Language of document : ECLI:EU:C:2009:190

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 26 de Março de 2009 (1)

Processo C‑13/07

Comissão das Comunidades Europeias

contra

Conselho da União Europeia

«Organização Mundial do Comércio (OMC) – Adesão do Vietname – Estabelecimento da posição da Comunidade – Escolha da base jurídica correcta – Competência exclusiva ou partilhada – Competência puramente comunitária ou necessidade de participação dos Estados‑Membros – Artigo 133.°, n.os 5 e 6, CE, na redacção que lhe foi dada pelo Tratado de Nice»





I –    Introdução

1.        «Sisyphus would have done a better job» (2). Esta é apenas uma das muitas observações críticas a respeito da nova redacção, introduzida pelo Tratado de Nice (3), das disposições relativas à política comercial comum. Por conseguinte, era previsível que os novos n.os 5 e 6 do artigo 133.° CE, que estão redigidos em termos extremamente complicados, dessem, mais cedo ou mais tarde, origem a litígios.

2.        No caso vertente, o Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar‑se sobre um litígio dessa natureza (4). Este litígio diz respeito à adesão do Vietname à Organização Mundial do Comércio (OMC). A Comissão das Comunidades Europeias e o Conselho da União Europeia discordam quanto à questão de saber se a aprovação desta adesão, no seio da instância competente da OMC, está abrangida apenas pela competência da Comunidade ou se, porém, necessita da participação dos Estados‑Membros, na acepção do artigo 133.°, n.° 6, CE. A última opção foi, de facto, a opção seguida: tanto o Conselho, na qualidade de instituição comunitária, como os representantes dos Estados‑Membros reunidos no seio do Conselho adoptaram decisões para estabelecer as respectivas posições. Deste modo, a aprovação da adesão do Vietname à OMC foi declarada tanto em nome da Comunidade como em nome dos seus Estados‑Membros.

3.        A questão de saber se este procedimento foi correcto do ponto de vista jurídico apresenta uma grande relevância prática que ultrapassa este caso concreto: desde a sua criação em 1 de Janeiro de 1995, a OMC já admitiu 25 novos membros, dos quais três posteriormente à adesão do Vietname no início de 2007. Actualmente, encontram‑se ainda pendentes 29 pedidos de adesão, incluindo‑se entre estes, por exemplo, os pedidos da Rússia e da Sérvia (5).

4.        Para além destas questões relativas à qualidade de membro da OMC, a interpretação dos n.os 5 e 6 do artigo 133.° CE reveste igualmente uma importância não menosprezável para a esfera de actuação da Comunidade no âmbito de negociações dentro e fora da OMC, para o alcance da política comercial comum, bem como para a delimitação de competências entre a Comunidade e os seus Estados‑Membros neste sector nuclear da acção comunitária.

II – Quadro jurídico

A –    Direito comunitário

5.        O quadro jurídico‑comunitário deste litígio é constituído pelos artigos 133.° CE e 300.° CE, que devem ser aplicados com a redacção que lhes foi dada pelo Tratado de Nice.

6.        O artigo 133.°, n.° 1, CE dispõe o seguinte:

«A política comercial comum assenta em princípios uniformes, designadamente no que diz respeito às modificações pautais, à celebração de acordos pautais e comerciais, à uniformização das medidas de liberalização, à política de exportação, bem como às medidas de defesa comercial, tais como as medidas a tomar em caso de dumping e de subsídios.»

7.        O Tratado de Nice reformulou os n.os 5 e 6 do artigo 133.° CE, que apresentam deste então a redacção seguinte:

«5.      Os n.os 1 a 4 são igualmente aplicáveis à negociação e à celebração de acordos nos domínios do comércio de serviços e dos aspectos comerciais da propriedade intelectual, na medida em que os referidos acordos não estejam abrangidos por esses números e sem prejuízo do n.° 6.

Em derrogação do n.° 4, o Conselho delibera por unanimidade no que diz respeito à negociação e à celebração de acordos nos domínios referidos no primeiro parágrafo, sempre que incluam disposições em relação às quais seja exigida a unanimidade para a adopção de normas internas ou sempre que incidam em domínios em que a Comunidade não tenha ainda exercido, através da adopção de normas internas, as suas competências por força do presente Tratado.

O Conselho delibera por unanimidade no que diz respeito à negociação e à celebração de acordos de carácter horizontal na medida em que estejam também abrangidos pelo parágrafo anterior ou pelo segundo parágrafo do n.° 6.

O disposto no presente número não prejudica o direito de os Estados‑Membros manterem ou celebrarem acordos com países terceiros ou com organizações internacionais, desde que esses acordos respeitem o direito comunitário e os outros acordos internacionais pertinentes.

6.      O Conselho não pode celebrar acordos que incluam disposições que excedam as competências internas da Comunidade, tendo nomeadamente por consequência uma harmonização das disposições legislativas e regulamentares dos Estados‑Membros num domínio em que o presente Tratado exclua essa harmonização.

A este respeito, em derrogação do primeiro parágrafo do n.° 5, os acordos no domínio do comércio de serviços culturais e audiovisuais, de serviços educativos, bem como de serviços sociais e de saúde humana, são da competência partilhada entre a Comunidade e os seus Estados‑Membros, pelo que a sua negociação requer, para além de uma decisão comunitária tomada nos termos do disposto no artigo 300.°, o comum acordo dos Estados‑Membros. Os acordos assim negociados são celebrados conjuntamente pela Comunidade e pelos Estados‑Membros.

A negociação e a celebração de acordos internacionais no domínio dos transportes continuam a reger‑se pelo disposto no Título V e no artigo 300.°»

8.        O artigo 300.°, n.° 2, CE, que também foi alterado pelo Tratado de Nice, regula, designadamente, o processo para definir as posições a tomar no seio de instâncias de organizações internacionais:

«Sob reserva das competências reconhecidas à Comissão nesta matéria, a assinatura, que pode ser acompanhada de uma decisão de aplicação provisória antes da entrada em vigor, bem como a celebração dos acordos, são decididas pelo Conselho, deliberando por maioria qualificada, sob proposta da Comissão. O Conselho delibera por unanimidade sempre que o acordo seja relativo a um domínio no qual seja exigida a unanimidade para a adopção de normas internas, bem como no caso dos acordos a que se refere o artigo 310.°

Em derrogação das regras constantes do n.° 3, é aplicável o mesmo processo para decidir da suspensão da aplicação de um acordo, bem como para definir as posições a tomar em nome da Comunidade numa instância criada por um acordo, quando essa instância for chamada a adoptar decisões que produzam efeitos jurídicos, com excepção das decisões que completem ou alterem o quadro institucional do acordo.

[…]»

B –    Regulamentação da Organização Mundial do Comércio

1.      Acordo OMC

9.        O artigo II do Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio (6) (a seguir «acordo OMC») define o âmbito da OMC:

«1.      A OMC constituirá o enquadramento institucional comum para a condução das relações comerciais entre os seus membros em questões relacionadas com os acordos e instrumentos jurídicos conexos incluídos nos anexos do presente acordo.

2.      Os acordos e instrumentos jurídicos conexos incluídos nos anexos 1, 2 e 3, adiante designados ‘acordos comerciais multilaterais’, fazem parte integrante do presente acordo e são vinculativos para todos os membros.

[…]»

10.      O artigo XII do acordo OMC diz respeito à adesão de novos Estados à OMC, dispondo o seguinte:

«1.      Qualquer Estado ou território aduaneiro distinto que possua plena autonomia na condução das suas relações comerciais externas e em relação a outras questões previstas no presente acordo e nos acordos comerciais multilaterais pode aderir ao presente acordo, em condições a acordar entre ele e a OMC. Tal adesão é aplicável relativamente ao presente acordo e aos acordos comerciais multilaterais que o acompanham.

2.      As decisões em matéria de adesão serão tomadas pela Conferência Ministerial. A Conferência Ministerial aprovará o acordo sobre as modalidades de adesão por uma maioria de dois terços dos membros da OMC.

