Language of document : ECLI:EU:C:2011:806

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

VERICA TRSTENJAK

apresentadas em 6 de dezembro de 2011 (1)

Processo C‑472/10

Nemzeti Fogyasztóvédelmi Hatóság

contra

Invitel Távközlési Zrt.

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Pest Megyei Bíróság (Hungria)]

«Defesa do consumidor ― Diretiva 93/13/CEE ― Artigo 3.°, n.° 1, em conjugação com os n.os 1, alínea j), e 2, alínea d), do anexo ― Artigos 6.° e 7.° ― Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores ― Cláusula que autoriza o profissional a prever uma alteração unilateral dos termos do contrato, sem motivo válido e sem descrever expressamente o processo de variação do preço ― Caráter abusivo da cláusula ― Efeitos jurídicos que decorrem da constatação do caráter abusivo da cláusula no âmbito de uma ação de interesse público ― Actio popularis ― Efeito erga omnes de acórdãos declarativos nacionais»





I ―    Introdução

1.        O presente processo tem origem num pedido de decisão prejudicial do Pest Megyei Bíróság húngaro (a seguir «órgão jurisdicional de reenvio») nos termos do artigo 267.° TFUE, através do qual este submeteu ao Tribunal de Justiça uma série de questões relativas à interpretação da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (2). O presente processo oferece ao Tribunal de Justiça a oportunidade de, através do exercício das suas competências interpretativas, esclarecer outras questões jurídicas relacionadas com esta diretiva, uma vez que a mesma, apesar de ter permanecido substancialmente inalterada desde a sua adoção, ainda suscita um variado leque de questões jurídicas não só de ordem material mas também processual, como o demonstra o número considerável de pedidos de decisão prejudicial a este respeito. Importa referir, neste contexto, que, com a Diretiva 2011/83/UE (3), relativa aos direitos dos consumidores, que foi adotada pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho em 25 de outubro de 2011, e que se baseia no princípio de uma harmonização plena das disposições nacionais relativas à defesa do consumidor, a Diretiva 93/13 apenas sofreu alterações pontuais, alterações essas que não influenciam a resolução das questões jurídicas aqui suscitadas.

2.        O pedido de decisão prejudicial tem origem num litígio entre o Nemzeti Fogyasztóvédelmi Hatóság (organismo nacional de defesa dos consumidores, a seguir «demandante no processo principal») e a sociedade Invitel Távközlési Zrt. (a seguir «demandada no processo principal») relativo à validade de uma determinada cláusula contratual que a demandada no processo principal aplica habitualmente nos seus contratos com clientes, integrada nas condições contratuais gerais (a seguir «CCG»), e que lhe confere o direito de faturar a posteriori aos clientes determinados custos e despesas relativos a diferentes serviços cujo método de cálculo não está, no entanto, estabelecido no contrato. O demandante no processo principal, que a partir desta circunstância deduz o caráter abusivo da cláusula contratual, requereu ao órgão jurisdicional de reenvio, por um lado, que a dita cláusula fosse declarada ineficaz e, por outro, que estes custos e despesas lhe fossem restituídos.

3.        A primeira questão prejudicial, que, aliás, inclui duas questões subordinadas, visa, no essencial, obter um esclarecimento do Tribunal de Justiça sobre a forma como o sistema que o legislador da União instituiu através da Diretiva 93/13 com vista à defesa dos consumidores deve estar configurado para alcançar este objetivo. Trata‑se, em especial, de saber que regras a Diretiva 93/13 estabelece em relação à possibilidade de as próprias organizações de defesa dos consumidores impugnarem judicialmente cláusulas abusivas, no interesse dos consumidores. Além disso, coloca‑se a questão de saber que efeito jurídico pode ser atribuído ao acórdão de um órgão jurisdicional nacional que declara o caráter abusivo de uma cláusula contratual, no âmbito do regime jurídico nacional. A segunda questão prejudicial distingue‑se tematicamente das questões acima referidas pelo facto de ter por objeto a eventual qualificação da cláusula controvertida de cláusula «abusiva» na aceção da Diretiva 93/13.

II ― Enquadramento jurídico

A ―    Direito da União

4.        Nos termos do seu artigo 1.°, n.° 1, a Diretiva 93/13 tem por objetivo a aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas às cláusulas abusivas em contratos celebrados entre profissionais e consumidores.

5.        O artigo 3.° da referida diretiva dispõe o seguinte:

«1. Uma cláusula contratual que não tenha sido objeto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa‑fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato.

[…]

3.      O anexo contém uma lista indicativa e não exaustiva de cláusulas que podem ser consideradas abusivas.»

6.        O artigo 4.° da referida diretiva tem o seguinte teor:

«1. Sem prejuízo do artigo 7.°, o caráter abusivo de uma cláusula poderá ser avaliado em função da natureza dos bens ou serviços que sejam objeto do contrato e mediante consideração de todas as circunstâncias que, no momento em que aquele foi celebrado, rodearam a sua celebração, bem como de todas as outras cláusulas do contrato, ou de outro contrato de que este dependa.

2. A avaliação do caráter abusivo das cláusulas não incide nem sobre a definição do objeto principal do contrato nem sobre a adequação entre o preço e a remuneração, por um lado, e os bens ou serviços a fornecer em contrapartida, por outro, desde que essas cláusulas se encontrem redigidas de maneira clara e compreensível.»

7.        O artigo 6.°, n.° 1, da mesma diretiva tem a seguinte redação:

«Os Estados‑Membros estipularão que, nas condições fixadas pelos respetivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor e que o contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas.»

8.        O artigo 7.° da referida diretiva dispõe:

«1. Os Estados‑Membros providenciarão para que, no interesse dos consumidores e dos profissionais concorrentes, existam meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional.

2. Os meios a que se refere o n.° 1 incluirão disposições que habilitem as pessoas ou organizações que, segundo a legislação nacional, têm um interesse legítimo na defesa do consumidor, a recorrer, segundo o direito nacional, aos tribunais ou aos órgãos administrativos competentes para decidir se determinadas cláusulas contratuais, redigidas com vista a uma utilização generalizada, têm ou não um caráter abusivo, e para aplicar os meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização dessas cláusulas.

3. Respeitando a legislação nacional, os recursos previstos no n.° 2 podem ser interpostos, individualmente ou em conjunto, contra vários profissionais do mesmo setor económico ou respetivas associações que utilizem ou recomendem a utilização das mesmas cláusulas contratuais gerais ou de cláusulas semelhantes.»

9.        O artigo 8.° da Diretiva 93/13 dispõe o seguinte:

«Os Estados‑Membros podem adotar ou manter, no domínio regido pela presente diretiva, disposições mais rigorosas, compatíveis com o Tratado, para garantir um nível de proteção mais elevado para o consumidor.»

10.      O anexo desta diretiva contém a lista das cláusulas que podem ser consideradas abusivas nos termos do artigo 3.°, n.° 3:

«1. Cláusulas que têm como objetivo ou como efeito:

[…]

j) Autorizar o profissional a alterar unilateralmente os termos do contrato sem razão válida e especificada no mesmo;

[…]

l) Prever que o preço dos bens seja determinado na data da entrega ou conferir ao vendedor de bens ou ao fornecedor de serviços o direito de aumentar os respetivos preços, sem que em ambos os casos o consumidor disponha, por seu lado, de um direito que lhe permita romper o contrato se o preço final for excessivamente elevado em relação ao preço previsto à data da celebração do contrato;

[…]

2. Alcance das alíneas g), j) e l)

d) A alínea l) não prejudica as cláusulas de indexação de preços, desde que as mesmas sejam lícitas e o processo de variação do preço nelas esteja explicitamente descrito.»

B ―    Direito nacional

11.      Nos termos do artigo 209.°/A, n.° 2, do Código Civil húngaro (Polgári Törvénykönyv, a seguir «Código Civil»), são nulas as cláusulas abusivas que integrem contratos celebrados com os consumidores como condições gerais da contratação, bem como as que o profissional tenha estabelecido de modo unilateral, predeterminado e sem prévia negociação individual.

12.      O artigo 209.°/B, n.° 1, do Código Civil dispõe que a declaração de nulidade, nos termos do artigo 209.°/A, n.° 2, do Código Civil, das cláusulas abusivas que integrem contratos celebrados com os consumidores como condições gerais da contratação previamente formuladas também pode ser requerida ao órgão jurisdicional por uma entidade determinada por norma especial. A declaração de nulidade da cláusula abusiva pelo órgão jurisdicional surte efeitos relativamente a todas as pessoas que sejam cocontratantes de quem aplica a referida cláusula.

13.      Nos termos do artigo 209.°/B, n.° 2, do Código Civil, a entidade, determinada mediante norma especial, também pode solicitar que se declare abusiva uma condição geral da contratação previamente formulada, que tenha sido redigida a fim de celebrar contratos com os consumidores e tenha sido difundida publicamente, embora ainda não tenha sido utilizada. Segundo o disposto no n.° 3 desta mesma disposição, se o órgão jurisdicional declara, no processo indicado no n.° 2, que a condição geral da contratação lesiva é abusiva, declara‑a nula para o caso de vir a ser utilizada (de futuro), com efeitos relativamente a qualquer pessoa que contrate com quem difundiu publicamente a cláusula. Quem utilize a cláusula contratual abusiva deve satisfazer os pedidos que os consumidores formulem com base na decisão judicial. A decisão judicial proíbe a quem difundiu publicamente a disposição contratual abusiva previamente formulada a utilização da mesma.

14.      O artigo 39.°, n.° 1, da Lei CLV de 1997, de defesa do consumidor (a fogyasztóvédelemről szóló 1997. évi CLV. törvény), prevê que, contra as pessoas cuja atividade ilegal afete um grande número de consumidores ou cause um prejuízo relevante, a Direção‑Geral do Consumidor, a entidade social que represente os interesses dos consumidores ou o Ministério Público podem iniciar um processo em defesa dos referidos consumidores ou para efeitos da reparação do prejuízo relevante. Tal processo também pode ser iniciado caso não seja possível identificar pessoalmente os consumidores que tenham sofrido o prejuízo.

15.      O artigo 132.°, n.° 2, alínea c), da Lei C de 2003, sobre comunicações eletrónicas (az elektronikus hírközlésről szóló 2003. évi C. törvény), dispõe que, caso sobrevenha uma alteração substancial das circunstâncias, o prestador de serviços pode modificar unilateralmente os termos do contrato de assinante. O artigo 132.°, n.° 4, desta mesma lei permite ao prestador de serviços determinar unilateralmente em que situações pode alterar as condições gerais da contratação depois de se ter constituído a relação contratual. O legislador não determina os limites legais nem as condições de garantia da referida decisão do prestador de serviços.

16.      Segundo o artigo 132.°, n.° 5, da referida lei, o assinante não pode resolver o contrato se tiver assumido a obrigação de utilizar o serviço durante um período de tempo determinado, tiver assinado o contrato tendo em conta as vantagens daí derivadas e a alteração não afetar as vantagens que tiver obtido. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, esta disposição legal regula, unilateral e infundadamente, os direitos e obrigações contratuais das partes em detrimento do consumidor, de forma quase ilimitada materialmente, com violação das exigências da boa‑fé, das práticas leais em matéria industrial ou comercial e da assunção de riscos.

III ― Matéria de facto, processo principal e questões prejudiciais

17.      Conforme resulta do processo, a demandada no processo principal, na qualidade de empresa de telecomunicações que presta serviços de rede fixa, adotou, em 2008, regras nas suas CCG que têm por objeto os custos do pagamento por vale postal. Estas preveem que, no caso de um pagamento por vale postal, o prestador de serviços pode faturar os custos adicionais daí decorrentes. Todavia, as CCG não estabelecem o método de cálculo desses custos.

18.      Subsequentemente, o demandante no processo principal recebeu inúmeras queixas de consumidores que, em seu entender, denunciavam o caráter abusivo das regras acima referidas. Posteriormente, exigiu à demandada no processo principal, por escrito, que alterasse as suas CCG em conformidade, o que, no entanto, foi veementemente recusado por aquela.

