Language of document : ECLI:EU:C:2012:103

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

28 de fevereiro de 2012 (*)

«Proteção do ambiente ― Diretiva 2001/42/CE ― Artigos 2.° e 3.° ― Avaliação dos efeitos de certos planos e programas no ambiente ― Proteção das águas contra a poluição causada por nitratos de origem agrícola ― Plano ou programa ― Falta de avaliação ambiental prévia ― Anulação de um plano ou programa ― Possibilidade de manter os efeitos do plano ou programa ― Condições»

No processo C‑41/11,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Conseil d’État (Bélgica), por decisão de 18 de janeiro de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 26 de janeiro de 2011, no processo

Inter‑Environnement Wallonie ASBL,

Terre wallonne ASBL

contra

Région wallonne,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, A. Tizzano, J. N. Cunha Rodrigues, K. Lenaerts, J.‑C. Bonichot e U. Lõhmus, presidentes de secção, A. Rosas, E. Levits, A. Ó Caoimh, L. Bay Larsen, T. von Danwitz, C. Toader (relatora) e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: R. Şereş, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 8 de novembro de 2011,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação da Inter‑Environnement Wallonie ASBL, por J. Sambon, avocat,

¾        em representação da Terre wallonne ASBL, por A. Lebrun, avocat,

¾        em representação do Governo belga, por T. Materne, na qualidade de agente, assistido por A. Gillain, avocat,

¾        em representação do Governo francês, por G. de Bergues, A. Adam e S. Menez, na qualidade de agentes,

¾        em representação da Comissão Europeia, por P. Oliver, A. Marghelis e B. D. Simon, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 8 de dezembro de 2011,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto saber em que condições pode um «plano» ou «programa», na aceção da Diretiva 2001/42/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de junho de 2001, relativa à avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente (JO L 197, p. 30), apesar de não ter sido sujeito a uma avaliação ambiental prevista nesta diretiva, continuar provisoriamente em vigor.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de litígios que opõem a Inter‑Environnement Wallonie ASBL (a seguir «Inter‑Environnement Wallonie») e a Terre wallonne ASBL (a seguir «Terre wallonne») à Région wallonne (Região da Valónia), a propósito da anulação do Decreto do Governo da Valónia, de 15 de fevereiro de 2007, que altera o livro II do Código do Ambiente, que constitui o Código da Água no que diz respeito à gestão duradoura do azoto na agricultura (Moniteur belge de 7 de março de 2007, p. 11118, a seguir «decreto recorrido»).

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Diretiva 91/676/CEE

3        Nos termos do artigo 1.° da Diretiva 91/676/CEE do Conselho, de 12 de dezembro de 1991, relativa à proteção das águas contra a poluição causada por nitratos de origem agrícola (JO L 375, p. 1), esta diretiva visa reduzir a poluição das águas causada ou induzida por nitratos de origem agrícola e impedir a propagação da referida poluição.

4        O artigo 3.°, n.os 1 e 2, desta diretiva dispõe:

«1.      As águas poluídas e as águas suscetíveis de serem poluídas caso não sejam tomadas as medidas previstas no artigo 5.° deverão ser identificadas pelos Estados‑Membros em conformidade com os critérios definidos no anexo I.

2.      Num prazo de dois anos contados a partir da data de notificação da presente diretiva, os Estados‑Membros deverão designar as zonas vulneráveis conhecidas nos respetivos territórios, entendidas como sendo as que drenam para as águas identificadas nos termos do n.° 1, contribuindo para a poluição das mesmas. Desse facto notificarão a Comissão no prazo de seis meses.»

5        O artigo 4.°, n.° 1, alínea a), da referida diretiva dispõe que, «[a] fim de assegurar um nível geral de proteção de todas as águas contra a poluição causada ou induzida por nitratos, os Estados‑Membros deverão, num prazo de dois anos a contar da data de notificação da presente diretiva[,] [e]laborar um código ou códigos de boa prática agrícola a aplicar voluntariamente pelos agricultores, e que deverá conter disposições que abranjam, no mínimo, os elementos constantes do anexo II A».

6        Nos termos do artigo 5.° da mesma diretiva:

«1.      Para efeitos da concretização dos objetivos referidos no artigo 1.°[,] os Estados‑Membros criarão programas de ação para as zonas designadas como vulneráveis.

2.      Um programa de ação poderá abranger todas as zonas vulneráveis do território de um Estado‑Membro ou, se este o considerar conveniente, poderão ser elaborados vários programas para diferentes zonas ou partes de zonas vulneráveis.

3.      Os programas de ação terão em conta:

a)      Os dados científicos e técnicos disponíveis, sobretudo no que se refere às contribuições relativas de azoto proveniente de fontes agrícolas ou outras;

b)      As condições do ambiente nas regiões em causa do Estado‑Membro interessado.

4.      Os programas de ação serão executados no prazo de quatro anos a contar da respetiva elaboração e consistirão nas seguintes medidas obrigatórias:

a)      As medidas referidas no anexo III;

b)      As medidas estabelecidas pelos Estados‑Membros no(s) código(s) de boa prática agrícola elaborado(s) nos termos do artigo 4.°, com exceção das que tenham sido impostas pelo anexo III.

