Language of document : ECLI:EU:C:2011:413

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

ELEANOR SHARPSTON

apresentadas em 22 de junho de 2011 (1)

Processo C‑204/09

Flachglas Torgau GmbH

contra

Bundesrepublik Deutschland

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesverwaltungsgericht (Alemanha)]

«Acesso a informação sobre ambiente na posse das autoridades públicas ― Convenção de Aarhus ― Diretiva 2003/4/CE ― Órgãos no exercício da competência legislativa ― Confidencialidade dos procedimentos prevista por lei»





1.        Nos termos da Diretiva 2003/4/CE (2), as autoridades públicas devem, em princípio, ser obrigadas a disponibilizar a qualquer requerente informação sobre ambiente na sua posse ou detida em seu nome. Contudo, a diretiva permite aos Estados‑Membros excluir da definição de «autoridade pública» os órgãos públicos que atuem no exercício da competência legislativa. Além disso, pode ser recusado o acesso a determinados tipos de documento, ou se a sua divulgação prejudicar a confidencialidade dos procedimentos das autoridades, quando tal confidencialidade esteja prevista por lei.

2.        O Bundesverwaltungsgericht (tribunal administrativo federal) pretende, em especial, que se esclareça em que medida se pode considerar que as autoridades executivas do Estado atuam no exercício da competência legislativa e as possíveis limitações temporais dessa exclusão, e o alcance preciso do requisito de que a confidencialidade dos procedimentos esteja «prevista por lei».

I ―    Convenção de Aarhus

3.        A União Europeia, os Estados‑Membros e 19 outros Estados são partes na Convenção de Aarhus sobre acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente (a seguir «Convenção»), que entrou em vigor em 30 de outubro de 2001. A Convenção baseia‑se em três «pilares» ― acesso à informação, participação do público e acesso à justiça. O seu preâmbulo inclui os seguintes considerandos:

«Reconhecendo que, no domínio do ambiente, a melhoria do acesso à informação e da participação pública no processo de tomada de decisões aumenta a qualidade das decisões e reforça a sua aplicação, contribui para a sensibilização do público para as questões ambientais, dá‑lhe a possibilidade de manifestar as suas preocupações e permite às autoridades públicas ter em conta essas preocupações,

Procurando, por este meio, aumentar a responsabilidade e a transparência no processo de tomada de decisões e reforçar o apoio do público às decisões adotadas no domínio do ambiente,

Reconhecendo que é conveniente promover a transparência em todos os setores de governação, e convidando os órgãos legislativos a aplicar os princípios da presente convenção na sua atuação.»

4.        Nos termos do artigo 2.°, n.° 2, da Convenção, a expressão «autoridade pública» designa, em especial, «um governo a nível nacional, regional ou outro», assim como quaisquer pessoas singulares ou coletivas com atribuições, responsabilidades ou funções públicas, sobretudo relacionadas com o ambiente, com exclusão dos «organismos ou instituições que atuem na qualidade de órgãos jurisdicionais ou legislativos».

5.        O artigo 4.° da Convenção, que introduz o primeiro pilar, intitula‑se «Acesso a informação ambiental». Os seus dois primeiros parágrafos exigem que as partes assegurem, no essencial, que, em resposta a um pedido de informação ambiental, as autoridades públicas coloquem o mais rápido possível, as informações ambientais solicitadas à disposição do público sem que seja necessário invocar um interesse na questão. O artigo 4.°, n.° 4, estabelece alguns fundamentos de recusa de um pedido. Estes incluem, nos termos do artigo 4.°, n.° 4, alínea a), os casos em que a divulgação possa prejudicar, designadamente, «a confidencialidade dos procedimentos das autoridades públicas, nos casos em que tal confidencialidade esteja prevista no direito interno». O último parágrafo do artigo 4.°, n.° 4, refere: «Os fundamentos de recusa acima referidos devem ser objeto de uma interpretação restritiva, tendo em conta o interesse público defendido pela divulgação e o facto de a informação solicitada ser relativa a emissões para o ambiente.»

6.        No decurso do processo, foi referido o artigo 8.° da convenção, que faz parte do segundo pilar, embora não diga diretamente respeito ao acesso à informação. Intitula‑se «Participação do público durante a preparação de regulamentos de execução e/ou de instrumentos normativos juridicamente vinculativos diretamente aplicáveis» e prevê, em especial: «Cada parte deve envidar todos os esforços para promover a participação efetiva do público numa fase apropriada e enquanto as opções se encontrarem em aberto, durante a preparação, pelas autoridades públicas, de regulamentos de execução e de outras regras juridicamente vinculativas diretamente aplicáveis que possam ter um efeito significativo no ambiente.» Para esse fim, as partes devem fixar prazos suficientes para permitir uma participação efetiva, colocar à disposição do público os projetos de regras, dar ao público a oportunidade de apresentar os seus comentários diretamente ou através de organismos consultivos representativos, e ter em conta, tanto quanto possível, o resultado da participação do público.

7.        O artigo 9.° contém o terceiro pilar da convenção e é relativo ao acesso à justiça. Em especial, exige que as partes na convenção assegurem às pessoas descontentes com a resposta dada ao pedido de informações por si apresentado o acesso a um verdadeiro recurso judicial que proporcione soluções adequadas e eficazes.

8.        A Convenção foi aprovada em nome da Comunidade Europeia pela Decisão 2005/370/CE do Conselho (3), cujo anexo contém uma declaração da Comunidade Europeia (a seguir «declaração») que, na parte relevante para efeitos do presente processo, tem a seguinte redação:

«No que respeita ao artigo 9.° da Convenção de Aarhus, a Comunidade Europeia convida as partes na convenção a tomar nota do n.° 2 do artigo 2.° e do artigo 6.° da [diretiva]. Essas disposições concedem aos Estados‑Membros da Comunidade Europeia a possibilidade de, em casos excecionais e sob condições estritamente especificadas, excluir certas instituições ou órgãos das normas relativas aos processos de recurso respeitantes a decisões sobre pedidos de informação.

Por conseguinte, a ratificação da Convenção de Aarhus pela Comunidade Europeia abarca qualquer reserva de um Estado‑Membro da Comunidade Europeia na medida em que essa reserva seja compatível com o n.° 2 do artigo 2.° e o artigo 6.° da [diretiva].»

9.        Ao ratificar a convenção em 20 de maio de 2005, a Suécia apresentou uma reserva que, na parte relevante para efeitos do presente processo, tem a seguinte redação: «A Suécia formula uma reserva em relação ao artigo 9.°, n.° 1, no que diz respeito ao acesso a um recurso judicial das decisões adotadas pelo Parlamento, Governo e Ministros sobre questões que envolvam a publicação de documentos oficiais.» A Alemanha ratificou a convenção em 15 de janeiro de 2007, sem formular reservas.

II ― Diretiva

10.      A diretiva foi adotada em 2003, antes de o Conselho ter aprovado a convenção. O quinto considerando deixa claro que a diretiva teve por objetivo tornar o que era então o direito comunitário compatível com a convenção, tendo em vista a sua conclusão pela Comunidade Europeia. A diretiva abrange o primeiro pilar da Convenção, assim como as partes do terceiro pilar que são relevantes para o acesso à informação.

11.      O décimo sexto considerando estabelece: «o direito à informação significa que a divulgação de informação deve ser uma regra geral e que as autoridades públicas devem poder recusar um pedido de informações sobre ambiente em casos específicos e claramente definidos. Os motivos da recusa devem ser interpretados de forma restrita, mediante uma ponderação do interesse público protegido pela divulgação por oposição ao interesse protegido pela recusa. [...]»

12.      O artigo 1.°, alínea a), refere que um dos objetivos da diretiva é «garantir o direito de acesso à informação sobre ambiente na posse das autoridades públicas ou detida em seu nome e estabelecer as condições básicas do, e disposições práticas para o, seu exercício».

13.      Na sua primeira frase, o artigo 2.°, n.° 2, define «autoridade pública» como «o governo ou outros órgãos da administração pública nacional, regional ou local, incluindo órgãos consultivos», assim como, mais uma vez, qualquer pessoa singular ou coletiva com responsabilidades ou funções públicas relacionadas com o ambiente. A segunda e terceira frases referem: «Os Estados‑Membros podem prever que esta definição não inclua órgãos ou instituições no exercício da sua competência judicial ou legislativa. Os Estados‑Membros podem excluir órgãos ou instituições desta definição caso, na data de adoção da presente diretiva, a respetiva ordem constitucional não preveja um processo de recurso na aceção do artigo 6.°» (4).

14.      O artigo 3.°, n.° 1, da diretiva prevê: «Os Estados‑Membros asseguram que as autoridades públicas sejam, nos termos da presente Diretiva, obrigadas a disponibilizar a qualquer requerente informação sobre ambiente na sua posse ou detida em seu nome, sem que o requerente tenha de justificar o seu interesse.»

