Language of document : ECLI:EU:C:2011:552

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 8 de setembro de 2011 (1)

Processo C‑17/10

Toshiba Corporation e o.

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Krajský soud v Brně (República Checa)]

«Concorrência ― Cartel de alcance internacional com efeitos no território da UE, do EEE e dos Estados‑Membros que aderiram em 1 de maio de 2004 ― Artigo 81.° CE e artigo 53.° do Acordo EEE ― Investigação e sanção de infrações cometidas antes e depois da data de adesão ― Coimas ― Repartição das competências entre a Comissão e as autoridades nacionais da concorrência ― Princípio «ne bis in idem» ― Artigo 3.°, n.° 1, e artigo 11.°, n.° 6, do Regulamento (CE) n.° 1/2003 ― Consequências da adesão de um novo Estado‑Membro à União Europeia»





I ―    Introdução

1.        Quantas autoridades da concorrência na Europa podem examinar o mesmo cartel e aplicar sanções às empresas envolvidas? É este o cerne da questão suscitada no presente recurso que o Tribunal de Justiça foi chamado a decidir. Esta questão implica a abordagem não só de problemas essenciais relativos à delimitação de competências entre as autoridades europeias da concorrência, mas também de aspetos delicados da proteção dos direitos fundamentais na União Europeia, em especial atendendo à proibição da dupla incriminação (ne bis in idem). Estes temas são de uma importância não negligenciável para o funcionamento do novo sistema de aplicação do direito antitrust, instituído com efeitos a partir de 1 de maio de 2004 pelo Regulamento (CE) n.° 1/2003 (2). Além disso, oferecem ao Tribunal de Justiça a oportunidade de desenvolver a sua jurisprudência Walt Wilhelm (3), com mais de 40 anos.

2.        O presente processo refere‑se a um cartel internacional, descoberto em 2004, no qual participaram numerosas empresas japonesas e europeias de renome, do setor da eletrónica. Várias autoridades da concorrência deram início a procedimentos sancionatórios contra as referidas empresas e aplicaram coimas no valor de milhões: a nível da União, a Comissão Europeia, na sua qualidade de autoridade da concorrência do Espaço Económico Europeu (EEE), e a nível nacional, nomeadamente, a autoridade checa para a proteção da concorrência (4).

3.        A autoridade checa da concorrência aplicou apenas direito antitrust nacional e sancionou apenas os efeitos do cartel no território da República Checa, e relativamente ao período de tempo anterior a 1 de maio de 2004, o dia da adesão da República Checa à União Europeia. O correspondente processo foi porém iniciado muito depois 1 de maio de 2004, quando a própria Comissão já tinha instaurado um processo nos termos do Regulamento n.° 1/2003. A decisão pela qual a autoridade checa da concorrência aplicou as coimas foi também posterior à adotada pela Comissão.

4.        Discute‑se agora em tribunal se a autoridade checa da concorrência atuou corretamente. A Toshiba e muitas outras empresas implicadas no cartel alegam que, nos termos do artigo 11.°, n.° 6, do Regulamento n.° 1/2003, a autoridade checa da concorrência não era competente para sancionar o cartel, porque a Comissão tinha instaurado um processo a nível europeu. Invocam ainda o princípio ne bis in idem.

II ― Quadro jurídico

A ―    Direito da União

5.        O quadro jurídico do direito da União aplicável neste processo é constituído pelo Ato de Adesão de 2003 (5) bem como, por um lado, pelo artigo 81.° CE (atual artigo 101.° TFUE), pelo artigo 53.° do Acordo EEE (6) e pelos artigos 49.° e 50.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (7) e, por outro, pelo Regulamento n.° 1/2003. A título complementar, importa referir a Comunicação da Comissão sobre a cooperação no âmbito da rede de autoridades de concorrência (a seguir «Comunicação sobre a rede») (8).

1.      Disposições de direito primário

6.        A República Checa aderiu à União Europeia em 1 de maio de 2004 (9). O artigo 2.° do Ato de Adesão dispõe o seguinte quanto à aplicabilidade no tempo do direito da União na República Checa e nos nove novos Estados‑Membros:

«A partir da data da adesão, as disposições dos Tratados originários e os atos adotados pelas Instituições e pelo Banco Central Europeu antes da adesão vinculam os novos Estados‑Membros e são aplicáveis nesses Estados nos termos desses Tratados e do presente Ato.»

7.        Por força do artigo 81.°, n.º 1, CE, são incompatíveis com o mercado interno e proibidos todos os acordos entre empresas que sejam suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados‑Membros e que tenham por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno.

8.        O artigo 53.° do Acordo EEE proíbe os cartéis nos mesmos termos que o artigo 81.° CE, e o seu âmbito de aplicação estende‑se a todo o Espaço Económico Europeu.

9.        O princípio da legalidade das penas (nullum crimen, nulla poena sine lege) está consagrado no artigo 49.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais:

«Ninguém pode ser condenado por uma ação ou por uma omissão que, no momento da sua prática, não constituía infração perante o direito nacional ou o direito internacional. Igualmente não pode ser imposta uma pena mais grave do que a aplicável no momento em que a infração foi cometida. Se, posteriormente à infração, a lei previr uma pena mais leve, deve ser essa a pena aplicada.»

10.      A proibição da dupla incriminação (princípio ne bis in idem) está consagrada no artigo 50.° da Carta dos Direitos Fundamentais nos seguintes termos:

«Ninguém pode ser julgado ou punido penalmente por um delito do qual já tenha sido absolvido ou pelo qual já tenha sido condenado na União por sentença transitada em julgado, nos termos da lei.»

2.      Disposições de direito derivado do Regulamento n.° 1/2003

11.      A «[r]elação entre [o artigo 81.° CE] […] e as legislações nacionais em matéria de concorrência» está regulada no artigo 3.° do Regulamento n.° 1/2003 do seguinte modo:

«1.      Sempre que as autoridades dos Estados‑Membros responsáveis em matéria de concorrência ou os tribunais nacionais apliquem a legislação nacional em matéria de concorrência a acordos, decisões de associação ou práticas concertadas na aceção do n.° 1 do artigo 81.° [CE], suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados‑Membros, na aceção desta disposição, devem aplicar igualmente o artigo 81.° [CE] a tais acordos, decisões ou práticas concertadas. […]

2.      A aplicação da legislação nacional em matéria de concorrência não pode levar à proibição de acordos, decisões de associação ou práticas concertadas suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados‑Membros mas que não restrinjam a concorrência na aceção do n.° 1 do artigo 81.° [CE], ou que reúnam as condições do n.° 3 do artigo 81.° [CE] ou se encontrem abrangidos por um regulamento de aplicação do n.° 3 do artigo 81.° [CE]. Nos termos do presente regulamento, os Estados‑Membros não estão impedidos de aprovar e aplicar no seu território uma legislação nacional mais restritiva que proíba atos unilaterais de empresas ou que imponha sanções por esses atos.

3.      Sem prejuízo dos princípios gerais e de outras disposições do direito [da União], os n.os 1 e 2 não se aplicam sempre que as autoridades responsáveis em matéria de concorrência e os tribunais dos Estados‑Membros apliquem a legislação nacional relativa ao controlo das concentrações, nem excluem a aplicação das disposições nacionais que tenham essencialmente um objetivo diferente do dos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE].»

12.      Sob a epígrafe «Cooperação entre a Comissão e as autoridades dos Estados‑Membros responsáveis em matéria de concorrência», o artigo 11.°, n.° 6, primeiro período, do Regulamento n.° 1/2003 contém ainda a seguinte regra:

«O início por parte da Comissão da tramitação conducente à aprovação de uma decisão nos termos do capítulo III priva as autoridades nacionais da concorrência da competência para aplicarem os artigos 81.° [CE] e 82.° [CE].»

13.      Por último, o artigo 16.° do Regulamento n.° 1/2003, com a epígrafe «Aplicação uniforme do direito comunitário da concorrência», prevê no seu n.° 2:

«Quando se pronunciarem sobre acordos, decisões ou práticas ao abrigo dos artigos 81.° [CE] ou 82.° [CE] que já tenham sido objeto de decisão da Comissão, as autoridades dos Estados‑Membros responsáveis em matéria de concorrência não podem tomar decisões que sejam contrárias à decisão aprovada pela Comissão.»

14.      As disposições referidas são explicitadas pelos considerandos 8, 9, 15, 17, 18, 22 e 34 do preâmbulo do Regulamento n.° 1/2003, cujas passagens pertinentes são do seguinte teor:

«(8) A fim de assegurar uma aplicação eficaz das regras comunitárias de concorrência e o funcionamento adequado dos mecanismos de cooperação constantes do presente regulamento, é necessário impor às autoridades responsáveis em matéria de concorrência e aos tribunais dos Estados‑Membros que apliquem igualmente os artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] nos casos em que apliquem a legislação nacional em matéria de concorrência a acordos e práticas que possam afetar o comércio entre os Estados‑Membros. A fim de se criar um quadro comum de atuação relativamente a acordos, decisões de associações de empresas e práticas concertadas no âmbito do mercado interno, é também necessário determinar, com base na alínea e) do n.° 2 do artigo 83.° [CE], as relações entre as legislações nacionais e a legislação [da União] em matéria de concorrência. […]

(9)      Os artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] têm por objetivo proteger a concorrência no mercado. O presente regulamento, aprovado em aplicação dessas disposições do Tratado, não impede os Estados‑Membros de aplicarem no seu território legislação nacional que proteja outros interesses legítimos, desde que essa legislação seja compatível com os princípios gerais e outras disposições do direito [da União]. Na medida em que tal legislação nacional prossiga essencialmente um objetivo diferente do da proteção da concorrência no mercado, as autoridades responsáveis em matéria de concorrência e os tribunais dos Estados‑Membros poderão aplicá‑la no seu território. […]

[…]

(15) A Comissão e as autoridades dos Estados‑Membros responsáveis em matéria de concorrência deverão instituir juntamente uma rede de autoridades públicas responsáveis por aplicar as regras […] de concorrência [da UE] em estreita cooperação. […]

[…]

(17) A fim de assegurar tanto a aplicação coerente das regras de concorrência como uma gestão otimizada da rede, é indispensável introduzir a regra segundo a qual, quando a Comissão der início a um processo, este sai automaticamente da alçada das autoridades dos Estados‑Membros responsáveis em matéria de concorrência. […]

(18)      A fim de assegurar uma distribuição otimizada dos processos no âmbito da rede, é necessário prever uma disposição geral que permita a uma autoridade responsável em matéria de concorrência suspender ou arquivar um processo por motivo de outra autoridade o estar a instruir, por forma a que cada processo apenas seja apreciado por uma única autoridade. […]

[…]

(22)      Num sistema de competências paralelas, devem ser evitados os conflitos entre decisões, a fim de garantir o respeito pelos princípios da segurança jurídica e da aplicação uniforme das regras […] de concorrência da [União]. Por conseguinte, é necessário clarificar, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, os efeitos das decisões da Comissão e dos processos por ela iniciados sobre os tribunais e as autoridades responsáveis em matéria de concorrência dos Estados‑Membros. […]

[…]

(34)      Os princípios consignados nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE], tal como aplicados pelo Regulamento n.° 17, atribuem aos órgãos da [União] um papel central que será conveniente manter, garantindo ao mesmo tempo uma mais estreita participação dos Estados‑Membros na aplicação das regras comunitárias de concorrência. Em conformidade com os princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade consagrados no artigo 5.° [CE], o presente regulamento, para atingir o seu objetivo, ou seja, permitir a aplicação eficaz das regras […] de concorrência da [União], não excede o que é necessário.»

15.      Por último, deve ser assinalado o considerando 37 do preâmbulo do Regulamento n.° 1/2003, que é consagrado à proteção dos direitos fundamentais:

«O presente regulamento respeita os direitos fundamentais e observa os princípios gerais reconhecidos, nomeadamente, na Carta dos direitos fundamentais da União Europeia. Assim, nada no presente regulamento deverá ser interpretado e aplicado como afetando esses direitos e princípios.»

3.      A Comunicação sobre a rede

16.      A Comunicação da Comissão sobre a cooperação no âmbito da rede de autoridades de concorrência comporta, sob a epígrafe «3.2 Início do processo pela Comissão nos termos do n.° 6 do artigo 11.° do Regulamento do Conselho», as seguintes explicações:

«[…]

51.      O n.° 6 do artigo 11.° do [Regulamento n.° 1/2003] determina que o início por parte da Comissão de um procedimento conducente à aprovação de uma decisão nos termos do [referido] [r]egulamento […] priva as autoridades dos Estados‑Membros responsáveis em matéria de concorrência da competência para aplicarem os artigos [81.° CE e 82.° CE]. Isto significa que, uma vez que a Comissão tenha dado início a um procedimento, as ANC não podem agir ao abrigo da mesma base jurídica contra o(s) mesmo(s) acordo(s) ou prática(s) das mesmas empresas nos mesmos mercados geográfico e do produto relevantes.

[…]

53.      […] [Q]uando a Comissão é a primeira autoridade responsável em matéria de concorrência a iniciar um processo conducente à adoção de uma decisão nos termos do Regulamento do Conselho, as autoridades nacionais responsáveis em matéria de concorrência deixam de poder instruir o processo. O n.° 6 do artigo 11.° do Regulamento do Conselho determina que, logo que a Comissão dê início a um procedimento, as ANC deixam de poder iniciar o seu próprio procedimento para aplicar os artigos [81.° CE e 82.° CE] ao(s) mesmo(s) acordo(s) ou prática(s) da(s) mesma(s) empresa(s), nos mesmos mercados geográfico e do produto relevantes.

[…]»

B ―    Direito nacional

17.      A nível do direito checo é relevante o § 3, n.os 1 e 2, da Lei de defesa da concorrência. Esta disposição esteve em vigor até 30 de junho de 2001, na versão da Lei n.° 63/1991 Sb. (10) e, a partir de 1 de julho de 2001 na versão da Lei n.° 143/2001 Sb. (11) Tanto na sua versão anterior como na sua versão posterior, esta disposição formula, no essencial, a mesma proibição de cartéis que está prevista a nível da União no artigo 101.° TFUE (ex‑artigo 81.° CE).

III ― Factos, procedimento administrativo e litígio principal

18.      O presente caso refere‑se a um cartel de alcance internacional no mercado dos mecanismos de comutação isolados a gás (12), no qual participaram, durante diferentes períodos de tempo compreendidos entre 1988 e 2004, numerosas empresas europeias e japonesas de renome, do setor da eletrónica. Quer a Comissão Europeia quer a autoridade checa da concorrência examinaram certos aspetos deste caso em 2006 e em 2007 e aplicaram coimas às empresas em questão (13), embora a autoridade checa da concorrência só tenha atuado nos termos do direito antitrust nacional e apenas para um período anterior à adesão da República Checa à União Europeia, em 1 de maio de 2004.

 Procedimento administrativo a nível europeu

19.      Em 20 de abril de 2006, a Comissão iniciou um processo de contraordenação, com base no artigo 81.° CE e no artigo 53.° do Acordo EEE, em conjugação com o Regulamento n.° 1/2003 (14). Este processo, que foi precedido por um pedido de clemência (15) e por inspeções efetuadas em 2004 nas instalações comerciais de várias empresas implicadas no cartel (16), foi dirigido contra um total de 20 pessoas coletivas, entre as quais a Toshiba Corporation e 15 outras recorrentes no litígio principal.

