Language of document : ECLI:EU:C:2013:683

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

24 de outubro de 2013 (*)

«Cidadania da União — Artigos 20.° TFUE e 21.° TFUE — Direito de livre circulação e de permanência — Nacional de um Estado‑Membro — Estudos prosseguidos noutro Estado‑Membro — Concessão de um subsídio à formação — Requisito de domicílio permanente — Local de formação situado no Estado do domicílio do requerente ou num Estado vizinho — Exceção limitada — Circunstâncias particulares do requerente»

No processo C‑220/12,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Verwaltungsgericht Hannover (Alemanha), por decisão de 20 de abril de 2012, entrado no Tribunal de Justiça em 11 de maio de 2012, no processo

Andreas Ingemar Thiele Meneses

contra

Region Hannover,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, C. G. Fernlund, A. Ó Caoimh (relator), C. Toader e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 21 de março de 2013,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação de A. I. Thiele Meneses, por R. Braun, Rechtsanwalt,

¾        em representação do Governo alemão, por T. Henze e J. Möller, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo dinamarquês, por C. Thorning, na qualidade de agente,

¾        em representação do Governo grego, por G. Papagianni, na qualidade de agente,

¾        em representação da Comissão Europeia, por V. Kreuschitz e D. Roussanov, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 20.° TFUE e 21.° TFUE.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe A. I. Thiele Meneses, nacional alemão residente em Istambul (Turquia), à Region Hannover (Região de Hannover), Serviço de subsídios à formação, a propósito da recusa de um subsídio à formação para estudos prosseguidos nos Países Baixos.

 Quadro jurídico

3        Sob a epígrafe «Formação em território nacional», o § 4 da Lei federal relativa aos incentivos individuais à formação [Bundesgesetz über individuelle Förderung der Ausbildung (Bundesausbildungsförderungsgesetz)], na sua versão publicada em 7 de dezembro de 2010 (BGB1. I, p. 1952, a seguir «BAföG»), enuncia:

«É concedido um subsídio à formação para formação em território nacional, sem prejuízo dos §§ 5 e 6.»

4        O § 5 da BAföG, sob a epígrafe «Formação no estrangeiro», tem a seguinte redação:

«1.      O domicílio permanente na aceção desta lei considera‑se fixado no local que não é apenas provisoriamente o centro da vida social do interessado, embora a vontade de instalação a título permanente seja irrelevante para este efeito; quem apenas permaneça num local para efeitos de formação, não fixou nesse local o seu domicílio permanente.

2.      É concedido um subsídio à formação aos formandos que têm o seu domicílio permanente em território alemão e que prosseguem estudos num estabelecimento de ensino situado no estrangeiro:

[...]

3)      quando o estudante […] inicie ou prossiga os estudos num estabelecimento de ensino num Estado‑Membro da União Europeia ou na Suíça.

[...]»

5        O § 6 da BAföG, sob a epígrafe «Subsídio à formação dos nacionais alemães no estrangeiro», prevê:

«Se as circunstâncias especiais do caso concreto o justificarem, pode ser concedido um subsídio à formação aos nacionais alemães na aceção da Lei Fundamental que tenham o seu domicílio permanente num Estado estrangeiro e que frequentem nesse Estado, ou num Estado vizinho a partir desse Estado, um estabelecimento de ensino. A forma e a duração das prestações e o cálculo dos rendimentos e do património determinar‑se‑ão em função da situação particular no país de residência.»

6        O § 16 da BAföG, sob a epígrafe «Duração do subsídio à formação no estrangeiro», tem a seguinte redação:

«1.      Para formações no estrangeiro na aceção do n.° 2, ponto 1, ou n.° 5 do § 5, o subsídio é pago no máximo durante o período de um ano. [...]

[…]

3.      Nos casos previstos no § 5, n.° 2, pontos 2 e 3, o subsídio à formação é concedido sem a restrição temporal prevista nos n.os 1 e 2; no entanto, nos casos previstos no § 5, n.° 2, ponto 3, o subsídio só é concedido por um prazo superior a um ano se, quando deu início à sua estadia no estrangeiro, após 31 de dezembro de 2007, o estudante tinha o seu domicílio permanente no território alemão há, pelo menos, três anos.»