19.      Pela ação intentada junto do órgão jurisdicional de reenvio, com base no artigo 39.°, n.° 1, da lei húngara de defesa do consumidor, o demandante no processo principal pede, por um lado, a declaração do caráter abusivo da cláusula em causa, nos termos do artigo 209.°/B, n.° 1, do Código Civil e, por outro, a restituição imediata e com efeitos retroativos das quantias recebidas pela demandada no processo principal através da cobrança ilegal dos custos decorrentes do pagamento por vale postal.

20.      O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas sobre a interpretação de várias disposições da Diretiva 93/13 e considera que é necessário que o Tribunal de Justiça as interprete para poder proferir uma decisão no processo principal. Por este motivo, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Pode o artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, ser interpretado no sentido de que uma cláusula contratual abusiva não é vinculativa para nenhum consumidor se uma entidade designada legalmente e legitimada para o efeito solicitar, em nome dos consumidores e através de uma ação de interesse público (actio popularis), que seja declarada a nulidade da referida cláusula abusiva que integra um contrato celebrado com os consumidores?

No caso de ser intentada uma ação de interesse público, nas situações em que seja proferida uma condenação que beneficie os consumidores que não sejam parte no processo ou em que seja proibida a aplicação de uma condição geral da contratação abusiva, pode o artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 ser interpretado no sentido de que a referida cláusula abusiva que figura em contratos celebrados com os consumidores não é vinculativa para nenhum dos consumidores afetados, nem mesmo para o futuro, pelo que o órgão jurisdicional deve aplicar oficiosamente as correspondentes consequências jurídicas?

2)      Pode o artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 93/13, em conjugação com os [n.os] 1, alínea j), e 2, alínea d), do anexo aplicável segundo o artigo 3.°, n.° 3, da mesma diretiva, ser interpretado no sentido de que, no caso de o profissional prever uma [alteração] unilateral dos termos do contrato sem descrever expressamente o processo de variação do preço nem especificar razões válidas no contrato, a referida cláusula contratual é abusiva ipso iure?»

IV ― Tramitação processual no Tribunal de Justiça

21.      O pedido de decisão prejudicial, com data de 25 de agosto de 2010, deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 29 de setembro de 2010.

22.      As partes no processo principal, os governos húngaro e espanhol, bem como a Comissão Europeia, apresentaram observações escritas dentro do prazo referido no artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça.

23.      Como nenhum dos interessados requereu a abertura da fase oral do processo, foi possível preparar as conclusões deste processo após a reunião geral do Tribunal de Justiça de 7 de setembro de 2011.

V ―    Principais argumentos das partes interessadas

A ―    Quanto à primeira questão prejudicial

24.      O Governo húngaro refere, remetendo para a jurisprudência do Tribunal de Justiça, que as ações coletivas previstas no artigo 7.° da Diretiva 93/13 têm caráter preventivo, na medida em que visam proibir a utilização de cláusulas abusivas, prejudiciais para os consumidores. Alega que o instrumento da ação pública, ao qual a Diretiva 2009/22/CE também se aplica, visa a proteção dos interesses coletivos dos consumidores, quer sejam ou não partes no processo. Por consequência, os artigos 6.°, n.° 1, e 7.°, n.° 2, da Diretiva 93/13 devem ser interpretados conjuntamente no sentido de que as cláusulas classificadas pelo órgão jurisdicional de reenvio como sendo abusivas não são vinculativas para os consumidores nem podem ser utilizadas no futuro.

25.      O Governo húngaro sustenta que, por um lado, o juiz nacional deve declarar o caráter abusivo de uma cláusula contratual, nos termos da Diretiva 93/13, se necessário, oficiosamente, e, eventualmente, deixá‑la inaplicável, a menos que o consumidor se oponha. Por outro lado, cabe ao juiz nacional determinar as consequências jurídicas de uma declaração do caráter abusivo de uma cláusula contratual no âmbito de uma ação inibitória.

26.      No entender do Governo espanhol, uma cláusula abusiva não é nem será vinculativa para nenhum consumidor quando um organismo competente requeira, através de uma ação, a declaração da inoponibilidade de uma cláusula contratual e o órgão jurisdicional no qual a ação é intentada julgue a mesma procedente. Além disso, o órgão jurisdicional nacional está obrigado a retirar oficiosamente as consequências jurídicas resultantes de uma tal declaração do caráter abusivo, bem como de uma proibição da sua utilização em contratos celebrados com os consumidores.

27.      A Comissão refere que o artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13, nos termos do qual as cláusulas abusivas não vinculam os consumidores, cria uma obrigação para os Estados‑Membros de alcançarem um determinado resultado. As modalidades de transposição devem ser compatíveis com os princípios da equivalência e da eficiência, tal como definidos na jurisprudência do Tribunal de Justiça.

28.      A Comissão acrescenta que, uma vez que o artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 não contém regras precisas relativas ao modo como deve ser posto fim à utilização de cláusulas abusivas, esta diretiva não se opõe a que as consequências jurídicas da declaração de invalidade de uma cláusula abusiva no âmbito de uma ação inibitória não se limitem às partes no litígio. A legislação húngara que prevê que uma tal declaração de invalidade se aplica a todos aqueles que celebrem um contrato contendo uma cláusula semelhante contribui, desse modo, para alcançar os objetivos da diretiva. Além disso, a Comissão afirma que a Diretiva 93/13 não se opõe a uma disposição nacional segundo a qual o órgão jurisdicional nacional é obrigado a retirar oficiosamente as consequências jurídicas resultantes de uma decisão, nomeadamente, também em benefício de consumidores que não sejam partes no litígio.

B ―    Quanto à segunda questão prejudicial

29.      Tanto o Governo húngaro como a Comissão alegam que o artigo 3.° da Diretiva 93/13 enumera de forma abstrata todas as características que conferem um caráter abusivo a uma cláusula contratual. Além disso, o anexo da diretiva contém uma lista de cláusulas que podem ser consideradas abusivas. A mera circunstância de uma determinada cláusula constar dessa lista não significa necessariamente que esta cláusula também deva ser juridicamente classificada como abusiva. Pelo contrário, é ao próprio juiz nacional que compete proceder a essa apreciação, devendo ter em conta os critérios gerais definidos para esse efeito, os quais, por seu turno, estão sujeitos à competência interpretativa do Tribunal de Justiça.

30.      Fazendo referência à matéria de facto do processo principal, o Governo húngaro salienta que uma alteração unilateral das CCG sem indicar as modalidades ou o motivo da alteração não é compatível com a Diretiva 93/13, uma vez que esta levaria a um desequilíbrio substancial entre os direitos e os deveres contratuais. Ainda assim, o juiz nacional tem a função de apreciar a cláusula contratual em causa à luz das circunstâncias do caso concreto, devendo ter em conta os critérios referidos na Diretiva 93/13.

31.      O Governo espanhol afirma que, quando um profissional, numa cláusula contratual, se reserva o direito de proceder a uma alteração unilateral das CCG, sem indicar as modalidades ou o motivo da alteração do preço, esta cláusula deve ser considerada abusiva.

VI ― Apreciação jurídica

A ―    Quanto à primeira questão prejudicial

32.      A primeira questão prejudicial, que se divide em duas partes, visa, no essencial, determinar a compatibilidade com a Diretiva 93/13 do regime húngaro da proteção jurídica supraindividual sob a forma de ação no interesse público (atio popularis), a qual, segundo o direito interno, é da competência das associações de defesa dos consumidores. A análise destas questões permite esclarecer melhor as linhas gerais do regime de proteção dos consumidores contra cláusulas abusivas, criado pela Diretiva 93/13. As conclusões a que desse modo se chegue deverão contribuir para responder a cada uma das questões do órgão jurisdicional de reenvio.

33.      Depois de dar uma ideia geral deste sistema de proteção, debruçar‑me‑ei sobre uma análise da figura da ação coletiva tal como foi concebida pelo legislador da União, examinando, para esse efeito, a questão central de saber quais os efeitos jurídicos que a decisão do órgão jurisdicional nacional que aprecie uma ação no interesse público deve produzir para ser apropriada ao objetivo de proteção dos consumidores, prosseguido pela Diretiva 93/13.

1.      Proteção dos consumidores como objetivo da diretiva

34.      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o sistema de proteção estabelecido pela Diretiva 93/13 assenta na ideia de que o consumidor se encontra numa situação de inferioridade relativamente ao profissional no que respeita quer ao poder de negociação quer ao nível de informação, situação esta que o leva a aderir às condições redigidas previamente pelo profissional, sem poder influenciar o conteúdo destas (4). Tendo em conta esta inferioridade, o artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 prevê que as cláusulas abusivas não sejam vinculativas para o consumidor. Conforme resulta da jurisprudência, trata‑se de uma disposição imperativa, que pretende substituir o equilíbrio formal entre os direitos e as obrigações das partes por um equilíbrio real, suscetível de restabelecer a igualdade entre estas (5).

35.      Para garantir a proteção pretendida pela Diretiva 93/13, o Tribunal de Justiça declarou diversas vezes que a situação de desequilíbrio entre o consumidor e o profissional só pode ser compensada por uma intervenção positiva exterior às partes no contrato (6). À luz destes princípios, o Tribunal de Justiça declarou que o órgão jurisdicional nacional deve apreciar oficiosamente o caráter abusivo de uma cláusula contratual (7). A faculdade que o órgão jurisdicional tem de apreciar oficiosamente o caráter abusivo de uma cláusula constitui, no entender do Tribunal de Justiça, «um meio adequado para, simultaneamente, atingir o resultado fixado no artigo 6.° da diretiva, isto é, impedir que um consumidor privado fique vinculado a uma cláusula abusiva, e contribuir para a realização do objetivo visado no seu artigo 7.°, uma vez que tal apreciação pode ter um efeito dissuasor para pôr termo à utilização de cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional» (8). Esta faculdade reconhecida aos órgãos jurisdicionais foi ainda considerada necessária pelo Tribunal de Justiça para «assegurar ao consumidor uma proteção efetiva, nomeadamente tendo em conta o risco não despiciendo de ele ignorar os seus direitos ou de ter dificuldade de os exercer» (9).

2.      Ação coletiva como meio que, em princípio, é adequado e eficaz na aceção dos artigos 6.° e 7.° da Diretiva 93/13

36.      Os pedidos de decisão prejudicial até agora submetidos dizem sobretudo respeito a questões relativas à proteção jurídica individual e, por conseguinte, a casos nos quais o próprio consumidor se opõe à utilização de cláusulas abusivas, eventualmente através da impugnação do respetivo contrato ou através da oposição à execução coerciva. Porém, seria errado concluir desde logo que o regime constante do artigo 7.°, n.° 2, da Diretiva 93/13, que permite aos particulares e às organizações proceder judicialmente, no interesse dos consumidores, contra a utilização de cláusulas abusivas na vida comercial, tem uma importância secundária.

37.      Com efeito, esta regra, que prevê a introdução de mecanismos de controlo abstrato, complementa o sistema de proteção criado pela Diretiva 93/13, ao permitir uma oposição eficaz às cláusulas abusivas mesmo nos casos em que os consumidores, excecionalmente – por exemplo, por razões financeiras –, não recorram a nenhuma proteção jurídica. Isto corresponde também às finalidades da Diretiva 93/13, que não se limita a conferir aos consumidores uma proteção adequada nos seus conflitos individuais com os profissionais mas também, conforme resulta do artigo 7.°, n.° 1, pretende, em termos gerais, «pôr termo» à utilização de cláusulas abusivas por parte dos profissionais.

38.      Para atingir este objetivo, o artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 impõe aos Estados‑Membros a obrigação de prever «meios adequados e eficazes» para eliminar efetivamente as cláusulas abusivas. Este dever significa, sobretudo, que deve haver uma possibilidade de proibir a utilização de uma cláusula abusiva para além do âmbito do caso concreto. Para esse efeito, tanto podem ser tidos em conta instrumentos de direito processual civil como também de direito administrativo e ainda de direito criminal ou contraordenacional (10). A questão de saber que meios são mais adequados e eficazes, à luz das condições do respetivo regime jurídico, é deixada à apreciação dos Estados‑Membros. Nesta matéria, os Estados‑Membros permanecem livres de optar por diversos mecanismos de controlo de acordo com a sua tradição jurídica. No entanto, o que não deixa de ser exigido é, conforme resulta de uma interpretação sistemática dos n.os 1 e 2 do artigo 7.°, uma eficácia adequada do processo (11). Esses mecanismos de controlo incluem, designadamente, uma competência própria do órgão jurisdicional competente ou da autoridade competente para proferir uma decisão sobre o caráter abusivo da cláusula e a disponibilidade de meios adequados e eficazes com os quais pode ser posto termo à utilização da cláusula em questão.