15.      As partes relevantes do artigo 4.° têm a seguinte redação:

«1.      Os Estados‑Membros podem prever o indeferimento de um pedido de informação sobre ambiente quando:

[…]

d)      O pedido se refira a processos em curso ou a documentos e dados incompletos;

e)      O pedido se refira a comunicações internas, tendo em conta o interesse público que a divulgação da informação serviria.

[...]

2.      Os Estados‑Membros podem prever o indeferimento de um pedido de informação sobre ambiente se a divulgação dessa informação prejudicar:

a)      A confidencialidade dos procedimentos das autoridades públicas, quando tal confidencialidade esteja prevista por lei;

[…]

Os motivos de indeferimento referidos nos n.os 1 e 2 devem ser interpretados de forma restritiva, tendo em conta, em cada caso, o interesse público servido pela sua divulgação. Em cada caso específico, o interesse público que a divulgação serviria deve ser avaliado por oposição ao interesse servido pelo indeferimento. Os Estados‑Membros não podem, por força do disposto nas alíneas a) [[…]], prever o indeferimento de um pedido que incida sobre emissões para o ambiente.

[…]

4.      A informação sobre ambiente na posse das autoridades públicas ou detida em seu nome e pedida por um requerente será apenas parcialmente disponibilizada quando for possível dissociar as informações abrangidas pelas alíneas d) e e) do n.° 1 ou pelo n.° 2 das restantes informações pedidas.

[…]»

III ― Direito alemão

16.      A Umweltinformationsgesetz (lei relativa às informações sobre ambiente, a seguir «UIG») transpôs a diretiva para o direito federal alemão.

17.      O § 2, n.° 1, ponto 1, da UIG inclui «o Governo e outros órgãos da administração pública» nos órgãos sujeitos à obrigação de informação. No entanto, o § 2, n.° 1, ponto 1, alínea a) exclui expressamente «as autoridades federais supremas quando atuem no contexto de um processo legislativo ou adotem medidas regulamentares [‘Rechtsverordnungen’]».

18.      Nos termos do § 8, n.° 1, ponto 2, da UIG, se a divulgação das informações prejudicar a confidencialidade dos procedimentos dos órgãos sujeitos à obrigação de informação, na aceção do § 2, n.° 1, o pedido deve ser indeferido, exceto se existir um interesse público superior na divulgação das informações, embora o acesso a informação ambiental respeitante a emissões não possa ser indeferido por esse motivo. Segundo o § 8, n.° 2, ponto 2, também deve ser indeferido um pedido relativo a comunicações internas, a não ser que exista um interesse público superior na divulgação das informações.

19.      Também foram referidas algumas disposições da Verwaltungsverfahrensgesetz (lei do procedimento administrativo, a seguir «VwVfG»).

20.      O § 28, n.° 1, da VwVfG dispõe: «Previamente à adoção de um ato administrativo que afete os direitos de um interessado, deverá ser‑lhe dada oportunidade de se pronunciar acerca dos factos relevantes para a decisão.»

21.      O § 29, n.os 1 e 2, da VwVfG tem a seguinte redação:

«1)      As autoridades administrativas deverão permitir que as partes interessadas consultem os documentos relativos ao procedimento em questão, na medida em que o conhecimento dos referidos documentos seja necessário para proteger ou defender os seus interesses legais. Até à conclusão do procedimento administrativo, a primeira frase não se aplicará aos projetos de decisão, nem aos trabalhos diretamente relacionados com esses projetos. […]

2)      As autoridades administrativas não estão obrigadas a permitir a consulta de documentos se tal puder afetar o exercício normal das suas funções ou quando a divulgação do conteúdo dos documentos lesar a República Federal ou um Land, ou quando os factos devam permanecer secretos por força da lei ou devido à sua natureza, tendo em conta, em especial, os interesses legítimos das partes envolvidas ou de terceiros.»

22.      O § 68, n.° 1, da VwVfG dispõe, em especial, que as audiências administrativas não são públicas, embora a presença de terceiros possa ser autorizada se nenhum interessado se opuser.

IV ― Factos, tramitação processual e questões prejudiciais

23.      A Flachglas Torgau GmbH (a seguir «Flachglas Torgau») é uma empresa fabricante de vidro que participa no comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa. Nesse contexto, solicitou ao Ministério Federal do Ambiente (a seguir «Ministério») informações na posse deste último a respeito de uma lei sobre a atribuição de licenças de emissão de gases com efeito de estufa no período de 2005 a 2007 (5).

24.      A informação requerida referia‑se tanto ao processo legislativo que conduziu à adoção dessa lei, como à sua execução. O pedido abrangia, em especial, notas e pareceres internos do Ministério, bem como correspondência, incluindo mensagens de correio eletrónico trocada com a autoridade alemã competente em matéria de comércio de licenças de emissão [Umweltbundesamt], uma autoridade autónoma.

25.      O Ministério indeferiu o pedido na íntegra. No que diz respeito às informações sobre a sua participação no processo legislativo, considerou que, nos termos do § 2, n.° 1, ponto 1, alínea a), da UIG, não era uma «autoridade pública sujeita à obrigação de informação». Outras informações, com origem em procedimentos confidenciais, cuja eficácia podia ser prejudicada pela divulgação, estavam abrangidas pelo § 8, n.° 1, ponto 2, da UIG. Por último, as comunicações internas estavam protegidas pelo § 8, n.° 2, ponto 2, da UIG e não havia um interesse público superior na sua divulgação.

26.      A Flachglas Torgau impugnou o indeferimento no Verwaltungsgericht (Tribunal Administrativo), que julgou o pedido parcialmente procedente. Em sede de recurso interposto pela Flachglas Torgau e de recurso subordinado interposto pelo Ministério, o Oberverwaltungsgericht (Supremo Tribunal Administrativo) declarou que o Ministério atuou no contexto de um processo legislativo, pelo que, nos termos do § 2, n.° 1, ponto 1, alínea a), da UIG, não está sujeito à obrigação de informação na medida em que participava nos trabalhos preparatórios e de acompanhamento da elaboração de leis. Todavia declarou, também que o Ministério não podia invocar a confidencialidade dos procedimentos como motivo de indeferimento, e que não tinha demonstrado em que medida a divulgação prejudicaria a confidencialidade dos procedimentos de consulta. Ordenou ao Ministério que reconsiderasse a sua decisão à luz do seu acórdão.

27.      As duas partes interpuseram recurso para o Bundesverwaltungsgericht. A Flachglas Torgau sustentou que o direito da União não permite que os ministérios sejam excluídos da obrigação de informação quando atuam no contexto do processo legislativo parlamentar e que, em todo o caso, a proteção relativa aos trabalhos preparatórios de uma lei termina quando esta é promulgada. Também alegou que o Ministério não podia invocar a confidencialidade dos procedimentos como motivo de indeferimento, porque o direito da União exige que exista uma disposição legal expressa que estabeleça a confidencialidade, diferente da disposição contida nas normas gerais relativas à informação ambiental.

28.      O Bundesverwaltungsgericht submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1) a)  O artigo 2.°, ponto 2, segundo parágrafo, primeiro período, da [diretiva], deve ser interpretado no sentido de que só atuam no exercício da sua competência legislativa os órgãos e as instituições a quem, segundo a legislação do Estado‑Membro em causa, compete tomar a decisão final (vinculativa) no processo legislativo, ou também atuam no exercício da competência legislativa os órgãos e as instituições a quem a legislação desse Estado confiou competências e direitos de participação no processo legislativo, em especial para apresentar projetos de lei e para emitir pareceres sobre estes projetos?

b)       Os Estados‑Membros só podem excluir da definição do conceito de autoridade pública órgãos e instituições no exercício da sua competência judicial ou legislativa caso, na data da adoção da [diretiva], a respetiva ordem constitucional não previsse um processo de recurso na aceção do artigo 6.° da mesma diretiva?

c)       Os órgãos e as instituições no exercício da competência legislativa só não estão abrangidos pelo conceito de autoridade pública até à conclusão do processo legislativo?

2) a)  A confidencialidade dos procedimentos está prevista [por] lei, na aceção do artigo 4.°, n.° 2, primeiro parágrafo, alínea a), da [diretiva], quando a disposição de direito nacional adotada para transpor esta diretiva determina, em termos gerais, que o pedido de acesso a informações sobre ambiente deve ser indeferido quando a divulgação das informações prejudique a confidencialidade dos procedimentos dos órgãos públicos sujeitos a uma obrigação de informação, ou é necessário que uma disposição legislativa especial prescreva a confidencialidade dos procedimentos?

b)       A confidencialidade dos procedimentos está prevista [por] lei, na aceção do artigo 4.°, n.° 2, primeiro parágrafo, alínea a), da [diretiva] quando, [por força de] um princípio geral não [escrito de direito nacional] os procedimentos administrativos das autoridades públicas não são públicos?»

29.      A Flachglas Torgau, o Governo alemão e a Comissão apresentaram observações escritas e orais ao Tribunal de Justiça.