[…]»

11.      No intervalo entre as reuniões da Conferência Ministerial, as funções desta serão exercidas pelo Conselho Geral da OMC, nos termos do artigo IV, n.° 2, segundo período, do acordo OMC.

2.      GATS

12.      O Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (a seguir «GATS») (7) é um acordo comercial multilateral, na acepção do artigo II, n.° 2, do acordo OMC, e é vinculativo para todos os membros da OMC, nos termos da mesma disposição.

13.      O artigo II, n.° 1, do GATS contém a seguinte cláusula da nação mais favorecida:

«Relativamente a todas as medidas abrangidas pelo presente acordo, cada membro concederá imediata e incondicionalmente aos serviços e prestadores de serviços de qualquer outro membro um tratamento não menos favorável do que o concedido aos serviços e prestadores de serviços equivalentes de qualquer outro país.»

14.      A parte III do GATS, que compreende os seus artigos XVI a XVIII, é dedicada aos denominados compromissos específicos assumidos pelos membros. Quanto ao acesso ao mercado, o artigo XVI, n.° 1, do GATS determina o seguinte:

«No que diz respeito ao acesso ao mercado através dos modos de prestação definidos no artigo I, cada membro concederá aos serviços e aos prestadores de serviços de qualquer outro membro um tratamento não menos favorável do que o concedido de acordo com as condições e limitações acordadas e especificadas na sua lista.»

15.      Quanto ao tratamento nacional, o artigo XVII, n.° 1, do GATS contém a seguinte disposição:

«Nos sectores inscritos na sua lista, e tendo em conta as condições e qualificações aí estabelecidas, cada membro concederá aos serviços e aos prestadores de serviços de qualquer outro membro, relativamente a todas as medidas que afectem a prestação de serviços, um tratamento não menos favorável do que o que concede aos serviços e prestadores de serviços nacionais comparáveis.»

16.      Por último, o artigo XX do GATS dispõe, sob a epígrafe «Listas de compromissos específicos», o seguinte:

«1.      Cada membro estabelecerá uma lista incluindo os compromissos específicos que assume ao abrigo da parte III do presente acordo. […]

[…]

3.      As listas de compromissos específicos serão anexas ao presente acordo, constituindo uma parte integrante do mesmo.»

3.      Acordo TRIPS

17.      O Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio (a seguir «acordo TRIPS») (8) é igualmente um acordo comercial multilateral, na acepção do artigo II, n.° 2, do acordo OMC, e é vinculativo para todos os membros da OMC, nos termos da mesma disposição. No presente litígio, assume especial relevância o artigo 61.° do acordo TRIPS, que dispõe o seguinte:

«Os membros preverão processos penais e penas aplicáveis pelo menos em casos de contrafacção deliberada de uma marca ou de pirataria em relação ao direito de autor numa escala comercial. As sanções possíveis incluirão a prisão e/ou sanções pecuniárias suficientes para constituir um factor dissuasivo, em conformidade com o nível de penas aplicadas a delitos de gravidade correspondente. Nos casos apropriados, as sanções possíveis incluirão igualmente a apreensão, arresto e destruição das mercadorias em infracção e de quaisquer materiais e instrumentos que tenham sido utilizados predominantemente na prática do delito. […]»

III – Antecedentes do litígio

18.      O procedimento, no âmbito do Conselho da União Europeia, que está na base deste litígio tinha por objecto a preparação a nível intracomunitário da adesão do Vietname à OMC.

19.      Em 27 de Outubro de 2006, a Comissão transmitiu ao Conselho uma proposta de decisão relativa à posição a adoptar pela Comunidade, no âmbito do Conselho Geral da OMC, no que diz respeito à adesão do Vietname (9). Nesta proposta, a Comissão indicou como base jurídica o artigo 133.°, n.os 1 e 5, CE, em conjugação com o artigo 300.°, n.° 2, CE.

20.      A proposta da Comissão foi debatida no Conselho. No seio deste último, os representantes dos Estados‑Membros consideraram que a proposta se referia igualmente, entre outras, a matérias abrangidas pelo n.° 6 do artigo 133.° CE.

21.      Consequentemente, em 6 de Novembro de 2006, o Conselho adoptou por unanimidade a sua decisão que estabelece a posição da Comunidade no seio do Conselho Geral da Organização Mundial do Comércio relativamente à adesão do Vietname à Organização Mundial do Comércio (10). Segundo esta posição, a Comunidade, representada pela Comissão, aprovaria no seio do Conselho Geral da OMC a adesão do Vietname. No entanto, para além das disposições já contidas na proposta apresentada pela Comissão, o Conselho recorreu igualmente, como base jurídica, ao artigo 133.°, n.° 6, CE. O Conselho considerava estar‑se perante um caso de competência mista da Comunidade e dos seus Estados‑Membros.

22.      Na mesma data, os representantes dos Estados‑Membros reunidos no seio do Conselho adoptaram uma posição conjunta dos Estados‑Membros no que diz respeito à adesão do Vietname à OMC e autorizaram a Comissão a adoptar, em nome dos Estados‑Membros, esta posição no âmbito do Conselho Geral da OMC. Esta posição consistia igualmente na aprovação da adesão do Vietname à OMC (11).

23.      Numa declaração a exarar na acta do Conselho, a Comissão, reservando‑se o direito de utilizar todos os meios jurídicos à sua disposição, protestou contra a utilização do artigo 133.°, n.° 6, CE como base jurídica suplementar para a decisão do Conselho e contra a decisão simultaneamente adoptada pelos representantes dos Estados‑Membros reunidos no seio Conselho (12).

24.      Em 7 de Novembro de 2006, o Conselho Geral da OMC decidiu, com a aprovação da Comunidade e dos seus Estados‑Membros, ambos representados pela Comissão, admitir o Vietname na OMC. Por sua vez, após a ratificação do protocolo de adesão, o Vietname tornou‑se, em 11 de Janeiro de 2007, o 150.° membro da Organização Mundial do Comércio. As particularidades da adesão do Vietname constam do protocolo de adesão, que contém igualmente os compromissos específicos assumidos por este país.

IV – Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

25.      Por petição de 15 de Janeiro de 2007 (13), com base no artigo 230.° CE, a Comissão interpôs recurso da «decisão do Conselho e dos Estados‑Membros que estabelece a posição da Comunidade e dos Estados‑Membros no seio do Conselho Geral da Organização Mundial do Comércio relativamente à adesão da República Socialista do Vietname à Organização Mundial do Comércio».

26.      A Comissão pede que o Tribunal de Justiça se digne:

–        anular esta decisão,

–        declarar que os efeitos da decisão impugnada são definitivos, e

–        condenar o Conselho nas despesas.

27.      O Conselho pede que o Tribunal de Justiça se digne:

–        julgar o recurso inadmissível na parte em que se refere à decisão dos representantes dos Estados‑Membros reunidos no seio do Conselho,

–        negar, quanto ao mais, provimento ao recurso,

–        subsidiariamente, no caso de o Tribunal de Justiça anular as decisões impugnadas, declarar que os seus efeitos são definitivos, e

–        condenar a recorrente nas despesas.

28.      Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 5 de Junho de 2007, a República Federal da Alemanha, o Reino de Espanha, a República Francesa, a República da Finlândia e o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, tendo apresentado dentro do prazo os respectivos pedidos nesse sentido, foram autorizados a intervir em apoio do Conselho (artigo 93.°, n.os 3 a 6, do Regulamento de Processo).

29.      Além disso, nos termos do artigo 93.°, n.° 7, do Regulamento de Processo, o presidente do Tribunal de Justiça autorizou a República Helénica e a República Checa, respectivamente por despachos de 8 de Junho de 2008 e de 30 de Julho de 2007, a intervirem em apoio do Conselho.