39.      Como instrumento mais importante e obrigatório de um controlo eficiente, a diretiva prevê a ação coletiva, que já era conhecida nos regimes jurídicos de alguns Estados‑Membros antes da entrada em vigor da Diretiva 93/13 (12). Nos termos do artigo 7.°, n.° 2, da referida diretiva, os Estados‑Membros devem providenciar para que «as pessoas ou organizações que, segundo a legislação nacional, têm um interesse legítimo na defesa do consumidor [possam] recorrer [...] aos tribunais ou aos órgãos administrativos competentes» para que estes possam decidir sobre o caráter abusivo e, eventualmente, «aplicar os meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização dessas cláusulas». O facto de o legislador da União ter previsto expressamente a ação coletiva indicia que a considera um meio em princípio adequado e eficaz, na aceção do artigo 7.°, n.° 1, para impedir a longo prazo a utilização de cláusulas abusivas no comércio.

40.      Parece razoável salientar, neste contexto, que as ações de pessoas ou organizações que representam os interesses dos consumidores, que visam a declaração de ineficácia de cláusulas contratuais individuais ou a proibição da sua utilização em transações comerciais, não devem ser apreciadas qualitativamente de um modo diverso das ações de consumidores individuais. Em princípio, às primeiras, aplica‑se o mesmo raciocínio que fundamenta a defesa rigorosa do consumidor e no qual o Tribunal de Justiça baseou a sua jurisprudência relativa ao artigo 6.° da Diretiva 93/13, no quadro de processos individuais. Com efeito, para proteger o consumidor que, regra geral, se encontra numa posição mais fraca, é necessário intervir de forma a que o profissional que utiliza a cláusula abusiva seja dissuadido de o fazer. Como meios de dissuasão, são igualmente tidos em conta, do ponto de vista processual, conforme declarou o Tribunal de Justiça no acórdão de 24 de janeiro de 2002, Comissão/Itália (13), para além das ações que visam a declaração de nulidade da cláusula em questão, meios preventivos tais como, por exemplo, ações de inibição da continuação da sua utilização (14).

41.      A ação coletiva, como meio de tutela judicial coletiva, não se limita a abrir o caminho a estes meios de defesa judicial, mas tem características que a transformam num instrumento eficaz de dissuasão (15). Este entendimento também é sufragado pelo Tribunal de Justiça, tal como se pode inferir do acórdão acima referido (16). Na verdade, a ação coletiva tem inúmeras vantagens, em comparação com a ação individual. Pela concentração dos interesses comuns dos consumidores, consegue fazer valer judicialmente os seus interesses. Com efeito, as associações de consumidores, através da ação coletiva, zelam para que sejam dados voz e peso aos consumidores, o que, tendo em conta a sua posição que, regra geral, é mais fraca, muitas vezes não seria possível no caso de um procedimento isolado. Por último, a ação coletiva contribui para o reforço da posição do consumidor no plano processual e liberta‑o do risco de custos no processo civil em caso de improcedência, o que pode dissuadir um consumidor de reclamar individualmente os seus direitos, tal como um valor de litígio reduzido, que não justifique o esforço individual (17). Um exercício dos direitos bem sucedido, através de uma ação coletiva, cria um equilíbrio justo entre os interesses dos consumidores e das empresas, garante a lealdade na concorrência e demonstra que a ação coletiva é, pelo menos, tão necessária para proteger os consumidores como a ação individual.

42.      Pelos motivos referidos, as pessoas ou organizações com legitimidade para intentar ações podem invocar a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 6.°, n.° 1, desde que não haja regras especiais que se apliquem a esta espécie de ações – tal como a regra de interpretação do artigo 5.° da referida diretiva (18) – para fazer proibir a utilização de cláusulas abusivas.

43.      Resulta das considerações precedentes que um sistema de proteção jurídica supraindividual, tal como previsto na legislação húngara, que recorra ao instrumento da ação coletiva é, em princípio, compatível com as exigências da Diretiva 93/13. Contudo, tal não permite saber se este sistema na sua configuração concreta satisfaz essas exigências. É o que importa analisar a seguir.

3.      Quanto à configuração concreta da ação coletiva

44.      Como resulta do décimo segundo considerando da Diretiva 93/13, esta apenas procedeu a uma harmonização parcial e mínima das legislações nacionais sobre cláusulas abusivas (19). Neste contexto, não se pode presumir que a referida diretiva visa uma uniformização da ação coletiva no âmbito do direito processual dos consumidores. No entanto, esta constatação não exclui que se veja no artigo 7.°, n.° 2, da mesma diretiva uma harmonização parcial do direito de ação coletiva (20).

45.      As indicações pontuais relativas à configuração do processo militam a favor de uma harmonização parcial. Independentemente disso, a possibilidade aberta no artigo 7.°, n.° 2, da dita diretiva de os Estados‑Membros também admitirem o instrumento da ação coletiva no interesse público nas suas legislações esclarece indiretamente a forma como um processo dessa natureza deve ser configurado e, sobretudo, quais os efeitos jurídicos que as decisões dos órgãos jurisdicionais nacionais devem produzir, pois só quando estão preenchidos determinados requisitos é que um sistema de proteção dessa natureza também pode satisfazer eficazmente e de modo adequado a finalidade da proteção dos consumidores.

46.      Do ponto de vista do direito processual, a existência de tal sistema de proteção supraindividual implica, desde logo, que as pessoas ou as organizações representativas dos interesses do consumidor devem ter o direito de requerer a declaração judicial da ineficácia das cláusulas abusivas impugnadas e que seja proibida a continuação da sua utilização nas transações comerciais. Por esse motivo, o artigo 7.°, n.° 2, determina que devem ser adotadas disposições legais nacionais que lhes atribuam competência para recorrer aos tribunais ou às autoridades administrativas. Esta disposição deve ser juridicamente compreendida no sentido de que lhes deve ser atribuída competência para apresentar requerimentos e intentar ações (21). Deste modo, é‑lhes assegurada uma posição de direito processual que lhes permite defender de modo eficaz e adequado os interesses de terceiros.

a)      Efeitos jurídicos da sentença declarativa em relação a terceiros

i)      Características do processo de controlo abstrato nos termos do artigo 7.°, n.° 2

47.      Para responder à questão de saber quais os efeitos jurídicos que as decisões nacionais devem produzir para cumprir o objetivo da defesa do consumidor, importa referir, em primeira linha, a disposição central do artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13, segundo a qual a cláusula em questão «não [vincula] o consumidor». A diretiva impõe, assim, aos Estados‑Membros a consequência jurídica do caráter abusivo. A inoponibilidade de uma cláusula ao consumidor significa, na aceção desta diretiva, que o consumidor não pode ser juridicamente vinculado pela cláusula abusiva. Os ónus fixados numa cláusula dessa natureza para o consumidor não produzem, ab initio, nenhum efeito jurídico vinculativo. Por consequência, a inoponibilidade existe ipso iure, e não depende de nenhuma decisão judicial. Por isso, o juiz apenas declara que as regras em causa não podem vincular o consumidor (22).

48.      O conceito de «caráter não vinculativo», em si mesmo, tem múltiplos sentidos e torna evidente que as restantes consequências da declaração do caráter abusivo de uma cláusula dependem, em última análise, do direito nacional. Estas consequências podem variar de uma legislação para a outra. Também por isso, o artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 utiliza um conceito neutro (23). Esta disposição da diretiva limita‑se a prescrever um resultado cuja concretização tem de ser garantida pelos Estados‑Membros quando da transposição da diretiva, sem no entanto determinar em concreto se a cláusula em questão deve ser declarada inválida ou ineficaz. Pelo contrário, tal é deixado ao direito nacional que regula a consequência jurídica precisa (24). A utilização de conceitos neutros por parte do legislador da União baseia‑se no reconhecimento da multiplicidade de sistemas e tradições de direito civil no seio da União (25).

49.      Contudo, é duvidoso em que medida a falta de efeito vinculativo prevista como consequência jurídica nesta disposição da diretiva pode beneficiar os consumidores afetados, no caso de uma ação coletiva. Coloca‑se aqui o problema fundamental de as decisões judiciais num litígio de natureza contratual, nos termos do direito processual dos Estados‑Membros, em princípio, só produzirem efeitos jurídicos na relação entre as partes (26). No entanto, uma interpretação do artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13, tal como o órgão jurisdicional de reenvio sugere, na primeira parte da questão, no sentido de que uma cláusula contratual abusiva não é vinculativa para o consumidor se um órgão jurisdicional nacional declarar, na ação intentada por uma entidade designada legalmente e legitimada para o efeito, em nome dos consumidores, a nulidade de uma cláusula abusiva que integra um contrato celebrado com os consumidores traduzir‑se‑ia em estender o efeito de uma decisão judicial a terceiros. Tendo em conta que a legislação húngara prevê esta possibilidade no artigo 209.°/B, n.° 1, do Código Civil, é necessário examinar a questão relativa aos efeitos jurídicos dessa sentença declarativa sobre a relação jurídica entre o profissional demandado e um terceiro que não interveio no processo.

50.      Com efeito, importa observar que, até agora, o Tribunal de Justiça apenas tomou posição quanto ao significado do artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13, no âmbito das ações individuais. Contudo, daqui não se pode retirar que a declaração judicial do caráter abusivo não pode produzir nenhuns efeitos jurídicos para outras pessoas para além das que intervieram no processo. Conforme acima exposto (27), esta disposição central não se limita às ações individuais, no que diz respeito à sua aplicabilidade, mas, como disposição geral, é igualmente aplicável aos mecanismos de proteção jurídica supraindividual previstos no artigo 7.°, n.° 2, da referida diretiva.

51.      Ora, para respeitar de um modo eficaz a finalidade de defesa dos consumidores no quadro de um processo de proteção jurídica supraindividual, é necessário que a consequência jurídica da inoponibilidade da cláusula, prevista no artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13, também se aplique quando as pessoas ou as organizações referidas no artigo 7.°, n.° 2, da Diretiva 93/13 tenham intentado uma ação no interesse dos consumidores afetados, uma vez que, caso contrário, a utilidade de uma ação coletiva seria diminuta para os consumidores. Com efeito, não se deve esquecer que o controlo abstrato, como instrumento da proteção jurídica supraindividual, foi concebido com o objetivo de afastar cláusulas abusivas «redigidas com vista a uma utilização generalizada». Estas cláusulas destinam‑se, pois, a ser utilizadas numa multiplicidade de contratos celebrados com os consumidores no âmbito de transações comerciais. Por isso, só podem ser eficazmente combatidas se for atribuída uma determinada amplitude à decisão do órgão jurisdicional nacional que declara a natureza abusiva de uma determinada cláusula (28).

52.      No entanto, a diretiva nada refere acerca da forma como uma declaração judicial do caráter abusivo de uma cláusula contratual deve produzir efeitos para além do processo individual. Na falta de regulamentação mais precisa no plano do direito da União, importa partir do princípio de que os Estados‑Membros mantêm competências normativas nesta matéria. Esta conclusão também é consequente, se se tiver em conta que as exigências do artigo 7.° da Diretiva 93/13 se devem aplicar indistintamente a processos judiciais e administrativos, os quais, na sua configuração concreta, podem variar consideravelmente de um Estado‑Membro para o outro. Além disso, tal entendimento é compatível com o princípio da autonomia organizacional e processual dos Estados‑Membros, reconhecido pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, segundo o qual os Estados‑Membros, na implementação indireta do direito da União, são responsáveis pela instituição e pela configuração institucional das autoridades competentes e, em princípio, aplicam o seu próprio direito processual e de organização administrativa (29).