5.      Além disso, se, na fase inicial de aplicação dos programas de ação ou à luz da experiência adquirida durante a sua execução, se verificar que as medidas referidas no n.° 4 não são suficientes para se atingirem os objetivos prescritos no artigo 1.°, os Estados‑Membros adotarão, no âmbito dos programas de ação, medidas suplementares ou reforçarão as ações que considerarem necessárias. Ao selecionarem estas medidas ou ações, os Estados‑Membros deverão tomar em consideração a sua eficácia e os seus custos em relação aos de outras medidas preventivas possíveis.

[...]»

7        O anexo III da Diretiva 91/676, relativo às «[m]edidas a incluir nos programas de ação nos termos do n.° 4 da alínea a) do artigo 5.°», dispõe, nomeadamente, que essas medidas deverão incluir regras relativas à capacidade dos depósitos de estrume animal.

 Diretiva 2001/42

8        O artigo 2.° da Diretiva 2001/42 dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

a)      ‘Planos e programas’, qualquer plano ou programa, incluindo os cofinanciados pela Comunidade Europeia, bem como as respetivas alterações, que:

¾        seja sujeito a preparação e/ou aprovação por uma autoridade a nível nacional, regional e local, ou que seja preparado por uma autoridade para aprovação, mediante procedimento legislativo, pelo seu Parlamento ou Governo, e

¾        seja exigido por disposições legislativas, regulamentares ou administrativas;

b)      ‘Avaliação ambiental’, a elaboração de um relatório ambiental, a realização de consultas, a tomada em consideração do relatório ambiental e dos resultados das consultas na tomada de decisões e o fornecimento de informação sobre a decisão em conformidade com os artigos 4.° a 9.°;

[...]»

9        Nos termos do artigo 3.° da referida diretiva:

«1.      No caso dos planos e programas referidos nos n.os 2 a 4 suscetíveis de terem efeitos significativos no ambiente, deve ser efetuada uma avaliação ambiental nos termos dos artigos 4.° a 9.°

2.      Sob reserva do disposto no n.° 3, deve ser efetuada uma avaliação ambiental de todos os planos e programas:

a)      Que tenham sido preparados para a agricultura, silvicultura, pescas, energia, indústria, transportes, gestão de resíduos, gestão das águas, telecomunicações, turismo, ordenamento urbano e rural ou utilização dos solos, e que constituam enquadramento para a futura aprovação dos projetos enumerados nos anexos I e II da Diretiva 85/337/CEE [do Conselho, de 27 de junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente (JO L 175, p. 40; EE 15 F6 p. 9), conforme alterada pela Diretiva 97/11/CE do Conselho, de 3 de março de 1997 (JO L 73, p. 5, a seguir ‘Diretiva 85/337’)], ou

b)      Em relação aos quais, atendendo aos seus eventuais efeitos em sítios protegidos, tenha sido determinado que é necessária uma avaliação nos termos dos artigos 6.° ou 7.° da Diretiva 92/43/CEE [do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (JO L 206, p. 7)].

[…]

4.      Os Estados‑Membros devem determinar se os planos e programas que não os referidos no n.° 2 que constituam enquadramento para a futura aprovação de projetos, são suscetíveis de ter efeitos significativos no ambiente.

5.      Os Estados‑Membros devem determinar se os planos ou programas referidos nos n.os 3 e 4 são suscetíveis de ter efeitos significativos no ambiente, quer por uma investigação caso a caso, quer pela especificação de tipos de planos e programas, quer por uma combinação de ambas as metodologias. Para esse efeito, os Estados‑Membros terão sempre em consideração os critérios pertinentes definidos no anexo II, a fim de garantir que os planos e programas com eventuais efeitos significativos sobre o ambiente sejam abrangidos pela presente diretiva.

[...]»

 Diretiva 85/337

10      Nos termos do artigo 4.° da Diretiva 85/337, os projetos incluídos no anexo I desta diretiva serão submetidos a uma avaliação dos seus efeitos no ambiente, enquanto os projetos enumerados no anexo II o serão, mas com base em limites fixados pelos Estados‑Membros ou com base numa análise caso a caso.

11      O anexo I da Diretiva 85/337 menciona nomeadamente as «[i]nstalações para a criação intensiva de aves de capoeira ou de suínos, com espaço para mais de [...] 85 000 frangos, 60 000 galinhas; [...] 3 000 porcos de engorda (de mais de 30 quilogramas) ou […] 900 porcas», enquanto o anexo II desta diretiva menciona, por sua vez, a agricultura, a silvicultura e a aquicultura, nomeadamente os projetos de reconversão de terras não cultivadas ou de zonas seminaturais para agricultura intensiva e os projetos de instalações de pecuária intensiva não incluídos no anexo I da referida diretiva.

 Direito nacional

 Regulamentação de transposição da Diretiva 2001/42

12      A Diretiva 2001/42 foi transposta para o direito da Região da Valónia pelos artigos D. 52 e seguintes do livro I do Código do Ambiente (Moniteur belge de 9 de julho de 2004, p. 54654).

13      O artigo D. 53 deste código dispõe:

«1.      Deve ser feita uma avaliação dos efeitos no ambiente, em conformidade com os artigos 52.° a 61.°, dos planos e programas e respetivas alterações cuja lista I é aprovada pelo Governo e que:

1.° sejam elaborados para os setores da agricultura, da silvicultura, da pesca, [...], da indústria, [...] da gestão das águas, dos solos, [...] e definam em que quadro poderá ser autorizada no futuro a execução dos projetos referidos na lista elaborada nos termos do artigo 66.°, [n.°] 2;

2.° sejam submetidos a uma avaliação nos termos do artigo 29.° da Lei de 12 de julho de 1973 sobre a conservação da natureza.