30.      Todos os intervenientes pedem que o Tribunal de Justiça se digne negar provimento ao recurso, sendo que a Finlândia, a Espanha e o Reino Unido invocam igualmente a inadmissibilidade do recurso na parte em que se refere à decisão dos representantes dos Estados‑Membros reunidos no seio do Conselho.

31.      Nas suas observações a respeito das alegações dos intervenientes, o Conselho alega que a Espanha, nas duas observações, relevou detalhes acerca das deliberações do Conselho, incluindo uma posição jurídica aí expressa do Serviço Jurídico do Conselho. Concordo com o Conselho quando este afirma que essas informações – pelo menos na pendência do presente processo contencioso – são susceptíveis de ser abrangidas pela obrigação de sigilo profissional prevista no artigo 6.° do Regulamento Interno do Conselho e que a sua divulgação exigiria possivelmente uma autorização prévia. Consequentemente, não terei em conta essas informações nas minhas conclusões neste processo (14).

32.      Relativamente ao recurso interposto pela Comissão, foram apresentadas no Tribunal de Justiça, em primeiro lugar, observações escritas e, seguidamente, em 3 de Fevereiro de 2009, alegações orais.

V –    Admissibilidade do recurso

33.      De acordo com o seu pedido, a Comissão interpôs recurso «da decisão». Na réplica, a Comissão refere a este respeito que, de facto, do ponto de vista formal, existem duas decisões distintas: por um lado, a decisão adoptada pelo Conselho que estabelece a posição da Comunidade e, por outro, uma decisão equivalente dos representantes dos Estados‑Membros reunidos no seio do Conselho. No entanto, a Comissão afirma que ambas as decisões se encontram ligadas de forma indissociável, pelo que, na verdade, se trata de uma única decisão sujeita, no seu todo, à fiscalização do Tribunal de Justiça.

34.      A este respeito, há que considerar, em primeiro lugar, que uma posição da Comunidade adoptada pelo Conselho segundo o artigo 300.°, n.° 2, segundo parágrafo, CE pode ser objecto de um recurso de anulação nos termos do artigo 230.°, primeiro parágrafo, CE. Com efeito, de acordo com o artigo 230.° CE, os actos do Conselho estão sujeitos à fiscalização do Tribunal de Justiça e, segundo jurisprudência assente, é admissível interpor recurso de anulação de todas as medidas tomadas pelas instituições que se destinem a produzir efeitos jurídicos, quaisquer que sejam a respectiva natureza jurídica e forma (15).

35.      Do mesmo modo, uma decisão do Conselho adoptada nos termos do artigo 300.°, n.° 2, segundo parágrafo, CE não constitui só um acto preparatório, antes também encerrando o processo de formação da opinião intracomunitária. Essa decisão estabelece a posição da Comunidade de modo definitivo e com efeitos jurídicos vinculativos, tal como deve ser posteriormente defendida pela Comissão em instâncias internacionais.

36.      Por conseguinte, o recurso interposto pela Comissão é admissível na parte em que visa a decisão do Conselho que estabelece a posição da Comunidade.

37.      Em contrapartida, o «comum acordo dos Estados‑Membros», na acepção do artigo 133.°, n.° 6, CE, decidido, no caso vertente, pelos representantes dos Estados‑Membros reunidos no seio do Conselho, não constitui um acto normativo recorrível nos termos do artigo 230.°, primeiro parágrafo, CE. De facto, este acordo não constitui um acto do Conselho, mas sim um acto conjunto dos representantes dos Estados‑Membros.

38.      Ao contrário do que a Comissão afirma, a referência conjunta à decisão da Comunidade e ao acordo dos Estados‑Membros, no artigo 133.°, n.° 6, CE, não converte estes dois actos normativos distintos num único acto normativo sui generis abrangido, no seu todo, pela competência do Tribunal de Justiça nos termos do artigo 230.°, primeiro parágrafo, CE. A própria redacção do artigo 133.°, n.° 6, CE demonstra que os dois actos normativos são independentes um do outro, sendo necessário, «para além» de uma decisão da Comunidade, o acordo dos Estados‑Membros.

39.      É certo que o Tribunal de Justiça decidiu que não basta que um acto normativo seja qualificado de decisão dos Estados‑Membros para escapar à sua fiscalização prevista no artigo 230.° CE (16). Do mesmo modo, não é relevante a questão de saber se o acto em causa foi adoptado pela instituição por força das disposições do Tratado (17).

40.      No entanto, no caso vertente, a decisão dos representantes dos Estados‑Membros reunidos no seio do Conselho não é susceptível de ser considerada, face ao seu conteúdo e ao conjunto das circunstâncias em que foi adoptada, uma decisão dissimulada do Concelho. O Conselho, por um lado, e os representantes dos Estados‑Membros, por outro, adoptaram deliberadamente duas decisões distintas, conforme previsto expressamente pelo artigo 133.°, n.° 6, CE. Portanto, face ao conteúdo e às circunstâncias em que foi decidido, o comum acordo dos Estados‑Membros constitui uma verdadeira decisão dos representantes dos Estados‑Membros, que não pode ser objecto de fiscalização por parte do Tribunal de Justiça quanto à sua legalidade (18).

41.      Desta conclusão não resultam, de resto, quaisquer lacunas do ponto de vista da protecção jurídica, uma vez que a Comissão tem a possibilidade de agir contra os Estados‑Membros envolvidos, intentando uma acção por incumprimento (artigo 226.° CE), sempre que considere que estes, através da sua participação a par da Comunidade, violaram as competências desta.

42.      Por conseguinte, o recurso interposto pela Comissão é inadmissível na parte em que tem por objecto o comum acordo dos Estados‑Membros.

VI – Quanto ao mérito do recurso

43.      O recurso interposto pela Comissão baseia‑se num único fundamento de anulação, nomeadamente no facto de, ao estabelecer a posição da Comunidade relativamente à adesão do Vietname à OMC, o Conselho ter indevidamente considerado pertinente o artigo 133.°, n.° 6, CE e, por conseguinte, ter, também indevidamente, considerado necessária uma actuação conjunta da Comunidade e dos seus Estados‑Membros. No essencial, a Comissão censura o Conselho por este não ter esgotado integralmente as competências externas existentes da Comunidade e tê‑las partilhado ilegalmente – em vez de actuar sozinho – com os representantes dos Estados‑Membros.

44.      Este recurso será procedente caso se verifique que a aprovação da adesão do Vietname à OMC deveria ter sido concedida unicamente por parte da Comunidade, isto é, com exclusão dos seus Estados‑Membros.

A –    Observação preliminar: Exigência de uma base jurídica tanto processual como material

45.      Em virtude do princípio da atribuição de competências (artigo 5.°, primeiro parágrafo, CE), a Comunidade actua nos limites das atribuições que lhe são conferidas e dos objectivos que lhe são cometidos pelo Tratado CE. Este princípio é válido tanto para os actos comunitários internos como para os actos comunitários internacionais (19). No mesmo sentido, decorre do artigo 7.°, n.° 1, segundo parágrafo, CE que o Conselho apenas pode actuar nos limites das atribuições e competências que lhe são conferidas pelo Tratado CE.

46.      Do ponto de vista processual, todas as partes intervenientes estão de acordo em relação ao facto de a posição da Comunidade relativamente à adesão do Vietname à OMC ter sido estabelecida correctamente pelo Conselho da União Europeia sob a forma de uma decisão nos termos do artigo 300.°, n.° 2, segundo parágrafo, CE. Com efeito, o Conselho Geral da OMC consiste numa instância criada pelo acordo OMC que é chamada a adoptar decisões que produzem efeitos jurídicos em matéria de adesão de novos membros à OMC (artigo XII, n.° 2, em conjugação com o artigo IV, n.° 2, do acordo OMC).