53.      Tendo em conta que, no presente processo, só está em causa o instrumento da ação coletiva, limitarei as minhas considerações a possíveis metodologias de direito processual civil. Um meio eficaz concebível seria, só para dar um exemplo, o alargamento do princípio da força de caso julgado de uma sentença judicial declarativa do caráter abusivo proferida num caso concreto, o que seria, em princípio, compatível com a Diretiva 93/13 (30). Por um lado, conforme o Tribunal de Justiça declarou recentemente no acórdão Asturcom Telecomunicaciones (31), na falta de um regime do direito da União na matéria, as modalidades de aplicação do princípio da autoridade de caso julgado fazem parte da ordem jurídica interna dos Estados‑Membros, ao abrigo do princípio da autonomia processual (32). Por outro lado, um alargamento da autoridade de caso julgado a terceiros seria adequado para obter a inoponibilidade da cláusula em relação à respetiva relação contratual. Em última análise, a decisão sobre que meio é mais adequado e eficaz, tendo em conta as condições da respetiva legislação nacional, é deixada à apreciação dos Estados‑Membros. Nesta medida, os Estados‑Membros gozam de um amplo poder de apreciação da eficácia do meio que deve ser escolhido.

54.      Contudo, o Estado‑Membro não fica isento do dever de adotar outras medidas, caso a ineficácia de um instrumento no direito nacional seja estabelecida com certeza (33). Além disso, importa salientar que a margem de manobra dos Estados‑Membros não é, de modo algum, ilimitada. Pelo contrário, um Estado‑Membro só pode exercer a margem de manobra que lhe cabe dentro dos limites gerais do direito da União, o que significa, em última análise, que, para além dos direitos fundamentais, o princípio da proporcionalidade do direito da União também se opõe a uma intervenção exagerada (34). A menção expressa do critério da «adequação» no artigo 7.° da diretiva, no que diz respeito ao meio escolhido, demonstra que o princípio da proporcionalidade constitui um parâmetro jurídico adicional importante, com base no qual deve ser apreciada a compatibilidade de todos os meios com o direito da União.

ii)    Compatibilidade de um efeito erga omnes de sentenças declarativas nacionais

55.      Depois de apresentados os traços essenciais do regime, constante do artigo 7.°, n.° 2, da Diretiva 93/13, relativo ao processo de controlo abstrato, importa agora analisar se esta diretiva se opõe a uma legislação nacional como a que está em causa, que atribui efeitos jurídicos às sentenças declarativas de órgãos jurisdicionais nacionais, não apenas em relação às partes intervenientes no processo judicial mas, além disso, a todos (erga omnes) os que tenham celebrado contratos com o profissional.

56.      A este respeito, importa em primeiro lugar apreciar a compatibilidade de tal legislação nacional com o critério da «eficácia», tendo em conta que, de acordo com as considerações acima expostas, deve ser reconhecida ao legislador nacional uma margem de apreciação suficientemente ampla na configuração do seu direito processual civil nacional.

57.      A declaração judicial de nulidade de uma cláusula classificada como abusiva, com efeitos para todos os contratos que o profissional demandado tenha celebrado com os consumidores, contribui, em termos objetivos, para que seja posto termo à utilização desta cláusula nas transações comerciais. De facto, o efeito erga omnes produzido por uma tal decisão afasta a cláusula em questão em todos os contratos nos quais a mesma tenha sido acolhida, de um só golpe, sem que cada um dos consumidores tenha de a impugnar individualmente em juízo. Ao mesmo tempo, através da declaração de nulidade da cláusula, é ordenada uma das sanções mais graves que um ordenamento jurídico civil pode prever. Pela mesma, garante‑se que é transposta a exigência do artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 – a inoponibilidade da cláusula em questão ao consumidor. Acresce que, em virtude do alcance considerável de uma tal decisão, se pode presumir que, além disso, também irá produzir um efeito dissuasor para outros profissionais que pretendam utilizar cláusulas semelhantes nas transações comerciais. Por conseguinte, a legislação nacional controvertida também é adequada para contribuir a longo prazo para a defesa do consumidor.

58.      Por consequência, a legislação controvertida preenche o requisito da «eficácia», nos termos do artigo 7.°, n.° 2, da Diretiva 93/13.

59.      Além disso, a referida legislação nacional também constitui um meio adequado para pôr termo à utilização de cláusulas abusivas «nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional» (artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 93/13). Em todo o caso, não há nenhuma indicação de que essa legislação nacional afete de forma desproporcionada os direitos fundamentais protegidos pela ordem jurídica da União e, por conseguinte, seja um meio inadequado de defesa do consumidor. Em particular, no processo que culmina na sentença declarativa, não são aplicadas aos profissionais que nele não intervenham sanções jurídicas desproporcionadas e sem direito ao contraditório. Isto porque, nos termos das disposições nacionais reproduzidas nos n.os 11 e seguintes das presentes conclusões, em particular, do artigo 209.°/B, n.° 2, do Código Civil, deve considerar‑se que o veredicto de inoponibilidade só afeta especificamente o profissional demandado. O efeito erga omnes da sentença proferida contra este último não pretende, pois, aplicar‑se indistintamente a qualquer outro profissional que porventura utilize uma cláusula de teor semelhante, mas que não tenha sido parte no processo que conduziu à declaração de inoponibilidade da cláusula.

60.      Se assim fosse, levantar‑se‑iam sérias dúvidas na perspetiva processual e dos direitos fundamentais: um efeito erga omnes que afetasse terceiros alheios ao processo dificilmente seria compatível com os princípios de um processo equitativo, tanto mais que lhes seria vedada a possibilidade de se pronunciarem quanto à acusação de utilização de cláusulas abusivas em transações comerciais, antes de ser proferida uma sentença que lhes dissesse respeito. O direito a ser ouvido, que é um corolário do princípio do Estado de direito e faz parte dos princípios gerais do direito da União, reconhecidos pela jurisprudência (35), não seria suficientemente salvaguardado no caso de um efeito erga omnes indiferenciado, que afetasse pessoas que não tivessem participado no processo e, por conseguinte, a disposição nacional em causa não seria adequada na aceção do artigo 7.° da Diretiva 93/13. Contudo, importa ainda salientar, neste contexto, que a questão da compatibilidade com os direitos fundamentais estabelecidos no direito da União se coloca apenas na medida em que um efeito erga omnes de sentenças nacionais faz parte dos meios que se inserem no âmbito de aplicação da Diretiva 93/13. Em contrapartida, não se vislumbram nenhumas dúvidas em relação a um efeito erga omnes em benefício de pessoas não participantes. Uma vez que, pelo menos de acordo com as informações transmitidas ao Tribunal de Justiça, não se afigura existir uma violação de direitos processuais fundamentais, deve entender‑se que o critério da «adequação» também se encontra preenchido.

61.      Resulta do exposto que o artigo 6.°, n.° 1, em conjugação com o artigo 7.°, n.os 1 e 3, da Diretiva 93/13 não se opõe a uma disposição nacional segundo a qual uma cláusula contratual abusiva de um determinado profissional não vincula o consumidor nos casos em que um órgão jurisdicional nacional, na sequência de uma ação interposta por uma entidade designada legalmente e legitimada para o efeito, declare a nulidade de uma cláusula abusiva que integra um contrato celebrado com os consumidores.

iii) Compatibilidade das ações inibitórias

62.      Com a segunda parte da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende essencialmente ser esclarecido sobre se a Diretiva 93/13 se opõe a uma legislação nacional que confere a uma entidade designada legalmente e legitimada para o efeito o direito de requerer judicialmente que seja posto termo à aplicação de cláusulas cujo caráter abusivo tenha anteriormente sido declarado por sentença judicial.

63.      Em primeiro lugar, importa referir que a Diretiva 93/13 – abstraindo da possibilidade de controlo prévio das condições gerais utilizadas nos diversos setores económicos referida no vigésimo quarto considerando – não impede os Estados‑Membros de configurarem o seu direito processual de modo a também poderem ser ordenadas medidas preventivas, para evitar uma utilização de cláusulas abusivas em transações comerciais. Antes pelo contrário, conforme se retira da interpretação do artigo 7.°, n.° 2, da referida diretiva.

64.      Por um lado, a dita disposição da Diretiva 93/13 prevê que as pessoas e as organizações devem ter o direito de recorrer aos tribunais para decidir não apenas se as cláusulas contratuais têm ou não um caráter abusivo mas também «para aplicar os meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização dessas cláusulas». Tendo em conta o contexto normativo específico, no sentido desta disposição o conceito jurídico indeterminado «meios» deve entender‑se como toda e qualquer decisão judicial ou administrativa prevista pelo respetivo regime jurídico nacional no seu direito processual e que pode ser proferida mediante requerimento ou oficiosamente, para defesa do consumidor. Resulta desde logo do teor desta disposição da Diretiva 93/13 que o legislador distingue entre duas espécies complementares de categorias de proteção jurídica supraindividual. A primeira categoria inclui o processo com vista à declaração do caráter abusivo de uma cláusula, enquanto a segunda categoria abrange todos os outros «meios adequados e eficazes» que devem ser definidos pelos Estados‑Membros.

65.      Por outro lado, resulta desta disposição da Diretiva 93/13 que as medidas a adotar devem ser dirigidas contra cláusulas abusivas que tenham sido «redigidas com vista a uma utilização generalizada». Neste sentido, importa apenas que o autor tenha formulado a cláusula tendo em vista uma eventual utilização. Por conseguinte, não se exige que a utilização generalizada já esteja planeada em concreto ou seguramente (36). Esta disposição da Diretiva 93/13 tem por objeto fornecer ao potencial visado uma possibilidade de proteção jurídica contra futuras ilegalidades. A forma como a referida disposição está redigida nas várias versões linguísticas («com vista a») (37) confirma esta interpretação. Com efeito, a mesma indicia que devem ser adotadas medidas preventivas para evitar que, no futuro, o profissional utilize uma determinada cláusula abusiva nas transações comerciais.

66.      Estes indícios fazem com que a introdução de ações inibitórias pareça não apenas admissível à luz do direito da União mas também necessária à luz do direito processual, a fim de alcançar a finalidade da referida diretiva (38). A proteção jurídica supraindividual que o artigo 7.° da Diretiva 93/13 exige aos Estados‑Membros estaria incompleta, tendo em conta o sentido e o objetivo desta regra, se se limitasse a permitir que uma cláusula abusiva existente num determinado momento fosse afastada sem no entanto prever a possibilidade de ordenar uma proibição geral de utilização desta cláusula e, em caso de infração, de ordenar medidas para implementar esta proibição.

67.      Ciente desta necessidade, o legislador da União adotou a Diretiva 2009/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, relativa às ações inibitórias em matéria de proteção dos interesses dos consumidores (39). Esta diretiva, que revogou, com efeitos a partir de 29 de dezembro de 2009, a anterior e muito alterada Diretiva 98/27/CE (40), tem por finalidade aproximar as disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas às ações inibitórias para a proteção dos interesses coletivos dos consumidores mencionados nas diretivas enumeradas no anexo I. Deste modo, pretende‑se garantir o bom funcionamento do mercado interno. Neste contexto, importa salientar que a Diretiva 93/13, relevante para efeitos do presente processo, também é uma das diretivas referidas no anexo I dessa diretiva. A Diretiva 2009/22 complementa a proteção jurídica processual fornecida pelo artigo 7.°, n.° 2, da Diretiva 93/13 (41).

68.      Nos termos do artigo 3.° da Diretiva 2009/22, é considerado competente para intentar uma ação «qualquer organismo ou organização que, devidamente constituído segundo a legislação de um Estado‑Membro, tenha interesse legítimo em fazer respeitar as disposições relativas à proteção dos consumidores». Uma vez que esta disposição é, em larga medida, idêntica à do artigo 7.°, n.° 2, da Diretiva 93/13, deve ser interpretada no sentido de que as organizações de defesa do consumidor tal como o demandante no processo principal são, em princípio, competentes para interpor uma ação inibitória, desde que respeitem os requisitos do direito nacional para esse efeito.