[...]

3.      O Governo pode submeter a avaliação dos efeitos no ambiente, ao abrigo do presente capítulo, os planos ou os programas que possam ter efeitos significativos no ambiente e que não estejam previstos por decreto e por disposições regulamentares ou administrativas.

[...]»

14      O artigo R. 47 do referido código prevê:

«A lista dos planos e programas referid[a] no artigo 53.°, n.° [1], da parte do decreto é fixad[a] no anexo V.»

15      O referido anexo V, aprovado pelo Decreto do Governo da Valónia, de 17 de março de 2005, relativo ao livro I do Código do Ambiente (Moniteur belge de 4 de maio de 2005, p. 21184), contém, designadamente, o programa de ação para a qualidade do ar, o programa de ação para a qualidade dos solos e o programa de ação para a proteção da natureza. Contudo, esse anexo não inclui o programa de ação para a gestão do azoto na agricultura nas zonas vulneráveis, que foi inicialmente instituído no direito da Região da Valónia por Decreto de 10 de outubro de 2002.

 Regulamentação ligada à Diretiva 91/676

16      No que diz especificamente respeito a este último programa de ação, as disposições pertinentes do direito da Região da Valónia atualmente em vigor constam do decreto recorrido. Este decreto fixa as condições aplicáveis à gestão do azoto na agricultura em todo o território da Região da Valónia. Trata igualmente da gestão do azoto nas zonas vulneráveis, para as quais constitui o programa de ação previsto no artigo 5.° da Diretiva 91/676. As zonas vulneráveis representam 42% do território da referida região e 54% da sua área agrícola útil.

 Regulamentação relativa ao contencioso no Conseil d’État

17      O artigo 14.°‑B das leis coordenadas sobre o Conseil d’État dispõe:

«No caso de a secção do contencioso administrativo o entender necessário, indicará, por meio de uma disposição geral, quais os efeitos das disposições de atos regulamentares anulados que devem ser considerados definitivos ou mantidos provisoriamente pelo prazo que fixar.»

 Litígio no processo principal e processo de reenvio prejudicial nos processos apensos C‑105/09 e C‑110/09

18      No seu acórdão de 22 de setembro de 2005, Comissão/Bélgica (C‑221/03, Colet., p. I‑8307), o Tribunal de Justiça declarou, nomeadamente, que, não tendo adotado no prazo previsto as medidas necessárias para a aplicação integral e correta dos artigos 3.°, n.os 1 e 2, 5.° e 10.° da Diretiva 91/676 na Região da Valónia, o Reino da Bélgica não tinha cumprido as obrigações que lhe incumbiam por força desta diretiva.

19      No âmbito da execução desse acórdão, o Governo da Valónia adotou, nos termos do artigo 5.° da Diretiva 91/676, o decreto recorrido. Este decreto altera o livro II do Código do Ambiente, livro esse que constitui o Código da Água no que respeita à gestão duradoura do azoto na agricultura e contém uma referência expressa ao acórdão Comissão/Bélgica, já referido.

20      A Terre wallonne e a Inter‑Environnement Wallonie pediram no Conseil d’État a anulação deste decreto, alegando, nomeadamente, que constituía um «programa» na aceção da Diretiva 2001/42 e que deveria, por isso, ter sido sujeito a uma avaliação ambiental nos termos desta diretiva. O Governo da Valónia alegava, em contrapartida, que o programa de gestão do azoto na agricultura não estava abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2001/42.

21      Por outro lado, a Terre wallonne tinha pedido a suspensão cautelar da eficácia do decreto recorrido. Contudo, por acórdão de 7 de agosto de 2007, o órgão jurisdicional de reenvio indeferiu esse pedido, considerando que «a suspensão da eficácia do ato recorrido teria o efeito de prolongar a omissão da parte contrária, anterior a esse ato», e que, por outro lado, essa associação não tinha demonstrado poder invocar a concretização do pressuposto de um dano grave dificilmente reparável causado pela execução do ato recorrido.

22      Nestas condições, o Conseil d’État, por decisões de 11 de março de 2009, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O programa de gestão do azoto previsto para as zonas designadas como vulneráveis, cuja criação é imposta pelo artigo 5.°, n.° 1, da [Diretiva 91/676], é um plano ou um programa visado no artigo 3.°, n.° 2, alínea a), da [Diretiva 2001/42], que é elaborado para os setores da agricultura, silvicultura, pesca, energia, indústria, transportes, gestão de resíduos, gestão das águas, telecomunicações, turismo, ordenamento do território urbano e rural ou a utilização dos solos, e constitui o quadro no qual a execução dos projetos enumerados nos anexos I e II da [Diretiva 85/337] poderá ser futuramente autorizada?