47.      Além disso, é incontestável que uma decisão desse tipo, que estabelece a posição da Comunidade, necessita igualmente, para além do artigo 300.°, n.° 2, segundo parágrafo, CE, de uma base jurídica material, da qual resulte o âmbito das competências e, portanto, em última análise, a esfera de actuação da Comunidade estabelecida pelo Tratado CE (20). Todas as partes intervenientes concordam que se deve procurar esta base jurídica nas disposições relativas à política comercial comum. A este respeito, resulta da conjugação com o artigo 300.°, n.° 2, segundo parágrafo, CE que o artigo 133.° CE é susceptível de ser aplicado não só aos acordos comerciais clássicos, mas também ao voto da Comunidade no seio das instâncias de uma organização internacional.

48.      Uma vez que a admissão de um novo membro na OMC afecta não apenas o domínio clássico da política comercial, mas também o comércio de serviços e os aspectos comerciais da propriedade intelectual (21), o artigo 133.°, n.° 1, CE não é suficiente como base jurídica, devendo, pelo contrário, recorrer‑se adicionalmente à nova versão do n.° 5 da referida disposição. A este respeito, para efeitos do presente processo, pode ficar em aberto a questão de saber se os conceitos de «comércio de serviços» e de «aspectos comerciais da propriedade intelectual», na acepção do artigo 133.°, n.° 5, CE, são inteiramente coincidentes com os conceitos utilizados pelo acordo OMC, visto que não se trata de uma questão decisiva para a resolução do presente litígio.

49.      No caso vertente, apenas é objecto de uma acesa controvérsia a questão de saber se, para além dos n.os 1 e 5 do artigo 133.° CE, também se deveria aplicar o n.° 6 do referido artigo. Na verdade, ao contrário do que o Conselho e a Comissão parecem reconhecer, o artigo 133.°, n.° 6, CE não contém, em si mesmo, qualquer base jurídica específica para uma acção da Comunidade. Porém, dado que define os limites do âmbito de aplicação de uma outra base jurídica, nomeadamente do artigo 133.°, n.° 5, CE, o n.° 6 do referido artigo reveste uma importância considerável para efeitos da determinação das respectivas esferas de actuação da Comunidade e dos seus Estados‑Membros no que diz respeito à adesão do Vietname à OMC.

B –    Quanto à possibilidade, invocada pelo Conselho, de uma participação voluntária dos Estados‑Membros a par da Comissão no quadro do artigo 133.°, n.° 5, CE

50.      O Conselho considera que a actuação conjunta da Comunidade e dos seus Estados‑Membros no que respeita à admissão do Vietname na OMC teria sido admissível do ponto de vista jurídico mesmo se a base jurídica material resultasse unicamente dos n.os 1 e 5 do artigo 133.° CE e o seu n.° 6 não assumisse qualquer relevância. Com efeito, no âmbito do artigo 133.°, n.° 5, CE, os Estados‑Membros podem igualmente participar de forma voluntária nas acções comunitárias. Portanto, mesmo que o artigo 133.°, n.° 6, CE não fosse pertinente, a referência feita a esta disposição aquando do estabelecimento da posição da Comunidade constituiria, quando muito, um vício de carácter formal.

51.      É certo que a referência a uma base jurídica errada, bem como o recurso a uma base jurídica errada a par da base jurídica realmente pertinente, apenas conduz à anulação do acto normativo controvertido se o vício em causa não tiver carácter meramente formal, ou seja, se se tratar de um vício que pode afectar o procedimento aplicável e, assim, em última análise, o conteúdo do acto normativo (22). Se, no caso vertente, a referência ao artigo 133.°, n.° 6, CE, constituísse simplesmente um vício de carácter formal, ter‑se‑ia de negar provimento ao recurso interposto pela Comissão. Nesse caso, o fundamento de anulação invocado pela Comissão não poderia, desde logo, ser acolhido e seria, portanto, inoperante (em francês «inopérant») (23).

52.      Todavia, a questão de saber se a tese do Conselho tem fundamento depende da correcta classificação da competência prevista no artigo 133.°, n.° 5, CE: ter‑se‑á de tratar de uma competência não exclusiva da Comunidade que autorize, além disso, os Estados‑Membros a actuar paralelamente à Comunidade. Com efeito, só se o artigo 133.°, n.° 5, CE permitir efectivamente essa actuação conjunta da Comunidade e dos Estados‑Membros e de forma alguma a proibir é que a questão aqui controvertida da aplicabilidade do artigo 133.°, n.° 6, CE pode ficar em aberto.

1.      O artigo 133.°, n.° 5, CE não estabelece uma competência exclusiva da Comunidade

53.      No âmbito do artigo 133.°, n.° 5, CE, uma actuação dos Estados‑Membros a par da Comunidade seria, desde logo, inadmissível se esta nova competência da Comunidade tivesse carácter exclusivo, como a Comissão parece pressupor como evidente.

54.      Na actual versão dos Tratados, não se regula exaustivamente quais são as competências da Comunidade que têm carácter exclusivo e quais são as competências que esta partilha com os Estados‑Membros. Os Tratados pressupõem efectivamente a existência de competências exclusivas da Comunidade [artigo 5.°, segundo parágrafo, CE e artigo 43.°, alínea e), UE], nas quais se inclui, de acordo com jurisprudência assente, a política comercial comum na sua formulação clássica, como é definida no artigo 133.°, n.° 1, CE (24).

55.      Não obstante, a exclusividade das competências comunitárias apenas deve ser admitida a título excepcional, sendo que, em regra, a Comunidade partilha as suas competências com os Estados‑Membros. Com efeito, só assim se pode assegurar que o princípio da subsidiariedade, uma regra fundamental dos Tratados que apenas é aplicável nos domínios que não são da competência exclusiva da Comunidade (artigo 5.°, segundo parágrafo, CE), disponha de um âmbito de aplicação adequado. A possibilidade de uma cooperação reforçada, que tem vindo a assumir uma importância crescente, não é igualmente aplicável no âmbito das competências exclusivas da Comunidade [artigo 43.°, alínea d), UE].

56.      Neste contexto, não é de modo algum obrigatório que o carácter exclusivo da competência prevista no artigo 133.°, n.° 1, CE se estenda igualmente à competência, criada com o Tratado de Nice, prevista no artigo 133.°, n.° 5, CE. Com efeito, ao contrário do que sucede no artigo III‑315.°, n.° 1, do Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa (25) e no futuro artigo 207.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (26), o Tratado de Nice não integrou o comércio de serviços e os aspectos comerciais da propriedade intelectual na base jurídica, já existente, prevista no artigo 133.°, n.° 1, CE, tendo antes criado para estes domínios uma nova base jurídica separada, que comporta, como resulta do artigo 133.°, n.os 5 e 6, CE, numerosas particularidades do ponto de vista material e processual. Por outras palavras: embora, nos termos do n.° 5, primeiro parágrafo, do artigo 133.° CE, as disposições relativas à política comercial clássica previstas nos n.os 1 a 4 «sejam aplicáveis» à negociação e à celebração de acordos nos dois novos domínios aí referidos, essas disposições não são aplicáveis sem qualquer limitação.

57.      A nova competência prevista no artigo 133.°, n.° 5, CE apenas poderia ser considerada uma competência exclusiva caso estivesse assente que a competência para negociar e celebrar acordos nos domínios do comércio de serviços e dos aspectos comerciais da propriedade intelectual foi transmitida plena e definitivamente para a Comunidade e que, por conseguinte, os Estados‑Membros deixaram de estar autorizados a exercer uma competência própria nestes domínios (27), mesmo que a própria Comissão ainda não tenha adoptado qualquer medida (28). Assim, é característico da competência exclusiva que apenas a Comunidade esteja autorizada a agir (29).

58.      No entanto, este não é o caso do artigo 133.°, n.° 5, CE. Com efeito, como esclarece o quarto parágrafo desta disposição, o direito de os Estados‑Membros manterem ou celebrarem acordos com países terceiros ou com organizações internacionais, desde que esses acordos respeitem o direito comunitário e os outros acordos internacionais pertinentes, não é prejudicado. Portanto, a competência neste domínio não foi transmitida plena e definitivamente à Comunidade através do Tratado de Nice.