20.      Na sua decisão de 24 de janeiro de 2007 (17), que pôs termo ao processo (a seguir «decisão da Comissão»), a Comissão indicou que o referido cartel, que tinha operado de 15 de abril de 1988 até 11 de maio de 2004 e no qual as empresas implicadas tinham participado durante períodos de duração diferente, constituía uma infração única e continuada ao artigo 81.° CE e ao artigo 53.° do Acordo EEE (18). Segundo a Comissão apurou, tratava‑se de um cartel complexo e de alcance mundial ― com exceção dos EUA e do Canadá ―, que produziu efeitos na União Europeia e no Espaço Económico Europeu (19) e em cujo âmbito se verificou, designadamente, que as empresas em causa trocaram informações sensíveis relativas ao mercado, repartiram os mercados (20), concluíram acordos de fixação dos preços e cessaram a sua colaboração com empresas que não eram membros do cartel.

21.      À exceção de uma empresa (21), que beneficiou do programa de clemência da Comissão, todas as empresas intervenientes no processo, incluindo todas as recorrentes no processo principal, foram condenadas a coimas num montante total de mais de 750 milhões de euros (22). A coima individual mais elevada, superior a 396 milhões de euros, foi aplicada à empresa alemã Siemens AG.

22.      No que é relevante para o presente caso, o Tribunal Geral da União Europeia confirmou recentemente, no essencial, a decisão da Comissão de 24 de janeiro de 2007 (23).

 Procedimento administrativo a nível nacional

23.      Em 2 de agosto de 2006, a autoridade checa da concorrência deu início, devido ao mesmo cartel, e contra as mesmas empresas, a um procedimento por infração à lei checa de defesa da concorrência. Em 9 de fevereiro de 2007, a referida autoridade adotou uma primeira decisão (24), contra a qual as recorrentes interpuseram um recurso administrativo interno. Na sequência deste recurso, o Presidente da autoridade checa da concorrência modificou, por decisão de 26 de abril de 2007, a decisão inicial (25).

24.      Na decisão de 26 de abril de 2007, foi constatado que as empresas implicadas tinham participado num cartel para o território da República Checa. Na sua qualidade de concorrentes, essas empresas tinham assim violado a lei checa de defesa da concorrência durante um período que terminou em 3 de março de 2004 (26). Com exceção de uma empresa (27), que beneficiou do programa nacional de clemência, foram aplicadas coimas a todas as empresas afetadas pelo processo (28).

 Tramitação nos órgãos jurisdicionais checos

25.      As recorrentes no litígio principal impugnaram a decisão da autoridade checa da concorrência no Tribunal Regional de Brno (29). Alegaram, nomeadamente, que a autoridade checa da concorrência determinou erradamente a duração do cartel, situando deliberadamente o final do mesmo num momento anterior à adesão da República Checa à União Europeia e justificando deste modo a aplicabilidade da lei checa de defesa da concorrência. Nos termos do artigo 11.°, n.° 6, do Regulamento n.° 1/2003, a autoridade checa da concorrência perdeu a competência para instruir o processo a nível nacional, porque a Comissão já tinha instaurado neste caso um processo a nível europeu. Sustentam que o processo a nível nacional contraria a proibição da dupla incriminação (ne bis in idem).

26.      Com o acórdão de 25 de junho de 2008 (30), o Tribunal Regional de Brno anulou a decisão da autoridade checa da concorrência, de 26 de abril de 2007, bem como a decisão inicial desta autoridade, de 9 de fevereiro de 2007. O Tribunal Regional entendeu que o comportamento controvertido das recorrentes constituía uma infração administrativa continuada, que ― como a Comissão tinha constatado ― tinha sido praticada até 11 de maio de 2004. Como a Comissão tinha instaurado um processo, relativamente a este cartel «de alcance mundial», nos termos do artigo 81.° CE, e adotado uma decisão «condenatória», um novo processo relativo ao mesmo caso viola o princípio ne bis in idem. O Tribunal Regional de Brno acrescentou que, por força do artigo 11.°, n.° 6, primeiro período, do Regulamento n.° 1/2003, a autoridade checa da concorrência tinha perdido a sua competência para apreciar este comportamento nos termos do artigo 81.° CE.

27.      O Tribunal Regional julgou ainda ser contrário a uma aplicação uniforme do direito da concorrência que a autoridade checa da concorrência continuasse a ser competente, após 1 de maio de 2004, para apreciar os factos anteriores a 1 de maio de 2004 e pudesse aplicar retroactivamente a lei checa de defesa da concorrência. Esta lei estabelece, no essencial, uma proibição de cartéis idêntica à prevista no artigo 81.° CE. Segundo o Tribunal Regional, essa norma da lei checa de defesa da concorrência foi formulada para aproximar a legislação checa do direito europeu, tendo em vista a adesão da República Checa à União Europeia.

28.      Contudo, o referido acórdão, proferido em primeira instância pelo Tribunal Regional, foi impugnado pela autoridade checa da concorrência no Supremo Tribunal Administrativo da República Checa (31). Essa autoridade considera que continua a ser competente para sancionar o comportamento das recorrentes no litígio principal até à data da adesão da República Checa à União Europeia, dado que, até esta data, a Comissão não podia investigar infrações relativas à República Checa. Entende que a sanção de um cartel internacional no âmbito de várias instâncias decisórias não constitui uma violação do princípio ne bis in idem. A Comissão e a autoridade checa da concorrência examinaram consequências territorialmente diferentes deste comportamento. Além disso, a jurisprudência Walt Wilhelm (32) permite uma aplicação paralela do direito da concorrência da União e do direito nacional da concorrência.

29.      Por acórdão de 10 de abril de 2009 (33) o Supremo Tribunal Administrativo anulou o acórdão do Tribunal Regional de Brno. Segundo o Supremo Tribunal Administrativo, o Tribunal Regional qualificou erradamente a participação no cartel das empresas em causa como infração continuada. Declarou que, até à adesão da República Checa à União Europeia, o cartel existente no território checo estava sujeito exclusivamente à jurisdição nacional e só podia ser sancionado nos termos do direito nacional. A adesão e a modificação das competências que se seguiu constituem um ponto de viragem. Embora as recorrentes não tenham formalmente posto termo à infração que tinham cometido na República Checa antes da adesão, o Supremo Tribunal Administrativo entende que esta se deve considerar terminada. O comportamento adotado a partir do dia da adesão é formalmente uma infração separada, uma infração nos termos do direito da União, que está sujeita à jurisdição partilhada das autoridades nacionais da concorrência e da Comissão, com prevalência legal da Comissão (artigo 11.°, n.° 6, do Regulamento n.° 1/2003).

30.      Atualmente o processo está de novo pendente no Tribunal Regional de Brno, o órgão jurisdicional de reenvio, ao qual foi remetido para nova decisão. Sendo certo que, de acordo com o direito nacional (34), o Tribunal Regional está vinculado à opinião jurídica do Supremo Tribunal Administrativo, o órgão jurisdicional de reenvio entende contudo que é necessário esclarecer alguns aspetos do direito da União relativos, por um lado, à adesão da República Checa à União Europeia em 1 de maio de 2004 e, por outro, à entrada em vigor do Regulamento n.° 1/2003. Deste modo, as divergências materiais de apreciação entre o Tribunal Regional e o Supremo Tribunal Administrativo são apresentadas ao Tribunal de Justiça da União Europeia, para que este decida a título prejudicial.

IV ― Pedido de decisão prejudicial e processo no Tribunal de Justiça

31.      Por decisão de 11 de dezembro de 2009 (35), que deu entrada no Tribunal de Justiça em 13 de janeiro de 2010, o Tribunal Regional de Brno submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.      O artigo 81.° do Tratado CE (atual artigo 101.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia) e o Regulamento [n.° 1/2003] devem ser interpretados no sentido de que essa legislação deve ser aplicada (nos processos posteriores a 1 de maio de 2004) a todo o período de atividade do cartel, que começou na República Checa antes da sua adesão à União Europeia (ou seja, antes de 1 de maio de 2004), tendo continuado e terminado após essa adesão?

2)       O artigo 11.°, n.° 6, do Regulamento [n.° 1/2003], conjugado com o seu artigo 3.°, n.° 1, e com o seu considerando 17, com o ponto 51 da Comunicação da Comissão sobre a cooperação no âmbito da rede de autoridades de concorrência, com o princípio ne bis in idem nos termos do artigo 50.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, e com os princípios gerais de Direito, devem ser interpretados no sentido de que se a Comissão instaurar procedimentos após 1.5.2004 por violação do artigo 81.° CE e tomar uma decisão,

a)      as autoridades da concorrência dos Estados‑Membros deixam de ter competência para apreciar tal conduta a partir dessa data;

b)      as autoridades da concorrência dos Estados‑Membros deixam de ter competência para aplicar as disposições da lei nacional que contenham legislação paralela ao artigo 81.° CE (atual artigo 101.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia) a essa conduta?»

32.      No processo no Tribunal de Justiça apresentaram observações escritas e orais a Toshiba, a Mitsubishi, Fuji (36), a Hitachi (37), a Alstom e a Siemens (38), os Governos da República Checa, da Irlanda, da Espanha e da Polónia, a Comissão Europeia, bem como o Órgão de Fiscalização da EFTA. O Governo da República Eslovaca participou igualmente na fase escrita do processo, e a autoridade checa da concorrência compareceu na audiência.

V ―    Apreciação

33.      O pedido de decisão prejudicial do Tribunal Regional de Brno visa, no quadro do processo relativo a um cartel, obter esclarecimentos sobre as consequências da adesão da República Checa à União Europeia. Trata‑se, por um lado, de determinar o direito aplicável (primeira questão) e, por outro, de delimitar as competências no seio da Rede Europeia da Concorrência «REC» (39) (segunda questão) relativamente a práticas colusórias transfronteiriças que, como infração continuada, tiveram lugar, em parte antes e em parte depois da data da adesão e que eram suscetíveis de produzir efeitos, nomeadamente, no território da República Checa.

34.      Não existem dúvidas quanto à admissibilidade do presente pedido de decisão prejudicial. É certo que, à primeira vista, a primeira questão prejudicial faz lembrar o caso Ynos, no qual o Tribunal de Justiça se declarou incompetente para interpretar uma diretiva (40). Contudo, no presente caso, ao invés do que sucedia no processo Ynos, no âmbito da primeira questão prejudicial o Tribunal de Justiça é chamado não a realizar uma interpretação material do direito da União relativamente ao período anterior à adesão de um novo Estado‑Membro, mas apenas a clarificar o âmbito de aplicação temporal do direito da União. Não há dúvida de que o Tribunal de Justiça é competente para tal.

35.      O facto de o órgão jurisdicional de reenvio estar vinculado, por força do direito processual nacional, à opinião jurídica de um órgão jurisdicional hierarquicamente superior (41) também não se opõe ao envio de um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça nem ao caráter vinculativo da resposta deste (42).

36.      Dado que no litígio principal está em causa a apreciação da legalidade de uma decisão tomada em 2007 pela autoridade checa da concorrência, importa ainda, para responder ao pedido prejudicial, fazer referência às normas dos Tratados na versão do Tratado de Amesterdão (43); em especial, há que tomar por base o artigo 81.° CE e não o artigo 101.° TFUE.

A ―    Primeira questão prejudicial: o âmbito de aplicação temporal do direito europeu da concorrência

37.      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se o artigo 81.° CE e o artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003 se aplicam, num Estado‑Membro que aderiu à União Europeia em 1 de maio de 2004, a períodos de tempo anteriores a esta data da adesão (44).

38.      Subjacente a esta questão está o facto de que o cartel controvertido constitui uma infração única e continuada às regras de concorrência (45), cujos efeitos anticoncorrenciais no território da República Checa se fizeram sentir antes da sua adesão à União Europeia e continuaram após a adesão. Os processos de contraordenação instruídos a nível da União como também a nível nacional para sancionar esta prática colusória são mesmo inteiramente posteriores à data da adesão.

39.      O órgão jurisdicional de reenvio e as recorrentes no litígio principal entendem que os factos referidos apontam para a aplicabilidade do artigo 81.° CE e do Regulamento n.° 1/2003 à duração total do cartel controvertido. Como resultado da aplicação destas normas do direito da União, as empresas implicadas no cartel esperam poder escapar completamente a sanções por parte da autoridade checa da concorrência.

1.      Quanto às indicações constantes do Ato de Adesão e dos princípios gerais de direito

40.      O artigo 2.° do Ato de Adesão constitui o ponto de partida da definição do âmbito de aplicação temporal das disposições do direito da União na República Checa. Nos termos da referida norma, as disposições dos Tratados originários e os atos adotados pelas instituições da União antes da adesão vinculam os novos Estados‑Membros a partir do dia da sua adesão, ou seja, a partir de 1 de maio de 2004.

41.      Assim, desta regra do Ato de Adesão resulta apenas que o artigo 81.° CE e o Regulamento n.° 1/2003 são aplicáveis na República Checa desde 1 de maio de 2004. Pelo contrário, nada se depreende do Ato de Adesão quanto à questão de saber em que medida o artigo 81.° CE e o Regulamento n.° 1/2003 são aplicáveis a infrações continuadas, cujos efeitos anticoncorrenciais se produziram no território checo em parte antes, em parte depois da sua adesão à União Europeia. A este respeito, importa recorrer aos princípios gerais do direito da União, nomeadamente aos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima, bem como da não retroatividade (46).

a)      A proibição da aplicação retroativa de normas substantivas

42.      Decorre dos referidos princípios gerais de direito que, quanto aos efeitos no tempo de alterações jurídicas, deve diferenciar‑se entre normas processuais e normas substantivas: nos termos da jurisprudência assente, entende‑se em geral que as normas processuais são aplicáveis a todos os litígios pendentes no momento em que entram em vigor, ao contrário das normas substantivas, que são habitualmente interpretadas no sentido de que, em princípio, não se aplicam a situações nascidas antes da sua entrada em vigor (47).

43.      O Regulamento n.° 1/2003 contém, é certo, numerosas normas processuais (48). Contudo, o seu artigo 3.°, n.° 1, comporta, tal como o artigo 81.° CE, regras materiais relativas à apreciação de acordos entre empresas pelas autoridades da concorrência. Assim, o artigo 81.° CE e o artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003 constituem normas substantivas do direito da União.

44.      Essas normas substantivas não devem, em princípio, ser aplicadas de modo retroativo, independentemente dos efeitos favoráveis ou desfavoráveis que tal aplicação possa ter para o interessado; com efeito, o princípio da segurança jurídica exige que qualquer situação de facto seja, em regra, e salvo indicação expressa em contrário, apreciada à luz das normas jurídicas dela contemporâneas (49). Em princípio, as novas normas substantivas são diretamente aplicáveis apenas aos efeitos futuros de factos ocorridos na vigência da lei antiga (50).

45.      Por conseguinte, a um cartel de alcance internacional que, como infração única e continuada produziu ou podia produzir efeitos no território de um novo Estado‑Membro quer antes quer depois da data da adesão (51), são aplicáveis diferentes normas substantivas, segundo o período em causa. Relativamente a períodos de tempo anteriores à data da adesão, os efeitos anticoncorrenciais do cartel no Estado‑Membro afetado devem ser apreciados apenas à luz do respetivo direito nacional da concorrência. Relativamente a períodos de tempo posteriores, esses efeitos devem ser, pelo contrário, apreciados de modo uniforme em todo o território da União, à luz do artigo 81.° CE e do artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003 (52).

46.      No presente caso, isso significa em concreto que o artigo 81.° CE e o artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003 só são aplicáveis na República Checa ao cartel controvertido na medida em que se trata de sancionar os eventuais efeitos anticoncorrenciais que produziu depois de 1 de maio de 2004. Ao invés, os efeitos anticoncorrenciais deste cartel, respeitantes ao período de tempo anterior a 30 de abril de 2004, só podem ser apreciados na República Checa à luz do direito nacional da concorrência. Embora possa constituir uma infração única e continuada, os seus efeitos anticoncorrenciais estão sujeitos a normas jurídicas distintas, consoante se tenham produzido antes ou depois da adesão da República Checa à União Europeia.

b)      Nenhuma exceção ao princípio da não retroatividade

47.      Contrariamente ao entendimento da Siemens, da Hitachi e da Fuji, nada aponta, no presente caso, para uma aplicação retroativa do direito da União, de maneira que os efeitos anticoncorrenciais produzidos pelo cartel controvertido na República Checa antes da adesão desta à União Europeia sejam também abrangidos pelo artigo 81.° CE e pelo artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003.