2)      O programa de gestão do azoto previsto para as zonas designadas como vulneráveis[,] cuja criação é imposta pelo artigo 5.°, n.° 1, da [Diretiva 91/676], é um plano ou um programa visado no artigo 3.°, n.° 2, alínea b), da [Diretiva 2001/42], para o qual, tendo em conta os efeitos que o mesmo pode ter nos locais, é exigida uma avaliação nos termos dos artigos 6.° e 7.° da [Diretiva 92/43], especialmente quando o programa de gestão do azoto em causa se aplica a todas as zonas designadas como vulneráveis na Região da Valónia?

3)      O programa de gestão do azoto previsto para as zonas designadas como vulneráveis[,] cuja criação é imposta pelo artigo 5.°, n.° 1, da [Diretiva 91/676], é um plano ou um programa diferente dos previstos no artigo 3.°, n.° 2, da [Diretiva 2001/42], que define o quadro no qual a execução dos projetos poderá ser futuramente autorizada, em relação aos quais os Estados‑Membros devem determinar, nos termos do artigo 3.°, n.° 4, [da Diretiva 2001/42], se podem ter efeitos significativos no ambiente, em conformidade com o [artigo 3.°, n.° 5, desta diretiva]?»

23      Estes pedidos de decisão prejudicial deram origem ao acórdão de 17 de junho de 2010, Terre wallonne e Inter‑Environnement Wallonie (C‑105/09 e C‑110/09, Colet., p. I‑5611), no qual o Tribunal de Justiça declarou:

«Um programa de ação aprovado por força do artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva 91/676[...] é, em princípio, um plano ou programa referido no artigo 3.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2001/42[...], quando constitui um ‘plano’ ou ‘programa’, na aceção do artigo 2.°, […] alínea a), desta última diretiva, e contém medidas cujo respeito condicione a emissão da autorização suscetível de ser concedida para a realização dos projetos enumerados nos anexos I e II da Diretiva 85/337[...]»

 Desenvolvimentos ocorridos no litígio no processo principal e questão prejudicial submetida na presente lide

24      Com o seu acórdão de 11 de março de 2009, no qual o Conseil d’État tinha submetido ao Tribunal de Justiça determinadas questões prejudiciais no processo Inter‑Environnement Wallonie (C‑110/09), este tinha igualmente anulado certos artigos do decreto recorrido, mantendo, porém, os efeitos de alguns desses artigos quanto às exceções concedidas e ainda os efeitos relativos às decisões tomadas anteriormente. Por conseguinte, a lide principal passa a ter essencialmente como objeto os recursos interpostos pela Inter‑Environnement Wallonie e pela Terre wallonne na parte em que se dirigem à anulação da subsecção 6 da secção 3 do decreto recorrido relativa à «gestão do azoto em zonas vulneráveis».

25      A este respeito, resulta da decisão de reenvio que a Inter‑Environnement Wallonie só punha em causa a legalidade do decreto recorrido no respeitante às zonas vulneráveis, que são objeto da subsecção 6 da secção 3 deste decreto. Contudo, considerando que o dito decreto, uma vez que constitui um capítulo do Código da Água, contém um conjunto de disposições indissociáveis, pedia a anulação de todas as disposições desse mesmo decreto, incluindo as que eventualmente não se integrassem num «programa» na aceção da Diretiva 2001/42 nem o constituíssem. A Terre wallonne pugnou ainda pela anulação integral do decreto recorrido em razão do caráter indissociável das disposições que contém. Contudo, admitiu no órgão jurisdicional de reenvio que a anulação podia ser proferida sem efeito retroativo, desde que a manutenção dos efeitos do ato recorrido fosse limitada no tempo.

26      Por seu turno, a Região da Valónia considera que a maioria das disposições contidas no decreto recorrido não se integram no conceito de programa adotado nos termos do artigo 5.° da Diretiva 91/676 e, por conseguinte, no conceito de «programa» na aceção da Diretiva 2001/42, nomeadamente por essas disposições não definirem a execução de projetos como os enumerados nos anexos I e II da Diretiva 85/337. Assim, segundo a recorrida no processo principal, só a subsecção 6 da secção 3 do decreto recorrido, na parte respeitante à gestão do azoto em zonas vulneráveis, poderia integrar‑se no conceito de programa de ação exigido pelo artigo 5.° da Diretiva 91/676 e, consequentemente, de «programa» na aceção da Diretiva 2001/42. Daqui resulta que, na falta de uma avaliação ambiental realizada de acordo com o disposto na Diretiva 2001/42, só essa subsecção deve ser anulada, uma vez que, segundo a Região da Valónia, é dissociável das outras disposições do decreto recorrido que constituem o essencial das medidas de transposição da Diretiva 91/676.

27      Na sequência do acórdão Terre wallonne e Inter‑Environnement Wallonie, já referido, o Conseil d’État considerou que o decreto recorrido constituía um «plano» ou «programa» na aceção do artigo 3.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2001/42. Por conseguinte, na medida em que, por um lado, esse decreto, antes da sua adoção, não tinha sido objeto da avaliação ambiental prevista nesta diretiva e, por outro, o Tribunal de Justiça não limitou no tempo os efeitos do seu acórdão Terre wallonne e Inter‑Environnement Wallonie, já referido, este decreto deve ser anulado.

28      Contudo, o órgão jurisdicional de reenvio refere que, na Região da Valónia, a anulação do decreto recorrido com efeito retroativo deixaria o ordenamento jurídico belga sem qualquer medida de transposição da Diretiva 91/676 até readoção do ato anulado, criando assim uma situação de incumprimento do Reino da Bélgica das obrigações que lhe incumbem por força desta diretiva.