V ―    Apreciação

A ―    Abordagem da interpretação da diretiva

30.      A Convenção e a diretiva refletem a determinação de garantir uma maior transparência. Os trabalhos preparatórios (6) e os preâmbulos (7) dos dois instrumentos insistem na transparência e no acesso à informação, em especial no que diz respeito à possibilidade de os cidadãos pedirem explicações às autoridades públicas. Com efeito, dificilmente se poderá contestar que, em termos gerais, a transparência é benéfica. Em especial, o acesso público à informação pode promover melhores práticas por parte dos que tomam decisões com base nessa informação.

31.      Obviamente, não está em causa uma transparência ilimitada. Se os benefícios de um sistema transparente são indiscutíveis, também é indiscutível o reconhecimento de que a transparência pode suscitar dificuldades, tal como salientou o Governo alemão. Porém, embora reconhecendo tais dificuldades, o Tribunal de Justiça tem optado, tendencialmente, em contextos semelhantes, por interpretações que promovem a transparência (8).

32.      Por conseguinte, em caso de ambiguidade, a diretiva deve ser interpretada de modo a favorecer a transparência e o acesso à informação, e as disposições que limitem o seu alcance a este respeito ― tais como o artigo 2.°, n.° 2, que permite a limitação da categoria das autoridades que estão obrigadas a disponibilizar informação, ou o artigo 4.°, n.os 1 e 2, que permite a recusa da divulgação em determinadas circunstâncias ― devem ser interpretadas de forma estrita. Na verdade, em relação a esta última disposição, a própria diretiva exige expressamente que os motivos de indeferimento sejam interpretados de forma restritiva.

B ―    Primeira questão

33.      Nos termos do artigo 2.°, n.° 2, da diretiva, a Alemanha excluiu da obrigação de disponibilizar a informação ambiental «as autoridades federais supremas quando atuem no contexto de um processo legislativo ou adotem medidas regulamentares». O órgão a quem foi solicitada informação no presente processo era um ministério federal, e não um órgão parlamentar. Por conseguinte, com as três partes da sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial (a) se a diretiva permite a exclusão de órgãos cujo papel no processo legislativo está limitado à apresentação de propostas legislativas ou à formulação de observações sobre estas (b) se é possível a exclusão de órgãos cujas decisões já estavam sujeitas a recurso e (c) se qualquer exclusão só é permitida até à conclusão do processo legislativo. Examinarei, contudo, a alínea b) que, por lógica, parece dever ser apreciada, antes da alínea a) ― que, por sua vez, me parece mais estreitamente associada à alínea c).

 b) Possibilidade de exclusão dos órgãos cujas decisões já estavam sujeitas a recurso na aceção do artigo 6.°

34.      A segunda e terceira frases do artigo 2.°, n.° 2, enunciam: «Os Estados‑Membros podem prever que [a definição de autoridade pública] não inclua órgãos ou instituições no exercício da sua competência judicial ou legislativa. Os Estados‑Membros podem excluir órgãos ou instituições desta definição caso, na data de adoção da presente diretiva, a respetiva ordem constitucional não preveja um processo de recurso na aceção do artigo 6.°»

35.      O órgão jurisdicional de reenvio pede a clarificação da relação entre essas duas frases. Por outras palavras, pretende‑se saber se a terceira frase delimita as circunstâncias em que um Estado‑Membro pode fazer uso da opção prevista na segunda frase (o que sustenta a Flachglas Torgau) ou cria uma opção separada que pode ser utilizada em circunstâncias específicas mas que é independente da opção referida na segunda frase (opinião partilhada pelo Governo alemão e pela Comissão).

36.      É pacífico que, à data da adoção da diretiva, o direito constitucional alemão previa um recurso judicial das decisões como a adotada pelo Ministério no presente caso em apreço. Consequentemente, se a interpretação da Flachglas Torgau devesse prevalecer, não haveria qualquer margem de aplicação, para a Alemanha, não poderia excluir da definição de autoridade pública órgãos como o Ministério, mesmo quando estes atuam no exercício da competência legislativa.

37.      Qualquer que seja a leitura que se faça, a relação entre as duas frases não é clara. Como salienta a Comissão, a terceira frase foi adicionada numa fase avançada do processo legislativo, no âmbito do Comité de Conciliação convocado nos termos do artigo 251.°, n.° 3, CE (9). Se a inserção se efetuou nessa fase com um fim específico, os seus autores podem não ter tido plenamente em conta a sua relação com o resto do texto ou as suas implicações para a interpretação desse texto. Mas qual foi esse fim específico? Infelizmente, como salienta ainda a Comissão, os trabalhos preparatórios não dão nenhuma informação clara a este respeito. Foram propostas duas hipóteses.

38.      A Flachglas Torgau observa que a terceira frase foi adicionada depois de uma tentativa infrutífera do Parlamento de alterar a segunda frase de modo a enunciar «os Estados‑Membros podem dispor, no âmbito da aplicação das disposições da presente diretiva relativas ao acesso à justiça, que a definição de ‘autoridade pública’ não inclui os órgãos com competências judiciais ou legislativas, na medida em que ajam no exercício de tais competências» (o sublinhado é meu) (10). A referida proposta procurava, assim, sujeitar todas as autoridades públicas à obrigação de disponibilização da informação ambiental, permitindo apenas a exclusão relativa à necessidade de prever um recurso judicial de qualquer decisão de indeferimento de um pedido de informação. A Flachglas Torgau sugere que a terceira frase do artigo 2.°, n.° 2, foi incluída durante o processo de conciliação como uma espécie de quid pro quo em troca da rejeição da proposta do Parlamento, e tinha como finalidade impor uma condição substantiva ao exercício da opção da segunda frase.

39.      A Comissão e o Governo alemão sugerem uma razão diferente, nomeadamente que a inserção se destinou a preparar o caminho para a reserva (11) que a Suécia seria obrigada a formular quando ratificasse a Convenção, e a integrá‑la na diretiva. A reserva pretendida pela Suécia refletia a sua própria situação jurídica interna, que não previa um processo de recurso judicial das decisões dos órgãos superiores do Estado nas questões relativas à divulgação de documentos oficiais. A declaração (12), que referiu expressamente o artigo 2.°, n.° 2, da diretiva no contexto das eventuais reservas formuladas pelos Estados‑Membros, forneceu então a necessária ligação. O Governo alemão alega, assim, que, enquanto que a segunda frase do artigo 2.°, n.° 2, permite aos Estados‑Membros excluir os órgãos quando atuam no exercício da sua competência judicial ou legislativa, a terceira frase permite a exclusão total dos órgãos jurisdicionais ou legislativos enquanto tais. A Comissão considera ainda que a segunda e terceira frases são alternativas.

40.      A explicação da Flachglas Torgau não me convence. Uma vez que a alteração proposta pelo Parlamento não foi aceite (13), seria surpreendente se a solução encontrada no Comité de Conciliação fosse ainda mais longe do que a referida proposta ao limitar o alcance da possível exclusão da definição de «autoridade pública». A diretiva já vai mais longe do que a Convenção ao limitar‑se a permitir aos Estados‑Membros fazer uma exclusão da definição, enquanto que a Convenção refere que a definição «não inclui» organismos ou instituições que atuem na qualidade de órgãos jurisdicionais ou legislativos. A alteração proposta pelo Parlamento teria limitado a exclusão permitida à esfera do recurso judicial. A interpretação da diretiva preconizada pela Flachglas Torgau opõe‑se, no entanto, a toda e qualquer exclusão, exceto em circunstâncias constitucionais especiais ― que, podemos inferir, são raras, uma vez que só a Suécia formulou uma reserva à convenção a esse respeito.

41.      A leitura alternativa proposta pelo Governo alemão e pela Comissão poderá parecer mais convincente. O sistema jurídico sueco não permitia o recurso judicial das decisões relativas à divulgação de documentos oficiais adotados pelo Parlamento, pelo Governo ou pelos ministros. Assim, a Suécia formulou uma reserva em relação ao artigo 9.°, n.os 1 e 2, da Convenção no que diz respeito ao recurso judicial dessas decisões. É compreensível que a Suécia não tivesse querido vincular‑se através da diretiva a uma obrigação em relação à qual tencionava formular uma reserva no direito internacional. Assim, foi necessário que a diretiva permitisse aos Estados‑Membros que se encontrem nessas circunstâncias criar uma exclusão geral para certos órgãos, em vez de uma exclusão em função das competências que estes exercem. A declaração parece apoiar a referida interpretação. Sublinha que os artigos 2.°, n.° 2, e 6.° concedem aos Estados‑Membros a possibilidade de, «em casos excecionais e sob condições estritamente especificadas», excluir certas instituições ou órgãos das normas relativas aos processos de recurso, e especifica que a ratificação da Convenção pela União abarca qualquer reserva de um Estado‑Membro que seja compatível com esses artigos. A própria declaração contém, assim, uma reserva, que permitiu à União aderir à Convenção sem comprometer a posição adotada por qualquer um dos seus Estados‑Membros.