59.      Consequentemente, a regra de competência enunciada no artigo 133.°, n.° 5, CE carece de uma característica fundamental das competências exclusivas, nomeadamente a exclusão de qualquer acto paralelo e concorrente dos Estados‑Membros.

60.      Há que reconhecer que, de facto, os Estados‑Membros podem igualmente agir, a título excepcional, no domínio das competências exclusivas da Comunidade, se esta os autorizar expressamente a tal (30). Porém, o artigo 133.°, n.° 5, quarto parágrafo, CE não pode ser entendido como uma autorização neste sentido. Com efeito, nesta disposição, a Comissão não concede uma autorização para o exercício pelos Estados‑Membros de uma competência que, na realidade, lhe estaria reservada, tendo antes os Estados‑Membros, enquanto «senhores dos Tratados», reservado expressamente para eles próprios estas competências no Tratado de Nice.

61.      Além disso, ao contrário daquele que é o entendimento da Comissão, a reserva prevista no artigo 133.°, n.° 5, quarto parágrafo, CE não garante, de modo algum, aos Estados‑Membros apenas o direito de celebrar acordos noutros domínios, que apenas de forma marginal sejam susceptíveis de ter pontos de contacto com a política comercial comum, como, por exemplo, os acordos sobre dupla tributação. Do mesmo modo, o artigo 133.°, n.° 5, quarto parágrafo, CE não pode ser entendido como uma mera disposição transitória, que autoriza os Estados‑Membros a manterem os seus acordos já existentes com países terceiros no domínio do comércio de serviços e dos aspectos comerciais da propriedade intelectual. Nem a redacção, nem o espírito e o objectivo ou o contexto regulamentar desta disposição, fornecem qualquer elemento a favor de uma interpretação tão restritiva.

62.      Na verdade, embora todas as alterações introduzidas através do Tratado de Nice no artigo 133.° CE se destinem a atribuir à Comunidade novas competências no domínio do comércio externo, elas têm, simultaneamente, por função assegurar aos Estados‑Membros determinadas possibilidades de acção e direitos de participação próprios no mesmo domínio.

63.      Deve concordar‑se com a Comissão quando afirma que uma competência exclusiva da Comunidade nos domínios do comércio de serviços e dos aspectos comerciais da propriedade intelectual seria mais adequada para assegurar a defesa eficaz dos interesses europeus a nível internacional. No entanto, mediante a regra estabelecida no artigo 133.°, n.° 5, CE, a Comissão não adquiriu ainda uma competência deste tipo. Pelo contrário, este passo apenas é dado no Tratado de Lisboa: o artigo 207.°, n.° 1, do TFUE passa expressamente a equiparar os «novos» domínios da política comercial (31) aos domínios clássicos, e a política comercial comum no seu todo é expressamente enquadrada nas competências exclusivas da União [artigo 3.°, n.° 1, alínea e), do TFUE] (32).

64.      Porém, até à entrada em vigor do Tratado de Lisboa, a competência da Comunidade prevista no artigo 133.°, n.° 5, CE pode, quando muito, pontualmente converter‑se numa competência exclusiva, designadamente de acordo com a denominada doutrina AETR (33). No entanto, é facto assente que, até à data, a Comunidade não adquiriu, por esta via, qualquer competência exclusiva abrangente no domínio do comércio de serviços e dos aspectos comerciais da propriedade intelectual.

65.      Assim, a competência da Comunidade prevista no artigo 133.°, n.° 5, CE não constitui – em todo o caso, no estádio actual do direito comunitário – uma competência exclusiva.

66.      Do simples facto de no caso de artigo 133.°, n.° 5, CE não estar em causa uma competência exclusiva da Comunidade não decorre, todavia, necessariamente – ao contrário do que sustenta o Conselho –que os Estados‑Membros possam automaticamente participar a par da Comunidade na tomada de decisão sobre a adesão do Vietname à OMC.

2.      O artigo 133.°, n.° 5, CE cria uma competência concorrente e não paralela

67.      Uma participação dos Estados‑Membros a par da Comunidade apenas seria admissível no âmbito do artigo 133.°, n.° 5, CE (e sem recorrer simultaneamente ao artigo 133.°, n.° 6, CE) se existissem competências paralelas por parte da Comunidade e dos seus Estados‑Membros nos domínios do comércio de serviços e dos aspectos comerciais da propriedade intelectual.

68.      Uma análise meramente superficial do artigo 133.°, n.° 5, quarto parágrafo, CE poderia permitir concluir pela existência dessas competências paralelas. Esta disposição é semelhante, na sua redacção, à prevista no artigo 181.°, segundo parágrafo, CE, que, no âmbito da cooperação para o desenvolvimento, esclarece que a competência da Comunidade para celebrar acordos com partes terceiras não prejudica a competência dos Estados‑Membros para negociar nas instâncias internacionais e celebrar acordos internacionais (34). A jurisprudência entendeu esta circunstância no sentido da existência de competências paralelas, de modo que, ao abrigo do artigo 181.°, segundo parágrafo, CE, os Estados‑Membros têm o direito de assumir eles próprios, no âmbito da cooperação para o desenvolvimento, compromissos para com países terceiros, colectiva ou individualmente, ou mesmo em conjunto com a Comunidade (35).

69.      Todavia, ao proceder‑se a uma análise mais detalhada, e embora existam algumas semelhanças na sua redacção, verificam‑se diferenças significativas entre o artigo 133.°, n.° 5, quarto parágrafo, CE, por um lado, e o artigo 181.°, segundo parágrafo, CE, por outro, que resultam das particularidades das respectivas políticas comunitárias. Como me proponho explicar em seguida, estas diferenças opõem‑se à aplicação da jurisprudência proferida no âmbito da cooperação para o desenvolvimento às novas competências da Comunidade no domínio da política comercial comum.

70.      Assim, a política da Comunidade em matéria de cooperação para o desenvolvimento constitui simplesmente um complemento às políticas dos Estados‑Membros (artigo 177.°, n.° 1, CE) (36). Uma actuação autónoma por parte dos Estados‑Membros neste domínio –colectiva ou individualmente, ou mesmo em conjunto com a Comunidade – pode permitir a repartição dos encargos financeiros e técnicos decorrentes da cooperação para o desenvolvimento na Europa. Isto pode resultar numa cooperação para o desenvolvimento globalmente mais intensiva do que no caso de só a Comunidade poder celebrar acordos com países terceiros neste domínio. De modo simplificado, os artigos 181.°, segundo parágrafo, e 177.°, n.° 1, CE encontram‑se subordinados ao princípio segundo o qual quanto mais ajuda ao desenvolvimento, melhor. Por conseguinte, corresponde ao espírito e ao objectivo da cooperação para o desenvolvimento admitir a existência de competências paralelas da Comunidade e dos seus Estados‑Membros. Os Estados‑Membros estão naturalmente obrigados a, no exercício das suas próprias competências, coordenarem a sua acção com a da Comunidade (artigo 180.°, n.° 1, CE) e a respeitarem o primado do direito do comunitário.

71.      O mesmo é igualmente válido, de resto, no direito da concorrência (artigos 81.° e 82.° CE). Segundo jurisprudência constante, o direito da concorrência comunitário e o direito da concorrência nacional aplicam‑se paralelamente, dado que consideram as práticas restritivas sob ângulos diferentes (37). Portanto, também neste âmbito corresponde ao espírito e ao objectivo do regime em causa do Tratado CE admitir a existência de competências paralelas da Comunidade e dos seus Estados‑Membros (38).