29      Nestas condições, o Conseil d’État decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O Conseil d’État,

¾        chamado a pronunciar‑se sobre um recurso de anulação do decreto [recorrido],

¾        que declara que esse decreto foi adotado em violação do procedimento previsto na Diretiva 2001/42[...] e é, por esta razão, contrário ao direito da União Europeia, devendo consequentemente ser anulado,

¾        mas que declara, ao mesmo tempo, que o decreto [recorrido] assegura uma execução conveniente da Diretiva 91/676[...],

pode diferir no tempo os efeitos da anulação jurisdicional durante um curto período necessário à [readoção] do ato anulado a fim de assegurar ao direito do ambiente da União uma certa execução concreta sem quebra de continuidade?»

 Desenvolvimentos ocorridos após a apresentação do pedido de decisão prejudicial

30      Resulta das informações fornecidas nas observações pela Terre wallonne, pelo Governo belga e pela Comissão, informações confirmadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, que o Governo da Valónia, em 31 de março de 2011, adotou um decreto que alterava o livro II do Código do Ambiente, que inclui o Código da Água no que respeita à gestão duradoura do azoto na agricultura (a seguir «novo decreto»).

31      Resulta do preâmbulo deste decreto que foi adotado com base, nomeadamente, na parte V do livro I do Código do Ambiente, relativa à avaliação dos efeitos no ambiente, e na sequência, por um lado, de um parecer sobre o relatório de avaliação estratégica ambiental emitido em 5 de março de 2009 pelo Conselho Valão do Ambiente para o Desenvolvimento Duradouro e, por outro, de um inquérito público realizado de 5 de janeiro a 19 de fevereiro de 2009 inclusive.

32      O artigo 1.° do novo decreto indica que este último transpõe a Diretiva 91/676, enquanto o artigo 4.° dispõe que o decreto recorrido é revogado. Em contrapartida, o artigo 8.° deste novo decreto dispõe que os decretos de execução do decreto recorrido continuam em vigor até à sua revogação pelo seu autor. Além disso, o artigo 3.° desse decreto prevê a substituição do conteúdo do artigo R. 460 do Código do Ambiente, relativo ao Código da Água, por um diploma que preveja a adequação de certas infraestruturas agrícolas, nomeadamente no que respeita ao armazenamento dos estrumes, efluentes de aviários, estrumes líquidos e chorumes. As datas para essa adequação são 31 de dezembro de 2008, 31 de dezembro de 2009 ou 31 de dezembro de 2010, isto é, datas anteriores à data de adoção do novo decreto, e são determinadas principalmente em função de certos limites de produção de azoto, nomeadamente através dos efetivos pecuários. Contudo, esses prazos podem ser diferidos em casos de força maior ou em circunstâncias excecionais.

 Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

33      A Comissão alega, a título principal, que, tendo em conta a adoção do novo decreto, o pedido de decisão prejudicial ficou sem objeto, devendo, por isso, ser julgado inadmissível.

34      Em resposta a uma pergunta formulada pelo Tribunal de Justiça, o Conseil d’État informou que mantinha a questão prejudicial na medida em que o novo decreto não tinha influência no recurso que lhe está submetido, visto que este decreto não rege o período em causa nesse recurso, pois, segundo esse órgão jurisdicional, este novo decreto não tem efeito retroativo.

35      Segundo jurisprudência assente, as questões relativas à interpretação do direito da União colocadas pelo juiz nacional no âmbito regulamentar e factual que define sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não cabe ao Tribunal de Justiça verificar, beneficiam de uma presunção de pertinência. A recusa de o Tribunal de Justiça conhecer de um pedido apresentado por um órgão jurisdicional nacional só é possível se for manifesto que a interpretação que se pede para o direito da União não tem qualquer relação com a realidade ou o objeto da lide principal, quando a questão for de natureza hipotética ou ainda quando o Tribunal de Justiça não disponha dos elementos de facto e de direito necessários para responder de forma útil às questões que lhe são submetidas (v., em último lugar, acórdão de 22 de junho de 2010, Melki e Abdeli, C‑188/10 e C‑189/10, Colet., p. I‑5667, n.° 27 e jurisprudência aí referida).

36      Além disso, em conformidade com jurisprudência assente, compete aos órgãos jurisdicionais nacionais que conhecem de um litígio apreciar tanto a necessidade de uma decisão prejudicial, para estarem em condições de proferir a sua decisão, como a pertinência das questões que colocam ao Tribunal de Justiça (acórdão de 24 de junho de 2008, Commune de Mesquer, C‑188/07, Colet., p. I‑4501, n.° 31 e jurisprudência aí referida).

37      Ora, a este respeito, resulta das indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que a questão por ele submetida é pertinente para o litígio que lhe está submetido e necessita de uma resposta a essa questão para a decisão desse litígio.

38      Nestas condições, há que responder à questão submetida pelo Conseil d’État.

 Quanto à questão prejudicial

39      Com a sua questão e tendo em conta os desenvolvimentos ocorridos na lide principal, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se, em circunstâncias como as da lide principal, em que, chamado a conhecer de um recurso de anulação de um ato nacional que constitui um «plano» ou «programa» na aceção da Diretiva 2001/42, considera que esse plano ou programa foi adotado em violação da obrigação prevista nesta diretiva de se proceder a uma avaliação ambiental prévia, mas verifica que o ato recorrido constitui uma execução aceitável da Diretiva 91/676, pode fazer uso de uma disposição do seu direito nacional que lhe permite manter certos efeitos anteriores desse ato até à data de entrada em vigor das medidas destinadas a corrigir a irregularidade verificada.