48.      É certo que as normas substantivas do direito da União podem, excecionalmente, ser objeto de aplicação retroativa, se resultar claramente dos seus termos, da sua finalidade ou da sua sistemática que lhes deve ser atribuído esse efeito (53). Contudo, no presente caso nem os termos nem a finalidade ou a sistemática do artigo 81.° CE e do artigo 3.° do Regulamento n.° 1/2003 oferecem indícios claros a favor de uma aplicação retroativa destas duas disposições. Pelo contrário, o caráter quase penal do direito antitrust da União (54) exclui claramente essa aplicação retroativa, a qual poderia violar o princípio da legalidade das penas (nullum crimen, nulla poena sine lege), que está consagrado como direito fundamental a nível da União (artigo 49.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais) (55).

49.      Em particular, não pode ser argumentado que já o direito da concorrência em vigor na República Checa antes de 1 de maio de 2004 tinha um conteúdo essencialmente idêntico ao do artigo 81.° CE e que, deste modo, o artigo 81.° CE constitui uma espécie de norma de substituição, cuja entrada em vigor não trouxe alterações importantes para as empresas nesse Estado‑Membro.

50.      É possível que, mesmo antes da adesão da República Checa, o conteúdo do direito nacional checo (56) tenha apresentado grandes semelhanças com o artigo 81.° CE. É igualmente possível que o Acordo europeu (57), com o qual a República Checa se devia aproximar da União Europeia, contivesse logo, no seu artigo 64.°, uma disposição semelhante ao artigo 81.° CE.

51.      No entanto, antes de 1 de maio de 2004, apenas os órgãos nacionais eram competentes para aplicar e implementar o direito nacional e o Acordo europeu na República Checa. Nessa altura, a interpretação e aplicação das referidas normas, em conformidade com as exigências do artigo 81.° CE, no território da República Checa, era da competência exclusiva das autoridades e dos órgãos jurisdicionais checos. É certo que a Comissão, como autoridade europeia da concorrência, cooperava estreitamente com as autoridades checas, mas ela própria não podia aplicar à República Checa, antes de 1 de maio de 2004, nem o artigo 64.° do Acordo europeu nem o artigo 81.° CE, e o Tribunal de Justiça da União Europeia também não podia ser interrogado pelos órgãos jurisdicionais checos quanto à sua interpretação.

52.      Em especial no que diz respeito ao artigo 81.° CE, importa ainda notar que essa disposição não gozava de primado face ao direito checo antes de 1 de maio de 2004. Acresce que, antes de 1 de maio de 2004, o Regulamento n.° 1/2003, cujo artigo 3.°, n.° 1, impõe pela primeira vez às autoridades nacionais da concorrência, nas condições aí previstas, a aplicação paralela do artigo 81.° CE e do direito nacional antitrust, bem como o respeito da prevalência do direito da União, não era aplicável nem nos Estados‑Membros antigos nem nos novos (58).

53.      Tudo ponderado, o sistema em vigor até 30 de abril de 2004 era completamente diferente do que passou a vigorar a partir de 1 de maio de 2004. Em 1 de maio de 2004 verificou‑se, a nível do direito antitrust, uma importante alteração tanto a nível substantivo como processual, o que milita não a favor mas sim contra uma aplicação retroativa do artigo 81.° CE e do artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003.

54.      A aplicação retroativa do artigo 81.° CE e do Regulamento n.° 1/2003 poderia, é certo, reduzir o risco de uma apreciação divergente do mesmo cartel por autoridades e órgãos jurisdicionais diferentes nos seus respetivos processos de contraordenação. No entanto, cabe objetar que a existência de decisões de conteúdo diferente era, antes de 1 de maio de 2004, inerente ao sistema e tolerada na medida em que não afetasse a plena eficácia do direito antitrust da União e o primado do direito da União (59). Por muito desejável que seja garantir uma interpretação e aplicação uniformes e eficazes do direito da concorrência na União Europeia, isso não deve ser conseguido à custa de uma violação dos princípios do Estado de direito.

c)      Quanto ao princípio da aplicação retroativa da pena mais leve

55.      A Hitachi invoca o princípio da aplicação retroativa da pena mais leve (lex mitius), para justificar que os efeitos anticoncorrenciais do cartel controvertido na República Checa anteriores a 1 de maio de 2004 devem ser apreciados à luz do artigo 81.° CE e do Regulamento n.° 1/2003.

56.      O princípio da aplicação retroativa da pena mais leve faz parte das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, e deve ser considerado parte integrante dos princípios gerais do direito da União (60). Entretanto, está igualmente consagrado no artigo 49.°, n.° 1, terceiro período, da Carta dos Direitos Fundamentais.

57.      Não há dúvida de que a autoridade checa da concorrência teria de apreciar os efeitos anticoncorrenciais produzidos pelo cartel controvertido na República Checa antes de 1 de maio de 2004 nos termos do artigo 81.° CE e do artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003, se dessas disposições resultasse uma isenção da pena ou uma sanção mais leve que a prevista no direito nacional. Contudo, isto é pouco provável.

58.      Com efeito, nem o artigo 81.° CE nem o Regulamento n.° 1/2003 fornecem qualquer indicação quanto à graduação das sanções que podem ser aplicadas pelas autoridades nacionais da concorrência em caso de práticas colusórias. O artigo 5.° do Regulamento n.° 1/2003 esclarece apenas que as autoridades nacionais da concorrência podem tomar decisões com as quais são aplicadas coimas, sanções pecuniárias compulsórias ou qualquer outra sanção prevista pelo respetivo direito nacional. Assim, mesmo que a autoridade checa da concorrência aplicasse o artigo 81.° CE a períodos de tempo anteriores a 1 de maio de 2004, as sanções a impor nesse contexto deveriam ser determinadas nos termos do direito nacional (61).

59.      Contudo, a Hitachi invoca o princípio da lex mitius com um objetivo muito diferente: a empresa não pretende que a autoridade checa da concorrência adote uma decisão mais favorável para o período de tempo anterior a 1 de maio de 2004, mas sim que não adote qualquer decisão. Em última análise, pretende que a regra da lex mitius seja interpretada no sentido de que a autoridade checa da concorrência perde a sua competência para sancionar o cartel no período de tempo anterior a 1 de maio de 2004 e de que os efeitos anticoncorrenciais produzidos pelo cartel durante esse período estão cobertos pela decisão da Comissão.

60.      No entanto, este entendimento ignora totalmente o conteúdo do princípio da aplicação retroativa da pena mais leve. Este princípio limita‑se a admitir, por razões de equidade, uma exceção ao princípio fundamental da legalidade das penas (nullum crimen, nulla poena sine lege) (62). Permite ao afetado beneficiar da alteração verificada no sistema de valores do legislador e receber, por isso, uma pena mais leve que a prevista na data em que o facto foi praticado (63). Pelo contrário, este princípio não confere o direito a ser julgado por uma autoridade diferente da que teria sido competente quando o facto foi praticado. O princípio da lex mitius tem natureza meramente substantiva. Não contém qualquer indicação relativa ao procedimento e à repartição de competências entre as diferentes autoridades chamadas a investigar as ilegalidades.

61.      Na medida em que as recorrentes no litígio principal questionam a competência da autoridade checa da concorrência para aplicar coimas, elas levantam um problema respeitante ao artigo 11.°, n.° 6, do Regulamento n.° 1/2003 e à proibição da dupla incriminação (ne bis in idem) (64), e não um problema da aplicação da pena mais leve (lex mitius).

62.      Em resumo, o princípio da aplicação retroativa da pena mais leve também não conduz ao resultado pretendido pela Hitachi e outras empresas.

2.      Exame de certas objeções formuladas pelas partes

63.      No processo no Tribunal de Justiça foram invocados ainda vários outros argumentos, baseados na jurisprudência atual, que passo a abordar brevemente. Noto, desde logo, que nenhum destes argumentos é pertinente.

64.      Em primeiro lugar, o acórdão Dow Chemical Ibérica (65), referido por algumas partes, não é suscetível de abrir caminho à aplicação do artigo 81.° CE e do artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003 no território de um novo Estado‑Membro, para períodos de tempo anteriores à adesão deste. Com efeito, no processo Dow Chemical Ibérica não se tratava da aplicação de normas substantivas, mas apenas da aplicação de normas processuais, mais precisamente da aplicação das disposições relativas a diligências de instrução (buscas) da Comissão em instalações comerciais de empresas. O facto de o Tribunal de Justiça considerar que essas normas processuais são aplicáveis a partir da data em que um novo Estado‑Membro adere à União é perfeitamente compatível com os princípios gerais de direito examinados supra (66). Em contrapartida, o acórdão Dow Chemical Ibérica nada diz sobre a questão aqui em causa, de saber se também normas substantivas do direito europeu da concorrência são aplicáveis, quando se trata de apreciar os efeitos anticoncorrenciais de um cartel no território de um novo Estado‑Membro no período anterior à sua adesão à União Europeia (67).

65.      As conclusões do advogado‑geral L. A. Geelhoed no processo Asnef‑Equifax (68), nas quais algumas partes se baseiam, também não se afastam dos referidos princípios gerais de direito (69), mas confirmam‑nos. O advogado‑geral esclarece que o artigo 3.° do Regulamento n.° 1/2003 pode conter indicações para a apreciação dos efeitos presentes e futuros de um acordo entre empresas que foi celebrado muito antes da entrada em vigor do Regulamento n.° 1/2003 (70). Não defende, de modo algum, a aplicação retroativa desta norma a períodos de tempo já decorridos.

66.      A jurisprudência relativa ao âmbito de aplicação temporal das liberdades fundamentais e do princípio geral da não discriminação (71), igualmente invocada, também não aponta no sentido de uma aplicação retroativa do direito da União no território de um novo Estado‑Membro para períodos de tempo anteriores à sua adesão. Isto resulta de maneira particularmente clara do acórdão Saldanha, nos termos do qual o artigo 6.° CE (atual artigo 18.° TFUE) «se aplica aos efeitos futuros das situações surgidas antes da adesão» (72).

67.      O mesmo decorre, por último, do anexo II, secção 5, do Ato de Adesão, referido pela Siemens (73). Com efeito, as normas aí estabelecidas partem também da aplicabilidade do artigo 81.° CE aos efeitos futuros dos acordos entre empresas celebrados antes da data da adesão. Só permitem uma exceção para acordos entre empresas que, no prazo de seis meses, sejam modificados para preencher as condições previstas pelos regulamentos de isenção por categoria. Ao contrário do entendimento da Siemens, o anexo II, secção 5, do Ato de Adesão não contém qualquer indício no sentido de uma inclusão retroativa dos efeitos de acordos entre empresas celebrados antes de 1 de maio de 2004 no âmbito de aplicação do artigo 81.° CE.

3.      Conclusão intercalar

68.      As considerações precedentes permitem chegar à seguinte conclusão intercalar:

O artigo 81.° CE e o artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003 não são aplicáveis num Estado‑Membro, que aderiu em 1 de maio de 2004 à União Europeia, a períodos anteriores a esta data da adesão, mesmo quando deva ser investigado um cartel de alcance internacional que constitui uma infração única e continuada e que era suscetível de produzir efeitos no território do Estado‑Membro em causa, tanto antes como depois da data da adesão.

B ―    Segunda questão prejudicial: a competência das autoridades da concorrência e a proibição da dupla incriminação (princípio ne bis in idem)

69.      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se um processo de contraordenação instaurado pela Comissão Europeia após 1 de maio de 2004 impede de modo permanente as autoridades nacionais da concorrência de um Estado‑Membro que aderiu nesse dia, de investigar, nos termos do direito nacional da concorrência, um cartel de alcance internacional, que constitui uma infração única e continuada e era suscetível de produzir efeitos no território do Estado‑Membro em causa, quer antes quer após a data da adesão.

70.      Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio pretende obter informações, em primeira linha, sobre a interpretação do artigo 11.°, n.° 6, em conjugação com o artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003, bem como do princípio ne bis in idem. Refere‑se ainda ao considerando 17 do Regulamento n.° 1/2003 e ao n.° 51 da Comunicação sobre a rede.

71.      Ambas as partes desta segunda questão dizem respeito, por um lado, à competência da autoridade nacional da concorrência para instruir um processo de contraordenação [questão 2, alínea a)], e, por outro, à faculdade que essa autoridade tem de aplicar o seu direito nacional da concorrência [questão 2, alínea b)]. Dado que estes aspetos estão estreitamente ligados entre si, passarei a abordá‑los em conjunto e a analisar por ordem dois temas principais: a delimitação das competências das autoridades europeias da concorrência nos processos relativos a cartéis (v. infra, secção 1) e a proibição da dupla incriminação (princípio ne bis in idem; v. infra, secção 2).

1.      A delimitação das competências das autoridades europeias da concorrência

72.      O órgão jurisdicional de reenvio e as recorrentes no litígio principal entendem que, em virtude do artigo 11.°, n.° 6, em conjugação com o artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003, a autoridade checa da concorrência perdeu definitivamente a sua competência para investigar o cartel controvertido, quando a Comissão Europeia instaurou o seu processo de contraordenação.

73.      Isto não é correto. É certo que, como regra processual (74), o artigo 11.°, n.° 6, do Regulamento n.° 1/2003 é aplicável, desde 1 de maio de 2004, em todos os Estados‑Membros, também a factos ocorridos antes desta data (75). Contudo, tem um conteúdo normativo completamente distinto do que é entendido pelo órgão jurisdicional de reenvio e pelas recorrentes no litígio principal. Isto foi assinalado, a justo título, pelos governos intervenientes no processo e pela Comissão.

a)      Considerações gerais relativas ao conteúdo normativo do artigo 11.°, n.° 6, do Regulamento n.° 1/2003

74.      Por força do artigo 11.°, n.° 6, do Regulamento n.° 1/2003, as autoridades nacionais da concorrência perdem a competência para aplicar os artigos 81.° CE e 82.° CE (atuais artigos 101.° TFUE e 102.° TFUE), logo que a Comissão der início a um processo conducente à aprovação de uma decisão nos termos do capítulo III do referido regulamento (76). Esta perda de competência das autoridades nacionais ocorre de modo automático (77), no dia em que a Comissão decide formalmente dar início ao processo (78).

75.      Atendendo apenas ao teor literal do artigo 11.°, n.° 6, do Regulamento n.° 1/2003, a perda de competência parece afetar apenas a faculdade das autoridades nacionais da concorrência de aplicar o direito antitrust da União (artigos 81.° CE e 82.° CE ou artigos 101.° TFUE e 102.° TFUE), mas não a sua faculdade de aplicar o direito nacional. Os n.os 51 e 53 da Comunicação da Comissão sobre a rede podem também ser entendidos neste sentido (79).

76.      Contudo, ao interpretar uma norma do direito da União, deve atender‑se não apenas ao seu teor literal, mas também ao seu contexto e aos objetivos prosseguidos pelo regime em que está integrada (80). Em especial quanto ao Regulamento n.° 1/2003, o Tribunal de Justiça decidiu ainda que uma autoridade nacional da concorrência só pode aplicar as suas disposições nacionais quando o direito da União não prevê uma norma específica (81).

77.      Note‑se que, em termos do seu conteúdo, o artigo 11.°, n.° 6, do Regulamento n.° 1/2003 está estreitamente ligado ao artigo 3.°, n.° 1, do mesmo regulamento. Resulta da leitura conjugada destas duas disposições que as autoridades nacionais da concorrência deixam de poder aplicar não só o direito da concorrência da União, mas também uma parte do seu direito nacional da concorrência (82), logo que a Comissão instaurar um processo conducente à aprovação de uma decisão nos termos do capítulo III do Regulamento n.° 1/2003.

