Language of document : ECLI:EU:C:2012:220

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

19 de abril de 2012 (*)

«Regulamento (CE) n.° 44/2001 ― Competência judiciária e execução de decisões em matéria civil e comercial ― Competência ‘em matéria extracontratual’ ― Determinação do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso ― Sítio Internet de um prestador de serviços de referenciamento que opera sob um nome de domínio nacional de topo de um Estado‑Membro ― Utilização, por um anunciante, de uma palavra‑chave idêntica a uma marca registada noutro Estado‑Membro»

No processo C‑523/10,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Oberster Gerichtshof (Áustria), por decisão de 5 de outubro de 2010, entrado no Tribunal de Justiça em 10 de novembro de 2010, no processo

Wintersteiger AG

contra

Products 4U Sondermaschinenbau GmbH,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

composto por: A. Tizzano, presidente de secção, M. Safjan (relator), A. Borg Barthet, E. Levits e J.‑J. Kasel, juízes,

advogado‑geral: P. Cruz Villalón,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação da Wintersteiger AG, por E. Boesch, Rechtsanwalt,

¾        em representação da Products 4U Sondermaschinenbau GmbH, por J. Steinschnack, Rechtsanwalt,

¾        em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer, na qualidade de agente,

¾        em representação do Governo espanhol, por F. Díez Moreno, na qualidade de agente,

¾        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por P. Gentili, avvocato dello Stato,

¾        em representação do Governo do Reino Unido, por S. Hathaway, na qualidade de agente, assistido por A. Henshaw, barrister,

¾        em representação da Comissão Europeia, por A.‑M. Rouchaud‑Joët e W. Bogensberger, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 16 de fevereiro de 2012,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Wintersteiger AG (a seguir «Wintersteiger»), com sede na Áustria, à Products 4U Sondermaschinenbau GmbH (a seguir «Products 4U»), com sede na Alemanha, a propósito do pedido da Wintersteiger no sentido de proibir a Products 4U de utilizar a marca austríaca Wintersteiger como palavra‑chave no sítio Internet do prestador de um serviço de referenciamento a título oneroso.

 Quadro jurídico

 Regulamento n.° 44/2001

3        Decorre do segundo considerando do Regulamento n.° 44/2001 que este visa, no interesse do bom funcionamento do mercado interno, implementar «disposições que permitam unificar as regras de conflito de jurisdição em matéria civil e comercial, bem como simplificar as formalidades com vista ao reconhecimento e à execução rápidos e simples das decisões proferidas nos Estados‑Membros abrangidos pelo presente regulamento».

4        O décimo primeiro considerando enuncia:

«As regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica e devem articular‑se em torno do princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido e que tal competência deve estar sempre disponível, exceto em alguns casos bem determinados em que a matéria em litígio ou a autonomia das partes justificam outro critério de conexão. No respeitante às pessoas coletivas, o domicílio deve ser definido de forma autónoma, de modo a aumentar a transparência das regras comuns e evitar os conflitos de jurisdição.»

5        O décimo segundo considerando do referido regulamento dispõe:

«O foro do domicílio do requerido deve ser completado pelos foros alternativos permitidos em razão do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio ou com vista a facilitar uma boa administração da justiça.»

6        O artigo 2.°, n.° 1, do mesmo regulamento figura na secção 1 deste, intitulada «Disposições gerais» e incluída no capítulo II, por sua vez sob a epígrafe «Competência». Este artigo prevê:

«Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas no território de um Estado‑Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado‑Membro».

7        O artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001, que figura na mesma secção 1 deste, dispõe o seguinte:

«As pessoas domiciliadas no território de um Estado‑Membro só podem ser demandadas perante os tribunais de um outro Estado‑Membro por força das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo.»

8        Nos termos do artigo 5.°, n.° 3, deste regulamento, que consta da secção 2 do capítulo II deste, sob a epígrafe «Competências especiais»:

«Uma pessoa com domicílio no território de um Estado‑Membro pode ser demandada noutro Estado‑Membro:

[...]