72.      A situação é, porém, diferente, no domínio do comércio externo, sobre o qual o Tribunal de Justiça se deve pronunciar no caso vertente: quantos mais actores actuarem do lado europeu no plano internacional, mais difícil será defender eficazmente, ao nível externo, tanto os interesses da Comunidade como os dos seus Estados‑Membros, sobretudo perante parceiros comerciais importantes. Ainda que a Comissão actue nas negociações como porta‑voz comum da Comunidade e dos Estados‑Membros, assistir-se-á previamente a um trabalho de coordenação consideravelmente complexo, ao qual se juntará uma obrigação prática de obter a unanimidade, caso todos os seus Estados‑Membros também actuem individualmente, a par da Comunidade, no plano internacional.

73.      Além disso, há o risco de determinados Estados‑Membros, em detrimento do interesse comum, dificultarem ou atrasarem as negociações com Estados terceiros, a fim de obterem concessões para si mesmos. Em sentido inverso, para Estados terceiros pode ser suficiente, aquando de negociações «com a Europa», pressionar determinados Estados‑Membros da UE para, deste modo, obrigarem a Comunidade, no seu todo, a efectuar concessões. Além disso, o risco de queixas apresentadas por parte de Estados terceiros no âmbito do sistema de resolução de litígios da OMC é tanto maior quantos mais actores actuarem do lado europeu no plano internacional e assumirem compromissos.

74.      Por conseguinte, no domínio da política comercial comum, os acordos em que, a par da Comunidade, participam igualmente os seus Estados‑Membros apresentam‑se como um corpo estranho (39). Estes deveriam ser apenas admissíveis nos domínios em que a Comunidade, sozinha, não dispõe de qualquer competência ou de uma competência suficiente, dependendo, portanto, de uma participação dos seus Estados‑Membros no plano internacional. Contudo, com excepção dos domínios enumerados no n.° 6, esta circunstância não se verifica no caso do artigo 133.°, n.° 5, CE.

75.      Pelas razões precedentes, o artigo 133.°, n.° 5, CE deveria ser interpretado no sentido de que, no seu âmbito de aplicação, não é admissível uma participação voluntária dos Estados‑Membros a par da Comunidade. Pelo contrário, na medida em que a Comunidade exerça as suas competências próprias previstas no artigo 133.°, n.° 5, CE, os Estados‑Membros, por sua vez, deixam de poder exercer quaisquer competências nos domínios do comércio de serviços e dos aspectos comerciais da propriedade intelectual.

76.      Por outras palavras, a nova competência em matéria de comércio externo concedida pelo artigo 133.°, n.° 5, CE não tem carácter paralelo, mas sim concorrente. As competências concorrentes (também denominadas por competências partilhadas) são caracterizadas pelo facto de os Estados‑Membros poderem exercer a sua competência desde e na medida em que a Comunidade não tenha exercido a sua (40). Porém, se a Comunidade exercer a sua competência, actuará então sozinha, até aos limites desta competência.

77.      À aceitação de uma competência concorrente da Comunidade no âmbito do artigo 133.°, n.° 5, CE não se opõe igualmente o seu quarto parágrafo, podendo esta disposição, pelo contrário, ser entendida precisamente como expressão do carácter concorrente da nova competência em matéria de comércio externo. Com efeito, tendo em consideração o objectivo de uma defesa o mais eficaz possível dos interesses da Comunidade a nível internacional, os Estados‑Membros não podem estar autorizados, de forma ilimitada, a manterem ou celebrarem acordos com países terceiros ou com organizações internacionais nos domínios do comércio de serviços e dos aspectos comerciais da propriedade intelectual, excepto se e na medida em que a própria Comunidade não tenha actuado.

78.      A segunda parte do artigo 133.°, n.° 5, quarto parágrafo, CE aponta igualmente para a existência de competências concorrentes, impondo limites aos Estados‑Membros no exercício das suas competências próprias, se e na medida em que a Comunidade tenha adoptado medidas legislativas ou tenha celebrado acordos internacionais. Assim, os acordos mantidos ou celebrados pelos Estados‑Membros nos domínios do comércio de serviços ou dos aspectos comerciais da propriedade intelectual devem respeitar as disposições comunitárias e outros acordos internacionais relevantes. Neste contexto, importa recordar que os acordos internacionais celebrados pela Comunidade fazem parte integrante da ordem jurídica comunitária (41) e são vinculativos para os Estados‑Membros (artigo 300.°, n.° 7, CE) (42).

79.      O momento a partir do qual os Estados‑Membros deixam de poder exercer as competências em matéria de comércio externo que lhes permanecem reservadas nos termos do artigo 133.°, n.° 5, quarto parágrafo, CE e têm de dar precedência à Comunidade deve determinar‑se, caso a caso, tendo em consideração o dever de cooperação leal (artigo 10.° CE); este exige que os Estados‑Membros facilitem à Comunidade o cumprimento da sua missão e se abstenham de tomar quaisquer medidas susceptíveis de pôr em perigo a realização dos objectivos do Tratado CE (43). Este dever de lealdade é de aplicação geral, sendo igualmente aplicável nos domínios em que a Comunidade – como no caso vertente – não detém qualquer competência exclusiva e os Estados‑Membros têm, portanto, em princípio, direito a assumirem obrigações relativamente a países terceiros (44).

80.      A simples adopção de uma decisão que autoriza a Comissão, em nome da Comunidade, a operar no plano externo constitui o ponto de partida de uma acção comunitária concertada. Assim, uma decisão deste tipo pode, por si só, conduzir a um dever de abstenção por parte dos Estados‑Membros no que se refere a uma sua actividade autónoma, de maneira a facilitar o cumprimento da missão da Comunidade e a garantir a unidade e a coerência da sua acção e representação internacionais (45).

81.      Especialmente no domínio do comércio externo, esta unidade e coerência da representação internacional da Comunidade é justamente posta em perigo caso os Estados‑Membros actuem, de forma independente, a par da Comunidade no plano internacional, sem que uma necessidade imperiosa o justifique. Com efeito, esta participação adicional dos Estados‑Membros e a obrigação prática daí decorrente de obter a unanimidade enfraquecem a posição da Comunidade nas negociações com os seus parceiros comerciais (46).

82.      No caso vertente, em 27 de Outubro de 2006, a Comissão submeteu à apreciação do Conselho uma proposta para estabelecer a posição da Comunidade relativamente ao pedido de adesão do Vietname à OMC, posição essa definida, em seguida, pelo Conselho. Portanto, pelo menos a partir desta data, os Estados‑Membros estavam obrigados, por força do seu dever de lealdade previsto no artigo 10.° CE, a não pôr em risco a eficácia da actuação da Comunidade a nível internacional através de actividades autónomas relativas à adesão do Vietname à OMC, ainda que «apenas» estivesse em causa uma actuação paralela a par da Comunidade. A partir desse momento, somente a Comunidade podia adoptar medidas ao abrigo do artigo 133.°, n.° 5, CE. Qualquer intervenção adicional por parte dos Estados‑Membros a par da Comunidade deixou de ser admissível, excepto se do artigo 133.°, n.° 6, CE resultasse uma necessidade imperiosa nesse sentido.

83.      Contrariamente ao que sustenta o Conselho, este também não pode renunciar, de forma voluntária, a favor dos Estados‑Membros, total ou parcialmente, ao exercício das suas competências previstas no artigo 133.°, n.° 5, CE, devendo antes respeitar o interesse comunitário numa representação a nível internacional o mais eficaz e coerente possível e esgotar inteiramente as suas competências para este efeito. O Conselho não pode admitir que as competências da Comunidade e das suas instituições, tal como foram definidas no Tratado CE, sejam desvirtuadas (47).

84.      Do mesmo modo, no seio do Conselho, os Estados‑Membros não devem impedir, com o objectivo de assegurarem a sua própria participação a par da Comunidade, que a representação desta no plano externo seja feita do modo mais eficaz possível. Com efeito, resulta do dever de cooperação leal (artigo 10.° CE) que, como já foi referido, os Estados‑Membros estão obrigados a tomar todas as medidas susceptíveis de facilitar à Comunidade o exercício das suas competências, e estão obrigados a abster‑se de tudo o que possa pôr em perigo a realização dos objectivos do Tratado CE (48).