78.      Em concreto, a relação entre as duas disposições é a seguinte (83): o artigo 3.°, n.° 1, primeiro período, do Regulamento n.° 1/2003 estabelece uma relação estreita entre a proibição de cartéis, constante do artigo 81.° CE (artigo 101.° TFUE), e as normas correspondentes do direito nacional antitrust. Se a proibição nacional de cartéis for aplicada a um acordo entre empresas que seja suscetível de afetar o comércio entre os Estados‑Membros é necessário, por força do artigo 3.°, n.° 1, primeiro período, do Regulamento n.° 1/2003, aplicar em paralelo também o artigo 81.° CE (artigo 101.° TFUE). Contudo, dado que o artigo 11.°, n.° 6, primeiro período, do Regulamento n.° 1/2003 impede as autoridades nacionais da concorrência de aplicarem o artigo 81.° CE (artigo 101.° TFUE), logo que a Comissão instaurar o seu processo, a autoridade nacional da concorrência deixa também de poder aplicar, em última análise, a proibição nacional de cartéis.

79.      No entanto, contrariamente ao entendimento do órgão jurisdicional de reenvio e das recorrentes no litígio principal, isto não significa que, quando a Comissão instaura um processo, as autoridades nacionais da concorrência perdem de modo permanente e definitivo a sua competência para aplicar o direito nacional da concorrência. Dependendo do modo como a Comissão finaliza o seu processo, é perfeitamente concebível que as autoridades nacionais da concorrência possam ainda aplicar o direito nacional da concorrência (84).

80.      Com efeito, a proteção da concorrência na União Europeia é garantida através da coexistência de normas nacionais e do direito da União em matéria de concorrência. Segundo jurisprudência assente, os dois ordenamentos jurídicos aplicam‑se em paralelo (85). A este respeito, também nada foi alterado pela modernização do sistema europeu de aplicação do direito antitrust, realizada pelo Regulamento n.° 1/2003. Com efeito, ao invés da proposta inicialmente apresentada pela Comissão (86), resulta do artigo 3.° do Regulamento n.° 1/2003 que podem continuar a ser aplicadas ao mesmo caso quer as regras do direito da União (artigos 81.° CE e 82.° CE, atualmente artigos 101.° TFUE e 102.° TFUE), quer as regras nacionais em matéria de concorrência.

81.      É certo que as regras de concorrência a nível europeu e a nível nacional prosseguem essencialmente o mesmo objetivo, a saber, garantir a proteção da concorrência no mercado afetado (87). Contudo, elas consideram as práticas restritivas sob ângulos diferentes (88) e os respetivos âmbitos de aplicação não são idênticos (89). O acórdão fundamental do Tribunal de Justiça no processo Walt Wilhelm, no qual se baseiam as considerações tecidas, continua a ser pertinente ― pelo menos a este respeito ― mesmo após mais de 40 anos (90). É incontestável que, entretanto, a integração económica na União Europeia tem feito considerável progresso e que a eliminação constante dos obstáculos ao comércio entre os Estados‑Membros favoreceu a criação de um verdadeiro mercado interno. Não obstante, vários produtos continuam a ser comercializados apenas em mercados nacionais ou regionais; as condições de concorrência para estes produtos podem variar tanto de país para país ― por vezes mesmo de região para região ― que não seja possível partir de mercados europeus e muito menos mundiais. Logo, também não se pode excluir que, em certos casos, devido a particularidades nacionais ou regionais, surjam, além dos problemas transfronteiriços de concorrência contemplados nos artigos 81.° CE e 82.° CE (atualmente artigos 101.° TFUE e 102.° TFUE), problemas adicionais de concorrência de caráter local, que as autoridades da concorrência só podem resolver aplicando o respetivo direito nacional em matéria de concorrência.

82.      Mesmo após a entrada em vigor do Regulamento n.° 1/2003, continua a ser compatível com os objetivos e a sistemática do direito europeu antitrust que várias autoridades da concorrência apreciem um mesmo caso e o examinem sob diferentes pontos de vista (91). O novo sistema descentralizado visa mesmo conferir às autoridades nacionais um papel mais ativo na aplicação do direito antitrust. Nesta medida, existe uma diferença fundamental entre o sistema europeu da aplicação do direito antitrust, tal como foi modernizado pelo Regulamento n.° 1/2003, e a reforma do controlo europeu de concentrações, que entrou em vigor na mesma data (92).

83.      O objetivo de uma aplicação tanto quanto possível uniforme e eficaz das regras de concorrência no mercado interno europeu (93) é prosseguido no Regulamento n.° 1/2003 não através da fixação de competências exclusivas das diferentes autoridades da concorrência mas, pelo contrário, mediante a cooperação e a coordenação recíprocas entre a Comissão Europeia e as autoridades nacionais da concorrência no âmbito de uma rede (REC) (94). Neste contexto, o primado do direito da União é garantido pelas disposições dos artigos 3.° e 16.° do Regulamento n.° 1/2003.

84.      Da leitura do artigo 16.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 depreende‑se que as autoridades nacionais da concorrência continuam a poder atuar quando a própria Comissão tenha adotado uma decisão. Com efeito, essa norma não retira às autoridades nacionais a sua competência para agir depois da Comissão, mas proíbe‑as apenas de contradizer uma decisão anterior da Comissão (95).

85.      É certo que resulta do teor do artigo 16.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 que este só se refere à aplicação do direito antitrust da União pelas autoridades nacionais da concorrência (isto é, à aplicação dos artigos 81.° CE e 82.° CE, atualmente artigos 101.° TFUE e 102.° TFUE). No entanto, o mesmo regime aplica‑se a fortiori quando as autoridades nacionais da concorrência pretendem aplicar o direito nacional antitrust. Com efeito, se as autoridades nacionais da concorrência podem ainda, após uma decisão da Comissão, aplicar o direito da União, devem a fortiori poder aplicar também o direito nacional, na condição de respeitarem a primazia do direito da União no sentido do artigo 3.° do Regulamento n.° 1/2003.

86.      Não seria correto entender o âmbito de aplicação do artigo 16.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 de modo tão estrito como o órgão jurisdicional de reenvio e as recorrentes no litígio principal sugerem (96).

87.      As recorrentes no litígio principal alegam que o artigo 16.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 permite às autoridades nacionais da concorrência investigar participantes no cartel não visados pela decisão previamente adotada pela Comissão Europeia. Note‑se, a este respeito, que o artigo 16.°, n.° 2 regula apenas, de modo muito geral, a relação entre as decisões de autoridades nacionais da concorrência «sobre acordos, decisões ou práticas» e as decisões já existentes da Comissão Europeia, independentemente do objeto e dos destinatários das referidas decisões da Comissão. Em particular, proíbe que as autoridades nacionais da concorrência adotem decisões que contradigam uma decisão prévia da Comissão. O artigo 16.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 estabelece deste modo uma proibição de divergência e garante, assim, o primado do direito da União.

88.      O artigo 16.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 também não pode ser limitado ao caso extremamente raro de uma prévia declaração de inaplicabilidade do artigo 81.° CE ou do artigo 82.° CE (atualmente artigos 101.° TFUE e 102.° TFUE) pela Comissão Europeia, de acordo com o artigo 10.° do Regulamento n.° 1/2003 (97). Com efeito, ao contrário do entendimento do órgão jurisdicional de reenvio e de algumas partes, os termos bastante gerais do artigo 16.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 e a sua posição sistemática no capítulo sobre a «Cooperação» indicam que esta disposição abrange todas as decisões concebíveis, que a Comissão possa ter tomado com base no Regulamento n.° 1/2003, e não se limita, de modo algum, a um determinado tipo de decisão.

89.      O considerando 18 do Regulamento n.° 1/2003 também não deve ser interpretado erradamente, no sentido de que o legislador da União pretendia retirar às autoridades nacionais da concorrência a competência para aplicar o direito nacional antitrust, sempre que a própria Comissão tenha adotado uma decisão. É certo que o considerando 18 formula o objetivo de que «cada processo apenas seja apreciado por uma única autoridade». Trata‑se, contudo, de uma regra geral, que caracteriza todo o sistema europeu de aplicação do direito antitrust à luz do Regulamento n.° 1/2003. Esse objetivo está ligado, com efeito, a uma disposição muito concreta do Regulamento n.° 1/2003, a saber ao seu artigo 13.° Nos termos dessa disposição, cada autoridade da concorrência na REC tem a possibilidade de suspender a respetiva tramitação ou de rejeitar a denúncia, quando outra autoridade da REC esteja a tratar do mesmo assunto. Contudo, as autoridades em causa não estão, de modo algum, obrigadas a proceder deste modo. Pelo contrário, o artigo 13.° e o considerando 18 do Regulamento n.° 1/2003 refletem a ampla margem de discricionariedade de que dispõem as autoridades integrantes da REC, a fim de assegurar uma atribuição ótima dos casos no seio da rede.

90.      Por último, importa assinalar que o princípio da proporcionalidade em matéria de repartição de competências (artigo 5.°, n.° 4, TUE, ex‑artigo 5.°, n.° 3, CE) milita igualmente contra uma interpretação do artigo 11.°, n.° 6, do Regulamento n.° 1/2003, segundo a qual as autoridades nacionais da concorrência perdem de modo permanente e definitivo a sua competência para aplicar o direito nacional antitrust, assim que a Comissão Europeia instaurar um processo. Este princípio da proporcionalidade, ao qual o legislador da União se referiu expressamente no preâmbulo do Regulamento n.° 1/2003 (98), reveste uma importância fundamental, e mesmo constitucional, no sistema dos Tratados. Em virtude deste princípio, o conteúdo e a forma da ação da União não devem exceder o necessário para alcançar os objetivos dos Tratados. O Regulamento n.° 1/2003 tem por objetivo contribuir para a execução efetiva das regras de concorrência da União num sistema descentralizado (99), garantindo ao mesmo tempo a aplicação coerente do direito da União (100). Para tal, não é necessário impedir de modo permanente e definitivo as autoridades nacionais da concorrência de aplicarem o seu direito nacional antitrust. Basta retirar‑lhes esta competência enquanto dura um processo instaurado pela Comissão e, após o termo deste, obrigá‑las a respeitar a decisão da Comissão (101).

91.      Estas considerações gerais quanto ao conteúdo normativo do artigo 11.°, n.° 6, do Regulamento n.° 1/2003 são suficientes para concluir que as autoridades nacionais da concorrência não perdem de modo permanente e definitivo a sua faculdade de aplicar o direito nacional da concorrência, quando a Comissão instaura um processo conducente à aprovação de uma decisão nos termos do capítulo III do Regulamento n.° 1/2003. Pelo contrário, após o termo do processo da Comissão, as autoridades nacionais da concorrência podem, elas próprias, tomar uma decisão, dentro dos limites da proibição da dupla incriminação (princípio ne bis in idem).

b)      Considerações adicionais relativas ao período de tempo anterior à adesão de um novo Estado‑Membro à União Europeia

92.      No presente caso acresce que a decisão controvertida da autoridade checa da concorrência se refere ― de acordo com as indicações do órgão jurisdicional de reenvio ― exclusivamente aos efeitos anticoncorrenciais do cartel controvertido anteriores a 1 de maio de 2004, ou seja, apenas ao período de tempo anterior à adesão da República Checa à União Europeia.

93.      Como foi referido supra (102), durante esse período de tempo, o artigo 81.° CE não era aplicável na República Checa e também não deve ser aplicado retroactivamente a eventuais efeitos anticoncorrenciais de uma infração continuada na República Checa durante esse período de tempo.

94.      Por conseguinte, relativamente a esse período, da interação entre o artigo 11.°, n.° 6 e o artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003 não é possível inferir nenhum obstáculo à aplicação de disposições nacionais do direito da concorrência, como, no caso da República Checa, o § 3 da Lei de defesa da concorrência. No que diz respeito ao referido período de tempo anterior a 1 de maio de 2004, não é de temer nem um conflito de competências entre a Comissão e a autoridade checa da concorrência, nem é necessário evitar contradições entre o artigo 81.° CE e o direito nacional da concorrência. Desde logo, o direito nacional não pode contradizer uma norma do direito da União que não era aplicável no período de tempo em causa.

95.      Mas, mesmo uma apreciação dos factos ocorridos antes de 1 de maio de 2004 atendendo aos objetivos do novo sistema instaurado pelo Regulamento n.° 1/2003, seria claramente favorável e não contrária a uma aplicação do direito nacional da concorrência pela autoridade checa da concorrência. Com efeito, seria diametralmente oposto ao interesse fundamental de criar condições equiparáveis no âmbito do mercado interno (103) e de «proteger a concorrência no mercado» (104), que um cartel não pudesse ser investigado num determinado segmento do mercado interno, em relação a um determinado período de tempo (desde que, quanto ao resto, estejam preenchidos os requisitos jurídicos e ainda não tenha decorrido o prazo prescricional). Precisamente no caso em apreço, a aplicação do direito nacional antitrust era a única possibilidade de sancionar eventuais efeitos anticoncorrenciais do cartel controvertido na República Checa no período de tempo anterior à adesão à União Europeia.

c)      Conclusão intercalar

96.      Tudo ponderado, não resulta do artigo 11.°, n.° 6, primeiro período, em conjugação com o artigo 3.°, n.° 1, primeiro período, do Regulamento n.° 1/2003 qualquer obstáculo permanente e definitivo à aplicação do direito nacional da concorrência. Isto sem prejuízo de eventuais limitações, que podem decorrer da proibição da dupla incriminação (princípio ne bis in idem). Este último problema jurídico do presente caso será abordado a seguir.

2.      A proibição da dupla incriminação (princípio ne bis in idem)

97.      Resta analisar se a proibição da dupla incriminação (princípio ne bis in idem) se opõe, num caso como o que está em apreço, à aplicação do direito nacional da concorrência pela autoridade nacional da concorrência.

98.      O órgão jurisdicional de reenvio e as recorrentes no litígio principal entendem que, com a decisão da Comissão de 24 de janeiro de 2007, já foram sancionados os efeitos anticoncorrenciais do cartel controvertido na República Checa antes da adesão deste Estado à União Europeia. Por conseguinte, partem do princípio de que as coimas aplicadas separadamente pela autoridade checa da concorrência viola o princípio ne bis in idem.

99.      O princípio ne bis in idem está consagrado a nível da União como princípio geral de direito (105) e, nos termos do artigo 50.° da Carta dos Direitos Fundamentais, tem entretanto o estatuto de direito fundamental da União.

100. O seu reconhecimento a nível da União implica que o âmbito de aplicação do princípio ne bis in idem se estende para além de casos puramente nacionais e abrange factos transfronteiriços (106), o que promove a livre circulação dos cidadãos da União e o objetivo de reduzir ao mínimo as restrições ao comércio no mercado interno europeu.

a)      Aplicabilidade da proibição da dupla incriminação

101. Na realidade, é pacífico que, face ao caráter quase penal dos processos de contraordenação relativos a cartéis (107), deve neles ser respeitado o princípio ne bis in idem (108). Todavia, a Comissão tem dúvidas quanto à aplicabilidade do princípio ne bis in idem ao presente caso, pelo menos na medida em que se trata do artigo 50.° da Carta dos Direitos Fundamentais.

i)      Aplicabilidade material

102. A Comissão alega que a Carta dos Direitos Fundamentais só é aplicável quando há que implementar o direito da União. Dado que, no presente caso, a autoridade checa da concorrência se baseou exclusivamente no direito nacional da concorrência ao adotar a decisão controvertida, ela não estava vinculada pela Carta.