69.      Se se analisar a legislação nacional em questão, tal como reproduzida na segunda parte da questão, à luz das considerações precedentes, impõe‑se referir que preenche, pelo menos, objetivamente, o requisito da «eficácia», na medida em que permite a pessoas ou organizações que tenham um interesse legítimo na defesa do consumidor requerer a declaração judicial da nulidade de uma cláusula e intentar uma ação inibitória contra o profissional ainda antes de o mesmo utilizar a cláusula contratual classificada como abusiva em transações comerciais. Através da intervenção antecipada do órgão jurisdicional nacional competente para o controlo abstrato, garante‑se que a cláusula em questão não é acolhida nos contratos celebrados com os consumidores. Ademais, a possibilidade conferida por lei de declarar a nulidade e de fazer valer esta consequência jurídica para o futuro e para todas as relações contratuais do profissional tem, ao mesmo tempo, a vantagem de, desse modo, se evitar que uma cláusula que já tenha sido uma vez classificada como abusiva seja novamente aplicada. Em particular se, como acontece muitas vezes no direito processual, as infrações à ordem judicial de abstenção da prática de um ato forem punidas com uma sanção pesada, a ação inibitória será uma arma ainda mais poderosa de combate às cláusulas abusivas.

70.      Por uma questão de exaustividade, importa referir que a legislação nacional em questão não prevê nenhum processo semelhante a um processo de autorização prévia no sentido do vigésimo quarto considerando da Diretiva 93/13, uma vez que a aplicação de uma determinada cláusula não está, por exemplo, sujeita a nenhuma autorização judicial ou administrativa. Pelo contrário, a decisão relativa ao início do processo de controlo abstrato compete exclusivamente às pessoas ou organizações referidas no artigo 7.°, n.° 2, da Diretiva 93/13.

71.      Também não há nenhuma indicação de que a referida legislação nacional poderia afetar de um modo desproporcionado direitos fundamentais protegidos pela ordem jurídica da União e que, assim poderia, em última análise, contrariar a exigência da «adequação». As reservas acima expostas nos n.os 59 e seguintes das presentes conclusões relativamente a um efeito erga omnes que afete profissionais não intervenientes no processo também são pertinentes neste contexto. Uma vez que este critério também se encontra preenchido, deve presumir‑se a compatibilidade da legislação nacional com a Diretiva 93/13.

72.      Por conseguinte, deve responder‑se à segunda parte da questão que o artigo 6.°, n.° 1, em conjugação com o artigo 7.°, n.os 1 e 2, da Diretiva 93/13 não se opõe a uma legislação nacional segundo a qual, no caso de ser intentada uma ação de interesse público que também beneficie os consumidores que não sejam parte no processo ou em que seja proibida a aplicação de uma condição geral da contratação abusiva previamente formulada, a cláusula abusiva que figura em contratos celebrados com os consumidores não é vinculativa para nenhum dos consumidores afetados, nem mesmo para o futuro.

iv)    Restituição dos custos e das despesas cobrados

73.      Outra questão relativamente à qual, apesar de não estar formulada nas questões prejudiciais, o órgão jurisdicional de reenvio pretende manifestamente obter uma resposta, conforme se pode retirar das afirmações da decisão de reenvio, diz respeito à compatibilidade com a Diretiva 93/13 de um regime nacional segundo o qual o consumidor que não é parte no processo pode exigir a restituição dos custos e das despesas cobrados pelo prestador de serviços em virtude de cláusulas abusivas. O órgão jurisdicional de reenvio formulou esta questão para saber se os consumidores que não são partes no processo podem basear‑se nas disposições da Diretiva 93/13 para invocarem esse direito à restituição.

74.      Em meu entender, a resposta a esta questão deve ser negativa, uma vez que o artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 apenas determina que uma cláusula abusiva «não vincul[a]» o consumidor, devendo as «condições» para tanto ser definidas pelos direitos nacionais. Com isto pretende‑se dizer que é deixada aos Estados‑Membros a transposição técnico‑jurídica da inoponibilidade para o direito nacional. Em contrapartida, os eventuais direitos dos consumidores à restituição de prestações que o profissional tenha recebido sem causa, com base na nulidade parcial do contrato celebrado com o consumidor, não são regulados pela diretiva. Os direitos ao reembolso visam anular transferências de património que, apesar de terem sido legalmente realizadas, são desprovidas de justo motivo, de maneira que a situação patrimonial corresponda a uma situação jurídica conforme com a lei. Assim, os direitos à restituição garantem muito mais do que a finalidade propriamente dita do artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13. Com efeito, a finalidade legislativa dessa disposição limita‑se exclusivamente a assegurar que a cláusula contratual abusiva não estabeleça nenhuns deveres para o consumidor.

75.      A resposta a esta questão é a mesma sob o ponto de vista das exigências da proteção jurídica supraindividual, à qual esta disposição da diretiva também se aplica, por força do seu alcance geral. É certo que o artigo 7.°, n.° 1, da diretiva exige meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização de cláusulas abusivas. Contudo, não exige nenhuma adaptação da situação patrimonial à situação jurídica conforme com a lei. Pelo contrário, tal é deixado ao ordenamento jurídico nacional.

76.      Tendo em conta que a legislação nacional garante mais direitos ao consumidor do que a Diretiva 93/13 prevê, resta analisar a aplicabilidade do artigo 8.° da dita diretiva. Esta disposição permite aos Estados‑Membros adotar disposições mais rigorosas, compatíveis com o Tratado, no domínio regido por esta diretiva. O reconhecimento legal de um direito à restituição dos custos e despesas cobrados pelo prestador de serviços com base em cláusulas abusivas garante sem dúvida a defesa do consumidor. Além disso, trata‑se de um regime nacional que diz respeito às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 93/13. Por último, uma vez que não existem dúvidas em relação à sua compatibilidade com o direito primário, este regime nacional cumpre os requisitos de um exercício conforme com o direito da União da faculdade conferida no artigo 8.° da referida diretiva. Por consequência, a Diretiva 93/13 não se opõe a um regime nacional dessa natureza.

B ―    Quanto à segunda questão prejudicial

77.      A segunda questão prejudicial pode dividir‑se, após uma leitura mais aprofundada, em dois conjuntos temáticos diferentes. Em primeira linha, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se, no caso de um profissional prever uma alteração unilateral dos termos do contrato sem descrever expressamente o processo de variação do preço nem especificar razões válidas no contrato, a referida cláusula deve ser considerada abusiva na aceção da Diretiva 93/13. Em caso de resposta afirmativa a esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende ainda saber se o direito nacional pode prever a nulidade ipso iure desta cláusula. Por exigências de clareza, cada um dos dois conjuntos temáticos deverá ser tratado separadamente.

1.      Avaliação do caráter abusivo da cláusula controvertida

a)      Conteúdo do controlo substantivo

78.      Antes de avaliar o caráter abusivo da cláusula, o órgão jurisdicional de reenvio terá de assegurar que lhe é, de facto, permitido proceder a um controlo substantivo nos termos do artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 93/13. A este respeito, remete‑se para o acórdão Caja de Ahorros y Monte de Piedad de Madrid (42), no qual o Tribunal de Justiça esclareceu que a dita disposição não define o âmbito de aplicação da Diretiva 93/13, mas visa antes «estabelecer as modalidades e o alcance do controlo substantivo das cláusulas contratuais que não foram objeto de negociação individual que definem as prestações essenciais dos contratos celebrados entre um profissional e um consumidor» (43). Nos termos do artigo 4.°, n.° 2, a avaliação do caráter abusivo das cláusulas «não incide nem sobre a definição do objeto principal do contrato nem sobre a adequação entre o preço e a remuneração, por um lado, e os bens ou serviços a fornecer em contrapartida, por outro, desde que essas cláusulas se encontrem redigidas de maneira clara e compreensível».

79.      Um exame superficial do facto de a demandada no processo principal cobrar aos seus clientes os custos do pagamento por vale postal poderia levar a supor que a prática em questão diz apenas respeito ao preço como obrigação principal do contrato, o que, nos termos do artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 93/13, só pode ser sujeito a um controlo substancial nos casos em que a cláusula em questão está redigida de uma forma pouco clara e dúbia. Contudo, nesse caso ter‑se‑ia ignorado que no centro do litígio não se encontra tanto o montante dos custos propriamente dito, mas antes a faculdade da demandada no processo principal de alterar unilateralmente as condições contratuais de determinados serviços. Por conseguinte, a questão suscitada revela‑se mais complexa do que parece à primeira vista. Na realidade, há uma determinada modalidade de alteração contratual que é potencialmente adequada para prejudicar consideravelmente o consumidor e que deve ser apreciada à luz da Diretiva 93/13. A circunstância de o artigo 3.°, n.° 1, em conjugação com o n.° 1, alínea j), do anexo, referir uma situação semelhante deve ser considerada um indício de que era intenção do legislador sujeitar a modalidade de alteração unilateral do contrato a uma avaliação mais rigorosa à luz da Diretiva 93/13. O alcance da cláusula e as suas consequências para o consumidor indicam que o controlo substancial é indispensável. Nestas condições, as exigências de clareza e compreensibilidade da cláusula em causa como pressuposto de um controlo substancial, cujo cumprimento deve ser constatado, segundo a jurisprudência (44), pelo órgão jurisdicional nacional competente, não devem ser subestimadas.

b)      Caráter indicativo da lista e da distribuição de competências

80.      No que diz respeito à questão central da classificação da cláusula controvertida propriamente dita como abusiva, importa notar que o artigo 3.° da Diretiva 93/13, com a referência que faz aos conceitos de boa‑fé e de desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato, só define em termos abstratos os fatores que atribuem caráter abusivo a uma cláusula contratual que não tenha sido individualmente negociada (45). Neste contexto, o anexo para o qual remete o artigo 3.°, n.° 3, da diretiva apenas contém uma lista (46) indicativa e não exaustiva das cláusulas que podem ser declaradas abusivas (47). Uma cláusula que nela figure não deve ser necessariamente considerada abusiva e, inversamente, uma cláusula que aí não figure pode, todavia, ser declarada abusiva (48). Por conseguinte, pelo simples facto de uma cláusula ser referida na lista não se pode deduzir necessariamente que a mesma também é abusiva.

81.      Apesar do caráter indicativo que é atribuído a essa circunstância pela jurisprudência, é necessária uma avaliação autónoma e pormenorizada da cláusula contratual em causa para determinar o seu eventual caráter abusivo. Esta avaliação é realizada nos termos do artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 93/13, tendo em consideração o tipo de bens ou serviços objeto do contrato, todas as circunstâncias que acompanharam a celebração do contrato e todas as outras cláusulas do mesmo contrato de que a cláusula depende na data da celebração do contrato.

82.      Neste contexto, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, cabe ao órgão jurisdicional nacional apreciar se uma cláusula contratual preenche os requisitos para ser qualificada de abusiva na aceção do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 (49). Para efeitos do presente pedido de decisão prejudicial, tal significa – e todos os intervenientes no processo o referiram, em uníssono, nas suas observações escritas – que é ao juiz nacional, e não ao Tribunal de Justiça, que compete apreciar o caráter abusivo da cláusula controvertida.

83.      No entanto, resulta igualmente da jurisprudência que o Tribunal de Justiça pode, no âmbito da competência de interpretação do direito da União que lhe é atribuída pelo artigo 267.° TFUE, interpretar os critérios gerais utilizados pelo legislador da União para definir o conceito de cláusula abusiva. Conforme foi esclarecido recentemente no acórdão VB Pénzügyi Lízing (50), esta competência interpretativa também se estende, designadamente, às cláusulas constantes do anexo da Diretiva 93/13. Ao invés, o Tribunal de Justiça não se pode pronunciar sobre a aplicação desses critérios gerais a uma cláusula particular que deva ser apreciada em função das circunstâncias próprias do caso concreto (51).