7        O § 6 da BAföG é completado por disposições administrativas relativas à BAföG (Allgemeine Verwaltungsvorschrift zum Bundesausbildungsförderungsgesetz, a seguir «BAföGVwV»), que preveem:

«6.0.1 [...]

Em geral, e ao contrário dos estudos em território nacional, não é concedido qualquer subsídio à formação para estudos no estrangeiro.

6.0.2 O estudante deve requerer preferencialmente os subsídios à formação do seu país de residência.

[…]

6.0.10 […]

O estudante cujo domicílio permanente se situe noutro Estado‑Membro deve preferencialmente ser encaminhado para estudos em território alemão.

[…]

6.0.12 No caso dos estudantes cujas necessidades são determinadas pelo § 13, a impossibilidade de efetuar estudos em território nacional pode resultar:

a)       do próprio estudante: por exemplo, caso esteja doente ou seja portador de deficiência e necessite da assistência dos seus pais ou de parentes próximos ou de ser alojado num lar no estrangeiro;

b)       do círculo pessoal ou familiar próximo: por exemplo, caso os pais do estudante ou outros parentes próximos estejam doentes, sejam portadores de deficiência ou se encontrem em situação de fragilidade e, por conseguinte, necessitem da sua presença para cuidar deles;

c)       de motivos relacionados com os estudos: por exemplo, caso o estudante frequente um estabelecimento de ensino alemão no Estado de permanência que, devido aos requisitos de entrada, à natureza e ao conteúdo da formação que dispensa, bem como ao diploma de fim de estudos, seja equivalente às categorias de estabelecimentos de ensino alemães pertinentes […];

d)       de razões económicas: por exemplo, caso durante o período de formação, os pais do(a) estudante estejam numa situação económica difícil e imprevisível, sejam elegíveis para um subsídio de subsistência ao abrigo do § 119 da Lei federal de solidariedade social [Bundessozialhilfegesetz] [...] e a interrupção da formação no país estrangeiro ou a continuação da formação em território alemão seja um caso de necessidade;

e)      do vínculo familiar com um dos grupos de pessoas referidos no ponto 6.0.5 caso essas pessoas sejam transferidas para outro Estado por instrução ou iniciativa do empregador.»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

8        Decorre da decisão de reenvio que A. I. Thiele Meneses, cidadão alemão nascido no Brasil em 1989, tem domicílio permanente em Istambul, onde vivem os seus pais.

9        A. I. Thiele Meneses frequentou escolas alemãs em Istambul de 2001 a 2004, em Barcelona entre 2004 e 2007 e novamente em Istambul de 2007 a 2009. Em junho de 2009, obteve o diploma de fim de estudos secundários («Abitur»). O recorrente no processo principal esteve na América do Sul de junho de 2009 a abril de 2010 onde fez, designadamente, um estágio de três meses em Santiago (Chile). Durante o semestre de verão de 2010, iniciou um curso de Direito na Universidade de Wurtzbourg (Alemanha).

10      No semestre de inverno de 2010/2011, A. I. Thiele Meneses mudou de universidade e iniciou um curso de Direito na Universidade de Maastricht (Países Baixos), onde estabeleceu outro domicílio.

11      Em 11 de agosto de 2010, o recorrente no processo principal pediu um subsídio à formação à Region Hannover para os seus estudos na Universidade de Maastricht.

12      Por decisão de 12 de outubro de 2010, a Region Hannover indeferiu este pedido com base no § 6 da BAföG pelo facto de os subsídios à formação só em circunstâncias especiais poderem ser concedidos aos nacionais alemães que residem no estrangeiro. No caso do recorrente no processo principal, segundo a Region Hannover, tais circunstâncias não existiam.