103. Esta objeção não é admissível. É certo que, nos termos do seu artigo 51.°, n.° 1, a Carta dos Direitos Fundamentais tem por destinatários «os Estados‑Membros, apenas quando apliquem o direito da União» (109). O mero facto de que, do ponto de vista material, são aplicáveis no presente caso as disposições nacionais do direito da concorrência, não significa porém que o direito da União não forneça indicações para a apreciação a realizar.

104. Com efeito, como já foi referido (110), as normas processuais do Regulamento n.° 1/2003 ― ao contrário das suas normas substantivas ― são aplicáveis na República Checa desde o dia da sua adesão à União Europeia. Estas normas incluem também as disposições e os princípios relativos à delimitação das competências no âmbito da rede das autoridades europeias da concorrência, que foi criada com o Regulamento n.° 1/2003 (111). Estas normas e princípios devem ser interpretados e aplicados em conformidade com o direito primário da União, incluindo os direitos fundamentais da União.

105. Assim, desde 1 de maio de 2004, a autoridade checa da concorrência só pode instruir um processo de contraordenação relativo a um cartel nos termos do direito nacional da concorrência, quando e na medida em que isto seja permitido pelo Regulamento n.° 1/2003, interpretado e aplicado à luz dos direitos fundamentais da União.

106. Entre estes direitos fundamentais da União, que devem ser respeitados ao determinar a margem de manobra deixada à autoridade checa da concorrência, conta‑se em especial o princípio ne bis in idem, como está codificado no artigo 50.° da Carta dos Direitos Fundamentais. Com efeito, o princípio ne bis in idem tem efeitos não só substantivos, mas também processuais. Além de proteger o acusado, o princípio ne bis in idem visa também, por exemplo, evitar conflitos de competência (os chamados conflitos positivos de competência) entre as várias autoridades eventualmente chamadas a apreciar um processo penal ou uma infração administrativa (112).

ii)    Aplicabilidade ratione temporis

107. Por uma questão de exaustividade, acrescentarei duas breves reflexões sobre a questão da aplicabilidade ratione temporis do princípio ne bis in idem.

108. Por um lado, importa lembrar que, em 2006 e 2007, a Carta dos Direitos Fundamentais ainda não produzia efeitos jurídicos vinculativos comparáveis aos do direito primário (113). Por outro, como fonte de direito, a Carta ― em especial o seu artigo 50.° ― já então fornecia indicações sobre os direitos fundamentais garantidos a nível da União (114). Isto é válido sobretudo no âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1/2003, dado que o seu preâmbulo contém uma remissão expressa para a Carta (115). No contexto do Regulamento n.° 1/2003, os direitos fundamentais da Carta devem ser respeitados desde 1 de maio de 2004, ou seja, a partir do dia em que o referido regulamento entrou em vigor nos Estados‑Membros antigos e novos.

109. Note‑se, por outro lado, que a decisão controvertida, pela qual a autoridade checa da concorrência aplicou as coimas, se refere a um período de tempo anterior à adesão da República Checa à União Europeia. Determinante para a aplicabilidade ratione temporis do princípio ne bis in idem, consagrado no direito da União, é, porém, não a data em que foi cometido o facto investigado, mas a data em que foi dado início ao respetivo processo penal ou de contraordenação (116). Em 2006, quando a autoridade checa da concorrência deu início ao seu processo de contraordenação nesta matéria, a República Checa era já Estado‑Membro da União Europeia e, deste modo, estava obrigada a respeitar o princípio ne bis in idem, consagrado no direito da União.

110. Tudo ponderado, nada se opõe à aplicação ratione temporis do princípio ne bis in idem, consagrado no direito da União.

b)      Alcance da proibição da dupla incriminação: o que é um idem?

111. O princípio ne bis in idem, tal como está codificado no artigo 50.° da Carta dos Direitos Fundamentais, dispõe que ninguém pode ser julgado ou punido penalmente por um delito do qual já tenha sido absolvido ou pelo qual já tenha sido condenado na União por sentença transitada em julgado, nos termos da lei.

112. Transposto para o direito da concorrência, o princípio ne bis in idem proíbe que uma empresa seja de novo condenada ou alvo de um processo devido a um comportamento anticoncorrencial pelo qual já foi punida ou declarada não responsável por uma decisão anterior que já não seja suscetível de recurso (117).

113. Como é frequente em processos relativos a cartéis, o litígio refere‑se aos critérios segundo os quais importa determinar se, com a aplicação das coimas pela autoridade checa da concorrência, as empresas afetadas foram julgadas ou punidas penalmente pelo mesmo comportamento anticoncorrencial. Logo, é necessário precisar o conteúdo do conceito de idem.

114. Até agora, os órgãos jurisdicionais da União têm entendido, em processos em matéria de concorrência, que a aplicação do princípio ne bis in idem está sujeita a uma tripla condição de identidade dos factos, do infrator e do bem jurídico protegido (118). O princípio ne bis in idem proíbe punir uma mesma pessoa mais do que uma vez pelo mesmo comportamento ilícito, a fim de proteger o mesmo bem jurídico (119).

115. Das três condições referidas, o preenchimento das duas primeiras ― a identidade dos factos e a identidade do infrator ― não é controverso. Pelo contrário, discute‑se se está preenchida a terceira condição, isto é, o critério da identidade do bem jurídico protegido ou do interesse jurídico protegido. Aplicando o último critério, o Tribunal de Justiça rejeitou, em processos respeitantes a cartéis, uma proibição da dupla incriminação na relação entre a União e Estados terceiros (120).

116. Contudo, em domínios jurídicos diferentes do direito da concorrência, o Tribunal de Justiça não tem aplicado esta terceira condição. Assim, num processo disciplinar relativo ao direito da função pública, o Tribunal de Justiça atendeu unicamente aos factos (ao examinar se se tratava de «factos diferentes») (121). No contexto das regras relativas ao espaço de liberdade, segurança e justiça (artigo 54.° CAAS (122) e mandado de detenção europeu (123)), o Tribunal de Justiça declarou mesmo expressamente que o critério da identidade do interesse jurídico protegido é irrelevante (124). Considera, em jurisprudência assente, que nesse contexto o único critério decisivo é o da identidade dos factos materiais, entendida como a existência de um complexo de circunstâncias concretas indissociavelmente ligadas entre si (125).

117. A interpretação e aplicação do princípio ne bis in idem de modo tão variável consoante o ramo do direito põe em risco a unidade da ordem jurídica da União. Da importância decisiva do princípio ne bis in idem como princípio básico do direito da União, com o estatuto de um direito fundamental, decorre que o seu conteúdo não deve ser substancialmente diferente em função do ramo do direito em causa (126). Para determinar as garantias conferidas pelo princípio ne bis in idem, tal como está atualmente codificado no artigo 50.° da Carta dos Direitos Fundamentais, devem ser aplicados os mesmos critérios em todos os domínios do direito da União. Este aspeto foi assinalado, a justo título, pelo Órgão de Fiscalização da EFTA.

118. Não há qualquer razão objetiva para sujeitar o princípio ne bis in idem, em direito da concorrência, a condições diferentes das aplicáveis noutros domínios. Do mesmo modo que, no âmbito do artigo 54.° CAAS, este princípio visa garantir a livre circulação dos cidadãos da União no território da União como «espaço de liberdade, segurança e justiça» (127), em direito da concorrência ele contribui para melhorar e facilitar a atividade das empresas no mercado interno e, em última análise, para criar condições uniformes de concorrência em todo o EEE (o chamado «level playing field»).

119. Para identificar os critérios determinantes para o conceito de idem importa ter em conta que a proibição da dupla incriminação no direito da União se baseia, em larga medida, num direito fundamental reconhecido na CEDH (128), mais concretamente no artigo 4.°, n.° 1, do Protocolo n.° 7 da CEDH, embora este protocolo ainda não tenha sido até hoje ratificado por todos os Estados‑Membros da União (129). Esta grande proximidade da CEDH resulta não apenas das anotações ao artigo 50.° da Carta dos Direitos Fundamentais, que devem ser devidamente tomadas em conta pelos órgãos jurisdicionais da União e dos Estados‑Membros (130), mas também da jurisprudência que o Tribunal de Justiça tem proferido até aqui, relativamente ao princípio geral ne bis in idem (131), consagrado no direito da União.

120. Assim, é aplicável o princípio da homogeneidade (132), nos termos do qual se deve dar aos direitos da Carta, que correspondem aos direitos garantidos na CEDH, o mesmo sentido e o mesmo alcance que a CEDH lhes confere. Por outras palavras, o artigo 4.°, n.° 1, do Protocolo n.° 7 da CEDH, tal como é interpretado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), descreve o nível mínimo que deve ser assegurado no direito da União ao interpretar e aplicar o princípio ne bis in idem.

121. A jurisprudência do TEDH relativa ao conceito de idem foi pouco coerente durante muito tempo, até o TEDH ter declarado, num acórdão fundamental de 2009, que o artigo 4.° do Protocolo n.° 7 da CEDH proíbe investigar ou condenar alguém por uma segunda infração baseada nos mesmos factos ou em factos essencialmente idênticos (133). Isto significa que o TEDH atende apenas à identidade dos factos, afastando expressamente a sua qualificação jurídica (134). A este respeito, inspira‑se, em larga medida, na jurisprudência do nosso Tribunal de Justiça relativa ao espaço de liberdade, segurança e justiça (135). Mais ainda, o TEDH utiliza formulações muito semelhantes às do nosso Tribunal de Justiça, para definir o que deve ser entendido por identidade dos factos. Nada indica que o TEDH poderia estar inclinado a considerar que o princípio ne bis in idem, em especial no domínio do direito da concorrência, confere garantias de alcance mais reduzido (136). Pelo contrário: o TEDH cita, é certo, o nosso acórdão Aalborg Portland com o critério da identidade do bem jurídico protegido, mas não o toma por base da sua interpretação do princípio ne bis in idem (137).

122. Neste contexto, ao interpretar e aplicar o conceito de idem no âmbito da proibição da dupla incriminação, consagrada no direito da União, deve continuar a ser decisiva apenas a identidade dos factos (o que inclui necessariamente a identidade do infrator (138)).

123. Manter o critério da identidade do bem jurídico protegido implicaria, em última análise, que o âmbito de aplicação da proibição da dupla incriminação, consagrada no direito da União, seria mais reduzido e que o alcance das garantias que a mesma confere ficaria aquém do que é previsto, como nível mínimo, no artigo 4.°, n.° 1, do Protocolo n.° 7 da CEDH. Isto seria incompatível com o princípio da homogeneidade. Como mostrarei a seguir (139), os problemas suscitados na relação com Estados terceiros, que o Tribunal de Justiça tem resolvido até aqui recorrendo ao critério da identidade do bem jurídico protegido, podem também ser adequadamente equacionados de modo diferente ― no âmbito do exame da identidade dos factos.

124. Importa pois concluir que, para determinar o idem na aceção do princípio ne bis in idem, é decisiva apenas a identidade dos factos materiais, entendida como a existência de um complexo de circunstâncias concretas, indissociavelmente ligadas entre si. Por outras palavras, é necessário que se trate dos mesmos factos ou de factos essencialmente idênticos.

c)      Aplicação no presente caso: não existência de idem

125. Extrapolada para o presente caso, a interpretação descrita do conceito de idem significa que é necessário examinar se a decisão da Comissão (140) e a decisão da autoridade checa da concorrência (141) dizem respeito aos mesmos factos materiais, isto é, aos mesmos factos ou a factos essencialmente idênticos.

i)      O território e o período de tempo, nos quais o cartel produz ou pode produzir os seus efeitos, são elementos essenciais dos factos

126. É concebível reconhecer a identidade dos factos materiais logo quando duas decisões das autoridades da concorrência digam respeito ao mesmo cartel. O órgão jurisdicional de reenvio e algumas partes parecem inclinar‑se para este entendimento muito amplo do conceito de idem.

127. Contudo, este entendimento ignora as particularidades que, em geral, caracterizam as infrações ao direito da concorrência, em especial a nível de cartéis.

128. Os cartéis são proibidos e investigados precisamente porque produzem efeitos anticoncorrenciais ou, em todo o caso, são suscetíveis de influenciar negativamente a concorrência. Nos termos do artigo 81.°, n.° 1, CE (artigo 101.°, n.° 1, TFUE): as autoridades da concorrência aplicam sanções às empresas participantes num cartel, porque o seu comportamento tem por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência.

129. A questão de saber se um comportamento tinha por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência não pode ser apreciada em abstrato, sendo sempre necessário atender a um determinado período de tempo e a um determinado território (142). Na verdade, o comportamento sancionado por força do artigo 81.° CE (artigo 101.° TFUE) não é o próprio acordo que constitui o cartel, mas a sua aplicação (143). Ela interfere na estrutura da concorrência, o que, em última análise, também pode prejudicar os consumidores no território e no momento em causa.

130. No contexto de cartéis, os factos materiais, aos quais se aplica o princípio ne bis in idem incluem, deste modo, necessariamente o período de tempo e o território, nos quais o acordo que constitui o cartel produziu efeitos anticoncorrenciais («efeito» de restringir a concorrência) ou podia produzir tais efeitos («objetivo» de restringir a concorrência). Isto nada tem a ver com o interesse jurídico protegido ou com a qualificação jurídica dos factos; pelo contrário, os efeitos reais ou potenciais de um cartel constituem os elementos essenciais dos factos devido aos quais as empresas participantes no cartel são investigadas por uma autoridade da concorrência e não podem voltar a ser investigadas uma segunda vez (ne bis in idem) (144).

131. A proibição da dupla incriminação (princípio ne bis in idem), consagrada no direito da União, impede que, no Espaço Económico Europeu, várias autoridades da concorrência ou vários órgãos jurisdicionais sancionem os efeitos anticoncorrenciais de um único cartel em relação ao mesmo território e ao mesmo período de tempo (145). Pelo contrário, o princípio ne bis in idem não proíbe, de modo algum, que no EEE várias autoridades da concorrência ou vários órgãos jurisdicionais sancionem comportamentos do mesmo cartel que tenham por objetivo ou efeito restringir a concorrência em diferentes territórios ou durante diferentes períodos de tempo.

132. A fortiori, o princípio ne bis in idem, consagrado no direito da União, não obsta a que um cartel de alcance internacional seja investigado, por um lado, pelas autoridades do EEE e, por outro, pelas autoridades de Estados terceiros nos seus respetivos territórios (146). Isto resulta também da letra do artigo 50.° da Carta dos Direitos Fundamentais, que se refere a uma primeira condenação ou a uma primeira absolvição «na União», por sentença transitada em julgado.

133. O princípio ne bis in idem visa impedir que as empresas sejam várias vezes investigadas e eventualmente punidas pelas consequências anticoncorrenciais que o seu comportamento colusório tinha por objetivo ou efeito. O referido princípio não deve levar a que fiquem impunes os efeitos anticoncorrenciais de tal comportamento num determinado território e durante um determinado período de tempo.

134. Neste contexto, a proibição da dupla incriminação também só pode aplicar‑se no presente caso quando e na medida em que a decisão da Comissão e a decisão da autoridade checa da concorrência se referem aos mesmos territórios e aos mesmos períodos de tempo. Por si só, a circunstância de que se trata de um único cartel de alcance internacional («mundial»), que operou de modo continuado durante um longo período de tempo, não é suficiente para entender que existe um idem.

ii)    A decisão da Comissão e a decisão da autoridade checa da concorrência não se referem aos mesmos efeitos do cartel

135. Em princípio, determinar se as decisões de duas autoridades da concorrência se referem a factos idênticos ou essencialmente idênticos, de modo que dizem respeito aos mesmos factos materiais, é uma questão relativa à apreciação dos factos, que não incumbe ao Tribunal de Justiça no âmbito de um processo prejudicial, mas sim ao órgão jurisdicional de reenvio (147).