3.      Conclusão intermédia

85.      Em resumo, decorre das considerações precedentes que a nova competência da Comunidade em matéria de comércio externo prevista no artigo 133.°, n.° 5, CE não reveste um carácter exclusivo nem paralelo. Pelo contrário, está em causa uma competência concorrente, que apenas permite aos Estados‑Membros agir desde e na medida que a Comunidade não tenha exercido a sua competência. Se a Comunidade exercer a sua competência ao abrigo do artigo 133.°, n.° 5, CE, actuará, em princípio, sozinha, excepto se o artigo 133.°, n.° 6, CE exigir o comum acordo dos Estados‑Membros.

86.      Neste contexto, a referência ao artigo 133.°, n.° 6, CE no caso vertente, ao contrário do entendimento do Conselho, não constituía uma questão meramente formal. Pelo contrário, é determinante saber se a adesão do Vietname à OMC estava ou não abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 133.°, n.° 6, CE. Com efeito, a participação dos Estados‑Membros a par da Comunidade apenas podia ser justificada com base nesta última disposição.

C –    Quanto à necessidade de uma participação dos Estados‑Membros a par da Comunidade nos termos do artigo 133.°, n.° 6, CE

87.      Uma vez que a actuação conjunta dos Estados‑Membros e da Comunidade, como se demonstrou supra, não era desde logo admissível ao abrigo do artigo 133.°, n.° 5, CE, importa, seguidamente, analisar se a actuação dos Estados‑Membros a par da Comunidade era necessária por força do artigo 133.°, n.° 6, CE.

88.      Este será o caso se as competências próprias da Comunidade – no caso vertente, a sua competência exclusiva, prevista no artigo 133.°, n.° 1, CE, e a sua competência concorrente, prevista no artigo 133.°, n.° 5, CE – não forem suficientes para aprovar a adesão do Vietname à OMC, portanto, se esta adesão afectar determinados domínios reservados aos Estados‑Membros. Neste caso, verificar‑se‑ia a existência de uma competência mista [N.T.: «gemischtes» (mista) na versão alemã do Tratado; «partilhada» na versão portuguesa] da Comunidade e dos seus Estados‑Membros, na acepção do artigo 133.°, n.° 6, CE, que, ao contrário da tradicional competência partilhada (49), exige forçosamente uma acção conjunta da Comunidade e dos Estados‑Membros (50).

89.      Contrariamente ao que o Conselho e a Espanha supõem, a prática seguida até este momento pela Comunidade aquando da admissão de um novo membro na OMC (51) é irrelevante para a apreciação da aplicabilidade do artigo 133.°, n.° 6, CE. Com efeito, segundo jurisprudência assente, uma simples prática do Conselho não é susceptível de derrogar disposições do Tratado CE e não pode, por conseguinte, criar um precedente vinculativo para as instituições da Comunidade quanto à base jurídica correcta (52).

90.      Do mesmo modo, as dificuldades práticas ligadas à negociação e à execução de decisões ou acordos mistos não podem ser consideradas relevantes para a questão de saber se o artigo 133.°, n.° 6, CE é aplicável no caso vertente (53).

91.      A questão de saber se a aprovação da adesão de um novo membro à OMC é apenas abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 133.°, n.os 1 e 5, CE ou se é igualmente abrangida pelo artigo 133.°, n.° 6, CE depende exclusivamente de critérios objectivos susceptíveis de fiscalização jurisdicional, incluindo, em particular, a finalidade e o conteúdo do acto normativo (54). Assim, importa em seguida analisar os argumentos apresentados pelas partes tendo em conta a finalidade e o conteúdo da decisão que estabelece a posição da Comunidade relativamente à adesão do Vietname à OMC.

1.      Pertinência dos compromissos concretos que decorrem para a Comunidade e o Vietname da adesão este último à OMC

92.      Em primeiro lugar, as partes estão em desacordo em relação à questão de saber em que medida, ao analisar a aplicabilidade do artigo 133.°, n.° 6, CE, se deve ter em conta os compromissos concretos que decorrem para Comunidade e o Vietname da adesão deste último à OMC.

93.      A Comissão considera a aprovação por parte da Comunidade da adesão de um novo membro à OMC como uma decisão geral em matéria de política comercial, em que está simplesmente em causa a integração de um novo Estado na estrutura dessa organização internacional. Deste modo, a escolha da base jurídica para estabelecer a posição da Comunidade deve orientar‑se, quando muito, pelos domínios gerais de que se ocupa a OMC: o comércio de mercadorias, o comércio de serviços e os aspectos dos direitos de propriedade intelectual relacionados com o comércio. Em contrapartida, a escolha da base jurídica não deve depender dos compromissos concretos que resultam para a Comunidade e o novo membro da OMC da adesão deste último; em última análise, não é celebrado qualquer acordo entre a Comunidade e o novo membro da OMC.

94.      A interpretação da Comissão teria por consequência que, actualmente, a aprovação da adesão de um novo membro à OMC competiria totalmente à Comunidade. Com efeito, em relação aos três domínios gerais de que se ocupa o acordo OMC (o comércio de mercadorias, o comércio de serviços e os aspectos dos direitos de propriedade intelectual relacionados com o comércio), a Comunidade dispõe, desde o Tratado de Nice, de uma competência externa resultante das disposições conjugadas dos n.os 1 e 5 do artigo 133.° CE; na medida em que estas disposições atribuem à Comunidade novas competências, esta sucede, do ponto de vista funcional, aos Estados‑Membros no seio da OMC (55).

95.      No entanto, o Conselho e os intervenientes que o apoiam contestam a opinião da Comissão. Os compromissos concretos assumidos pela Comunidade e pelo Vietname são determinantes para responder à questão de saber com fundamento em que base jurídica a Comunidade podia aprovar a adesão à OMC, em particular se apenas se devia ter recorrido aos n.os 1 e 5 do artigo 133.° CE ou também ao n.° 6 do mesmo artigo.

96.      Deve privilegiar‑se esta última interpretação.

97.      Há que reconhecer que, do ponto de vista formal, a adesão de um novo membro à OMC não se realiza através de um acordo entre esse novo membro e os outros membros da OMC, mas unicamente através de um acordo entre esse novo membro e a OMC (artigo XII, n.° 1, do acordo OMC) (56). Consequentemente, ao aprovar essa adesão, a Comunidade não celebra qualquer acordo na acepção do artigo 133.° CE, exercendo antes somente, nas instâncias dessa organização internacional, os direitos que lhe são conferidos pela sua qualidade de membro (artigo 300.°, n.° 2, segundo parágrafo, CE).

98.      Contudo, esta apreciação puramente formal não pode negligenciar as verdadeiras implicações que decorrem para a Comunidade da adesão de um novo membro à OMC.

99.      Com efeito, com o acordo OMC, os membros da Organização Mundial do Comércio não ficam apenas dotados de um enquadramento institucional comum para a condução das suas relações comerciais mútuas (artigo II, n.° 1, do acordo OMC). Pelo contrário, vários acordos comerciais multilaterais fazem igualmente parte integrante do acordo OMC e são vinculativos para todos os membros (artigo II, n.° 2, do acordo OMC).

100. Em virtude destes acordos comerciais multilaterais, a qualidade de membro da OMC implica um número significativo de direitos e obrigações de carácter substantivo. Os acordos são concluídos numa base de reciprocidade e de vantagens mútuas e diligenciam no sentido de obter uma relação de equilíbrio entre os direitos e obrigações (57). No domínio do comércio de serviços, que nos interessa particularmente no caso vertente, inclui‑se nesses direitos e obrigações a cláusula da nação mais favorecida (artigo II, n.° 1, do GATS), bem como a assunção de compromissos específicos por parte dos membros da OMC relativamente ao acesso ao mercado; estes compromissos podem estender‑se até ao tratamento nacional (artigos XVI e XVII do GATS) (58).