13      Em 15 de novembro de 2010, A. I. Thiele Meneses interpôs recurso desta decisão no Verwaltungsgericht Hannover, alegando que a recusa de lhe conceder um subsídio à formação viola o direito de livre circulação que lhe é conferido pelos artigos 20.° TFUE e 21.° TFUE, porquanto, na medida em que o seu domicílio se situa na Turquia e as disposições da BAföG apenas lhe concedem um subsídio à formação se prosseguir os seus estudos na Alemanha, as referidas disposições o impedem de fazer uso das liberdades fundamentais previstas pelo Tratado FUE.

14      O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas a respeito da compatibilidade de disposições nacionais como os §§ 5 e 6 da BAföG com os artigos 20.° TFUE e 21.° TFUE. Segundo esse órgão jurisdicional, ao limitar o direito aos subsídios à formação no estrangeiro apenas aos nacionais alemães que residem na Alemanha, estas disposições colocam em desvantagem um determinado grupo de cidadãos da União que, antes de iniciar os seus estudos, tenha o seu domicílio permanente num Estado‑Membro da União diferente da República Federal da Alemanha. O § 5, n.° 2, primeiro período, ponto 3, da BAföG é suscetível de dissuadir um nacional alemão que tenha o seu domicílio permanente fora da República Federal da Alemanha, mas não necessariamente na União Europeia, de se deslocar a um Estado‑Membro diferente da República Federal da Alemanha para aí iniciar ou continuar os seus estudos.

15      Esta desvantagem, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, apenas é parcialmente compensada pela disposição complementar constante do § 6 da BAföG, uma vez que esta disposição não se aplica a todos os cursos em todos os Estados‑Membros, limitando‑se, pelo contrário, ao Estado do domicílio do requerente do subsídio e aos seus Estados vizinhos. Além disso, o § 6 da BAföG não cria nenhum direito a um subsídio uma vez que este apenas é concedido em condições particulares e de acordo com a apreciação feita pela Region Hannover. O § 6 da BAföG também é, pois, suscetível de dissuadir um cidadão da União com o seu domicílio permanente no estrangeiro de se deslocar aos Estados‑Membros que escolheu para aí iniciar ou continuar estudos.

16      Atendendo a estas considerações, o Verwaltungsgericht Hannover decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«É o direito de livre circulação e permanência conferido aos cidadãos da União, pelos artigos 20.° [TFUE] e 21.° TFUE[,] contrário a um regime nacional segundo o qual só podem ser concedidos subsídios [à] formação a nacionais alemães com [domicílio] permanente fora da [Alemanha] para a frequência de um estabelecimento de ensino situado num Estado‑Membro da União Europeia, quando o estabelecimento de ensino se situe no [Estado do domicílio] ou num Estado vizinho desse Estado e, além disso, as circunstâncias especiais do caso concreto justifiquem o subsídio?»

 Quanto à questão prejudicial

17      Através da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se os artigos 20.° TFUE e 21.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que, em princípio, faz depender a concessão de um subsídio à formação para estudos prosseguidos noutro Estado‑Membro de um requisito único de domicílio permanente no território nacional, na aceção desta legislação, e que, nos casos em que o requerente é um nacional que não tem o seu domicílio permanente neste território, apenas prevê um subsídio à formação no estrangeiro no Estado do domicílio do requerente ou num Estado vizinho deste, e unicamente quando circunstâncias particulares o justifiquem.

18      Em primeiro lugar, importa recordar que, enquanto cidadão alemão, A. I. Thiele Meneses goza do estatuto de cidadão da União nos termos do artigo 20.°, n.° 1, TFUE, pelo que pode invocar, mesmo relativamente ao seu próprio Estado‑Membro de origem, direitos relativos a este estatuto (v. acórdãos de 26 de outubro de 2006, Tas‑Hagen e Tas, C‑192/05, Colet., p. I‑10451, n.° 19; de 23 de outubro de 2007, Morgan e Bucher, C‑11/06 e C‑12/06, Colet., p. I‑9161, n.° 22; e de 18 de julho de 2013, Prinz e Seeberger, C‑523/11 e C‑585/11, n.° 23 e jurisprudência referida).