42.      Todavia, as duas explicações são hipotéticas, e parece difícil concluir, com segurança, que uma ou outra é correta. As diferentes partes podem ter‑se baseado em diferentes pressupostos durante o processo de conciliação, pelo que poderá ser imprudente procurar deduzir do contexto uma única intenção do legislador. A própria redação, como já referi, não é muito útil. Se a terceira frase tivesse sido introduzida por uma expressão do tipo «além disso» ou «alternativamente», o significado poderia ter sido mais claro. Mas não é. Tudo o que se pode afirmar com certeza é que o texto claramente não sustenta a interpretação da Flachglas Torgau, que implicaria uma maior divergência entre a Convenção e a diretiva do que a proposta pelo Governo alemão e pela Comissão. Uma vez que um dos principais objetivos da diretiva era adequar o direito da União com a Convenção, parece preferível adotar esta última abordagem, que se afasta menos da Convenção.

43.      Considero, portanto, que a terceira frase do artigo 2.°, n.° 2, da diretiva contém uma opção (da qual a Alemanha não pretendeu, em todo o caso, fazer uso) totalmente independente da prevista na segunda frase (que a Alemanha utilizou). Consequentemente, o facto de as disposições constitucionais alemãs permitirem efetivamente, na data da adoção da diretiva, o recurso das decisões de órgãos como o Ministério (pelo que a terceira frase do artigo 2.°, n.° 2, não pode ser invocada a este respeito) não impede que a Alemanha possa invocar a segunda frase e excluir da definição de «autoridade pública», no § 2, n.° 1, ponto 1, alínea a), da UIG, determinadas autoridades em função da natureza da sua atividade.

44.      Porém, a questão de saber se o conteúdo da referida disposição corresponde, de facto, exatamente ao da segunda frase do artigo 2.°, n.° 2, da diretiva deverá ser abordada no contexto da alínea a) da questão [1] submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio.

 a) Órgãos cujo papel no processo legislativo está limitado à apresentação de propostas legislativas ou à formulação de observações sobre estas

45.      A segunda frase do artigo 2.°, n.° 2, permite aos Estados‑Membros excluir do alcance da diretiva órgãos, que de outra forma estariam incluídos na definição de «autoridade pública», quando atuam «no exercício da sua competência judicial ou legislativa». Parece claro, portanto, que se pretende uma definição funcional e contextual, em função da natureza da atividade que é desenvolvida num determinado momento, e não uma definição estrutural em que a natureza do órgão em questão o liga a um ou a outro dos três poderes de Montesquieu (14). Por outro lado, como refere a Comissão, só uma interpretação funcional permite tomar em consideração os diferentes sistemas legislativos dos Estados‑Membros de modo a obter um nível razoável de uniformidade.

46.      No âmbito de uma classificação estrutural, o Ministério pertenceria presumivelmente ao poder executivo, e não seria um órgão legislativo. Contudo, dizem‑nos que, na Alemanha, o poder executivo é ― como, provavelmente, em todos os Estados‑Membros ― o principal detentor da iniciativa legislativa no parlamento federal. Acresce que, durante o procedimento de adoção de um projeto‑lei no órgão legislativo, o Ministério pode ser consultado e emitir pareceres. Nessas circunstâncias, atua claramente «no contexto de um processo legislativo», para utilizar os termos do § 2, n.° 1, ponto 1, alínea a), da UIG. Mas isso equivale a atuar «no exercício da sua competência […] legislativa» na aceção do artigo 2.°, n.° 2, da diretiva?

47.      Parece que o Ministério também pode emitir medidas regulamentares, presumivelmente medidas de execução que está habilitado a adotar por força da legislação primária. Mais uma vez, coloca‑se a questão: ao fazê‑lo, está a atuar no exercício da competência legislativa?

48.      Resulta do despacho de reenvio que a Flachglas Torgau solicitou informações «do processo legislativo» relativo à lei em questão ― que, ao que parece, foi adotada pelo órgão legislativo e não é uma medida de execução adotada pelo próprio Ministério. Embora o órgão jurisdicional nacional não seja mais explícito quanto à natureza exata das informações solicitadas (15), partirei do mesmo pressuposto que está subjacente à própria questão e a todas as observações apresentadas ao Tribunal de Justiça, ou seja, que é a participação do Ministério no processo legislativo, enquanto responsável pela iniciativa legislativa e órgão consultivo, que deve ser apreciada. Assim, não abordarei a questão de saber se o Ministério pode estar a atuar «no exercício da sua competência […] legislativa» quando exerce os seus outros poderes para adotar medidas regulamentares, visto que esta parece ser irrelevante para o processo principal.

49.      Afigura‑se oportuno começar por examinar o objetivo da exclusão dos órgãos que atuam no âmbito da sua competência judicial ou legislativa. Infelizmente, porém, qualquer explicação explícita desse objetivo parece perder‑se no tempo.

50.      A diretiva foi adotada para adaptar o que era então o direito comunitário com as disposições da convenção, mas os trabalhos preparatórios da Convenção (16) não dão qualquer indicação de que a formulação da exclusão, já presente no projeto inicial, tivesse sido objeto de uma especial atenção. Com efeito, como indicou a Comissão, uma grande parte da Convenção foi inicialmente inspirada e desenvolvida com base em legislação comunitária, incluindo a diretiva que precedeu a atual (17), que já continha a exceção formulada nos mesmos termos (18).

51.      O único registo que encontro de uma apreciação do objetivo da exclusão permitida figura no relatório do Parlamento relativo à primeira leitura da proposta da atual Diretiva (19), no qual, procurando limitar o alcance da exclusão à exigência de um recurso judicial (por contraposição à exigência de disponibilizar informação), o Parlamento presumiu que o motivo da restrição era a conceção tradicional do equilíbrio entre os poderes legislativo, executivo e judicial, mas considerou que a separação de poderes seria mais equitativa se os cidadãos tivessem o mesmo acesso à informação na posse dos três poderes. Todavia, essa hipótese não é muito relevante para a questão de saber se o poder executivo pode, em determinadas circunstâncias, atuar no exercício da competência legislativa.

52.      O Governo alemão sugere que o motivo da exclusão era proteger a atividade legislativa no domínio do ambiente ― relativamente à qual as opiniões são frequentemente defendidas e expressas com grande vigor ― dos insistentes pedidos de informações, da contestação veemente das informações obtidas e das tentativas persistentes de influenciar o resultado com base nessas informações. A exclusão visa, assim, permitir que todo o processo legislativo, desde o projeto‑lei até à sua adoção como lei, e sobretudo os debates e intercâmbios de ideias, que permitem a formação das opiniões, se desenrolem sem quaisquer perturbações desse tipo.

53.      O argumento básico do Governo alemão é válido como hipótese, se o considerarmos, por agora, como relativo aos poderes judicial e legislativo enquanto tais. O exercício das duas funções judicial e legislativa poderia ser comprometido se pudessem ser legitimamente solicitadas, a todo o momento e por qualquer pessoa, informações de todo o tipo e relativas a todas as fases do processo ― análise das questões e dos dados pertinentes, elaboração de conclusões a partir dessa análise e formulação de uma decisão final (20). Parece razoável supor que as pessoas que redigiram inicialmente o primeiro dos instrumentos em causa (21) tiveram em mente considerações desse tipo e que estas considerações permaneceram, embora implicitamente, na mente das que participaram na redação dos instrumentos subsequentes.

54.      Contudo, não é de forma alguma desejável, e também não seria coerente com o espírito geral da Convenção ou da diretiva, que as atividades legislativa ou judicial se realizassem no maior segredo. É geralmente considerado necessário, para garantir o Estado de direito e o governo democrático, que os órgãos jurisdicionais e os órgãos legislativos exerçam as suas funções na presença do público (ou pelo menos dos meios de comunicação social enquanto intermediários), salvo em circunstâncias absolutamente excecionais ― e é, além disso, geralmente aceite que tais circunstâncias são mais comuns no âmbito da atividade judicial do que no âmbito da atividade legislativa. Por conseguinte, salvo em circunstâncias absolutamente excecionais, não devem ser tomadas decisões, em nenhum dos casos, com base em factos ou motivos ocultados dos cidadãos.

55.      Assim, na esfera judicial, é absolutamente adequado que um coletivo de juízes delibere à porta fechada (como deve necessariamente fazer um juiz singular). No entanto, como corolário, os motivos com base nos quais os juízes proferiram a decisão devem ser tornados públicos, juntamente com as provas e os fundamentos tidos em consideração. Mutatis mutandis ― e deixando de lado, por agora, a questão do alcance temporal da exclusão, que é objeto da questão 1, alínea c) ― estou disposto a aceitar um raciocínio e uma limitação semelhantes relativamente à exclusão da obrigação de disponibilizar informações em relação aos órgãos que atuam no exercício da competência legislativa. Mas, na minha opinião, o facto de um determinado tema provocar um debate público animado não constitui motivo suficiente para proteger todo o processo legislativo, que consiste em conceber, preparar e apresentar leis, de todos os pedidos de informações.