136. No presente caso, é de notar que uma das decisões em causa é um ato jurídico da Comissão Europeia na aceção do artigo 249.°, quarto parágrafo, CE (atual artigo 288.°, quarto parágrafo, TFUE), isto é, um ato de uma instituição da União. A interpretação de tal ato é da competência própria do Tribunal de Justiça no âmbito de um processo prejudicial [artigo 267.°, primeiro parágrafo, alínea b), TFUE]. Assim, o Tribunal de Justiça pode fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio indicações quanto ao alcance da decisão da Comissão, de 24 de janeiro de 2007, pela qual foram aplicadas as coimas. Tendo em conta a sua missão, de dar ao juiz nacional todas as indicações úteis que lhe permitam decidir o litígio principal (148), o Tribunal de Justiça deve fazer uso desta possibilidade.

137. Infelizmente, a decisão de 24 de janeiro de 2007 não esclarece de modo expresso, nem no seu dispositivo nem nos seus considerandos, se as coimas aplicadas devem sancionar eventuais restrições à concorrência ― que foram o objetivo ou efeito do cartel ― no território da República Checa durante o período de tempo anterior à sua adesão à União Europeia, isto é, antes de 1 de maio de 2004 (149). Assim, a extensão exata do território a que se referem a decisão da Comissão e as coimas que aplica deve ser determinada por via interpretativa.

138. O órgão jurisdicional de reenvio e as recorrentes no litígio principal entendem que a decisão da Comissão abrange o território da República Checa, relativamente quer ao período anterior quer ao período posterior a 1 de maio de 2004. Em apoio do seu ponto de vista alegam, em especial, que a Comissão fala de um cartel de alcance mundial e que não excluiu expressamente o território da República Checa do âmbito de aplicação da sua decisão.

139. A decisão da Comissão pode também ser entendida de modo diferente. Aponta nesse sentido, antes de mais, que na sua fundamentação não é expressamente indicado que abrange efetivamente eventuais efeitos anticoncorrenciais produzidos pelo cartel no território da República Checa durante o período de tempo anterior à adesão à União Europeia. Pelo contrário, a Comissão alude especificamente, em várias passagens, aos efeitos do cartel no interior da Comunidade Europeia e do EEE (150), referindo mesmo de modo expresso os «antigos Estados‑Membros» da Comunidade e os «antigos Estados Contratantes» do EEE (151).

140. A referência, na decisão da Comissão, a um cartel de alcance mundial pode ser entendida como uma explicação do modo de funcionamento do cartel e não indica necessariamente quais os efeitos anticoncorrenciais do cartel que a Comissão acabou por sancionar com as coimas que aplicou. Na medida em que a Comissão alude ainda ao volume de negócios mundial das participantes no cartel (152), isto serve unicamente para comparar as dimensões relativas das empresas afetadas, para ter em conta a capacidade efetiva das mesmas para causar prejuízos importantes no mercado dos mecanismos de comutação isolados a gás no EEE (153).

141. Resulta igualmente do cálculo das coimas que a Comissão ainda não teve em conta, na sua decisão, os Estados‑Membros que aderiram em 1 de maio de 2004. Com efeito, utilizou para o cálculo das coimas o volume de negócios das participantes no cartel no EEE no ano de 2003, ou seja, do ano que precedeu o alargamento a Leste da União Europeia (154).

142. De resto, a interpretação da decisão da Comissão no sentido de que só tem em conta os efeitos anticoncorrenciais do cartel no seio do EEE é sugerida por outro motivo importante: o âmbito de aplicação dos atos das instituições da União não pode exceder o da sua base jurídica (155). Como já foi indicado, o artigo 81.° CE não era aplicável no território da República Checa no período de tempo anterior à sua adesão à União Europeia, e a Comissão não podia exercer quaisquer direitos soberanos, nesse território, antes de 1 de maio de 2004 (156). Em qualquer caso, se a Comissão tivesse adotado uma decisão, na qual fossem aplicadas coimas a empresas em relação ao território da República Checa para o período de tempo anterior a 1 de maio de 2004, ela teria ultrapassado os limites da sua competência.

143. Constitui jurisprudência assente que, segundo um princípio geral de interpretação, um ato jurídico da União deve ser interpretado, na medida do possível, de forma a não pôr em causa a sua validade (157). Se um ato jurídico de direito derivado da União for suscetível de mais do que uma interpretação, deve ser dada preferência àquela que o torna conforme com os Tratados, em vez da que leva a declarar a sua incompatibilidade com estes (158).

144. Em aplicação destes princípios, a decisão da Comissão de 24 de janeiro de 2007 deve ser interpretada no sentido de que, com as coimas que aplica, não são sancionadas infrações à concorrência cometidas no território da República Checa antes da sua adesão à União Europeia.

145. Assim, importa constatar que a decisão da Comissão não se refere aos efeitos anticoncorrenciais que o cartel controvertido teve ― por objetivo ou efeito ― no território da República Checa antes de 1 de maio de 2004, ao passo que a decisão da autoridade checa da concorrência ― segundo as indicações do órgão jurisdicional de reenvio ― aplicou coimas apenas relativamente a esse território e a esse período de tempo. Por conseguinte, ambas as decisões têm por objeto infrações relativas ao mesmo cartel de alcance internacional, embora lhes estejam subjacentes factos distintos (159).

146. Tudo ponderado, a decisão da Comissão e a decisão da autoridade checa da concorrência não se referem aos mesmos factos materiais, pelo que a autoridade checa da concorrência não violou a proibição da dupla incriminação (princípio ne bis in idem) com a sua decisão.

3.      Conclusão intercalar

147. Em resumo, importa concluir que o princípio ne bis in idem, consagrado no direito da União, não se opõe a sanções contra as empresas que participam num cartel, que a autoridade nacional da concorrência do Estado‑Membro em causa aplica devido aos efeitos anticoncorrenciais do cartel no território desse Estado‑Membro antes da sua adesão à União Europeia, se e na medida em que as coimas anteriormente aplicadas pela Comissão Europeia às mesmas participantes no cartel não tenham precisamente por objeto esses efeitos.

VI ― Conclusão

148. Face ao acima exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda da seguinte forma ao pedido prejudicial:

«1)      O artigo 81.° CE e o artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° e 82.° do Tratado, não são aplicáveis a um Estado‑Membro, que aderiu em 1 de maio de 2004 à União Europeia, a períodos anteriores a esta data da adesão, mesmo quando deva ser investigado um cartel de alcance internacional que constitui uma infração única e continuada, e que era suscetível de produzir efeitos no território do Estado‑Membro em causa, tanto antes como depois da data da adesão.

2)      Se a Comissão Europeia der início a um processo nos termos do capítulo III do Regulamento n.° 1/2003 contra um cartel desse tipo, a autoridade nacional da concorrência do respetivo Estado‑Membro não perde, nos termos do artigo 11.°, n.° 6, em conjugação com o artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003, a sua competência para sancionar, de acordo com o direito nacional da concorrência, os efeitos anticoncorrenciais do cartel no território desse Estado‑Membro relativamente a períodos de tempo anteriores à sua adesão à União Europeia.

3)      O princípio ne bis in idem, consagrado no direito da União, não se opõe a sanções contra as empresas que participam num cartel, que a autoridade nacional da concorrência do Estado‑Membro em causa aplica devido aos efeitos anticoncorrenciais do cartel no território desse Estado‑Membro antes da sua adesão à União Europeia, se e na medida em que as coimas anteriormente aplicadas pela Comissão Europeia às mesmas participantes no cartel não tenham precisamente por objeto esses efeitos.»


1 ―      Língua original: alemão.


2 ―      Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° e 82.° do Tratado (JO 2003, L 1, p. 1). Nos termos do seu artigo 45.°, segundo parágrafo, este regulamento é aplicável a partir de 1 de maio de 2004.


3 ―      Acórdão de 13 de fevereiro de 1969, Walt Wilhelm e o. (14/68, Colet. 1969‑1970, p. 1).


4 ―      Úřad pro ochranu hospodářské soutěže.


5 ―      Ato relativo às condições de adesão da República Checa, da República da Estónia, da República de Chipre, da República da Letónia, da República da Lituânia, da República da Hungria, da República de Malta, da República da Polónia, da República da Eslovénia e da República Eslovaca e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia (JO 2003, L 236, p. 33).


6 ―      Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (JO 1994, L 1, p. 3).


7 ―      A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia foi proclamada solenemente, pela primeira vez, em 7 de dezembro de 2000, em Nice (JO 2000, C 364, p. 1), e depois novamente em 12 de dezembro de 2007, em Estrasburgo (JO 2007, C 303, p. 1, e JO 2010, C 83, p. 389).


8 ―      JO 2004, C 101, p. 43.


9 ―      Artigo 2.°, n.° 2, do Tratado de Adesão [Tratado entre o Reino da Bélgica, o Reino da Dinamarca, a República Federal da Alemanha, a República Helénica, o Reino de Espanha, a República Francesa, a Irlanda, a República Italiana, o Grão‑Ducado do Luxemburgo, o Reino dos Países Baixos, a República da Áustria, a República Portuguesa, a República da Finlândia, o Reino da Suécia, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e Irlanda do Norte (Estados‑Membros da União Europeia) e a República Checa, a República da Estónia, a República de Chipre, a República da Letónia, a República da Lituânia, a República da Hungria, a República de Malta, a República da Polónia, a República da Eslovénia, e a República Eslovaca relativo à adesão à União Europeia da República Checa, da República da Estónia, da República de Chipre, da República da Letónia, da República da Lituânia, da República da Hungria, da República de Malta, da República da Polónia, da República da Eslovénia e da República Eslovaca (JO 2003, L 236, p. 17)].


10 ―      Zákon č. 63/1991 Sb., o ochraně hospodářské soutěže.


11 ―      Zákon č. 143/2001 Sb., o ochraně hospodářské soutěže.


12 ―      Os mecanismos de comutação isolados a gás são utilizados para controlar o fluxo de energia nas redes elétricas. Trata‑se de equipamentos elétricos pesados, utilizados como um dos principais componentes de subestações elétricas e que representam entre 30% a 60% do custo total destas subestações elétricas. O mecanismo de comutação tem como finalidade proteger o transformador de uma sobrecarga e/ou isolar o circuito elétrico ou um transformador defeituoso. Os mecanismos de comutação podem ser isolados a gás, isolados a ar ou de isolamento híbrido, quando combinam as duas técnicas.


13 ―      A autoridade checa da concorrência não era a única que estava a examinar este caso. No Tribunal de Justiça, algumas partes indicaram que também a autoridade eslovaca da concorrência tinha investigado o cartel controvertido (decisões 2007/KH/1/1/109, de 27 de dezembro de 2007, e 2009/KH/R/2/035, de 14 de agosto de 2009), o que levou igualmente a um processo judicial no Tribunal Regional (Krajský soud) de Bratislava (referência 4 S 232/09).


14 ―      V. a quarta citação no preâmbulo da decisão da Comissão.


15 ―      O pedido de clemência foi apresentado em 3 de março de 2004 pela empresa suíça ABB.


16 ―      A Comissão indica que as inspeções foram realizadas em 11 e 12 de maio de 2004 nas instalações da Areva, da Siemens, da VA Tech e da Hitachi (v. considerando 90 da decisão da Comissão).


17 ―      Decisão da Comissão, de 24 de janeiro de 2007, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° do Tratado que institui a Comunidade Europeia e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/38.899 ― Mecanismos de comutação isolados a gás), notificada com o número C(2006) 6762 final, cuja síntese foi publicada no JO 2008, C 5, p. 7; o texto integral desta decisão está disponível na Internet, na versão não confidencial, apenas em inglês, em:


      < http://ec.europa.eu/competition/antitrust/cases/index.html >


18 ―      A Comissão qualifica este comportamento de «single and continuous infringement» (considerandos 270 e 299 da decisão da Comissão); a infração constatada ao artigo 53.° do Acordo EEE refere‑se apenas ao período a contar de 1 de janeiro de 1994, o dia da entrada em vigor do Acordo EEE (v. considerandos 2 e 322 da decisão da Comissão).


19 ―      Considerandos 3, 218 e 248 da decisão da Comissão.


20 ―      Na sua decisão, a Comissão revelou a existência de um acordo geral, nos termos do qual as empresas japonesas não operavam no mercado europeu e as empresas europeias não operavam no mercado japonês.


21 ―      Trata‑se da ABB Ltd.


22 ―      V., a este respeito, também o comunicado de imprensa IP/07/80 da Comissão, de 24 de janeiro de 2007.


23 ―      O acórdão do Tribunal Geral de 3 de março de 2011, Siemens/Comissão (T‑110/07, Colet., p. II‑477) negou provimento, na íntegra, ao recurso de anulação interposto pela empresa alemã Siemens AG da decisão da Comissão. Os recursos de anulação interpostos pela Siemens AG Österreich e o. tiveram algum êxito, relativamente à duração da infração constatada e ao montante das coimas; v. acórdão do Tribunal Geral de 3 de março de 2011, Siemens e o./Comissão (T‑122/07 a T‑124/07, Colet., p. II‑793). Os recursos de anulação interpostos pela Areva e o. obtiveram também apenas sucesso parcial e conduziram a uma certa redução das coimas impostas; v. acórdão do Tribunal Geral de 3 de março de 2011, Areva e o./Comissão (T‑117/07 e T‑121/07, Colet., p. II‑633). Todos os acórdãos referidos são atualmente objeto de recursos no Tribunal de Justiça; v. processos Comissão/Siemens Österreich e o. (C‑231/11 P), Siemens Transmission & Distribution/Comissão (C‑232/11 P), Siemens Transmission & Distribution/Comissão (C‑233/11 P), Siemens/Comissão (C‑239/11 P), Areva/Comissão e o. (C‑247/11 P) e Alstom e o./Comissão (C‑253/11 P). Alguns recursos de anulação que, à data da audiência no presente processo prejudicial, ainda estavam pendentes no Tribunal de Justiça tiveram êxito, outros não; v. acórdãos do Tribunal Geral de 12 de julho de 2011, Hitachi e o./Comissão (T‑112/07, Colet., p. II‑3871); Toshiba/Comissão (T‑113/07, Colet., p. II‑3989); Fuji Electric/Comissão (T‑132/07, Colet., p. II‑4091); e Mitsubishi Electric/Comissão (T‑133/07, Colet., p. II‑4219).


24 ―      Referência S 222/06‑3113/2007/710.


25 ―      Referência R 059‑070, 075‑078/2007/01‑08115/2007/310.


26 ―      Relativamente ao período anterior a 30 de junho de 2001, foi constatada uma infração ao artigo 3.°, n.° 1, da Lei n.° 63/1991, para o período compreendido entre 1 de julho de 1991 e 3 de março de 2004, uma infração ao artigo 3.°, n.° 1, da Lei n.° 143/2001.


27 ―      Trata‑se, mais uma vez, da ABB Ltd.


28 ―      A coima individual mais elevada foi de 107 248 000 CZK.


29 ―      Krajský soud v Brně.


30 ―      Referência 62 Ca 22/2007‑489.


31 ―      Nejvyšší správní soud.


32 ―      Acórdão já referido na nota 3.


33 ―      Referência Afs 93/2008‑920.


34 ―      § 110, n.° 3, da Lei n.° 150/2002 Sb. relativa ao procedimento administrativo (Zákon č. 150/2002 Sb., soudní řád správní).


35 ―      Referência 62 Ca 22/2007‑124.


36 ―      As sociedades Fuji Electric Holdings Co. e Fuji Electric Systems Co. Ltd. apresentaram em conjunto as suas observações escritas e orais.


37 ―      As sociedades Hitachi Ltd., Hitachi Europe Ltd. e Japan AE Power Systems Corporation apresentaram em conjunto as suas observações escritas e orais.


38 ―      A sociedade alemã Siemens AG foi a única a apresentar uma petição; esta sociedade e as sociedades Siemens Transmission & Distribution SA e Nuova Magrini Galileo SA foram representadas em conjunto na audiência.