40      A título preliminar, refira‑se que o objetivo essencial da Diretiva 2001/42, como resulta do seu artigo 1.°, consiste em submeter os planos e programas suscetíveis de ter efeitos significativos no ambiente, na sua elaboração e antes da sua adoção, a uma avaliação ambiental (acórdãos Terre wallonne e Inter‑Environnement Wallonie, já referido, n.° 32, e de 22 de setembro de 2011, Valčiukienė e o., C‑295/10, Colet., p. I‑8819, n.° 37).

41      Esta diretiva fixa regras mínimas sobre a elaboração do relatório sobre os efeitos ambientais, a execução do processo de consulta, a consideração dos resultados da avaliação ambiental e a comunicação de informações sobre a decisão tomada no termo da avaliação (acórdão Terre wallonne e Inter‑Environnement Wallonie, já referido, n.° 33).

42      Não havendo nessa diretiva quaisquer disposições relativas às consequências a extrair de uma violação das disposições processuais que decreta, cabe aos Estados‑Membros tomarem, no âmbito das suas competências, todas as medidas necessárias, gerais ou particulares, para que todos os «planos» ou «programas» suscetíveis de ter «efeitos significativos no ambiente» na aceção da Diretiva 2001/42 sejam, antes da sua adoção, sujeitos a uma avaliação ambiental, segundo as modalidades processuais e os critérios previstos nessa diretiva (v., por analogia, acórdãos de 24 de outubro de 1996, Kraaijeveld e o., C‑72/95, Colet., p. I‑5403, n.° 61; de 16 de setembro de 1999, WWF e o., C‑435/97, Colet., p. I‑5613, n.° 70; e de 7 de janeiro de 2004, Wells, C‑201/02, Colet., p. I‑723, n.° 65).

43      Com efeito, resulta de jurisprudência assente que, por força do princípio da cooperação leal previsto no artigo 4.°, n.° 3, TUE, os Estados‑Membros têm de eliminar as consequências ilícitas de uma violação do direito da União (v., designadamente, acórdãos de 16 de dezembro de 1960, Humblet/Estado belga, 6/60, Recueil, pp. 1125, 1146, Colet. 1954‑1961, p. 545, e de 19 de novembro de 1991, Francovich e o., C‑6/90 e C‑9/90, Colet., p. I‑5357, n.° 36). Essa obrigação incumbe, no âmbito das suas competências, a cada órgão do Estado‑Membro em causa (acórdãos de 12 de junho de 1990, Alemanha/Comissão, C‑8/88, Colet., p. I‑2321, n.° 13, e Wells, já referido, n.° 64 e jurisprudência aí referida).

44      Daqui resulta que, quando um «plano» ou «programa» devia ter sido sujeito a uma avaliação dos seus efeitos no ambiente antes da sua adoção conforme exigido pela Diretiva 2001/42, as autoridades competentes são obrigadas a tomar todas as medidas gerais ou particulares que corrijam a omissão dessa avaliação (v., por analogia, acórdão Wells, já referido, n.° 68).

45      Essa obrigação cabe igualmente aos órgãos jurisdicionais nacionais chamados a conhecer de recursos interpostos desse ato nacional e, a este respeito, há que recordar que as formas processuais aplicáveis a esses recursos que podem ser interpostos desses «planos» ou «programas» pertencem ao ordenamento jurídico interno de cada Estado‑Membro por força do princípio da autonomia processual dos Estados‑Membros, na condição, porém, de não serem menos favoráveis do que as que regem as situações semelhantes de natureza interna (princípio da equivalência) e de não impossibilitarem na prática ou dificultarem excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (princípio da efetividade) (v. acórdão Wells, já referido, n.° 67 e jurisprudência aí referida).

46      Por conseguinte, os órgãos jurisdicionais dessas causas devem adotar, com base no direito nacional, medidas de suspensão ou anulação do «plano» ou «programa» adotado em violação da obrigação de proceder a uma avaliação ambiental (v., por analogia, acórdão Wells, já referido, n.° 65).

47      Com efeito, o objetivo fundamental da Diretiva 2001/42 seria violado se, chamados a decidir essas causas, os órgãos jurisdicionais nacionais não adotassem, no âmbito desses recursos e nos limites da autonomia processual, as medidas, previstas no direito nacional, adequadas a impedir que esse plano ou programa, incluindo os projetos que viessem a ser acionados no âmbito desse programa, pudesse ser executado sem uma avaliação ambiental.

48      Na lide principal, está assente que o órgão jurisdicional de reenvio é chamado a conhecer de um recurso dessa natureza. Contudo, há que saber se, no âmbito desse recurso e não deixando de anular o decreto recorrido, pode, de forma excecional e em face das circunstâncias específicas do processo principal, utilizar uma disposição nacional que lhe permita manter os efeitos anteriores deste decreto até à data de entrada em vigor das medidas que permitam corrigir a irregularidade verificada.