3)      Em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso;

[...]».

 Diretiva 2008/95/CE

9        O artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva 2008/95/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, que aproxima as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO L 299, p. 25), sob a epígrafe «Direitos conferidos pela marca», tem a seguinte redação:

«A marca registada confere ao seu titular um direito exclusivo. O titular fica habilitado a proibir que um terceiro, sem o seu consentimento, faça uso na vida comercial:

a)       De qualquer sinal idêntico à marca para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a marca foi registada;

[...]»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

10      A Wintersteiger é uma empresa com sede na Áustria que produz e comercializa em todo o mundo máquinas de reparação e manutenção de esquis e pranchas de «snowboard», incluindo peças sobresselentes e respetivos acessórios. Desde 1993, é proprietária da marca austríaca Wintersteiger.

11      A Products 4U, cuja sede social se situa na Alemanha, desenvolve e comercializa, também ela, máquinas de reparação e manutenção de esquis e pranchas de «snowboard». Vende, além disso, acessórios para máquinas de outros fabricantes, designadamente para as da Wintersteiger. Esses acessórios, que a Products 4U designa «Wintersteiger‑Zubehör» («acessórios Wintersteiger»), não são produzidos pela recorrente no processo principal e não estão por si autorizados. Tal como esta última, a Products 4U exerce as suas atividades em todo o mundo e comercializa os seus produtos igualmente na Áustria.

12      Desde 1 de dezembro de 2008, a Products 4U reservou a palavra‑chave («AdWord») «Wintersteiger» no âmbito do sistema publicitário desenvolvido pelo prestador de serviços de referenciamento na Internet Google. Na sequência desta inscrição, limitada ao domínio de topo nacional alemão da Google, ou seja, o sítio Internet «google.de», o internauta que introduzisse a palavra‑chave «Wintersteiger» no motor de busca desse serviço de referenciamento obtinha, como primeiro resultado da pesquisa, uma ligação para o sítio Internet da Wintersteiger. Todavia, a introdução desse mesmo termo de pesquisa fazia igualmente surgir, na parte direita do ecrã, com o título «Anzeige» («anúncio»), um anúncio publicitário da Products 4U. O texto desse anúncio tinha o título, sublinhado e em cor azul, «Skiwerkstattzubehör» («material de oficina de reparação de esquis»). Incluía, além disso, em duas linhas, as palavras «Ski und Snowboardmaschinen» («máquinas para esquis e pranchas de ‘snowboard’»), bem como «Wartung und Reparatur» («manutenção e reparação»). A última linha deste mesmo anúncio indicava, em letras verdes, o endereço Internet da Products 4U. Ao clicar no título «Skiwerkstattzubehör» («material de oficina de reparação de esquis»), o utilizador era dirigido para a oferta da «Wintersteiger‑Zubehör» («acessórios Wintersteiger») contida no sítio Internet da Products 4U. O anúncio publicitário no sítio «google.de» não precisava em absoluto a inexistência de qualquer ligação económica entre a Wintersteiger e a Products 4U. De resto, esta última não inseriu nenhum anúncio publicitário associado ao termo de pesquisa «Wintersteiger» no domínio de topo nacional austríaco da Google, ou seja, o sítio Internet «google.at».

13      Defendendo que, através do anúncio inserido no sítio «google.de», a Products 4U causava prejuízo à sua marca austríaca, a Wintersteiger intentou, nos tribunais austríacos, uma ação para cessação de utilização. Quanto à competência desses órgãos jurisdicionais para conhecer do seu pedido, a Wintersteiger invocou o artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001. Alegou, com efeito, que o sítio «google.de» podia igualmente ser consultado na Áustria e que esse serviço de referenciamento era prestado em língua alemã.

14      A Products 4U contestou a competência internacional dos tribunais austríacos assim como, a título subsidiário, a existência de um prejuízo causado à marca Wintersteiger. Segundo esta sociedade, dirigindo‑se o sítio «google.de» exclusivamente aos utilizadores alemães, o anúncio controvertido era, por este motivo, apenas destinado aos clientes alemães.