39 ―      Em inglês: European Competition Network («ECN»).


40 ―      Acórdão de 10 de janeiro de 2006, Ynos (C‑302/04, Colet., p. I‑371, n.os 35 a 37); no mesmo sentido, por último, despacho de 11 de maio de 2011, Semerdzhiev (C‑32/10, n.° 25).


41 ―      V., a este respeito n.° 30 das presentes conclusões.


42 ―      Acórdão de 5 de Outubro de 2010, Elchinov (C‑173/09, Colet., p. I‑8889, em especial n.os 24, 25, 27, 30 e 32).


43 ―      Assinado em 2 de outubro de 1997, tendo entrado em vigor em 1 de maio de 1999.


44 ―      O órgão jurisdicional de reenvio e algumas partes já se pronunciaram no âmbito desta primeira questão prejudicial sobre o artigo 11.°, n.° 6, do Regulamento n.° 1/2003, bem como sobre o princípio ne bis in idem. Contudo, penso que não é necessário abordar aqui estes dois aspetos, e limito‑me por isso a remeter para as considerações que teci a propósito da segunda questão prejudicial (v. infra, n.os 69 a 147 das presentes conclusões).


45 ―      A classificação como infração única e continuada está subjacente quer à decisão da Comissão quer à decisão da autoridade checa da concorrência. Na medida em que o Supremo Tribunal Administrativo checo entende existirem duas violações separadas às regras de concorrência, consoante esteja em causa o período anterior ou posterior a 1 de maio de 2004, penso que se trata de uma apreciação jurídica diferente de factos que, efetivamente, constituem uma unidade.


46 ―      Neste sentido, acórdãos de 10 de fevereiro de 1982, Bout (21/81, Colet., p. 381, n.° 13); de 22 de dezembro de 2010, Bayerischer Brauerbund (C‑120/08, Colet., p. I‑13393, n.os 40 e 41); e de 24 de março de 2011, ISD Polska e o. (C‑369/09 P, Colet., p. I‑2011, n.° 98).


47 ―      Acórdãos de 12 de novembro de 1981, Meridionale Industria Salumi e o. (212/80 a 217/80, Colet., p. 2735, n.° 9); de 7 de setembro de 1999, De Haan (C‑61/98, Colet., p. I‑5003, n.° 13); e de 14 de fevereiro de 2008, Varec (C‑450/06, Colet., p. I‑581, n.° 27).


48 ―      Quanto à qualificação do artigo 11.°, n.° 6, do Regulamento n.° 1/2003 como norma processual v. infra, n.° 73 das presentes conclusões.


49 ―      Acórdão Bayerischer Brauerbund (já referido na nota 46, n.° 41).


50 ―      Acórdãos de 5 de dezembro de 1973, Sopad (143/73, Colet., p. 543, n.° 8); de 29 de janeiro de 2002, Pokrzeptowicz‑Meyer (C‑162/00, Colet., p. I‑1049, n.° 50); de 6 de julho de 2010, Monsanto Technology (C‑428/08, Colet., p. I‑6765, n.° 66); e Bayerischer Brauerbund (já referido na nota 46, n.° 41).


51 ―      Basta que o cartel seja suscetível de produzir tais efeitos (acórdão de 4 de junho de 2009, T‑Mobile Netherlands e o., C‑8/08, Colet., p. I‑4529, n.os 38, 39 e 43; no mesmo sentido, acórdãos de 20 de novembro de 2008, Beef Industry Development Society e Barry Brothers, C‑209/07, Colet., p. I‑8637, em especial n.os 16 e 17; e de 6 de outubro de 2009, GlaxoSmithKline Services/Comissão (C‑501/06 P, C‑513/06 P, C‑515/06 P e C‑519/06 P, Colet., p. I‑9291, n.os 55 e 63).


52 ―      No mesmo sentido, acórdão de 18 de fevereiro de 1971, Sirena (40/70, Colet., p. 13, n.° 12), relativo ao artigo 85.° do Tratado CEE.


53 ―      Acórdãos Bout (já referido na nota 46, n.° 13); Salumi (já referido na nota 47, n.° 9); Pokrzeptowicz‑Meyer (já referido na nota 50, n.° 49); Bayerischer Brauerbund (já referido na nota 46, n.° 40); e ISD Polska e o. (já referido na nota 46, n.° 98).


54 ―      V., a este respeito, por último, as minhas conclusões de 14 de abril de 2011 nos dois processos Solvay/Comissão (C‑109/10 P, pendente perante o Tribunal de Justiça, n.° 329, e C‑110/10 P, pendente perante o Tribunal de Justiça, n.° 170), e outras referências aí citadas.


55 ―      Isto é reconhecido pela própria Hitachi nas suas observações escritas.


56 ―      § 3, n.os 1 e 2, da Lei de defesa da concorrência, primeiro na versão da Lei n.° 63/1991 Sb., e depois na versão da Lei n.° 143/2001 Sb.


57 ―      Acordo europeu que cria uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a República Checa, por outro (JO 1994, L 360, p. 2), assinado no Luxemburgo, em 4 de outubro de 1993, e que entrou em vigor em 1 de fevereiro de 1995.


58 ―      Nos termos do seu artigo 45.°, segundo parágrafo, o Regulamento n.° 1/2003 é aplicável a partir de 1 de maio de 2004.


59 ―      Acórdão Walt Wilhelm (já referido na nota 3, n.os 4 e 6).


60 ―      Acórdãos de 3 de maio de 2005, Berlusconi e o. (C‑387/02, C‑391/02 e C‑403/02, Colet., p. I‑3565, n.os 68 e 69); de 11 de março de 2008, Jager (C‑420/06, Colet., p. I‑1315, n.° 59); e de 28 de abril de 2011, El Dridi (C‑61/11 PPU, Colet., p. I‑3015, n.° 61).


61 ―      Respeitando, evidentemente, os princípios gerais do direito da União, em especial o princípio da proporcionalidade.


62 ―      V., a este respeito, as minhas conclusões de 14 de outubro de 2004 no processo Berlusconi e o. (acórdão já referido na nota 60, n.os 159 e 160).


63 ―      V., a este respeito, as minhas conclusões de 14 de outubro de 2004 no processo Berlusconi e o. (acórdão já referido na nota 60, n.° 161).


64 ―      V., a este respeito, infra, n.os 69 a 147 das presentes conclusões.


65 ―      Acórdão de 17 de outubro de 1989, Dow Chemical Ibérica e o./Comissão («Dow Chemical Ibérica», 97/87 a 99/87, Colet., p. 3165, em especial n.os 62 e 63).


66 ―      V. n.os 42 e 44 das presentes conclusões.


67 ―      Nas suas conclusões de 21 de fevereiro de 1989 no processo Hoechst/Comissão (46/87 e 227/88, Colet., pp. 2859, 2875), conexo com o processo Dow Chemical Ibérica, o advogado‑geral J. Mischo assinala que as recorrentes no processo Dow Chemical Ibérica não punham em dúvida a competência da Comissão para aplicar sanções a comportamentos seus anteriores à adesão, na medida em que tinham produzido ou produziam efeitos anticoncorrenciais no interior do mercado comum (n.° 213). O advogado‑geral nota ainda que as investigações levadas a cabo pela Comissão junto de sociedades espanholas depois da adesão da Espanha podem também servir para carrear provas contra empresas com sede noutros Estados‑Membros (n.° 215). O advogado‑geral acrescenta que as investigações, por sua própria natureza, apenas se podem reportar a factos passados, mesmo que o comportamento em causa continue no presente (n.° 216).


68 ―      Conclusões do advogado‑geral L. A. Geelhoed de 29 de junho de 2006 no processo Asnef‑Equifax e Administración del Estado (C‑238/05, Colet., p. I‑11125, n.os 28 e 29).


69 ―      V. n.os 42 e 44 das presentes conclusões.


70 ―      No n.° 29 das suas conclusões (já referidas na nota 68) o advogado‑geral L. A. Geelhoed assinala que «a situação atual [se rege]» pelo artigo 3.° do Regulamento n.° 1/2003. Quanto aos efeitos futuros, o advogado-geral assinala que a decisão a tomar (respeitando o artigo 3.° do Regulamento n.° 1/2003) «terá impacto no funcionamento do registo proposto».


71 ―      Acórdãos de 26 de setembro de 1996, Data Delecta e Forsberg (C‑43/95, Colet., p. I‑4661); de 2 de outubro de 1997, Saldanha e MTS (C‑122/96, Colet., p. I‑5325, n.° 14); de 1 de junho de 1999, Konle (C‑302/97, Colet., p. I‑3099); de 7 de setembro de 1999, Beck e Bergdorf (C‑355/97, Colet., p. I‑4977); de 30 de novembro de 2000, Österreichischer Gewerkschaftsbund (C‑195/98, Colet., p. I‑10497, n.° 55); e de 11 de janeiro de 2001, Stefan (C‑464/98, Colet., p. I‑173, n.° 21).


72 ―      Acórdão Saldanha e MTS (já referido na nota 71, n.° 14, o sublinhado é meu); no mesmo sentido, mais recentemente, acórdão de 12 de maio de 2011, Runevič‑Vardyn e Wardyn (C‑391/09, Colet., p. I‑3787, n.° 53), quanto ao princípio da não discriminação de cidadãos da União; v. ainda o acórdão anterior Stefan (já referido na nota 71), nos termos do qual o artigo 73.°‑B do Tratado CE (atual artigo 63.° TFUE) não era aplicável na Áustria antes da data da adesão (n.° 22) e um negócio jurídico já nulo não podia ser sanado em virtude desta disposição (n.° 25).


73 ―      JO 2003, L 236, p. 344.


74 ―      V., a este respeito, supra, n.° 42 das presentes conclusões.


75 ―      O dia 1 de maio de 2004 é não apenas a data da adesão da República Checa e de nove outros Estados‑Membros à União Europeia, mas também o dia a partir do qual o Regulamento n.° 1/2003 é aplicável, nos termos do seu artigo 45.°, segundo parágrafo.


76 ―      Figuram entre estes procedimentos nos termos do capítulo III, em especial, os relativos à verificação e cessação de infrações aos artigos 81.° CE e 82.° CE, atualmente artigos 101.° TFUE e 102.° TFUE (artigo 7.° do Regulamento n.° 1/2003), no fim dos quais também podem ser aplicadas coimas (artigo 23.° do Regulamento n.° 1/2003).


77 ―      Considerando 17, primeiro período, do Regulamento n.° 1/2003.


78 ―      O início de um procedimento implica um ato de autoridade da Comissão, que evidencia a sua intenção de tomar uma decisão nos termos do capítulo III do Regulamento n.° 1/2003 (neste sentido ― relativamente à situação jurídica anterior ― acórdão de 6 de fevereiro de 1973, Brasserie de Haecht, 48/72, Colet., p. 19, n.° 16). No presente caso, este ato foi adotado em 20 de abril de 2006 (v. supra, n.° 19 destas conclusões). Contrariamente ao entendimento de algumas partes, as medidas de instrução adotadas previamente não equivalem a uma instauração formal do processo.


79 ―      Nos termos do n.° 51 da Comunicação sobre a rede, as autoridades nacionais da concorrência são privadas da competência para aplicarem os artigos 81.° CE e 82.° CE, o que significa que as autoridades nacionais já não podem atuar ao abrigo da mesma base jurídica. O n.° 53 da Comunicação sobre a rede acrescenta que, logo que a Comissão dê início a um processo, as autoridades nacionais da concorrência deixam de poder iniciar o seu próprio processo para aplicar osartigos 81.° CE e 82.° CE.


80 ―      V., neste sentido, a jurisprudência assente, por exemplo acórdãos de 17 de novembro de 1983, Merck (292/82, Recueil, p. 3781, n.° 12); de 19 de novembro de 2009, Sturgeon e o. (C‑402/07 e C‑432/07, Colet., p. I‑10923, n.° 41); e de 7 de outubro de 2010, Lassal (C‑162/09, Colet., p. I‑9217, n.° 49).


81 ―      Acórdão de 3 de maio de 2011, Tele2 Polska (C‑375/09, Colet., p. I‑3055, n.° 33).


82 ―      As partes do direito nacional da concorrência que continuam a ser aplicáveis são referidas no artigo 3.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 1/2003, que é explicado mais detalhadamente nos considerandos 8 e 9 deste regulamento.


83 ―      A seguir, limitar‑me‑ei a expor a relação entre o artigo 81.° CE (artigo 101.° TFUE) e as correspondentes normas nacionais. No presente processo, não há que examinar especificamente o artigo 82.° CE (artigo 102.° TFUE).


84 ―      Se, por exemplo, a Comissão rejeitar uma denúncia de terceiros por falta de interesse da União, as autoridades nacionais da concorrência continuam a ter a possibilidade de examinar esse caso e de lhe aplicar os artigos 81.° CE e 82.° CE (atualmente artigos 101.° TFUE e 102.° TFUE), bem como eventualmente o seu direito nacional antitrust, devendo observar o artigo 3.° do Regulamento n.° 1/2003.


85 ―      Acórdãos Walt Wilhelm (já referido na nota 3, n.° 3, último período); de 9 de setembro de 2003, Milk Marque e National Farmers’ Union (C‑137/00, Colet., p. I‑7975, n.° 61); e de 13 de julho de 2006, Manfredi e o. (C‑295/04 a C‑298/04, Colet., p. I‑6619, n.° 38).


86 ―      Nos termos da proposta inicial da Comissão, o artigo 3.° do Regulamento n.° 1/2003 devia ter o seguinte teor: «Sempre que um acordo, uma decisão de associação de empresas ou uma prática concertada, na aceção do artigo [81.° CE] ou a exploração abusiva de uma posição dominante, na aceção do artigo [82.° CE], sejam suscetíveis de afetar o comércio entre Estados‑Membros é aplicável o direito [da concorrência da União] com exclusão dos direitos nacionais da concorrência» [Proposta COM(2000) 582 final, JO 2000, C 365 E, p. 284].


87 ―      V., neste sentido, o considerando 9, primeiro período, do Regulamento n.° 1/2003, que fala de «proteger a concorrência no mercado».


88 ―      Acórdão Walt Wilhelm (já referido na nota 3, n.° 3); v. ainda acórdãos de 10 de julho de 1980, Giry e Guerlain e o. (253/78 e 1/79 a 3/79, Colet., p. 2327, n.° 15); de 16 de julho de 1992, Asociación Española de Banca Privada e o. (C‑67/91, Colet., p. I‑4785, n.os 11); de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, Colet., p. I‑7791, n.° 19); Milk Marque e National Farmers’ Union (já referido na nota 85, n.° 61); e Manfredi e o. (já referido na nota 85, n.° 38).


89 ―      Acórdão de 1 de outubro de 2009, Compañía Española de Comercialización de Aceite (C‑505/07, Colet., p. I‑8963, n.° 52).


90 ―      O acórdão Manfredi e o. (já referido na nota 85, n.° 38), no qual o Tribunal de Justiça confirmou de novo a jurisprudência Walt Wilhelm, foi proferido após a entrada em vigor do Regulamento n.° 1/2003, embora relativamente a factos anteriores a essa reforma. O advogado‑geral L. A. Geelhoed parece defender, nas suas conclusões de 19 de janeiro de 2006 no processo SGL Carbon/Comissão (C‑308/04 P, Colet., p. I‑5977, n.° 23), um entendimento diferente quanto à manutenção da validade da jurisprudência Walt Wilhelm; contudo, trata‑se de uma observação feita numa nota de pé de página, sem fundamentação mais detalhada.


91 ―      Nos n.os 12 e 14 da Comunicação sobre a rede, parte‑se do princípio de que até três autoridades nacionais da concorrência podem examinar simultaneamente o mesmo caso.