84.      Pode retirar‑se implicitamente da questão prejudicial que o órgão jurisdicional de reenvio parte aparentemente do princípio de que a cláusula controvertida é, em grande medida, equivalente à situação prevista no n.° 1, alínea j), do anexo. Em todo o caso, esta classificação não é suscetível de ser contestada com base nas informações relativas à matéria de facto que foram disponibilizadas ao Tribunal de Justiça. Com efeito, conforme resulta dos autos (52), a demandada no processo principal introduziu faseadamente a prática comercial impugnada que consistia na cobrança dos custos do pagamento por vale postal, no período decorrido entre junho e outubro de 2008, designadamente, através de uma alteração às suas condições gerais. Permanece apenas por esclarecer se a introdução das novas condições contratuais gerais se aplicava apenas a novos contratos ou se afetava todos os clientes por igual. Na falta de mais informações a este respeito, deve presumir‑se que se tratava do segundo caso. Uma análise realista da matéria de facto também indicia o mesmo, tanto mais que se deve partir do princípio de que um profissional estará mais interessado numa aplicação das suas condições contratuais gerais à totalidade das relações contratuais existentes entre ele e os seus clientes. Nesta perspetiva, existe, no processo principal, efetivamente, uma alteração subsequente dos termos do contrato, tal como descrita no n.° 1, alínea j), do anexo.

85.      Em conformidade com a repartição de competências no quadro de um processo de decisão prejudicial, o Tribunal de Justiça limitar‑se‑á a uma interpretação das disposições da diretiva que foram indicadas, com base na qualificação dada pelo órgão jurisdicional de reenvio, sendo certo que, no interesse de uma resposta útil à questão prejudicial, serão também necessariamente tidas em consideração as circunstâncias do processo principal.

c)      Interpretação do exemplo de cláusula pertinente

86.      A disposição central do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 constitui o ponto de partida da interpretação. Segundo a mesma, uma cláusula contratual que não tenha sido objeto de negociação individual é considerada abusiva quando, «a despeito da exigência de boa‑fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato». Se o profissional, tal como no processo principal, se reservar o direito de alterar unilateralmente elementos importantes do contrato, entre os quais se encontram o preço e as despesas de execução do contrato, tal poderá, eventualmente, levar a uma situação em que o consumidor fica sujeito à vontade do profissional, sem defesa, se não lhe for concedido o direito de, excecionalmente, em determinados casos, se opor à alteração. O risco de um tratamento desfavorável é tanto maior quanto mais indeterminada for a cláusula em questão em relação aos aspetos do contrato que podem ser unilateralmente alterados pelo profissional. Um regime desse tipo pode conduzir a uma alteração considerável dos direitos e das obrigações decorrentes do contrato em prejuízo do consumidor e em violação da exigência de boa‑fé. Tal acontece sobretudo quando, como no processo principal, a faculdade de alteração do profissional se estende ao objeto principal do contrato e não se limita apenas aos restantes aspetos contratuais. Estando ciente dos riscos que um caso desses comporta para o consumidor, o legislador da União acolheu‑o de uma forma geral no n.° 1, alínea j), do anexo.

87.      No entanto, as cláusulas que justificam uma faculdade de alteração unilateral do contrato não são abusivas por si só, sendo‑o apenas as que conferem uma faculdade de alteração que não está sujeita à condição de um motivo justo ou que não referem o motivo da alteração controvertida na própria cláusula. O exemplo de cláusula referido no n.° 1, alínea j), do anexo pressupõe que o consumidor estará suficientemente protegido se estiver desde o início informado sobre a eventualidade e as condições de uma alteração contratual. Um motivo justo não existe desde logo – conforme resulta, em particular, a contrario, da exigência da razão válida, referida no n.° 1, alínea g) – se for totalmente impossível respeitar todos os pormenores da descrição contratual da prestação. Pelo contrário, qualquer razão válida legalmente suficiente já basta no que diz respeito à eventual alteração da descrição da prestação permitida pela cláusula. Por conseguinte, o que importa é que exista uma razão juridicamente preponderante, depois de ponderados os interesses envolvidos. O motivo da alteração deve ser expressamente referido na cláusula. Se faltar a referência a um motivo, a cláusula já é, à partida, por essa razão, abusiva. A descrição do motivo deve ser clara e compreensível para o consumidor. Esta obrigação resulta desde logo do artigo 5.° da Diretiva 93/13, segundo o qual todas as cláusulas escritas devem ser sempre redigidas de forma clara e compreensível. De acordo com a redação e o sentido do exemplo de cláusula constante do n.° 1, alínea j), do anexo, para este efeito, não basta que a cláusula se limite a reproduzir o conceito geral da razão válida. Pelo contrário, a razão possível deve ser indicada de uma forma suficientemente transparente (53). Conforme resulta diretamente da questão prejudicial, esta condição não está, manifestamente, preenchida no processo principal, pelo que há certamente indícios de que a cláusula pode ser classificada como abusiva. Contudo, a apreciação definitiva incumbe ao juiz nacional competente.

2.      Quanto à nulidade ipso iure

a)      Consequência jurídica da nulidade prevista no direito nacional

88.      No que diz respeito à questão que importa analisar a seguir, de saber se o direito nacional pode prever a nulidade ipso iure de uma cláusula contratual abusiva, remeto desde logo para as considerações constantes dos n.os 47 e seguintes das presentes conclusões.

89.      Conforme aí expliquei, o artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 determina apenas que a cláusula em questão «não [deve vincular] o consumidor», enquanto as consequências da declaração do seu caráter abusivo se regem segundo o direito nacional. Esta disposição da diretiva limita‑se a prescrever um determinado resultado que os Estados‑Membros devem garantir ao transporem a diretiva sem, no entanto, determinar em concreto se a cláusula em questão deve ser declarada inválida ou ineficaz. Essa determinação é deixada ao direito nacional. Uma tal regra também corresponde à natureza jurídica da diretiva como instrumento de harmonização das legislações que, nos termos do artigo 288.° TFUE, é vinculativa quanto ao resultado a alcançar, deixando a escolha da forma e dos meios, no essencial, às autoridades nacionais.

90.      Neste contexto, o conceito de nulidade mostra‑se em princípio compatível com a Diretiva 93/13, uma vez que, em conformidade com o objetivo do artigo 6.°, n.° 1, impede que uma cláusula contratual produza efeitos jurídicos em detrimento do consumidor (54).

b)      Quanto ao efeito ipso iure da nulidade

91.      No que diz respeito à questão de saber se o direito nacional pode prever a nulidade de uma tal cláusula com efeito ipso iure, importa remeter para a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13, a qual estabelece requisitos importantes para que as normas nacionais de transposição respeitem a finalidade de defesa do consumidor.

92.      Por um lado, recorde‑se que, no acórdão Océano Grupo Editorial e Salvat Editores (55), o Tribunal de Justiça declarou que «[o] objetivo prosseguido pelo artigo 6.° da diretiva […] não poderia ser atingido se [os consumidores] se vissem na obrigação de suscitar eles mesmos a questão do caráter abusivo dessas cláusulas [e que] só se pode atingir uma proteção efetiva do consumidor se ao órgão jurisdicional nacional for reconhecida a faculdade de apreciar oficiosamente uma cláusula como essa» (56). Por outro lado, há que recordar o acórdão Pannon GSM (57), no qual o Tribunal de Justiça precisou esta jurisprudência, declarando que «o artigo 6.°, n.° 1, da diretiva não pode ser interpretado no sentido de que é apenas quando o consumidor apresenta um pedido a esse respeito que a cláusula contratual abusiva não vincula esse consumidor». O Tribunal de Justiça justificou essa conclusão com o facto de que «essa interpretação impediria o órgão jurisdicional nacional de apreciar oficiosamente, no quadro da apreciação da admissibilidade do pedido que lhe é submetido e sem que o consumidor o tivesse expressamente requerido, o caráter abusivo de uma cláusula contratual» (58).

93.      Conforme já demonstrei nas minhas conclusões no processo VB Pénzügyi Lízing (59), esta jurisprudência deve ser entendida no sentido de que, em primeiro lugar, o órgão jurisdicional nacional tem uma obrigação, decorrente do direito da União, de apreciar oficiosamente o caráter abusivo de uma cláusula e, em segundo lugar, a inoponibilidade de uma cláusula abusiva deve ocorrer ipso iure (60). Só quando estes requisitos estiverem preenchidos é que pode ser assegurado que não é necessária nenhuma intervenção do consumidor para obter a inoponibilidade da cláusula.

94.      Nessa medida, os Estados‑Membros são livres de transpor para os seus ordenamentos jurídicos a exigência da inoponibilidade ao consumidor de uma cláusula contratual classificada como abusiva, de forma a que a mesma seja considerada nula ipso iure.

C ―    Conclusões sumárias

95.      Para concluir, importa resumir as conclusões principais que resultaram da presente análise das questões prejudiciais:

96.      A análise demonstrou que a Diretiva 93/13 não só permite a adoção da figura da ação coletiva na ordem jurídica nacional mas também a considera um instrumento «eficaz» e «adequado» de proteção jurídica supraindividual nos termos do artigo 7.°, n.° 2, para «pôr termo» à utilização de cláusulas abusivas em transações comerciais (61).

97.      Embora as exigências meramente pontuais do artigo 7.° da Diretiva 93/13 e do princípio da harmonização mínima escolhido pelo legislador da União confiram aos Estados‑Membros uma ampla margem de apreciação relativamente à configuração do seu direito processual, há determinadas condições que devem ser preenchidas para garantir que a finalidade da defesa do consumidor é atingida, entre as quais a de que uma cláusula contratual, depois de ter sido classificada como abusiva, permaneça «inoponível» aos consumidores afetados, nos termos do artigo 6.°, n.° 1 (62). Para tanto basta, em qualquer caso, uma legislação que atribua efeitos jurídicos a sentenças declarativas dos órgãos jurisdicionais nacionais não apenas em relação às partes intervenientes no processo mas, além disso, a qualquer pessoa (erga omnes) que tenha celebrado um contrato com o profissional e utilizador da cláusula em causa (63). As ações inibitórias cuja configuração também é regulada, em linhas gerais, pela Diretiva 2009/22 também constituem um instrumento processual indispensável para atingir a finalidade da diretiva (64).

98.      Também se concluiu que os eventuais direitos dos consumidores ao reembolso dos custos e das despesas incorridos em consequência da aplicação de uma cláusula contratual abusiva não são, de facto, regulados pela Diretiva 93/13. Contudo, a Diretiva 93/13 não se opõe, em princípio, a uma legislação nacional nesse sentido (65). Por último, resultou da análise que há, de facto, indícios importantes para se presumir que a cláusula controvertida corresponde ao exemplo de cláusula referido no n.° 1, alínea j), do anexo e preenche os requisitos para ser classificada como abusiva na aceção do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 93/13. Porém, é ao órgão jurisdicional nacional que compete avaliar em definitivo o caráter abusivo desta cláusula (66). Uma vez constatado o caráter abusivo da cláusula, a Diretiva 93/13 não se opõe a que a sua nulidade ipso iure seja declarada em conformidade com o direito nacional (67).

VII ― Conclusão

99.      À luz das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais apresentadas pelo Pest Megyei Bíróság declarando que:

«1)      O artigo 6.°, n.° 1, em conjugação com o artigo 7.°, n.os 1 e 2, da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, não se opõe a uma legislação nacional segundo a qual uma cláusula contratual abusiva que é utilizada por um determinado profissional em contratos celebrados com os consumidores e cuja nulidade ou inoponibilidade tenha sido declarada por um órgão jurisdicional nacional na sequência de uma ação de interesse público intentada por uma entidade designada legalmente e legitimada para o efeito deixa de produzir efeitos jurídicos em qualquer contrato celebrado pelo referido profissional com os consumidores.

2)      O artigo 6.°, n.° 1, em conjugação com o artigo 7.°, n.os 1 e 2, da mesma diretiva não garante ao consumidor que não seja parte no processo nenhum direito ao reembolso das despesas em que tenha incorrido em consequência do caráter abusivo de uma cláusula, nos casos em que o caráter abusivo da cláusula tenha sido declarado noutro processo que não lhe diga respeito. No entanto, o artigo 8.° desta diretiva não se opõe a uma legislação nacional que, nesse caso, garanta ao consumidor um direito a ser reembolsado.