56.      Contudo, isso não responde ainda à questão de saber se, quando apresentam projetos‑leis ao parlamento ou emitem pareceres durante o processo de adoção das leis, as autoridades do poder executivo devem beneficiar da mesma proteção contra os pedidos de informação inoportunos e ilimitados.

57.      Uma referência em que se baseia a Flachglas Torgau e que foi indicada pelo órgão jurisdicional nacional no seu despacho de reenvio decorre do Guia de Aplicação da Convenção de Aahrus, publicado pela Comissão Económica para a Europa da ONU (CEE‑ONU) em 2000 (22), que prevê, designadamente, o seguinte: «O envolvimento das autoridades do poder executivo na redação das leis em colaboração com o poder legislativo merece uma menção especial. A colaboração entre as autoridades do poder executivo e as do poder legislativo nos processos de produção legislativa é reconhecida no artigo 8.° Dado que as atividades das autoridades públicas na redação de regulamentos, leis e atos normativos [são] expressamente abrangidas por este artigo, é lógico concluir que a convenção não considera que estas atividades constituam um exercício da «competência legislativa». Assim, as autoridades do poder executivo que exercem tais atividades são autoridades públicas para efeitos da convenção.»

58.      No entanto, como sublinharam o Governo alemão e a Comissão, esse documento não é vinculativo no que diz respeito à interpretação da Convenção. Os seus autores esclarecem que as opiniões expressas não refletem necessariamente as da CEE‑ONU ou as de quaisquer outras organizações que patrocinaram o guia; também não parece que tenha sido expressamente aprovada pelas partes na convenção. Além disso, a referência ao artigo 8.° da Convenção não parece ser pertinente para o tipo de procedimentos legislativos objeto do presente processo, em que uma proposta do poder executivo é submetida ao controlo parlamentar dos representantes eleitos pelo povo. O artigo 8.° parece referir‑se, em vez disso, à participação direta do público na fase de elaboração dos regulamentos executivos (23). Assim, uma abordagem plausível da relação entre o conceito de «competência legislativa» que figura no artigo 2.°, n.° 2, e o de «preparação de regulamentos de execução e/ou de instrumentos normativos juridicamente vinculativos diretamente aplicáveis» contido no artigo 8.° seria a de que a exclusão prevista na primeira norma se refere exclusivamente à legislação primária, que envolve alguma forma de controlo e debate parlamentares, ao passo que a última norma diz respeito a medidas de execução secundárias, adotadas ao abrigo de uma norma de habilitação, na ausência de um tal processo democrático. Portanto, embora não sejam totalmente desprovidos de valor, os elementos decorrentes do Guia de Aplicação da Convenção de Aarhus não podem, de forma alguma, ser considerados decisivos.

59.      Na minha opinião, é mais importante tomar em consideração os seguintes elementos: a ênfase na definição funcional dos órgãos «[que atuam] no exercício da sua competência […] legislativa»; a preocupação de garantir que o processo legislativo enquanto tal se desenrole sem perturbações; e o objetivo, tanto da Convenção como da diretiva, de garantir a transparência em questões ambientais e o acesso mais amplo possível à informação ambiental.

60.      Quanto ao primeiro desses elementos, ao submeter um projeto de medida ao órgão legislativo, um órgão do poder executivo ― como o Ministério no presente processo ― atua, de facto, como interface entre a atividade executiva e a legislativa. Por um lado, determinar a política do Governo e concretizá‑la no projeto de documento, é uma função executiva; por outro, a apresentação efetiva do projeto é uma função que não se pode distinguir da apresentação para apreciação de uma proposta por um membro individual (ou por um grupo de membros) do órgão legislativo, que só pode ser classificada como um exercício da competência legislativa (24). São aplicáveis considerações semelhantes relativamente às atividades de consulta e aconselhamento durante o processo legislativo. Não obstante, embora as duas funções possam ser claramente identificadas, é impossível separá‑las, pelo menos no âmbito e durante o processo legislativo institucional, desde a apresentação do projeto de medida e até à adoção final da legislação. Trata‑se, neste contexto, dos dois lados da mesma moeda.

61.      Consequentemente, parece‑me que a preocupação de garantir que o processo legislativo se desenrole sem perturbações deve prevalecer nessas circunstâncias, sob pena de se frustrar o próprio objetivo da exclusão. A tramitação do processo não seria protegida por uma exclusão que se aplicasse apenas a uma via de acesso à informação (o pedido efetuado ao próprio órgão legislativo), ao mesmo tempo que permanecia aberta uma outra via (o pedido efetuado ao órgão em causa do poder executivo).

62.      É provável que, embora a participação do executivo no processo legislativo possa seguir, em termos gerais, o mesmo padrão em todos os Estados‑Membros, existam diferenças de pormenor de um Estado‑Membro para o outro. Consequentemente, caberá sempre ao órgão jurisdicional nacional competente verificar se, no contexto jurídico e constitucional do respetivo Estado‑Membro, o papel específico desempenhado pelo órgão executivo no momento relevante integra efetivamente o processo legislativo. Dado que a exclusão constitui uma exceção aos objetivos gerais de transparência e de acesso à informação promovidos pela Convenção e pela diretiva, o órgão jurisdicional nacional deve permanecer vigilante quando executa essa tarefa.

63.      Proponho, assim, a resposta à alínea a) da primeira questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio no sentido de que, nos termos do artigo 2.°, n.° 2, segunda frase, da diretiva, os órgãos do executivo que, no contexto jurídico e constitucional do respetivo Estado‑Membro, desempenham um papel no processo legislativo limitado à apresentação de propostas legislativas ou à formulação de observações sobre estas podem ser excluídos da definição de «autoridade pública» quando desempenham esse papel.

64.      Parece‑me que a referida resposta é suficiente para resolver o problema suscitado no processo principal, sem aprofundar o critério alternativo sugerido na questão do órgão jurisdicional nacional, a saber, de só os órgãos que adotam a decisão final vinculativa no processo legislativo poderem ser considerados órgãos que atuam no exercício da competência legislativa. Como salientou a Comissão, os procedimentos legislativos podem variar consideravelmente entre os Estados‑Membros, de modo que a relação entre o exercício da competência legislativa e a adoção da decisão final vinculativa relativa à legislação não pode necessariamente ser definida em termos gerais.

65.      Ao propor esta resposta, não me esqueci do terceiro elemento que, na minha opinião, deve ser tomado em consideração, a saber o objetivo de garantir a transparência e o acesso à informação sobre ambiente, mas considero que esse elemento é mais relevante para a alínea c) da primeira questão, que passo agora a examinar.

 c) Se a exclusão só é permitida até à conclusão do processo legislativo

66.      Quando um órgão atua no exercício da competência legislativa, pode ser excluído da categoria das autoridades públicas sujeitas à obrigação de divulgar informação sobre ambiente nos termos da diretiva. Mas essa exclusão cessa em algum momento?

67.       Como referem corretamente a Comissão e o Governo alemão, nem a Convenção, nem a diretiva, contêm uma disposição expressa que limite temporalmente a exclusão.

68.      Entendo, todavia, que ― no que se refere aos órgãos, como o Ministério no presente processo, cujo papel no processo legislativo se reduz à iniciativa e à consulta ― tal limitação pode ser legitimamente inferida da leitura combinada do artigo 2.°, n.° 2, segunda frase, com o artigo 3.°, n.° 1, da diretiva.

69.      A leitura que faço das referidas disposições é coerente com o objetivo da diretiva de garantir a transparência e o acesso à informação sobre ambiente, e com o acórdão do Tribunal de Justiça nos processos API (25). É certo que também implica alguma relativização da definição puramente funcional dos órgãos que atuam «no exercício da sua competência […] legislativa» que adotei até agora. Tentarei explicar o meu ponto de vista.

70.      Em primeiro lugar, observo que o artigo 2.°, n.° 2, da diretiva define «autoridade pública», principalmente para identificar os órgãos sujeitos à obrigação de disponibilizar informação sobre ambiente. Ao permitir uma exclusão dessa definição, permite uma limitação da categoria de órgãos sujeitos à referida obrigação. A exclusão permitida abrange apenas os órgãos «no exercício da sua competência judicial ou legislativa». Embora o termo explícito «when» [quando], contido na versão inglesa, não figure em todas as versões linguísticas, a formulação parece implicar sistematicamente que os órgãos podem, por vezes, atuar no exercício dessa competência, e outras vezes não ― e que a exclusão só pode ser aplicada quando atuem no exercício da referida competência.

71.      Em segundo lugar, nos termos do artigo 3.°, n.° 1, da diretiva, «as autoridades públicas [estão] […] obrigadas a disponibilizar […] informação sobre ambiente na sua posse ou detida em seu nome». Se, nos termos do artigo 2.°, n.° 2, segunda frase, a definição de «autoridade pública» depende da competência exercida, deduzo que a informação que o órgão está obrigado a disponibilizar só poderá ser a informação que detém quando atua no exercício da competência em questão.