92 ―      Na âmbito do controlo europeu de concentrações, o direito nacional é sempre afastado quando o direito da União é aplicável, além de que o direito da União só pode ser aplicado pela Comissão (princípio da dupla exclusividade); v., a este respeito, artigo 21.°, n.os 2 e 3, do Regulamento (CE) n.° 139/2004 do Conselho, de 20 de janeiro de 2004, relativo ao controlo das concentrações de empresas («Regulamento das concentrações comunitárias») (JO L 24, p. 1).


93 ―      Considerandos 8, 17 e 22 do Regulamento n.° 1/2003; v., também, acórdãos de 7 de dezembro de 2010, VEBIC (C‑439/08, Colet., p. I‑12471, n.° 19), e de 14 de junho de 2011, Pfleiderer (C‑360/09, Colet., p. I‑5161, n.° 19).


94 ―      Considerando 15 do Regulamento n.° 1/2003, também o considerando 8, primeiro período, e o considerando 17. V., ainda, acórdãos de 11 de junho de 2009, X (C‑429/07, Colet., p. I‑4833, n.os 20 e 21), e Tele2 Polska (já referido na nota 81, n.° 26), nos quais é igualmente assinalado que o Regulamento n.° 1/2003 criou um mecanismo de cooperação entre a Comissão e as autoridades nacionais da concorrência, derivado do princípio geral da cooperação leal, para garantir uma aplicação coerente das regras de concorrência nos Estados‑Membros.


95 ―      Deste modo, o artigo 16.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 limita‑se a codificar uma jurisprudência já existente; v. acórdãos de 28 de fevereiro de 1991, Delimitis (C‑234/89, Colet., p. I‑935, n.° 47); e de 29 de abril de 2004, IMS Health (C‑418/01, Colet., p. I‑5039, n.° 19).


96 ―      A interpretação de uma disposição não pode ter por resultado privar de qualquer efeito útil a letra clara e precisa dessa disposição (acórdãos de 26 de outubro de 2006, Comunidade Europeia, C‑199/05, Colet., p. I‑10485, n.° 42, e de 22 de março de 2007, Comissão/Bélgica, C‑437/04, Colet., p. I‑2513, n.° 56 in fine).


97 ―      Como resulta do considerando 14 do Regulamento n.° 1/2003, as decisões nos termos do artigo 10.° deste regulamento são tomadas só «[e]m casos excecionais, quando o interesse público [da União] o exija».


98 ―      Considerando 34 do Regulamento n.° 1/2003.


99 ―      V. os considerandos 8 e 34 do Regulamento n.° 1/2003 bem como, a título complementar, os seus considerandos 1, 5 e 6.


100 ―      Considerandos 17 e 22 do Regulamento n.° 1/2003.


101 ―      V., a este respeito, o artigo 16.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, já referido.


102 ―      V., a este respeito, as considerações que teci sobre a primeira questão prejudicial (n.os 37 a 68 das presentes conclusões).


103 ―      Considerando 8 do Regulamento n.° 1/2003.


104 ―      Considerando 9, primeiro período, do Regulamento n.° 1/2003 (no mesmo sentido também o considerando 25).


105 ―      Jurisprudência assente; v. acórdãos de 5 de maio de 1966 Gutmann/Comissão da CEEA (18/65 e 35/65, Recueil, p. 149, Colet. 1965‑1968, p. 325), de 15 de outubro de 2002, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão (C‑238/99 P, C‑244/99 P, C‑245/99 P, C‑247/99 P, C‑250/99 P a C‑252/99 P e C‑254/99 P, Colet., p. I‑8375, n.° 59); e de 29 de junho de 2006, Showa Denko/Comissão (C‑289/04 P, Colet., p. I‑5859, n.° 50).


106 ―      V. a anotação ao artigo 50.° da Carta dos Direitos Fundamentais (JO 2007, C 303, pp. 17 [31]). Os elementos transfronteiriços da proibição da dupla punição, consagrada no direito da União, resultam de maneira particularmente clara do artigo 54.° CAAS (v., a este respeito, por exemplo, o acórdão de 11 de dezembro de 2008, Bourquain, C‑297/07, Colet., p. I‑9425).


107 ―      Quanto ao caráter quase penal, v. as referências feitas na nota 54.


108 ―      Jurisprudência assente; v. acórdãos LVM (já referido na nota 105, n.° 59); de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão (C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colet., p. I‑123, n.os 338 a 340); e Showa Denko (já referido na nota 105, n.° 50).


109 ―      Quanto à interpretação do artigo 51.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais v., em especial, as conclusões do advogado‑geral Y. Bot de 5 de abril de 2011 no processo pendente Scattolon (C‑108/10, n.os 116 a 120).


110 ―      V. n.os 42 e 44 das presentes conclusões.


111 ―      Considerando 15 do Regulamento n.° 1/2003.


112 ―      V., a este respeito, por exemplo, o Livro Verde sobre os conflitos de competência e o princípio ne bis in idem no âmbito dos procedimentos penais, apresentado pela Comissão em 23 de dezembro de 2005, [COM(2005) 696 final], em especial as observações preliminares na secção 1 («Contexto»).


113 ―      Só após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, em 1 de dezembro de 2009, é que a Carta dos Direitos Fundamentais tem o mesmo valor jurídico que os Tratados (artigo 6.°, n.° 1, primeiro parágrafo, TUE).


114 ―      V., por exemplo, acórdãos de 13 de março de 2007, Unibet (C‑432/05, Colet., p. I‑2271, n.° 37); e de 27 de junho de 2006, Parlamento/Conselho (C‑540/03, Colet., p. I‑5769, n.° 38); também as minhas conclusões de 8 de setembro de 2005 no processo Parlamento/Conselho (C‑540/03, n.° 108); e de 29 de abril de 2010 no processo Akzo Nobel Chemicals e Akcros Chemicals/Comissão e o. (C‑550/07 P, Colet., p. I‑8301, n.° 36).


115 ―      Considerando 37 do Regulamento n.° 1/2003.


116 ―      Neste sentido, acórdão de 9 de março de 2006, Van Esbroeck (C‑436/04, Colet., p. I‑2333, n.os 21 a 24).


117 ―      Acórdão LVM (já referido na nota 105, n.° 59).


118 ―      Acórdão Aalborg Portland (já referido na nota 108, n.° 338).


119 ―      Ibidem.


120 ―      Acórdãos Showa Denko (já referido na nota 105, em especial, n.os 52 a 56); de 29 de junho de 2006, SGL Carbon/Comissão (C‑308/04 P, Colet., p. I‑5977, n.os 28 a 32); e de 10 de maio de 2007, SGL Carbon/Comissão (C‑328/05 P, Colet., p. I‑3921, n.os 24 a 30).


121 ―      Acórdão Gutmann/Comissão da CEEA (já referido na nota 105, p. 178).


122 ―      Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen («CAAS») assinado em Schengen a 19 de junho de 1990 (JO 2000, L 239, p. 19).


123 ―      Decisão‑quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros (JO L 190, p. 1).


124 ―      Acórdão Van Esbroeck (já referido na nota 116, n.° 32).


125 ―      Acórdãos Van Esbroeck (já referido na nota 116, n.os 27, 32 e 36); de 28 de setembro de 2006, Gasparini e o. (C‑467/04, Colet., p. I‑9199, n.° 54); de 28 de setembro de 2006, Van Straaten (C‑150/05, Colet., p. I‑9327, n.os 41, 47 e 48); de 18 de julho de 2007, Kraaijenbrink (C‑367/05, Colet., p. I‑6619, n.os 26 e 28); e de 16 de novembro de 2010, Mantello (C‑261/09, Colet., p. I‑11477, n.° 39).


126 ―      Neste sentido, também, as conclusões da advogada‑geral E. Sharpston de 15 de junho de 2006 no processo Gasparini e o. (já referido na nota 125, n.° 156).


127 ―      Acórdão Van Esbroeck (já referido na nota 116, n.os 33 a 35); v., ainda, acórdãos referidos na nota 125, Gasparini e o. (n.° 27) e Van Straaten (n.os 45 a 47, 57 e 58); bem como o acórdão de 18 de julho de 2007, Kretzinger (C‑288/05, Colet., p. I‑6441, n.° 33).


128 ―      Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais («CEDH», assinada em Roma em 4 de novembro de 1950).


129 ―      Quatro Estados‑Membros da União Europeia (a Bélgica, a Alemanha, os Países Baixos e o Reino Unido) ainda não ratificaram o Protocolo n.° 7 da CEDH.


130 ―      Artigo 6.°, n.° 1, terceiro parágrafo, TUE, e artigo 52.°, n.° 7, da Carta dos Direitos Fundamentais.


131 ―      Acórdãos LVM (já referido na nota 105, n.° 59), e Showa Denko (já referido na nota 105, n.° 50).


132 ―      Artigo 6.°, n.° 1, terceiro parágrafo, TUE, e artigo 52.°, n.° 3, primeiro período, da Carta dos Direitos Fundamentais.


133 ―      TEDH, acórdão Zolotukhin c. Rússia (Grande Secção) de 10 de fevereiro de 2009 (processo n.° 14939/03, Recueil des arrêts et décisions, § 82): «[…] l’article 4 du Protocole n.° 7 doit être compris comme interdisant de poursuivre ou de juger une personne pour une seconde ‘infraction’ pour autant que celle‑ci a pour origine des faits identiques ou des faits qui sont en substance les mêmes.»


134 ―      TEDH, acórdão Zolotukhin c. Rússia (já referido na nota 133, § 81).


135 ―      O TEDH refere‑se em especial aos acórdãos Van Esbroeck (já referido na nota 116) e Kraaijenbrink (já referido na nota 125), que reproduz parcialmente no seu acórdão Zolotukhin c. Rússia (já referido na nota 133, §§ 37 e 38).


136 ―      No seu acórdão Jussila c. Finlândia (Grande Secção) de 23 de novembro de 2006 (processo n.° 73053/01, Recueil des arrêts et décisions 2006‑XIV, § 43), relativo ao artigo 6.° da CEDH, o TEDH não inclui o direito da concorrência nas categorias tradicionais do direito penal e parte do princípio de que, fora do «núcleo duro» do direito penal, as garantias penais resultantes do artigo 6.°, n.° 1, da CEDH não são necessariamente aplicáveis com todo o seu rigor. No acórdão Zolotukhin c. Rússia (já referido na nota 133) não se encontram, porém, considerações comparáveis, sugerindo que o direito da concorrência ocupa também uma posição particular quanto ao princípio ne bis in idem.


137 ―      No acórdão Zolotukhin c. Rússia (já referido na nota 133, § 36) é reproduzida a passagem do acórdão Aalborg Portland (já referido na nota 108, n.° 338), respeitante à identidade do bem jurídico protegido.


138 ―      O TEDH reconhece igualmente a exigência da identidade do infrator no acórdão Zolotukhin c. Rússia (já referido na nota 133, § 84). Alude aí ao «conjunto das circunstâncias concretas, relativas ao mesmo infrator e indissociavelmente ligadas entre si no tempo e no espaço» («un ensemble de circonstances factuelles concrètes impliquant le même contrevenant et indissociablement liées entre elles dans le temps et l’espace»); o sublinhado é meu.


139 ―      V., a este respeito, infra, n.os 125 a 134 das presentes conclusões, em especial n.os 131 a 133.


140 ―      V., a este respeito, supra, n.° 20 das presentes conclusões.


141 ―      V., a este respeito, supra, n.os 23 e 24 das presentes conclusões.


142 ―      Neste contexto, «território» não significa o mercado geograficamente relevante para os fins da análise da concorrência, mas sim o território no qual o comportamento visado tem por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência.


143 ―      Acórdão de 14 de dezembro de 1972, Boehringer/Comissão (7/72, Colet., p. 447, n.° 6); no mesmo sentido, acórdão de 27 de setembro de 1988, Ahlström Osakeyhtiö e o./Comissão (89/85, 104/85, 114/85, 116/85, 117/85 e 125/85 a 129/85, Colet., p. 5193, n.° 16).


144 ―      Neste sentido é também possível entender o acórdão de 18 de maio de 2006, Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão («Archer Daniels Midland», C‑397/03 P, Colet., p. I‑4429, n.os 68 e 69, em conjugação com o n.° 64). Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça salienta que «não há identidade dos factos» (n.° 69), quando as sanções da aplicação ou dos efeitos de um cartel são aplicadas em «mercados» (n.° 69) ou «territórios» (n.° 66) diferentes; nesse caso tratava‑se, por um lado, do território de um Estado terceiro e, por outro, do território da Comunidade Europeia existente nessa data.


145 ―      Neste sentido, acórdão Showa Denko (já referido na nota 105, n.° 54).


146 ―      V., de novo, acórdão Archer Daniels Midland (já referido na nota 144, n.os 68 e 69).


147 ―      Jurisprudência assente; v., por exemplo, acórdãos de 15 de novembro de 1979, Denkavit Futtermittel (36/79, Colet., p. 3439, n.° 12); de 19 de janeiro de 2006, Bouanich (C‑265/04, Colet., p. I‑923, n.° 54); bem como de 8 de setembro de 2010, Winner Wetten (C‑409/06, Colet., p. I‑8015, n.° 41); e Stoß e o. (C‑316/07, C‑358/07, C‑359/07, C‑360/07, C‑409/07 e C‑410/07, Colet., p. I‑8069, n.° 62).


148 ―      Jurisprudência assente; v. acórdãos de 1 de julho de 2008, MOTOE (C‑49/07, Colet., p. I‑4863, n.° 30), de 11 de setembro de 2008, CEPSA (C‑279/06, Colet., p. I‑6681, n.° 31), e de 2 de dezembro de 2009, Aventis Pasteur (C‑358/08, Colet., p. I‑11305, n.° 50).


149 ―      Assim, no considerando 478 da sua decisão, por exemplo, a Comissão nota que a infração afetou «pelo menos a totalidade do território do EEE» («the infringement covered at least the whole territory of the EEA»).


150 ―      V., por exemplo, os considerandos 2, 218, 248 e 300 da decisão da Comissão; v. ainda o artigo 1.° da decisão da Comissão, onde é qualificada como infração a participação em acordos ou práticas concertadas no EEE.


151 ―      Considerando 218 da decisão da Comissão; no mesmo sentido, os considerandos 321 e 322.


152 ―      V., em especial, os considerandos 478, 481 e 482 da decisão da Comissão.


153 ―      Acórdão Archer Daniels Midland (já referido na nota 144, n.os 73 e 74).


154 ―      Considerando 478 da decisão da Comissão.


155 ―      Neste sentido, acórdão de 9 de março de 2006, Comissão/Reino Unido (C‑65/04, Colet., p. I‑2239, n.° 27).


156 ―      V., a este respeito, as considerações que teci sobre a primeira questão prejudicial (n.os 37 a 68 das presentes conclusões); no mesmo sentido, acórdão do Tribunal Geral de 28 de abril de 2010, Gütermann/Comissão (T‑456/05 e T‑457/05, Colet., p. II‑1443, n.° 40).


157 ―      Acórdão Sturgeon e o. (já referido na nota 80, n.° 47); no mesmo sentido, acórdão de 4 de outubro de 2001, Itália/Comissão (C‑403/99, Colet., p. I‑6883, n.° 37).


158 ―      Acórdãos de 13 de dezembro de 1983, Comissão/Conselho (218/82, Colet., p. 4063, n.° 15); de 29 de junho de 1995, Espanha/Comissão (C‑135/93, Colet., p. I‑1651, n.° 37); e de 26 de junho de 2007, Ordre des barreaux francophones et germanophone e o. (C‑305/05, Colet., p. I‑5305, n.° 28).


159 ―      Se, porém, se vier a apurar que a autoridade checa da concorrência aplicou sanções também relativas ao período posterior a 1 de maio de 2004, existiria um idem apenas nessa medida ― ou seja, apenas para os efeitos anticoncorrenciais do cartel na República Checa após a sua adesão à União Europeia.