19      Como o Tribunal de Justiça já afirmou reiteradamente, o estatuto de cidadão da União tende a ser o estatuto fundamental dos nacionais dos Estados‑Membros, permitindo aos que, de entre estes últimos, se encontrem na mesma situação obter, no domínio de aplicação ratione materiae do Tratado, independentemente da sua nacionalidade e sem prejuízo das exceções expressamente previstas a este respeito, o mesmo tratamento jurídico (acórdãos de 11 de julho de 2002, D’Hoop, C‑224/98, Colet., p. I‑6191, n.° 28; de 21 de fevereiro de 2013, N., C‑46/12, n.° 27; e Prinz e Seeberger, já referido, n.° 24 e jurisprudência referida).

20      Entre as situações abrangidas pelo domínio de aplicação do direito da União figuram as relativas ao exercício das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado, nomeadamente as que se enquadram no exercício da liberdade de circular e de permanecer no território dos Estados‑Membros, como conferida pelo artigo 21.° TFUE (acórdãos, já referidos, Morgan e Bucher, n.° 23, e Prinz e Seeberger, n.° 25 e jurisprudência referida).

21      A este propósito, importa precisar que, embora os Estados‑Membros sejam competentes, por força do artigo 165.°, n.° 1, TFUE, no que respeita ao conteúdo do ensino e à organização dos seus respetivos sistemas educativos, esta competência deve ser exercida no respeito do direito da União, em especial das disposições do Tratado relativas à liberdade de circular e de permanecer no território dos Estados‑Membros, tal como conferida pelo artigo 21.°, n.° 1, TFUE a qualquer cidadão da União (acórdãos, já referidos, Morgan e Bucher, n.° 24, e Prinz e Seeberger, já referido, n.° 26 e jurisprudência referida).

22      Em seguida, há que salientar que uma legislação nacional que coloca determinados nacionais numa situação de desvantagem pelo simples facto de terem exercido a sua liberdade de circular e de permanecer noutro Estado‑Membro constitui uma restrição às liberdades reconhecidas pelo artigo 21.°, n.° 1, TFUE a qualquer cidadão da União (acórdãos de 18 de julho de 2006, De Cuyper, C‑406/04, Colet., p. I‑6947, n.° 39; Morgan e Bucher, já referido, n.° 25; e Prinz e Seeberger, já referido, n.° 27).

23      Com efeito, as facilidades concedidas pelo Tratado em matéria de circulação dos cidadãos da União não poderiam produzir a plenitude dos seus efeitos se um nacional de um Estado‑Membro pudesse ser dissuadido de as exercer em virtude dos obstáculos colocados à sua permanência noutro Estado‑Membro por uma regulamentação do seu Estado de origem que o penalizasse pelo simples facto de as ter exercido (acórdãos D’Hoop, já referido, n.° 31; de 29 de abril de 2004, Pusa, C‑224/02, Colet., p. I‑5763, n.° 19; Morgan e Bucher, já referido, n.° 26; e Prinz e Seeberger, já referido, n.° 28).

24      Esta consideração é particularmente importante no domínio da educação, tendo em conta os objetivos prosseguidos pelos artigos 6.°, alínea e), TFUE e 165.°, n.° 2, segundo travessão, TFUE, a saber, nomeadamente, incentivar a mobilidade dos estudantes e dos professores (v. acórdãos D’Hoop, já referido, n.° 32; de 7 de julho de 2005, Comissão/Áustria, C‑147/03, Colet., p. I‑5969, n.° 44; Morgan e Bucher, já referido, n.° 27; e Prinz e Seeberger, já referido, n.° 29).

25      A este respeito, importa recordar que o direito da União não impõe nenhuma obrigação aos Estados‑Membros no sentido de preverem um sistema de subsídio à formação para estudos noutro Estado‑Membro. Todavia, quando um Estado‑Membro preveja um sistema de subsídios à formação que permite aos estudantes beneficiarem dos mesmos, deve assegurar‑se de que as modalidades da sua concessão não criam entraves injustificados ao direito de circular e de permanecer no território dos Estados‑Membros (acórdãos, já referidos, Morgan e Bucher, n.° 28, e Prinz e Seeberger, n.° 30).