72.      Considerei supra, na análise que fiz da alínea a), que os órgãos do executivo cujo papel no processo legislativo está limitado à apresentação de propostas legislativas ou à formulação de observações sobre estas podem ser excluídos da definição de «autoridade pública» quando desempenham esse papel. Para cada ato legislativo em relação ao qual os órgãos do executivo desempenham o referido papel, a exclusão deve, por conseguinte, começar quando estes começam a desempenhá‑lo e cessar quando deixam de o fazer. Antes do primeiro momento, atuam simplesmente como parte do poder executivo, definindo e formulando as políticas visadas. Depois do segundo momento, a sua atividade consistirá essencialmente em garantir a aplicação da lei, o que constitui, de novo, uma função executiva. É só entre esses dois momentos que os órgãos do executivo atuam (parcialmente) no exercício da sua competência legislativa e que, para garantir que o processo legislativo se desenrole sem perturbações, deve ser possível excluí‑los da categoria de órgãos sujeitos à obrigação de disponibilizar informação. E é só entre esses momentos que a informação «na sua posse ou detida em seu nome» é detida «no exercício da sua competência […] legislativa».

73.      Confrontemos a situação desses órgãos com a de outros que, numa definição estrutural, integram o próprio poder legislativo. No que diz respeito à adoção da legislação, e no que diz respeito à legislação adotada, os órgãos que integram o poder legislativo atuam exclusivamente no exercício da competência legislativa. O exercício dessa competência não tem princípio, nem fim. Portanto, a possibilidade da sua exclusão da definição de «autoridade pública» na aceção da diretiva não conhece qualquer limitação temporal.

74.      Encontro apoio para a minha análise no acórdão do Tribunal de Justiça nos processos API ― proferido, é certo, num contexto ligeiramente diferente mas, apesar disso, a meu ver extremamente relevante (26). No referido acórdão, o Tribunal de Justiça referiu que «embora […] se presuma que a divulgação dos articulados apresentados no âmbito de um processo judicial pendente prejudique a proteção deste processo, devido ao facto de os articulados constituírem a base do exercício da atividade jurisdicional do Tribunal de Justiça, tal não é o caso quando ao processo em questão tenha sido posto termo por decisão judicial. […] Com efeito, nesta última hipótese, já não é de presumir que a divulgação dos articulados prejudique a atividade jurisdicional do Tribunal de Justiça, dado que esta atividade terminou após o encerramento do processo.» (27) O Tribunal de Justiça salientou, em seguida, que, nas referidas circunstâncias, cada pedido de acesso deve ser examinado individualmente e que a divulgação parcial poderá ser apropriada. O Tribunal de Justiça confirmou, assim, a decisão do Tribunal Geral no sentido de que o acesso aos documentos em questão não podia ser automaticamente recusado com o fundamento de que tal prejudicaria a proteção do processo judicial, uma vez encerrado esse processo (28).

75.      Parece‑me que, no plano dos princípios, se pode estabelecer um paralelismo útil com as circunstâncias do presente processo. A diretiva equipara as atividades judicial e legislativa quando prevê a possibilidade de uma exclusão da definição de uma autoridade pública. E, como expliquei anteriormente, o raciocínio é essencialmente o mesmo em ambos os casos. Assim, quando uma autoridade executiva é parte num processo judicial, em especial quando ocupa uma posição como a do Ministério Público, a sua relação com a função judicial é muito semelhante à que mantém com a função legislativa quando submete um projeto legislativo. Se, no primeiro caso, já não pode invocar a exclusão sistemática da obrigação de divulgar informações, uma vez concluído o processo judicial, a interpretação lógica e coerente do direito da União implicaria que, no último caso, acontecesse o mesmo, uma vez concluído o procedimento legislativo.

76.      Considero, por conseguinte, que, com base numa interpretação correta do artigo 2.°, n.° 2, segunda frase, e do artigo 3.°, n.° 1, da diretiva, se os órgãos do executivo cujo papel no processo legislativo se limita à apresentação de propostas legislativas ou à formulação de observações sobre estas estão excluídos da definição de «autoridade pública» quando desempenham esse papel, a exclusão deverá limitar‑se ao período compreendido entre o início e o fim do processo legislativo em causa.

77.      A este respeito, recordo que mesmo que, uma vez concluído o processo legislativo, um órgão como o Ministério no presente processo não possa ser excluído da definição de autoridade pública relativamente à sua participação nesse processo, a diretiva permite às autoridades públicas, mesmo quando não atuem no exercício da sua competência judicial ou legislativa, recusar o acesso à informação por diversas razões.

78.      Concretamente, o artigo 4.° confere aos Estados‑Membros o poder de indeferir um pedido de informação sobre ambiente quando, designadamente, este se refira a processos em curso ou a comunicações internas, ou se a divulgação prejudicar a confidencialidade dos procedimentos das autoridades públicas, ou das informações comerciais ou industriais, ou os interesses, ou a proteção, de quem tenha fornecido voluntariamente as informações pedidas, ou a proteção do ambiente. Poderia considerar‑se que uma ou mais das referidas exceções se aplicam às informações solicitadas pelas recorrentes no presente processo. Porém, nos termos do artigo 4.°, n.° 2, esses motivos de indeferimento devem ser interpretados, tendo em conta, em cada caso, o interesse público servido pela sua divulgação. Mais concretamente, os Estados‑Membros não podem, com base nas referidas exceções, prever o indeferimento de um pedido de informação que incida sobre emissões no ambiente.

C ―    Segunda questão

79.      As duas partes da segunda questão do órgão jurisdicional de reenvio dizem respeito a informações não abrangidas pela exclusão dos órgãos no exercício da competência legislativa mas que podem eventualmente não ser divulgadas para proteger a confidencialidade dos procedimentos. Uma vez que o artigo 4.° da diretiva só permite essa opção «quando tal confidencialidade esteja prevista por lei», o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, em que medida uma tal disposição deve ser específica e explícita.

80.      Uma questão preliminar a ter presente, embora não expressamente suscitada pelo órgão jurisdicional de reenvio, é a que se entende por «procedimentos» das autoridades públicas. Resulta do despacho de reenvio que as informações a que se refere a segunda questão submetida pelo órgão jurisdicional nacional figuram em memorandos internos e observações escritas produzidas pelo Ministério e em correspondência, incluindo mensagens de correio eletrónico, mantida com a autoridade alemã competente em matéria de comércio de licenças de emissão [Umweltbundesamt]. Coloca‑se a questão de saber em que medida estes elementos estão abrangidos pelo conceito de «procedimentos»?

81.      Na audiência, o Governo alemão considerou que o termo incluía os debates entre os diferentes serviços, tanto escritas como orais, mas não, por exemplo, os dados ou as estatísticas que constituíam a base desses debates e das decisões daí resultantes, ou as próprias decisões. A Comissão considerou, contudo, que o seu alcance se limitava às «deliberações dos órgãos colegiais».

82.      Observo, a este respeito, que a redação da diretiva (e da Convenção) pode suscitar algumas dúvidas quando se comparam diferentes versões linguísticas. Por um lado, a versão francesa da Convenção que faz fé refere‑se a «délibérations», expressão também utilizada na diretiva, onde se reflete, por exemplo, no termo alemão «Beratungen» e no termo italiano ainda mais preciso «deliberazioni interne». Estas versões parecem ser mais favoráveis ao ponto de vista da Comissão. Por outro, a versão inglesa da Convenção que também faz fé alude a «proceedings», de novo a expressão utilizada na diretiva, onde se reflete, por exemplo, nos termos espanhol e português «procedim(i)entos» e no holandês «handelingen» ― todos estes suscetíveis de um significado mais amplo e, portanto, mais favoráveis à interpretação do Governo alemão.

83.      À luz da interpretação restritiva aplicável à diretiva no seu conjunto, e ao artigo 4.°, n.os 1 e 2, em especial, parece‑me que o conceito de «procedimentos das autoridades públicas» se deveria limitar, quando muito, às manifestações de opinião e às discussões de opções políticas no âmbito dos procedimentos de tomada de decisão no seio de cada autoridade. O conceito não deve, naturalmente, depender da forma dos procedimentos (escritos ou orais), e importa recordar que o artigo 4.°, n.° 4, da diretiva exige, quando for possível, a dissociação da informação não abrangida por um motivo de indeferimento da informação que é abrangida. Por último, considero que as comunicações entre as autoridades públicas, seja qual for a sua natureza, não podem ser consideradas procedimentos dessas autoridades.

84.      As referidas considerações podem revelar‑se úteis para determinar se as informações podem ser abrangidas pelo motivo de indeferimento permitido pelo artigo 4.°, n.° 2, alínea a), da diretiva, ainda antes de se considerar se a confidencialidade está «prevista por lei» na aceção da referida disposição.