3)      Uma cláusula contratual na qual o profissional prevê uma alteração unilateral das condições contratuais gerais sem descrever expressamente o processo de variação do preço nem especificar razões válidas no contrato é abrangida pelo exemplo de cláusula constante do n.° 1, alínea j), do anexo, aplicável segundo o artigo 3.°, n.° 3, da referida diretiva. Contudo, é ao juiz nacional que compete apreciar em cada caso o caráter abusivo da cláusula controvertida. A Diretiva 93/13 não se opõe a uma legislação nacional que preveja uma nulidade ipso iure dessa cláusula.»


1 ―      Língua original: alemão.


      Língua do processo: húngaro.


2 ―      JO L 95, p. 29.


3 ―      Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011, relativa aos direitos dos consumidores, que altera a Diretiva 93/13/CEE do Conselho e a Diretiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Diretiva 85/577/CEE do Conselho e a Diretiva 97/7/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (JO L 304, p. 64). Após a publicação da diretiva no Jornal Oficial da União Europeia em 22 de novembro de 2011, os Estados‑Membros terão de a transpor até 13 de dezembro de 2013. O artigo 32.° desta diretiva, inserido na Diretiva 93/13 como artigo 8.° A, impõe aos Estados‑Membros a obrigação de informar a Comissão sobre a adoção de disposições específicas nacionais em determinados setores, designadamente, tendo em vista o alargamento do âmbito do controlo do conteúdo nos termos do artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 93/13 e a introdução de listas nacionais com cláusulas contratuais consideradas abusivas. A adoção da diretiva relativa aos direitos dos consumidores coincide temporalmente com a Proposta, apresentada pela Comissão, em 11 de outubro de 2011, de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo a um direito europeu comum da compra e venda [COM(2011) 635 final]. Esta proposta prevê a aplicação do direito europeu comum da compra e venda como uma opção nos contratos de compra e venda transfronteiriços, quando as partes o determinam expressamente. O capítulo 8 (artigos 79.° a 86.° – «Cláusulas contratuais abusivas») do documento contém disposições relativas a cláusulas contratuais abusivas, tanto entre um profissional e um consumidor, correspondendo em larga medida às da Diretiva 93/13, como também entre profissionais (v., quanto à evolução no domínio do direito privado dos consumidores, Wendehorst, C. – «Auf dem Weg zu einem zeitgemäßen Verbraucherprivatrecht: Umsetzungskonzepte», Neuordnung des Verbraucherprivatrechts in Europa? Zum Vorschlag einer Richtlinie über Rechte der Verbraucher, Viena 2009, pp. 154 e segs., e, quanto ao direito internacional privado, Ferrari, F. – Ein neues Internationales Vertragsrecht für Europa, Gottmadingen 2007, p. 57).


4 ―      V. acórdãos de 27 de junho de 2000, Océano Grupo Editorial e Salvat Editores (C‑240/98 a C‑244/98, Colet., p. I‑4941, n.° 25), e de 26 de outubro de 2006, Mostaza Claro (C‑168/05, Colet., p. I‑10421, n.° 25).


5 ―      V. acórdãos Mostaza Claro (já referido na nota 4, n.° 36) e de 4 de junho de 2009, Pannon GSM (C‑243/08, Colet., p. I‑4713, n.° 25).


6 ―      V. acórdãos Océano Grupo Editorial e Salvat Editores (já referido na nota 4, n.° 27); Mostaza Claro (já referido na nota 4, n.° 26); e de 6 de outubro de 2009, Asturcom Telecomunicaciones (C‑40/08, Colet., p. I‑9579, n.° 31).


7 ―      Ibidem, n.° 32.


8 ―      Acórdãos de 21 de novembro de 2002, Cofidis (C‑473/00, Colet., p. I‑10875, n.° 32), e Mostaza Claro (já referido na nota 4, n.° 27).


9 ―      Acórdãos Cofidis (já referido na nota 8, n.° 33) e Mostaza Claro (já referido na nota 4, n.° 28).


10 ―      Ebers, M. – «Unfair Contract Terms Directive (93/13)», in: EC Consumer Law Compendium –Comparative Analysis (ed. por Hans Schulte‑Nölke/Christian Twigg‑Flesner/Martin Ebers), pp. 422 e segs., fornece um panorama dos diversos instrumentos no plano dos Estados‑Membros, de onde resulta que todos os Estados‑Membros preveem processos judiciais que visam proibir cláusulas abusivas. Nalguns Estados‑Membros empregam‑se instrumentos de direito administrativo, ao passo que em todos os Estados‑Membros é possível intentar ações coletivas.


11 ―      V. Micklitz, H.‑W. – «AGB‑Gesetz und die EG‑Richtlinie über missbräuchliche Vertragsklauseln in Verbraucherverträgen», Zeitschrift für Europäisches Privatrecht, 1993, p. 529, que salienta que o legislador da União não pretendeu interferir na forma do controlo. Pelo contrário, os Estados‑Membros devem ser livres de decidir se confiam o controlo às autoridades administrativas ou às organizações de consumidores, bastando que este controlo seja eficaz e adequado. No mesmo sentido, v., também, Pfeiffer, T., in Das Recht der Europäischen Union‑Kommentar (ed. por E. Grabitz/M. Hilf), volume IV, A5, art. 7.º, n.° 14, p. 3, segundo o qual os Estados‑Membros podem determinar se o processo de controlo abstrato deve ser um processo judicial ou um processo administrativo. O que não deixa de ser exigido é uma eficácia adequada do processo. Damm, R. – «Europäisches Verbrauchervertragsrecht und AGB‑Recht», Juristenzeitung, 1994, p. 175, entende a regra do artigo 7.°, n.° 2, da Diretiva 93/13 no sentido de que a decisão sobre se o controlo abstrato de cláusulas abusivas é realizado no âmbito de um processo judicial ou administrativo deve ficar reservada ao direito de cada um dos Estados. Aliás, o autor salienta que o direito da União não impõe apenas a mera existência mas também a eficácia da ação coletiva, na medida em que é através da mesma que devem ser utilizados meios adequados e eficazes contra a utilização de cláusulas abusivas.


12 ―      Em todos os Estados‑Membros da União Europeia existe a possibilidade de proceder judicialmente contra cláusulas abusivas através de uma ação coletiva. Como requisito mínimo, quase todos os Estados‑Membros preveem a possibilidade da ação inibitória contra pessoas que utilizem ou recomendem as cláusulas abusivas. Como regra geral, pode, além disso, em casos urgentes, ser requerida uma providência cautelar perante o órgão jurisdicional. Além disso, alguns Estados‑Membros também preveem ações de indemnização. A ação coletiva tem, na Alemanha, uma história de mais de cem anos. A Gesetz gegen den unlauteren Wettbewerb (Lei da concorrência desleal), na redação de 1896, já consagrava pela primeira vez um direito de ação para organismos com vocação profissional. Cerca de oitenta anos mais tarde, esta ação coletiva das associações de consumidores e de profissionais foi acolhida pela esfera jurídica das CCG. Segundo as mesmas, quem utilize em CCG disposições ineficazes nos termos dos §§ 307 a 309 do Código Civil alemão ou as aconselhe em transaçações jurídicas, pode ser intimado pelos organismos competentes, tais como associações de consumidores e câmaras de indústria e de comércio ou câmaras de artesãos, a abster‑se de as aplicar e, em caso de um aconselhamento, também a revogá‑las [§§ 1, 3 da Unterlassungsklagengesetz (Lei relativa às ações de cessação)]. Em França também existe, desde 1988, a par do controlo pelas autoridades administrativas e do controlo judicial do conteúdo no litígio individual, uma competência das associações de consumidores para ações coletivas [artigos L 421‑1 e segs. do code de la consommation (Código francês do Consumo)]. Por um lado, podem requerer judicialmente a abstenção da prática de um ato (artigos L 421‑2 e L 421‑6), por outro, têm um direito de indemnização coletiva nos casos em que um ato do utilizador tenha causado um prejuízo para o interesse coletivo dos consumidores (artigos L 421‑1 e L 421‑7). Na Polónia, o direito processual civil contém, pela primeira vez, desde a transposição da Diretiva 93/13, regras relativas ao controlo abstrato das cláusulas no processo de ação coletiva (artigos 479.° e segs. do Código de Processo Civil polaco). Não são só as associações de consumidores, os provedores locais dos consumidores e o presidente do organismo de defesa da concorrência e dos consumidores que têm legitimidade, mas qualquer pessoa que pudesse ter celebrado o contrato de acordo com a oferta do utilizador. No Reino Unido, as associações de consumidores têm legitimidade para intentar ações e a associação de consumidores demandante tem direito de intervir no processo (artigos 11.° e 12.° das Unfair Terms in Consumer Contracts Regulations 1999 (Regulamentos relativos a cláusulas abusivas em contratos celebrados com consumidores de 1999). Em Espanha também se prevê uma legitimidade processual das associações [artigos 12.° e segs. da Ley 7/1998 sobre condiciones generales de la contratación (Lei 7/1998 relativa a condições contratuais gerais)] que lhes permite requerer judicialmente a abstenção da prática de um ato, a revogação e uma indemnização. Além disso, desde 2001, as organizações de consumidores podem, segundo o Código de Processo Civil espanhol, exigir uma indemnização para um grupo de consumidores não identificados. Na Áustria, também está prevista a ação coletiva para defesa dos consumidores [§§ 28 e segs. da Konsumentenschutzgesetz (Lei de defesa dos consumidores)]. As associações de consumidores e de profissionais referidas na lei podem requerer a abstenção da prática de um ato, em caso de violação da lei de defesa dos consumidores. O regime jurídico em Itália é semelhante [artigo 37.° do Codice del consumo (Código do consumo)]. Na Eslovénia, qualquer organização que seja uma pessoa coletiva, que tenha sido constituída para defesa dos direitos e dos interesses dos consumidores e que tenha sido constituída pelo menos um ano antes da interposição da ação e que também exerça efetivamente uma atividade pode intentar uma ação para proibir judicialmente uma empresa de aplicar condições contratuais gerais ilegais ou para declarar a invalidade de contratos ou de disposições individuais dos mesmos ou de condições contratuais gerais que estejam incluídas nestes contratos [artigos 74.° e segs. da Zakon o varstvu potrošnikov, Lei de defesa do consumidor]. Em Portugal, os consumidores e as associações de consumidores que não sejam afetados diretamente também têm legitimidade ativa (artigo 13.° da Lei n.° 24/96 de defesa do consumidor) para exigir judicialmente a abstenção da prática de um ato e uma indemnização.


13 ― C‑372/99, Colet., p. I‑819.


14 ―      Ibidem, n.os 14 e 15.


15 ―      V., neste sentido, Paisant, G. – «Les limites de l’action collective en suppression de clauses abusives», La Semaine Juridique – Édition générale, n.° 18, 2005, II‑10057, que faz referência ao caráter preventivo da ação coletiva. Segundo o mesmo, a ação coletiva tem por objetivo evitar que novos consumidores se tornem vítimas de cláusulas contratuais que tenham sido classificadas como abusivas.


16 ―      V. acórdão Comissão/Itália (já referido na nota 13, n.os 14 e 15), no qual o Tribunal de Justiça atribui, designadamente, um efeito dissuasor à ação coletiva, ao mencionar a «natureza preventiva» e o «objetivo dissuasor das ações que devem ser instituídas».


17 ―      Del Chiappa, P. – «Le associazione, la rappresentanza e la partecipazione dei consumatori», I diritti dei consumatori (ed. por Guido Alpa), volume II, Turim 2009, p. 726, bem como «La tutela individuale e collettiva dei consumatori», I diritti dei consumatori (ed. por Guido Alpa), volume I, Turim 2009, p. 146, e Fornage, A.‑C. – La mise en oeuvre des droits du consommateur contractant (ed. por Andreas Furrer e o.), Bruxelas 2011, p. 378, chamam a atenção para esse facto, com razão. Se a relação custo‑benefício de um procedimento judicial não for vantajosa para o consumidor, regra geral, este prescindirá de invocar os seus direitos em juízo. No entender dos autores, a proteção jurídica individual é necessária, porém, não é suficiente, para, a longo prazo, fazer prevalecer a proteção dos consumidores.