26      No caso em apreço, é pacífico que o recorrente no processo principal, que sempre manteve o seu domicílio permanente, na aceção da BAföG, na Turquia, iniciou os seus estudos de Direito na Alemanha e depois, após um semestre, mudou de universidade para prosseguir os seus estudos nos Países Baixos. Decorre igualmente dos autos que o referido recorrente não queria estudar na Turquia nem num Estado vizinho e que, no entender da Region Hannover, nenhuma circunstância pessoal justificava a concessão de um subsídio à formação no estrangeiro.

27      Ora, há que concluir que uma condição de domicílio permanente, como a que está prevista no § 5, n.° 2, da BAföG, mesmo que se aplique indistintamente aos nacionais alemães e aos outros cidadãos da União, constitui uma restrição ao direito de livre circulação e de permanência de que gozam todos os cidadãos nos termos do artigo 21.° TFUE (v., neste sentido, acórdão Prinz e Seeberger, já referido, n.° 31). A existência dessa restrição não é afetada pelo facto de a legislação em causa no processo principal prever, no § 6 da BAföG, a possibilidade de uma derrogação deste requisito aplicável aos nacionais, em circunstâncias particulares, claramente circunscritas, não garantindo aos mesmos o pleno gozo do seu direito de livre circulação e de permanência.

28      Assim, essa legislação é suscetível de dissuadir os nacionais da União de exercerem a sua liberdade de circular e de permanecer noutro Estado‑Membro, tendo em conta a incidência que o exercício dessa liberdade pode ter no seu direito a um subsídio à formação (acórdão Prinz e Seeberger, já referido, n.° 32).

29      A restrição que decorre da legislação em causa no processo principal só pode justificar‑se na perspetiva do direito da União se se basear em considerações objetivas de interesse geral independentes da nacionalidade das pessoas em causa e se for proporcionada ao objetivo legitimamente prosseguido pelo direito nacional (v. acórdãos, já referidos, De Cuyper, n.° 40; Morgan e Bucher, n.° 33; e Prinz e Seeberger, n.° 33). Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que uma medida é proporcionada quando, sendo adequada para a realização do objetivo prosseguido, não vai além do necessário para o alcançar (acórdãos, já referidos, De Cuyper, n.° 42; Morgan e Bucher, n.° 33; e Prinz e Seeberger, n.° 33).

30      É à luz das exigências da jurisprudência evocada no número anterior que importa examinar os argumentos apresentados no Tribunal de Justiça que visam justificar a restrição mencionada no n.° 27 do presente acórdão.

31      Segundo o Governo alemão, ainda que exista uma restrição à liberdade de circular e de permanecer, as disposições da BAföG justificam‑se por considerações objetivas de interesse geral. A este respeito, um nacional alemão, independentemente do facto de viver na Alemanha ou no estrangeiro, no que diz respeito aos subsídios à formação ao abrigo da BAföG, começa por ser encaminhado para estudos em território nacional. Assim, segundo esse governo, a legislação nacional só excecionalmente permite financiar estudos fora da República Federal da Alemanha nos casos em que não é razoável prever que os estudos se realizem nesse Estado‑Membro, mas apenas no Estado do domicílio do requerente ou num Estado vizinho deste. A exceção prevista no § 6 da BAföG teria pois um alcance restrito, não se destinando a criar um regime geral para financiamento dos estudos dos nacionais alemães com domicílio permanente no estrangeiro. Por outro lado, o Governo alemão recorda que o critério de conexão com o território nacional se mantém como requisito prévio à concessão de um subsídio ao abrigo da BAföG.