85.      Passo agora a examinar as duas partes da segunda questão.

 a) Quanto à questão de saber se a confidencialidade está «prevista por lei» quando não existe uma referência específica à confidencialidade dos procedimentos

86.      O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se uma disposição geral, nos termos da qual o pedido de acesso a informações sobre o ambiente deve ser indeferido quando a divulgação das informações prejudique a confidencialidade dos procedimentos das autoridades em causa, cumpre o critério previsto no artigo 4.°, n.° 2, alínea a), da diretiva ― de que a confidencialidade dos procedimentos das autoridades públicas deve estar «prevista por lei» para que um eventual prejuízo causado a essa confidencialidade possa justificar a recusa de disponibilizar informações ― ou se é necessário que tal confidencialidade seja prevista de forma específica e autónoma.

87.      Tendo presente que o motivo de indeferimento previsto no artigo 4.°, n.° 2, alínea a), é um dos que devem ser interpretados «de forma restritiva», em conformidade com o artigo 4.°, n.° 2, segunda frase, partilho da opinião da Flachglas Torgau e da Comissão de que a disposição exige uma certa forma de obrigação legal de manter a confidencialidade do procedimento em questão, e que a expressão «quando tal confidencialidade esteja prevista por lei» significa que a existência da obrigação deve ser independente do motivo de indeferimento.

88.      Embora caiba ao órgão jurisdicional nacional apreciar o direito nacional, considero que uma disposição como o § 8, n.° 1, ponto 2, da UIG ― que parece prever apenas que o pedido deve ser indeferido se a divulgação prejudicar a confidencialidade dos procedimentos ― não estabelece ela própria de forma independente uma obrigação de confidencialidade relativamente a nenhum procedimento. Pelo contrário, parece prever apenas o indeferimento do pedido quando já existe uma obrigação de confidencialidade.

89.      No entanto, se o órgão jurisdicional nacional entender ― tal como o Governo alemão parece sustentar perante o Tribunal de Justiça ― que o § 8, n.° 1, ponto 2, da UIG, além de estabelecer um motivo de indeferimento de um pedido de informação, também impõe, de forma independente, uma obrigação de confidencialidade em relação aos procedimentos das autoridades públicas em causa, então deverá considerar‑se, na minha opinião, que essa disposição cumpre o critério previsto no artigo 4.°, n.° 2, alínea a), da diretiva. Não me parece necessário que a obrigação de confidencialidade seja formalmente enunciada numa disposição diferente que prevê o motivo de indeferimento (embora isso fosse desejável). Basta que, juridicamente, uma seja independente da outra. Acresce que o mesmo critério também seria satisfeito por qualquer outra disposição nacional que impusesse uma tal obrigação em relação a alguns ou a todos os procedimentos das autoridades públicas ― embora, se possa deduzir, na falta de qualquer referência a uma tal disposição, tanto no despacho de reenvio como nas observações apresentadas no Tribunal de Justiça, que essa norma não existe.

90.      Para além do que implica a independência jurídica entre a obrigação de confidencialidade e o motivo de indeferimento, parece‑me que o que está no âmago da expressão «prevista por lei» é o princípio da segurança jurídica na medida em que exclui qualquer possibilidade de decisões arbitrárias. Se uma autoridade pública possuir qualquer margem de apreciação para decidir se os seus procedimentos são ou não confidenciais, então não se pode considerar que a confidencialidade está «prevista por lei».

91.      Por último, importa ter presente que se, mesmo com base numa interpretação restritiva, for claro que a confidencialidade dos procedimentos de uma determinada autoridade pública está prevista por lei, na aceção do artigo 4.°, n.° 2, alínea a), o artigo 4.°, n.° 2, segundo parágrafo, também exige, em cada caso específico, que o interesse público que a divulgação serviria seja tido em conta e avaliado por oposição ao interesse servido pelo indeferimento, e não permite qualquer indeferimento com fundamento em confidencialidade sempre que o pedido incida sobre emissões para o ambiente. O órgão jurisdicional nacional deve, portanto, verificar não só se os interesses concorrentes foram avaliados mas também se a natureza da informação requerida impede o indeferimento.

 b) Quanto à questão de saber se a confidencialidade está «prevista por lei» se quando nos termos de uma regra geral não escrita os procedimentos não são públicos

92.      O órgão jurisdicional de reenvio também pretende saber se ― caso o próprio § 8, n.° 1, ponto 2, da UIG não cumpra o critério previsto no artigo 4.°, n.° 2, alínea a), da diretiva ― um princípio geral não escrito, segundo o qual os procedimentos administrativos das autoridades públicas não são públicos, cumpre esse critério.

93.      Observo que a versão alemã do artigo 4.°, n.° 2, alínea a), utiliza um termo («gesetzlich») do qual se poderia inferir que a confidencialidade deve ser prevista por lei. Poderia chegar‑se a uma conclusão semelhante em relação a diversas outras versões linguísticas (por exemplo, a neerlandesa, a portuguesa e a espanhola). As versões inglesa e francesa, todavia, seguem a Convenção (de que fazem fé) utilizando um termo mais geral, que impõe simplesmente que tal seja previsto ‘in law’, e pelo menos a versão italiana da diretiva faz o mesmo. Nestas circunstâncias, parece‑me preferível adotar a abordagem mais ampla, a não ser que exista um motivo claro e específico para limitar a validade dessa condição à existência de uma disposição legal.

94.      Na mesma linha das considerações que expus em relação à parte a) desta questão, parece‑me, além disso, que o que importa não é a forma como a regra em causa é adotada mas sim a questão de saber se esta foi estabelecida, em termos legais, independentemente do motivo de indeferimento de um pedido de informação, e se respeita o princípio da segurança jurídica ao não deixar à autoridade pública em causa qualquer margem de discricionariedade relativamente à confidencialidade dos procedimentos (e em vez da questão de saber se deve ou não indeferir o pedido).

95.      Assim, uma regra de direito não escrita é, em princípio, suscetível de cumprir o critério previsto no artigo 4.°, n.° 2, alínea a), da diretiva. O órgão jurisdicional de reenvio infere a existência de uma tal regra dos §§ 28, n.° 1, e 68, n.° 1, da VwVfG que, ao prever certos direitos específicos de acesso a procedimentos administrativos das autoridades públicas, parece pressupor a ausência de um direito geral e, assim, a existência de um princípio geral de confidencialidade; o Governo alemão referiu que do § 29, n.os 1 e 2, da mesma lei se pode tirar a mesma conclusão.

96.      A questão de saber se existe uma regra não escrita que impõe uma obrigação geral de confidencialidade no que diz respeito aos procedimentos das autoridades públicas, e que não deixa qualquer margem de discricionariedade relativamente à confidencialidade dos procedimentos, é algo que só o órgão jurisdicional nacional pode determinar.

97.      Parece‑me que as disposições citadas podem servir de fundamento para concluir pela existência de uma obrigação geral de confidencialidade, mas nem essa é a única conclusão possível nem, de resto, necessariamente a mais óbvia que se pode extrair. Por exemplo, quando se prevê que os procedimentos não devem ser públicos, uma conclusão lógica poderá ser a de que se pretende, deste modo, proteger o seu conteúdo da divulgação; mas se as pessoas envolvidas puderem estar presentes sem que lhes seja imposta qualquer obrigação específica de confidencialidade, seria igualmente razoável presumir que não se pretendeu estabelecer qualquer obrigação geral de confidencialidade.

98.      Sugiro que, na sua apreciação, o órgão jurisdicional nacional também tenha em conta o número de disposições em causa (no caso em apreço, foram citados quatro números de uma lei que contém mais de 100 artigos) e (de novo, neste caso) a natureza essencialmente negativa ou a contrario da inferência (29), e se a regra não escrita em questão é geralmente reconhecida, tendo em conta, em especial, a sua própria jurisprudência e a de outros órgãos jurisdicionais administrativos.

99.      Considero, portanto, que o critério previsto no artigo 4.°, n.° 2, alínea a), só é cumprido quando um princípio jurídico geral não escrito nos termos do qual os procedimentos administrativos das autoridades públicas não são públicos implica, de forma clara e inequívoca, uma obrigação de confidencialidade no que diz respeito a esses procedimentos e não deixa à autoridade pública em causa qualquer margem de discricionariedade relativamente à confidencialidade. Na apreciação da questão de saber se um tal princípio pode ser inferido da legislação, os órgãos jurisdicionais nacionais devem realizar um exame exaustivo, tendo em conta, em especial, a exigência de que o motivo de indeferimento contido nessa disposição deve ser interpretado de forma restritiva.