15      O tribunal de primeira instância considerou que, mesmo que o sítio «google.de» pudesse ser consultado na Áustria por Internet, na medida em que o Google oferecia os seus serviços através de sítios Internet que operam sob nomes de domínios de topo nacionais, o sítio «google.de» destinava‑se apenas à Alemanha, pelo que os tribunais austríacos não eram competentes para conhecer da ação intentada pela Wintersteiger. Em contrapartida, o tribunal de recurso confirmou a sua competência internacional, mas considerou que a Wintersteiger não era titular de nenhum direito e, por essa razão, julgou improcedente o pedido.

16      O Oberster Gerichtshof, chamado a pronunciar‑se em sede de recurso de «Revision», interroga‑se sobre a questão de saber, no caso em apreço, em que condições a publicidade feita através da utilização da marca austríaca Wintersteiger num sítio Internet que opera com um nome de domínio de topo nacional «.de» pode fundamentar a competência dos tribunais austríacos, nos termos do artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001, para conhecer de uma ação de cessação de utilização de uma marca austríaca. É nestas condições que o Oberster Gerichtshof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve a expressão ‘lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso’, constante do artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001, em caso de alegada violação de uma marca do Estado do foro por parte de uma pessoa residente noutro Estado‑Membro mediante a utilização de uma palavra‑chave («AdWord») idêntica a esta marca num motor de busca da Internet que oferece os seus serviços em diferentes domínios de topo nacionais específicos, ser interpretada no sentido de que:

a)      a competência apenas é estabelecida se a palavra‑chave for utilizada no sítio Internet do motor de busca cujo domínio de topo seja o do Estado do foro;

b)      a competência apenas é estabelecida se o sítio Internet do motor de busca em que a palavra‑chave é utilizada puder ser consultado no Estado do foro;

c)      a competência depende da verificação de outros requisitos para além da possibilidade de consulta do sítio Internet?

2)      Em caso de resposta afirmativa à [primeira questão, alínea c)]:

Que critérios devem ser utilizados para determinar se a competência conferida pelo artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento [n.° 44/2001] resulta da utilização de uma marca do Estado do foro como palavra‑chave («AdWord») num sítio Internet de um motor de busca com um domínio de topo nacional específico diferente do do Estado do foro?»

 Quanto às questões prejudiciais

17      Com as suas questões prejudiciais, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio procura saber, no essencial, segundo que critérios importa determinar, nos termos do artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001, a competência judiciária para conhecer de um litígio relativo à alegada violação de uma marca registada num Estado‑Membro em virtude da utilização, por um anunciante, de uma palavra‑chave idêntica à referida marca no sítio Internet de um motor de busca que opera sob um domínio de topo diferente do do Estado de registo da marca.

18      A este respeito, importa recordar desde logo que a regra de competência especial prevista, por derrogação ao princípio da competência dos tribunais do domicílio do demandado, no artigo 5.°, n.° 3, desse regulamento se baseia na existência de um elemento de conexão particularmente estreito entre o litígio e os tribunais do lugar onde ocorreu o facto danoso, que justifica uma atribuição de competência a estes últimos por razões de boa administração da justiça e de organização útil do processo (acórdão de 25 de outubro de 2011, eDate Advertising e o., C‑509/09 e C‑161/10, Colet., p. I‑10269, n.° 40).

19      Cumpre recordar também que a expressão «lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso» que consta do artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001 se refere simultaneamente ao lugar da materialização do dano e ao lugar do evento causal que está na origem deste dano, de modo que o requerido pode ser demandado, à escolha do requerente, perante o tribunal de um ou outro destes lugares (acórdão eDate Advertising e o., já referido, n.° 41 e jurisprudência referida).

20      Estes dois lugares podem constituir uma conexão significativa do ponto de vista da competência judiciária, sendo cada um deles suscetível, segundo as circunstâncias, de fornecer uma indicação particularmente útil no que diz respeito à prova e à organização do processo (acórdão eDate Advertising e o., já referido, n.° 41 e jurisprudência referida).