32      Assim, o Governo alemão alega que a legislação nacional é justificada por três objetivos: um objetivo de garantia de um nível mínimo de integração entre o requerente do subsídio e o Estado prestador, um objetivo económico de prevenção de um encargo excessivo e de manutenção de um quadro nacional para os subsídios à formação suscetíveis de serem exportados e um objetivo de promoção da mobilidade transfronteiriça dos estudantes.

33      Em primeiro lugar, esse governo sustenta que o quadro legislativo da BAföG visa garantir um nível mínimo de integração entre o requerente do subsídio e o Estado prestador.

34      A este respeito, importa observar que, tanto a integração dos estudantes como a vontade de que exista uma determinada conexão entre a sociedade do Estado‑Membro em causa e o beneficiário de uma prestação, como a que está em causa no processo principal, podem certamente constituir considerações objetivas de interesse geral, suscetíveis de justificar que os requisitos de concessão de tal prestação possam afetar a liberdade de circulação dos cidadãos da União (v., por analogia, acórdãos D’Hoop, já referido, n.° 38; Tas‑Hagen e Tas, já referido, n.° 35; de 22 de maio de 2008, Nerkowska, C‑499/06, Colet., p. I‑3993, n.° 37; e de 1 de outubro de 2009, Gottwald, C‑103/08, Colet., p. I‑9117, n.° 32).

35      O Tribunal de Justiça já reconheceu que pode ser legítimo que um Estado‑Membro, para evitar que a concessão de subsídios destinados a cobrir as despesas de subsistência de estudantes provenientes de outros Estados‑Membros se torne um encargo excessivo com consequências no nível global do subsídio suscetível de ser concedido por esse Estado, só conceda os referidos subsídios aos estudantes que demonstrem um certo grau de integração na sociedade do referido Estado e que, se existir um risco de tal encargo excessivo, em princípio, se podem aplicar considerações semelhantes no que respeita à concessão, por um Estado‑Membro, de subsídios à formação aos estudantes que pretendam efetuar estudos noutros Estados‑Membros (acórdãos de 15 de março de 2005, Bidar, C‑209/03, Colet., p. I‑2119, n.os 56 e 57; Morgan e Bucher, já referido, n.os 43 e 44; e Prinz e Seeberger, já referido, n.° 36).

36      No entanto, segundo jurisprudência constante, a prova exigida por um Estado‑Membro para demonstrar a existência de um laço real de integração não deve ter um caráter demasiado exclusivo, privilegiando indevidamente um elemento que não é necessariamente representativo do grau real e efetivo de conexão entre o requerente e esse Estado‑Membro, com exclusão de qualquer outro elemento representativo (v. acórdãos D’Hoop, já referido, n.° 39; de 21 de julho de 2011, Stewart, C‑503/09, Colet., p. I‑6497, n.° 95; de 4 de outubro de 2012, Comissão/Áustria, C‑75/11, já referido, n.° 62; de 20 de junho de 2013, Giersch e o., C‑20/12, n.° 76; e Prinz e Seeberger, já referido, n.° 37).

37      A propósito do grau de conexão do beneficiário de uma prestação com a sociedade do Estado‑Membro em causa, o Tribunal de Justiça teve já ocasião de declarar, a respeito de prestações que não são reguladas pelo direito da União, como a que está em causa no processo principal, que os Estados‑Membros gozam de uma ampla margem de apreciação na fixação dos critérios de avaliação dessa conexão (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Tas‑Hagen e Tas, n.° 36, e Gottwald, n.° 34).

38      A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que um requisito único de domicílio permanente, como o que está em causa no processo principal, comporta o risco de excluir do subsídio em questão estudantes que, apesar de não terem residido na Alemanha durante um período ininterrupto de três anos imediatamente anterior ao início dos seus estudos no estrangeiro, possuem, no entanto, laços que os unem de forma suficiente à sociedade alemã. Pode ser esse o caso quando o estudante tem a nacionalidade do Estado‑Membro em causa e fez aí a sua escolaridade durante um período significativo, ou em razão de outros fatores, tais como, nomeadamente, a sua família, o seu emprego, as suas capacidades linguísticas ou a existência de outros laços sociais ou económicos (v., neste sentido, acórdão Prinz e Seeberger, já referido, n.° 38).