VI ― Conclusão

100. Por conseguinte, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pelo Bundesverwaltungsgericht, do seguinte modo:

«1) a)  Nos termos do artigo 2.°, n.° 2, segunda frase, da Diretiva 2003/4/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2003, relativa ao acesso do público às informações sobre ambiente, os órgãos do executivo que, no contexto jurídico e constitucional do respetivo Estado‑Membro, desempenham um papel no processo legislativo, limitado à apresentação de propostas legislativas ou à formulação de observações sobre estas, podem ser excluídos da definição de «autoridade pública» quando desempenham esse papel.

b)       Os Estados‑Membros não estão impedidos de excluir da definição do conceito de autoridade pública órgãos e instituições no exercício da sua competência judicial ou legislativa, na aceção da Diretiva 2003/4, pelo facto de, na data da adoção da referida diretiva, a respetiva ordem constitucional não prevê um processo de recurso na aceção do artigo 6.° da mesma diretiva.

c)       Com base numa interpretação correta do artigo 2.°, n.° 2, segunda frase, e do artigo 3.°, n.° 1, de Diretiva 2003/4, se os órgãos do executivo cujo papel no processo legislativo se limita à apresentação de propostas legislativas ou à formulação de observações sobre estas estão excluídos da definição de «autoridade pública» quando desempenham esse papel, a exclusão deverá limitar‑se ao período compreendido entre o início e o fim do processo legislativo em causa.

2) a)  A confidencialidade dos procedimentos das autoridades públicas está prevista por lei, na aceção do artigo 4.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2003/4, quando o direito nacional impõe uma obrigação geral ou específica de confidencialidade no que diz respeito a esses procedimentos, que é independente do motivo de indeferimento de um pedido de informação ambiental, e que não deixa à autoridade pública em causa qualquer margem de discricionariedade relativamente à confidencialidade.

b)       Sem prejuízo do respeito dessas condições, e desde que esteja claramente prevista por lei, uma tal obrigação pode ser imposta por uma regra não escrita.»


1 ―      Língua original: inglês.


2 ―      Diretiva 2003/4/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2003, relativa ao acesso do público às informações sobre ambiente e que revoga a Diretiva 90/313/CEE do Conselho (JO L 41, p. 26, a seguir «diretiva»).


3―      Decisão 2005/370/CE do Conselho, de 17 de fevereiro de 2005, relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia, da Convenção sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente (JO L 124, p. 1). O texto da convenção é reproduzido na pp. 4 e segs. do referido número do Jornal Oficial.


4 ―      O artigo 6.° reflete o artigo 9.° da Convenção, e prevê o recurso administrativo e judicial das decisões respeitantes ao acesso à informação.


5 ―      Gesetz über den nationalen Zuteilungsplan für Treibhausgas‑Emissionsberechtigungen in der Zuteilungsperiode 2005 bis 2007.


6 ―      V. o Projeto de Orientações relativas ao Acesso à Informação em Matéria de Ambiente e à Participação do Público no Processo de Tomada de Decisões em Matéria de Ambiente [Draft Guidelines on Access to Environmental Information and Public Participation in Environmental Decision‑Making, Sofia 1995], e o subsequente Projeto da Convenção Aarhus [Draft Elements for the Aarhus Convention, CEP/AC.3/R.1, p. 2] (ambos disponíveis em http://www.unece.org/env/pp/archives.htm), a proposta inicial de diretiva [COM(2000) 402 final], p. 4, e o ponto 1.3 do Parecer do Comité Económico e Social sobre essa proposta (JO 2001, C 116, p. 43).


7 ―      V. n.os 3 e 10 supra.


8 ―      V., por exemplo, acórdãos de 17 de junho de 1998, Mecklenburg (C‑321/96, Colet., p. I‑3809, n.° 25) ou de 17 de fevereiro de 2009, Azelvandre (C‑552/07, Colet., p. I‑987, n.° 52).


9 ―      Atualmente, após alteração, artigo 294.°, n.° 10, TFUE.


10 ―      V. Relatório A5‑0074/2001 da Comissão do Meio Ambiente, da Saúde Pública e da Política do Consumidor, de 28 de fevereiro de 2001, alteração 15, e a Posição do Parlamento Europeu aprovada em segunda leitura em 30 de maio de 2002 (JO 2003, C 187 E, p. 118, p. 122).


11 ―      V. n.° 9 supra.


12 ―      V. n.° 8 supra.


13 ―      Pelo menos segundo a Comissão, a objeção parece ter sido a de que a alteração estaria em contradição com o teor da convenção, quando a diretiva teve precisamente por objetivo alinhar o direito comunitário com a convenção (v. Proposta alterada de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao acesso público a informações sobre o ambiente, JO 2001, C 240 E, p. 289).


14 ―      É verdade que a versão espanhola da diretiva faz referência a «entidades o instituciones en la medida en que actúen en calidad de órgano jurisdiccional o legislativo» (o sublinhado é meu), enquanto outras versões mencionam apenas competências, atribuições ou poderes legislativos, mas mesmo essa formulação destaca a atividade pelo menos tanto quanto a natureza intrínseca do órgão em questão.


15 ―      E embora a Flachglas Torgau refira apenas, nas suas observações, que o seu pedido dizia respeito a instruções administrativas dadas pelo Ministério relativamente à execução da lei (por contraposição a medidas de execução efetivas com força jurídica obrigatória); tais instruções parecem ser o objeto da segunda questão.


16 ―      V. http://www.unece.org/env/pp/archives.htm.


17 ―      Diretiva 90/313/CEE do Conselho, de 7 de junho de 1990, relativa à liberdade de acesso à informação em matéria de ambiente (JO L 158, p. 56).


18 ―      A proposta original dessa diretiva (JO 1988, C 335, p. 5) apresentava uma formulação diferente: «Órgãos que exerçam poderes jurisdicionais ou órgãos legislativos». Aparentemente não há qualquer documentação do motivo da substituição da definição estrutural por uma definição funcional em relação ao aspeto legislativo. Pode ter sido por uma questão de alinhamento com a definição do aspeto judicial, sendo uma definição funcional, como referi, mais adequada para ter em conta as diferenças entre os sistemas jurídicos e políticos.


19 ―      Relatório A5‑0074/2001, já referido na nota 10, sobre a alteração 15.


20 ―      V., no que diz respeito à atividade judicial, acórdão de 21 de setembro de 2010, Suécia e o./API e Comissão (C‑514/07 P, C‑528/07 P e C‑532/07 P, Colet., p. I‑8533, n.os 92 e 93). Contudo, daí não resulta necessariamente que o direito de solicitar documentos processuais perturbe automaticamente e em todos os contextos a desejada «serenidade» no andamento do processo judicial ― v., por exemplo, em relação ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, artigo 40.°, n.° 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.


21 ―      V. n.° 50 e notas 17 e 18 supra.


22 ―      Stec, S., Casey‑Lefkowitz, S., e Jendroska, J., The Aarhus Convention: an implementation guide, para o Regional Environmental Centre for Central and Eastern Europe (http://www.unece.org/env/pp/acig.pdf), em especial pp. 34 e 35 da versão inglesa.


23 ―      Como destaca a Comissão, a utilização das palavras «e/ou de instrumentos normativos juridicamente vinculativos diretamente aplicáveis» na epígrafe do artigo parece refletir a preocupação de evitar terminologia que, em alguns Estados, poderia designar uma categoria de medidas regulamentares demasiado estreita; o texto do próprio artigo não é facilmente aplicável aos procedimentos parlamentares numa democracia representativa.


24 ―      No decurso do processo, o Governo alemão confirmou que os membros individuais do Bundestag também têm o direito de iniciativa legislativa, e o mesmo é provavelmente verdade para a maior parte dos parlamentos, embora a realidade da atividade governativa possa tornar bastante raro esse procedimento.


25 ―      Já referido na nota 20.


26 ―      Os referidos recursos tinham por objeto pedidos, ao abrigo do Regulamento (CE) n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO L 145, p. 43), de acesso a determinados documentos da Comissão relativos a processos judiciais concluídos ou futuros, nos quais a Comissão tinha sido ou era suscetível de ser parte (acesso este que, na opinião da Comissão, podia ser recusado com base no artigo 4.°, n.° 2, segundo travessão, do referido regulamento). Embora o referido regulamento não seja pertinente no caso concreto, importa observar que o Regulamento (CE) n.° 1367/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de setembro de 2006, relativo à aplicação das disposições da Convenção de Aarhus sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente às instituições e órgãos comunitários (JO L 264, p. 13) reúne as três componentes do Regulamento n.° 1049/2001, da diretiva e da Convenção para aplicar as respetivas prescrições às instituições da União.


27 ―      N.os 130 e 131 do acórdão.


28 ―      V. acórdão de 12 de setembro de 2007, API/Comissão (T‑36/04, Colet., p. II‑3201, n.° 135 e segs.).


29 ―      Observo, a este respeito, que o § 30 da VwVfG concede expressamente às partes do processo o direito de exigir que os seus próprios dados confidenciais não sejam divulgados pelas autoridades sem a sua autorização. Se é imposta uma obrigação específica de confidencialidade nestas circunstâncias, poder‑se‑ia inferir, a contrario, que não existe obrigação geral de confidencialidade.