 Lugar da materialização do dano

21      No que diz respeito, em primeiro lugar, ao lugar da materialização do dano, o Tribunal de Justiça já precisou que este lugar é aquele em que o facto suscetível de desencadear responsabilidade extracontratual provocou um dano (acórdão de 16 de julho de 2009, Zuid‑Chemie, C‑189/08, Colet., p. I‑6917, n.° 26).

22      No âmbito da Internet, o Tribunal de Justiça precisou igualmente que, em caso de alegada violação dos direitos de personalidade através de conteúdos colocados em linha num sítio Internet, a pessoa que se considerar lesada tem a faculdade de intentar uma ação fundada em responsabilidade pela totalidade dos danos causados nos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro onde se encontra o centro dos seus interesses (v. acórdão eDate Advertising e o., já referido, n.° 52).

23      Com efeito, como o Tribunal de Justiça referiu nessa ocasião, o critério do centro de interesses do lesado está em conformidade com o objetivo de previsibilidade da competência jurisdicional na medida em que permite simultaneamente ao demandante identificar facilmente o órgão jurisdicional a que pode recorrer e ao requerido prever razoavelmente aquele no qual pode ser demandado (acórdão eDate Advertising e o., já referido, n.° 50).

24      Ora, como sublinhou o advogado‑geral no n.° 20 das suas conclusões, esta apreciação, feita no contexto particular das violações aos direitos de personalidade, não pode valer igualmente para a determinação da competência judiciária no que respeita às violações aos direitos de propriedade intelectual, como as alegadas no processo principal.

25      Com efeito, ao invés da situação de uma pessoa que se considera lesada nos seus direitos de personalidade, os quais são protegidos em todos os Estados‑Membros, a proteção conferida pelo registo de uma marca nacional está, em princípio, limitada ao território do Estado‑Membro de registo, pelo que, regra geral, o seu titular não pode invocar a referida proteção fora desse território.

26      No entanto, a questão de saber se a utilização, para fins publicitários, de um sinal idêntico a uma marca nacional num sítio Internet que opera unicamente sob um domínio de topo nacional que não o do Estado‑Membro de registo da referida marca viola efetivamente esta última insere‑se na apreciação do mérito do recurso que o órgão jurisdicional competente efetuará à luz do direito material aplicável.

27      Quanto à competência para conhecer de uma alegação de violação de uma marca nacional numa situação como a do processo principal, há que considerar que tanto o objetivo de previsibilidade como da boa administração da justiça militam a favor de uma atribuição de competência, a título da materialização do dano, aos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em que o direito em causa é protegido.

28      Com efeito, são os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro de registo da marca em causa que estão em melhores condições para avaliar, tendo em conta a interpretação da Diretiva 2008/95 fornecida, designadamente, nos acórdãos de 23 de março de 2010, Google France e Google, C‑236/08 a C‑238/08, Colet., p. I‑2417, e de 12 de julho de 2011, L’Oréal e o., C‑324/09, Colet., p. I‑6011, se, numa situação como a que está em causa no processo principal, foi efetivamente violada a marca nacional protegida. Esses órgãos jurisdicionais estão habilitados a conhecer, por um lado, da totalidade do dano alegadamente causado ao titular do direito protegido pela violação cometida e, por outro, de um pedido de cessação do comportamento lesivo do referido direito.

29      Assim, há que considerar que um litígio relativo à violação de uma marca registada num Estado‑Membro em virtude da utilização, por um anunciante, de uma palavra‑chave idêntica à referida marca no sítio Internet de um motor de busca que opera num domínio nacional de topo de um outro Estado‑Membro pode ser submetido aos tribunais do Estado‑Membro onde a marca está registada.

 Lugar do evento causal

30      No que diz respeito, em segundo lugar, ao lugar do evento causal de uma alegada violação de uma marca nacional em virtude da utilização de uma palavra‑chave idêntica à referida marca num motor de busca que opera sob um domínio nacional de topo de um outro Estado‑Membro, importa observar que a limitação territorial da proteção de uma marca nacional não é suscetível de excluir a competência internacional de órgãos jurisdicionais que não sejam os do Estado‑Membro onde a referida marca está registada.