39      No caso em apreço, o § 6 da BAföG autoriza uma derrogação ao requisito de domicílio ininterrupto de três anos na Alemanha aplicável aos nacionais alemães que têm o seu domicílio permanente no estrangeiro. Contudo, nas suas observações apresentadas no Tribunal de Justiça e na audiência, o Governo alemão indicou que a derrogação prevista no referido § 6 da BAföG é interpretada restritivamente e tem natureza excecional. A este respeito, indica que o § 6, que é completado pelas BAföGVwV, apenas é aplicável às situações em que os requerentes do subsídio à formação estão impossibilitados de prosseguir os seus estudos na Alemanha. As BAföGVwV visam, nomeadamente, situações de doença ou deficiência do requerente ou de doença ou deficiência dos pais do requerente que necessitem de cuidados e outros motivos relacionados com a equivalência de estudos ou com a situação económica dos pais do requerente.

40      Assim, afigura‑se que a aplicação destas derrogações em nada depende da existência de elos de conexão entre o requerente do subsídio e a sociedade alemã. Por conseguinte, as referidas derrogações não são suscetíveis de realizar o objetivo de integração sustentado pelo Governo alemão. Nestas circunstâncias, o requisito de domicílio permanente em causa no processo principal é simultaneamente demasiado exclusivo e demasiado aleatório ao privilegiar indevidamente um elemento que não é necessariamente representativo do grau de integração na sociedade do Estado‑Membro no momento do pedido de subsídio. Logo, a legislação nacional em causa no processo principal não pode ser considerada proporcional ao referido objetivo de integração.

41      Incumbe, pois, ao órgão jurisdicional de reenvio, único competente para apreciar os factos, analisar os eventuais elos de conexão entre o recorrente no processo principal e a República Federal da Alemanha, na medida em que A. I. Thiele Meneses, nacional alemão, nascido no Brasil, nunca residiu na Alemanha, mas completou a sua escolaridade em escolas alemãs em Espanha e na Turquia.

42      Em segundo lugar, o Governo alemão alega que as disposições em causa da BAföG visam evitar que o Estado prestador sofra um encargo excessivo, o que garante a manutenção do regime nacional de subsídios à formação que podem ser exportados. Segundo esse governo, a prevenção de um encargo excessivo e a manutenção do quadro nacional dos subsídios à formação que podem ser exportados são objetivos de interesse geral, suscetíveis de justificar uma restrição das liberdades fundamentais conferidas pelos artigos 20.° TFUE e 21.° TFUE.

43      A este respeito, importa recordar que, embora considerações de ordem orçamental possam estar na base das opções de política social de um Estado‑Membro e influenciar a natureza ou o alcance das medidas de proteção social que este pretenda adotar, não constituem todavia, em si mesmas, um objetivo prosseguido por essa política (v., neste sentido, acórdãos de 20 de março de 2003, Kutz‑Bauer, C‑187/00, Colet., p. I‑2741, n.° 59, e de 10 de março de 2005, Nikoloudi, C‑196/02, Colet., p. I‑1789, n.° 53). Motivos de natureza meramente económica não podem constituir razões imperiosas de interesse geral suscetíveis de justificar uma restrição a uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado (v., por analogia, acórdãos de 17 de março de 2005, Kranemann, C‑109/04, Colet., p. I‑2421, n.° 34 e jurisprudência referida, e de 11 de março de 2010, Attanasio Group, C‑384/08, Colet., p. I‑2055, n.° 55).

44      Daqui resulta que o objetivo puramente económico invocado pelo Governo alemão não pode ser considerado uma razão imperiosa de interesse geral suscetível de justificar objetivamente a legislação em causa.

45      Além disso, o Governo alemão também sustentou na audiência que este objetivo económico apoia uma outra finalidade de integração e que, assim sendo, visa garantir que apenas os requerentes do subsídio que provem um elo suficiente com o Estado prestador beneficiam da concessão de um subsídio à formação. Este objetivo visa, portanto, prosseguir uma outra finalidade de caráter não económico que pode justificar uma restrição das liberdades fundamentais.