49      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a manutenção dos efeitos do decreto recorrido, adotado em violação do disposto na Diretiva 2001/42, por um lado, pode ser justificada na medida em que a anulação deste decreto com efeito retroativo deixaria o ordenamento jurídico belga sem qualquer medida de transposição da Diretiva 91/676 na Região da Valónia. Por outro lado, essa manutenção seria relativamente limitada no tempo uma vez que apenas abrangeria o período decorrido até à data de entrada em vigor do novo decreto.

50      O órgão jurisdicional de reenvio considera ainda que, sem estar demonstrada com certeza, a conformidade do decreto recorrido com a Diretiva 91/676 parece resultar nomeadamente da Decisão 2008/96/CE da Comissão, de 20 de dezembro de 2007, que concede uma derrogação solicitada pela Bélgica referente à região da Valónia nos termos da Diretiva 91/676/CEE do Conselho relativa à proteção das águas contra a poluição causada por nitratos de origem agrícola (JO 2008, L 32, p. 21). Com efeito, a Comissão, a fim de autorizar esse Estado‑Membro a permitir a aplicação de uma maior quantidade de efluentes da pecuária que a indicada no anexo III, n.° 2, segundo parágrafo, primeiro período, alínea a), da Diretiva 91/676, tinha procedido a um exame deste decreto, referido no sexto considerando e no artigo 10.° desta decisão, sem apresentar qualquer objeção sobre a forma como essa diretiva tinha sido transposta na Região da Valónia pelo decreto recorrido, nem sobre o facto de o programa de ação no respeitante aos nitratos em zonas vulneráveis, como exigido pelo artigo 5.° desta diretiva e constituído pela subsecção 6 da secção 3 do decreto recorrido, não ter sido adotado mediante avaliação ambiental prévia na aceção da Diretiva 2001/42.

51      O órgão jurisdicional de reenvio considera ainda que o decreto recorrido, no que respeita às zonas vulneráveis, constitui um «programa» na aceção do artigo 2.° da Diretiva 2001/42, visto que é exigido pelo artigo 5.° da Diretiva 91/676 e foi elaborado por uma autoridade a nível nacional ou regional.

52      Por outro lado, embora o Tribunal de Justiça, no acórdão Terre wallonne e Inter‑Environnement Wallonie, já referido, só se tenha pronunciado no que respeita aos programas de ação exigidos pelo artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva 91/676, como o que é constituído pela subsecção 6 da secção 3 do decreto recorrido, o órgão jurisdicional de reenvio tende a considerar que, visto que o decreto recorrido impõe em todas as zonas, incluindo nas zonas vulneráveis, medidas e ações do tipo das enumeradas no artigo 5.° e no anexo III da Diretiva 91/676 e que se destinam a combater a poluição causada por nitratos, esse decreto constitui no seu conjunto um quadro em que a execução de projetos enumerados nos anexos I e II da Diretiva 85/337 poderá ser autorizada, apesar de dever ser considerada um «plano» ou «programa» na aceção do artigo 3.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2001/42 que obriga a uma avaliação ambiental e não depende da verificação prévia de efeitos significativos no ambiente.

53      Além disso, esse órgão jurisdicional considera que o decreto recorrido constitui um sistema organizado e indissociável, pelo que não lhe é possível anular unicamente a parte deste decreto relativa à utilização do azoto em zona vulnerável, no caso, a sua subsecção 6 da secção 3.

54      Assim, o Conseil d’État indica que, em circunstâncias como as da lide principal, deve anular o decreto recorrido pelo facto de, mesmo embora tendo este sido sujeito a um inquérito público em que participaram as recorrentes no processo principal e não tendo estas conseguido provar que a Região da Valónia não teve em conta as observações que tinham apresentado nesse inquérito, o decreto não ter sido contudo sujeito à avaliação ambiental prevista na Diretiva 2001/42. Todavia, desse modo, criará um vazio jurídico no que respeita à aplicação da Diretiva 91/676, quando esta última diretiva, que foi adotada com vista a melhorar a qualidade do ambiente, determina a existência de medidas de transposição no direito nacional e, por outro lado, o dito decreto foi adotado com vista a garantir a execução do acórdão Comissão/Bélgica, já referido.

55      Ora, segundo esse órgão jurisdicional, não é de excluir a possibilidade de o objetivo de um nível elevado de proteção do ambiente, que, de acordo com o artigo 191.° TFUE, é prosseguido pela política da União Europeia nesse domínio, ser mais facilmente atingido, no processo principal, através da manutenção dos efeitos do decreto anulado durante um curto período necessário à sua readoção do que através de uma anulação retroativa.

56      Tendo em conta as particularidades da presente lide expostas nos n.os 50 a 55 do presente acórdão, existe um risco de, ao corrigir por meio da anulação do decreto recorrido a irregularidade que afeta o processo de adoção desse decreto à luz da Diretiva 2001/42, o órgão jurisdicional de reenvio ser levado a criar um vazio jurídico incompatível com a obrigação de o Estado‑Membro adotar as medidas de transposição da Diretiva 91/676 e as medidas impostas a esse Estado pela execução do acórdão Comissão/Bélgica, já referido.