31      É jurisprudência constante que as disposições do Regulamento n.° 44/2001 devem ser interpretadas de maneira autónoma, com referência ao seu sistema e aos seus objetivos (acórdão eDate Advertising e o., já referido, n.° 38 e jurisprudência referida), entre os quais figuram o objetivo de previsibilidade da atribuição de competência e o de assegurar a boa administração da justiça e a organização útil do processo.

32      É designadamente pacífico que o lugar do evento causal de um alegado dano pode constituir uma conexão significativa do ponto de vista da competência judiciária, uma vez que é suscetível de fornecer uma indicação particularmente útil no que respeita à administração da prova e à organização do processo.

33      Numa situação como a que está em causa no processo principal, a utilidade da indicação fornecida pelo lugar do evento causal consiste designadamente na facilidade com que o órgão jurisdicional desse local pode recolher as provas relativas ao referido evento.

34      Em caso de alegada violação de uma marca nacional registada num Estado‑Membro em razão da afixação, no sítio Internet de um motor de busca, de uma publicidade graças à utilização de uma palavra‑chave idêntica à referida marca, importa considerar como evento causal não a afixação da própria publicidade, mas o desencadear, pelo anunciante, do processo técnico de afixação, segundo parâmetros predefinidos, do anúncio que este criou para a sua própria comunicação comercial.

35      Com efeito, como o Tribunal de Justiça observou no âmbito da interpretação da diretiva que aproxima as legislações dos Estados‑Membros sobre as marcas, é o anunciante, ao selecionar a palavra‑chave idêntica à marca, que faz desta uma utilização na vida comercial e não o prestador do serviço de referenciamento (acórdão Google France e Google, já referido, n.os 52 e 58). O facto gerador de uma eventual violação do direito das marcas reside, portanto, no comportamento do anunciante que recorreu ao serviço de referenciamento para a sua própria comunicação comercial.

36      É certo que o desencadear do processo técnico de afixação pelo anunciante se efetua, afinal, num servidor que pertence ao operador do motor de busca utilizado pelo anunciante. No entanto, tendo em conta o objetivo de previsibilidade que as regras de competência devem prosseguir, o lugar da sede do referido servidor não pode, em razão da sua localização incerta, ser considerado o do evento causal para as necessidades da aplicação do artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001.

37      Em contrapartida, uma vez que se trata de um lugar certo e identificável, quer para o demandante como para o demandado, e que é, por isso, suscetível de facilitar a administração da prova e a organização do processo, há que decidir que o lugar da sede do anunciante é aquele em que é decidido o desencadear do processo de afixação.

38      Decorre do exposto que um litígio relativo à alegada violação de uma marca registada num Estado‑Membro em virtude da utilização, por um anunciante, de uma palavra‑chave idêntica à referida marca no sítio Internet de um motor de busca que opera sob um nome de domínio nacional de topo de um outro Estado‑Membro pode igualmente ser submetido aos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro do lugar da sede do anunciante.

39      À luz das considerações precedentes, o artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que um litígio relativo à violação de uma marca registada num Estado‑Membro em virtude da utilização, por um anunciante, de uma palavra‑chave idêntica à referida marca no sítio Internet de um motor de busca que opera num domínio nacional de topo de um outro Estado‑Membro pode ser submetido quer aos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro onde a marca está registada quer aos do Estado‑Membro do lugar da sede do anunciante.

 Quanto às despesas

40      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

O artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que um litígio relativo à violação de uma marca registada num Estado‑Membro em virtude da utilização, por um anunciante, de uma palavra‑chave idêntica à referida marca no sítio Internet de um motor de busca que opera num domínio nacional de topo de um outro Estado‑Membro pode ser submetido quer aos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro onde a marca está registada quer aos do Estado‑Membro do lugar da sede do anunciante.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.