46      O Tribunal de Justiça já declarou no n.° 40 do presente acórdão que, de qualquer modo, o requisito de domicílio permanente, apesar das derrogações que lhe são especificamente aplicáveis, é simultaneamente demasiado geral e demasiado exclusivo. Esta restrição do direito de livre circulação e de permanência não pode, assim, ser considerada proporcional ao objetivo económico prosseguido, como sustenta o Governo alemão.

47      Em terceiro lugar, segundo aquele governo, a legislação nacional tem por objetivo a promoção da mobilidade em matéria de formação. Assim, a legislação em causa no processo principal é suscetível de incentivar os estudantes dispostos apenas a estudar na Alemanha a estudar no estrangeiro, beneficiando o mercado de trabalho nacional dessa mobilidade na medida em que, dado o domicílio permanente na Alemanha, a regra será o regresso ao Estado prestador. Pelo contrário, um requerente de subsídio que resida no estrangeiro e que pretenda estudar noutra língua num outro Estado‑Membro não tenderá a ingressar no mercado de trabalho alemão. As medidas previstas pela BAföG permitem por conseguinte a realização deste objetivo e não ultrapassam o necessário para o atingir.

48      A este respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu que o objetivo de promover a mobilidade dos estudantes é do interesse geral e faz parte das ações cometidas à União pelo artigo 165.° TFUE no âmbito da política de educação, formação profissional, da juventude e do desporto e que a mobilidade na educação e na formação é um elemento integrante da liberdade de circulação das pessoas e um dos principais objetivos da ação da União (v. acórdão de 14 de junho de 2012, Comissão/Países Baixos, C‑542/09, n.° 71).

49      Neste contexto, uma justificação relativa à promoção da mobilidade dos estudantes pode constituir uma razão imperiosa de interesse geral suscetível de justificar uma restrição como a que está em causa no processo principal. Todavia, como se indicou no n.° 29 do presente acórdão, uma legislação suscetível de restringir uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado, como o direito de livre circulação e de permanência dos cidadãos da União, só pode ser validamente justificada se for adequada a garantir a realização do objetivo legítimo prosseguido e não for além do necessário para o alcançar (v. acórdão Comissão/Países Baixos, já referido, n.° 73).

50      Ora, de qualquer modo, o Tribunal de Justiça já declarou no n.° 40 do presente acórdão que uma legislação como a que está em causa no processo principal é simultaneamente demasiado geral e demasiado exclusiva e não pode ser considerada proporcionada, uma vez que privilegia um elemento que não é necessariamente o único representativo do real grau de conexão entre o requerente do subsídio e a sociedade alemã (v., neste sentido, acórdão Comissão/Países Baixos, já referido, n.° 86).

51      Tendo em conta o exposto, importa responder à questão submetida que os artigos 20.° TFUE e 21.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que, em princípio, faz depender a concessão de um subsídio à formação para estudos prosseguidos noutro Estado‑Membro de um requisito único de domicílio permanente no território nacional, na aceção desta legislação, e que, nos casos em que o requerente é um nacional que não tem o seu domicílio permanente nesse território nacional, apenas prevê um subsídio à formação no estrangeiro no Estado do domicílio do requerente ou num Estado vizinho deste, e unicamente quando circunstâncias particulares o justifiquem.

 Quanto às despesas

52      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

Os artigos 20.° TFUE e 21.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que, em princípio, faz depender a concessão de um subsídio à formação para estudos prosseguidos noutro Estado‑Membro de um requisito único de domicílio permanente no território nacional, na aceção desta legislação, e que, nos casos em que o requerente é um nacional que não tem o seu domicílio permanente nesse território nacional, apenas prevê um subsídio à formação no estrangeiro no Estado do domicílio do requerente ou num Estado vizinho deste, e unicamente quando circunstâncias particulares o justifiquem.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.