57      A este respeito, há que observar que o órgão jurisdicional de reenvio não invoca fundamentos de natureza económica para ser autorizado a proceder a essa manutenção dos efeitos do decreto recorrido, referindo‑se unicamente ao objetivo de proteção do ambiente, que constitui um dos objetivos essenciais da União e tem caráter transversal e fundamental (v., neste sentido, acórdão de 13 de setembro de 2005, Comissão/Conselho, C‑176/03, Colet., p. I‑7879, n.os 41 e 42).

58      Em face deste objetivo, o órgão jurisdicional de reenvio poderá, tendo em conta a existência de uma consideração imperiosa ligada à proteção do ambiente, ser excecionalmente autorizado a fazer uso da sua disposição nacional que lhe permita manter certos efeitos de um ato nacional anulado, desde que sejam respeitadas as seguintes condições.

59      Em primeiro lugar, o decreto recorrido deve constituir uma medida de transposição correta da Diretiva 91/676.

60      Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio deve verificar se a adoção e a entrada em vigor do novo decreto que previa, nomeadamente no seu artigo 8.°, a manutenção de certos atos adotados com base no decreto recorrido não permitem evitar os efeitos prejudiciais no ambiente resultantes da anulação do decreto recorrido.

61      Em terceiro lugar, a anulação do decreto recorrido tem de ter a consequência de, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, criar um vazio jurídico, no que respeita à transposição da Diretiva 91/676, que seja mais prejudicial ao ambiente. Será esse o caso se essa anulação se vier a traduzir numa menor proteção das águas contra a poluição causada por nitratos de origem agrícola, uma vez que isso iria contra o próprio objetivo essencial desta diretiva, que consiste em evitar essa poluição.

62      Por último, em quarto lugar, uma manutenção excecional dos efeitos desse ato nacional só se poderá justificar durante o tempo estritamente necessário à adoção das medidas que permitam corrigir a irregularidade verificada.

63      Em face do exposto, há que responder à questão submetida que, quando um órgão jurisdicional nacional é chamado, com base no direito nacional, a conhecer de um recurso de anulação de um ato nacional que constitui um «plano» ou «programa» na aceção da Diretiva 2001/42 e verifica que esse «plano» ou «programa» foi adotado em violação da obrigação prevista nesta diretiva de proceder a uma avaliação ambiental prévia, esse órgão jurisdicional tem de adotar todas as medidas gerais ou particulares previstas no seu direito nacional a fim de corrigir a omissão dessa avaliação, incluindo a eventual suspensão ou anulação do «plano» ou «programa» impugnado. Contudo, tendo em conta as circunstâncias específicas do processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio poderá excecionalmente ser autorizado a fazer uso da sua disposição nacional que lhe permite manter certos efeitos de um ato nacional anulado, na medida em que:

¾        esse ato nacional constitua uma medida de transposição correta da Diretiva 91/676;

¾        a adoção e a entrada em vigor do novo ato nacional que contém o programa de ação na aceção do artigo 5.° desta diretiva não permitam evitar os efeitos prejudiciais no ambiente resultantes da anulação do ato recorrido;

¾        a anulação desse ato recorrido tenha a consequência de criar um vazio jurídico no que respeita à transposição da Diretiva 91/676 que seja mais prejudicial ao ambiente no sentido de essa anulação se traduzir numa menor proteção das águas contra a poluição causada por nitratos de origem agrícola e assim ir contra o próprio objetivo essencial desta diretiva; e

¾        uma manutenção excecional dos efeitos desse ato apenas abranja o tempo estritamente necessário à adoção das medidas que permitam corrigir a irregularidade verificada.

 Quanto às despesas

64      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

Quando um órgão jurisdicional nacional é chamado, com base no direito nacional, a conhecer de um recurso de anulação de um ato nacional que constitui um «plano» ou «programa» na aceção da Diretiva 2001/42/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de junho de 2001, relativa à avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente, e verifica que esse «plano» ou «programa» foi adotado em violação da obrigação prevista nesta diretiva de proceder a uma avaliação ambiental prévia, esse órgão jurisdicional tem de adotar todas as medidas gerais ou particulares previstas no seu direito nacional a fim de corrigir a omissão dessa avaliação, incluindo a eventual suspensão ou anulação do «plano» ou «programa» impugnado. Contudo, tendo em conta as circunstâncias específicas do processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio poderá excecionalmente ser autorizado a fazer uso da sua disposição nacional que lhe permite manter certos efeitos de um ato nacional anulado, na medida em que:

¾        esse ato nacional constitua uma medida de transposição correta da Diretiva 91/676/CEE do Conselho, de 12 de dezembro de 1991, relativa à proteção das águas contra a poluição causada por nitratos de origem agrícola;

¾        a adoção e a entrada em vigor do novo ato nacional que contém o programa de ação na aceção do artigo 5.° desta diretiva não permitam evitar os efeitos prejudiciais no ambiente resultantes da anulação do ato recorrido;

¾        a anulação desse ato recorrido tenha a consequência de criar um vazio jurídico no que respeita à transposição da Diretiva 91/676 que seja mais prejudicial ao ambiente no sentido de essa anulação se traduzir numa menor proteção das águas contra a poluição causada por nitratos de origem agrícola e assim ir contra o próprio objetivo essencial desta diretiva; e

¾        uma manutenção excecional dos efeitos desse ato apenas abranja o tempo estritamente necessário à adoção das medidas que permitam corrigir a irregularidade verificada.

Assinaturas


* Língua do processo: francês.