas empresas que operem no mesmo setor económico.

 Quanto à segunda questão

48      Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não é necessário responder à segunda questão.

 Quanto às despesas

49      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

O artigo 45.o TFUE e os artigos 2.o, 6.o e 16.o da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem à legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que, para pôr termo a uma discriminação em razão da idade, resultante da aplicação de normas nacionais que apenas têm em conta, para efeitos da classificação dos trabalhadores de uma empresa na tabela dos salários, os períodos de atividade exercida após os 18 anos de idade, suprime esse limite de idade com efeitos retroativos e em relação a todos os trabalhadores, mas apenas permite a tomada em consideração da experiência adquirida nas empresas que operem no mesmo setor económico.

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.