18 ―      V. acórdão de 9 de setembro de 2004, Comissão/Espanha (C‑70/03, Colet., p. I‑7999), no que diz respeito à regra de interpretação do artigo 5.° da Diretiva 93/13 e à distinção que nele é feita entre as ações de um consumidor individual e as ações inibitórias de pessoas ou organizações representativas do interesse coletivo dos consumidores. O Tribunal de Justiça justificou esta distinção com as diferentes finalidades destas ações. No primeiro caso, os tribunais ou os órgãos competentes são chamados a apreciar em concreto o caráter abusivo de uma cláusula incluída num contrato já celebrado, ao passo que, no segundo caso, compete‑lhes efetuar uma apreciação em abstrato sobre o caráter abusivo de uma cláusula suscetível de ser incorporada em contratos que ainda não foram celebrados.


19 ―      V. acórdão de 3 de junho de 2010, Caja de Ahorros y Monte de Piedad de Madrid (C‑484/08, Colet., p. I‑4785, n.os 28 e 29).


20 ―      Pfeiffer, T., op. cit. (n.° 11), artigo 7.°, n.° 20, p. 5.


21 ―      V. Ulmer, P. – «Zur Anpassung des AGB‑Gesetzes an die EG‑Richtlinie über missbräuchliche Klauseln in Verbraucherverträgen», Europäische Zeitschrift für Wirtschaftsrecht, 1993, p. 337.


22 ―      V. Kapnopoulou, E. – Das Recht der missbräuchlichen Klausel in der Europäischen Union, Tübingen 1997, pp. 150 e segs.


23 ―      A génese da Diretiva 93/13 contribui para um melhor entendimento deste conceito. As propostas de diretiva ainda consideravam as cláusulas abusivas «ineficazes». Tendo em conta as dificuldades que se escondiam por detrás deste conceito jurídico nas legislações nacionais muito específicas dos Estados‑Membros, houve alguma resistência nas deliberações do Conselho. Por esse motivo, o Conselho, na posição comum, optou por utilizar a formulação menos jurídica de as cláusulas abusivas «não [poderem] ser invocadas contra o consumidor». A classificação jurídica precisa da produção de efeitos foi, assim, deixada aos Estados‑Membros, no quadro da sua legislação. Manifestamente, esta designação ainda não parecia ser suficientemente «neutra», pois o Parlamento Europeu propôs a nova formulação «não vinculativas para os consumidores», que a Comissão adotou na sua proposta reexaminada e o Conselho adotou, mutatis mutandis, na versão final da diretiva (v. Ponick, A. – Die Richtlinie über missbräuchliche Klauseln in Verbraucherverträgen und ihre Umsetzung im Vereinigten Königreich, Münster 2003, p. 68).


24 ―      V. Pfeiffer, T., op. cit., (n.° 11), artigo 6.°, n.° 1, p. 1, que interpreta o artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 no sentido de que a configuração técnico‑jurídica do caráter não vinculativo é deixada aos Estados‑Membros.


25 ―      V., por exemplo, quanto à origem do direito civil europeu, Rainer, M. – Introduction to Comparative Law, Viena 2010, pp. 27 e segs.


26 ―      É comum aos direitos processuais da maioria dos Estados‑Membros que uma decisão judicial proferida com base num litígio concreto de natureza contratual relativo ao caráter abusivo da cláusula não evita necessariamente que a cláusula continue a ser utilizada, porventura por uma tal decisão só produzir efeitos jurídicos entre as partes no litígio. Porém, algumas legislações nacionais preveem uma exceção a este princípio, para defesa dos consumidores contra cláusulas abusivas em transaçações comerciais, tal como sucede na Polónia, na Hungria e na Eslovénia, onde é atribuído efeito erga omnes às sentenças judiciais [v. Ebers, M., op. cit. (nota 10), p. 431]. Alguns Estados‑Membros puseram em prática os mecanismos necessários para evitar que os profissionais utilizem cláusulas semelhantes que eventualmente já não sejam abrangidas pela eficácia jurídica de uma sentença judicial: assim, no Reino Unido, por exemplo, nos termos do artigo 12.°, n.° 4, das Unfair Terms in Consumer Contracts Regulations 1999, o objeto de uma ação inibitória pode dizer respeito não apenas a uma determinada cláusula mas também a cláusulas semelhantes ou a cláusulas com um efeito semelhante. Do mesmo modo, em Chipre, as ações inibitórias podem ser intentadas não apenas contra um único vendedor ou prestador de serviços mas contra um grupo de profissionais que utilizem ou recomendem as mesmas cláusulas ou cláusulas semelhantes, independentemente de os profissionais em causa exercerem atividade no mesmo ramo de negócio ou noutro. Assim, nestes países, pode evitar‑se que os profissionais contornem decisões judiciais ao substituírem as cláusulas impugnadas por cláusulas abusivas semelhantes [v. Ebers, M., op. cit. (nota 10), p. 432].


27 ―      V. n.° 40 das presentes conclusões.


28 ―      Kapnopoulou, E., op. cit. (n.° 22), p. 161, refere que as cláusulas declaradas abusivas num processo coletivo já não podem, posteriormente, ser aplicadas ao consumidor médio, em termos gerais.


29 ―      V. Augsberg, I. – «Europäisches Verwaltungsorganisationsrecht und Vollzugsformen», Verwaltungsrecht der Europäischen Union (ed. por Jörg Philipp Terhechte), Baden‑Baden 2011, § 6, n.° 21, p. 219. Segundo Galetta, D.‑U. – Procedural Autonomy of EU Member States: Paradise Lost?, Heidelberg 2011, p. 11, a autonomia processual dos Estados‑Membros deve‑se ao facto de a União Europeia não possuir nenhumas competências no domínio do direito processual. Não obstante, os princípios do «effet utile» e do efeito direto do direito da União permitem que o legislador da União possa fazer uso do direito processual dos Estados‑Membros para alcançar os seus objetivos.


30 ―      V., neste sentido, Pfeiffer, T., op. cit. (nota 11), artigo 7.º, n.° 3, p. 2.


31 ―      Acórdão já referido (nota 6).


32 ―      Ibidem, n.° 38.


33 ―      V. Paisant, G., op. cit. (nota 15), II‑10057, que invoca a exigência de eficácia constante do artigo 7.°, n.os 1 e 2, da Diretiva 93/13.


34 ―      V. Pfeiffer, T., op. cit. (nota 11), artigo 7.º, n.° 3, p. 2.


35 ―      V. acórdãos de 4 de Julho de 1963, Alvis/Conselho (32/62, Recueil, pp. 101, 109, Colet. 1962‑1964, p. 247); de 26 de junho de 1980, National Panasonic/Comissão (136/79, Recueil, p. 2033, n.° 21); e de 14 de maio de 1998, Windpark Groothusen/Comissão (C‑48/96 P, Colet., p. I‑2873, n.° 47).


36 ―      V. Pfeiffer, T., op. cit. (nota 11), artigo 7.º, n.° 9, p. 3.


37 ―      V. versões linguísticas alemã («im Hinblick auf»), francesa («en vue de»), espanhola («con vistas a»), portuguesa («com vista a») e dinamarquesa («med henblik på»).


38 ―      A Comissão, no seu «Relatório sobre a aplicação da Diretiva 93/13/CE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores» (COM [2000] 248 final, p. 26), salienta que as ações inibitórias pertencem ao sistema clássico de supressão de cláusulas abusivas. Fornage, A.‑C., op. cit. (nota 17), p. 380, remetendo para a redação do artigo 7.° e do vigésimo terceiro considerando da Diretiva 93/13, também defende que os Estados‑Membros são obrigados a admitir ações inibitórias de associações de consumidores, no interesse destes últimos.


39 ―      JO L 110, p. 30.


40 ―      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de maio de 1998, relativa às ações inibitórias em matéria de proteção dos interesses dos consumidores (JO L 166, p. 51).


41 ―      V., neste sentido, Stuyck, J. – «Public and Private Enforcement in Consumer Protection: General Comparison EU‑USA», New Frontiers of Consumer Protection – The Interplay Between Private and Public Enforcement, Oxford 2009, p. 78.


42 ―      Já referido na nota 19.


43 ―      Ibidem, n.° 34.


44 ―      V. acórdão Caja de Ahorros y Monte de Piedad de Madrid (já referido na nota 19, n.° 32).


45 ―      V. acórdãos Pannon GSM (já referido na nota 5, n.° 37) e de 1 de abril de 2004, Freiburger Kommunalbauten (C‑237/02, Colet., p. I‑3403, n.° 20).


46 ―      Conforme resulta do décimo sétimo considerando, a lista constante do anexo é meramente exemplificativa. Em consequência deste caráter mínimo, pode ser complementada ou formulada de uma forma mais restritiva pelos Estados‑Membros no quadro das suas disposições legislativas nacionais, em particular, tendo em conta o âmbito de aplicação destas cláusulas.


47 ―      V. acórdãos Pannon GSM (já referido na nota 5, n.° 38) e Freiburger Kommunalbauten (já referido na nota 45, n.° 20).


48 ―      V. acórdãos de 7 de maio de 2002, Comissão/Suécia (C‑478/99, Colet., p. I‑4147, n.° 20), e Freiburger Kommunalbauten (já referido na nota 45, n.° 20).


49 ―      V. acórdãos Freiburger Kommunalbauten (já referido na nota 45, n.° 25); Pannon GSM (já referido na nota 5, n.° 43); Mostaza Claro (já referido na nota 4, n.° 23); e de 9 de novembro de 2010, VB Pénzügyi Lízing (C‑137/08, Colet., p. I‑10847, n.os 43 e 44).


50 ―      Acórdão já referido na nota 49, n.° 44.


51 ―      V. acórdãos Freiburger Kommunalbauten (já referido na nota 45, n.° 22); Pannon GSM (já referido na nota 5, n.° 42); Mostaza Claro (já referido na nota 4, n.° 22); e VB Pénzügyi Lízing (já referido na nota 49, n.os 43 e 44).


52 ―      V. p. 3 da contestação da demandada no processo principal, de 4 de maio de 2009.


53 ―      V. Pfeiffer, T., op. cit. (nota 11), anexo, n.° 91, p. 17.


54 ―      V., neste sentido, Ebers, M., op. cit. (nota 10), p. 405, que defende o entendimento de que o conceito da nulidade absoluta satisfaz os requisitos da jurisprudência, ao passo que o mesmo não acontece com a nulidade relativa. Outros conceitos, tais como, por exemplo, o da nulidade protetora («protective nullity») também parecem estar em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, no entender do autor, na medida em que o consumidor continua protegido, mesmo quando não invoca o caráter abusivo da cláusula, quer por ignorar os seus direitos ou por se sentir intimidado de reclamar os seus direitos (v., quanto ao princípio da nulidade protetora no direito civil italiano, Schurr, F. – Handbuch Italienisches Zivilrecht (ed. por Bernhard Eccher/Francesco Schurr/Gregor Christandl), Viena, 2009, p. 323, n.° 3/437).


55 ―      Já referido na nota 4.


56 ―      Ibidem, n.° 26.


57 ―      Já referido na nota 5.


58 ―      Ibidem, n.° 24.


59 ―      Conclusões de 6 de julho de 2010 (acórdão já referido na nota 49, n.° 105).


60 ―      V. Heinig, J. – «Die AGB‑Kontrolle von Gerichtsstandsklauseln – zum Urteil Pannon des EuGH», Europäische Zeitschrift für Wirtschaftsrecht, 2009, p. 885, que entende as afirmações do Tribunal de Justiça nesse acórdão no sentido de que a obrigação de apreciação oficiosa só é compatível se a ineficácia nos termos do artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 ocorrer ipso iure e o consumidor não tiver de a invocar; Borges, G. – «AGB‑Kontrolle durch den EuGH», Neue Juristische Wochenschrift, 2001, p. 2061.


61 ―      V. n.os 39 a 43 das presentes conclusões.


62 ―      Ibidem, n.° 51.


63 ―      Ibidem, n.° 61.


64 ―      Ibidem, n.os 66 e segs.


65 ―      Ibidem, n.° 76.


66 ―      Ibidem, n.° 87.


67 ―      Ibidem, n.° 94.