101. No que diz respeito à Comunidade, qualquer alargamento do círculo dos membros da OMC conduz automaticamente a um alargamento do âmbito de aplicação geográfico dos compromissos por si assumidos no quadro da OMC. A título de exemplo, para o comércio de serviços, a adesão do Vietname à OMC implica que a Comunidade tenha, a partir dessa adesão, de conceder igualmente ao Vietname o tratamento da nação mais favorecida e que os compromissos específicos assumidos pela Comunidade relativamente ao acesso ao mercado sejam igualmente válidos para prestadores de serviços e serviços provenientes do Vietname. Portanto, não é correcto concluir que a admissão de um novo membro na OMC não comporta quaisquer novas obrigações jurídicas para a Comunidade, como a Comissão alegou no presente processo.

102. Além disso, quando da sua adesão, cada novo membro da OMC assume compromissos específicos relativamente ao acesso ao seu mercado (artigo XX do GATS), que – como alguns intervenientes do processo descrevem correctamente – equivalem a uma «taxa de entrada». Estes compromissos específicos assumidos pelos membros aderentes à OMC constituem um elemento essencial do GATS e complementam, deste modo, o sistema complexo de direitos e de obrigações existente entre os membros da OMC.

103. A questão de saber se e em que medida um membro da OMC concederá aos serviços e prestadores de serviços estrangeiros acesso ao seu mercado, ou mesmo um tratamento idêntico ao reservado aos seus nacionais, depende de forma decisiva dos compromissos específicos por si assumidos no quadro da OMC (artigos XVI e XVII do GATS).

104. Os compromissos específicos constituem concessões feitas pelo novo membro da OMC em matéria de política comercial, que, na fase que precede uma adesão, são, em regra, objecto de longas e intensas negociações nas instâncias da OMC e consignadas num extenso protocolo de adesão. Como o Conselho refere, qualquer membro da OMC pode participar nestas negociações. No caso do Vietname, entre o pedido de adesão e a adesão efectiva decorreram doze anos (59).

105. Como, em especial, a França salientou com razão, a Comunidade necessita de uma base jurídica tanto para outorgar concessões próprias em matéria de política comercial, como para aceitar, a título de contrapartida, concessões de Estados terceiros na mesma matéria. Isto resulta do princípio da atribuição de competências (artigo 5.°, primeiro parágrafo, CE), que é válido para a actuação comunitária tanto a nível interno como a nível externo (60). Caso contrário, a Comunidade poderia, por exemplo, em contrapartida pela abolição dos seus próprios direitos aduaneiros, exigir a Estados terceiros concessões em domínios que, em todo o caso na situação actual, não se incluem nas suas funções e para os quais a Comunidade não tem qualquer competência.

106. A decisão geral em matéria de política comercial, de aprovar a adesão de um novo membro à OMC, não pode ser considerada separadamente dos compromissos específicos do candidato à adesão, previamente negociados. No quadro do seu processo de decisão política, o Conselho da União Europeia tem forçosamente de ponderar se, na perspectiva da Comunidade, estes compromissos são suficientes para assegurar a relação de equilíbrio entre os direitos e obrigações (61) pretendida no seio da OMC. A «taxa de entrada» do novo membro da OMC constitui um elemento importante nesta ponderação, sendo que o Conselho deve tê‑la em consideração no exercício do seu poder discricionário.

107. Ao contrário do que a Comissão sustenta, a consideração dos compromissos concretos assumidos pela Comunidade e pelo Vietname não pode ser substituída por uma apreciação global do complexo sistema multilateral de direitos e obrigações de todos os membros da OMC. Com efeito, aquando do estabelecimento da posição da Comunidade relativamente à adesão de um novo membro à OMC, não há que examinar a totalidade do sistema multilateral da OMC, mas sim apenas as alterações específicas dos direitos e obrigações da Comunidade que resultam da adesão desse candidato.

108. Face às circunstâncias expostas, os compromissos concretos que decorrem para a Comunidade e o Vietname da adesão deste último à OMC deveriam ter sido tidos em consideração na escolha da base jurídica para estabelecer a posição da Comunidade.

109. Contrariamente ao que a Comissão defende, é irrelevante no presente contexto a questão de saber se os votos da Comunidade e dos seus Estados‑Membros, no seio do Conselho Geral da OMC, foram determinantes para a adesão do Vietname ou se a maioria necessária (62) poderia ter sido igualmente alcançada com os votos de outros membros da OMC. A Comunidade necessita sempre de uma base jurídica para as medidas por si adoptadas ou nas quais participe. Isto é igualmente aplicável nos casos em que não é possível prever, com certeza, se o objectivo prosseguido pela Comunidade – no caso vertente, influenciar a tomada de decisão por parte da OMC através de um voto num determinado sentido – será alcançado.

2.      Alegado afastamento do artigo 133.°, n.° 6, CE por outras disposições

110. Em segundo lugar, as partes estão em desacordo em relação à questão de saber se o artigo 133.°, n.° 6, CE pode ser afastado por outras disposições, como alega a Comissão.

a)      Aplicabilidade do artigo 133.°, n.° 6, CE, ainda que este apenas de forma acessória seja relevante

111. Antes de mais, a Comissão considera que a aprovação por parte da Comunidade da adesão do Vietname à OMC apenas é abrangida de forma marginal, quando muito, pelo artigo 133.°, n.° 6, CE. Porém, este artigo apenas pode ser aplicado quando estiverem «específica e exclusivamente» em causa as matérias aí mencionadas, e não quando estas apenas estejam acessoriamente em causa.

112. É certo que, segundo jurisprudência assente, a escolha da base jurídica para um acto comunitário deve efectuar‑se em função de uma ponderação dos seus elementos preponderantes. Se a análise de um acto comunitário demonstrar que ele prossegue uma dupla finalidade ou que tem uma dupla componente e se uma dessas finalidades ou componentes for identificável como principal ou preponderante, enquanto a outra é apenas acessória, o acto deve ter uma única base jurídica, ou seja, a que for exigida pela finalidade ou componente principal ou preponderante (63).

113. No entanto, este entendimento refere‑se a actos normativos para os quais a competência de Comunidade, enquanto tal, é incontestável, e em relação aos quais importa simplesmente esclarecer quais as competências comunitárias, de entre as diversas existentes, a que se deve recorrer (delimitação horizontal das competências). Pelo contrário, se a Comunidade apenas tiver competência relativamente a alguns componentes específicos de um acto por ela previsto, ao passo que os outros componentes estão abrangidos pela competência dos Estados‑Membros (delimitação vertical das competências), a Comunidade não pode, por meio de uma ponderação dos componentes preponderantes, declarar‑se, sem mais, competente para a totalidade desse acto. Caso contrário, a Comunidade esvaziaria de conteúdo o princípio da atribuição de competências (artigo 5.°, primeiro parágrafo, CE; v., igualmente, artigo 7.°, n.° 1, segundo parágrafo, CE) (64).

114. É verdade que, recentemente, na sua jurisprudência relativa ao direito penal do ambiente e à poluição do meio marinho, o Tribunal de Justiça reconheceu que a Comunidade – por assim dizer, como anexo às competências que lhe foram concedidas – pode co‑regular determinados aspectos do direito penal, quando estes forem necessários para garantir a plena eficácia das normas que adopte (65). Contudo, nesses casos, estava em causa a interpretação de competências comunitárias existentes nos domínios do ambiente e dos transportes (66). A referida jurisprudência de forma alguma pode ser interpretada erroneamente no sentido de que, igualmente no que diz respeito à delimitação das competências entre a Comunidade e os seus Estados‑Membros, uma simples ponderação dos elementos preponderantes é doravante suficiente para justificar uma competência da Comunidade em matérias em relação às quais os Tratados não lhe conferiram quaisquer atribuições.

115. No âmbito da interpretação das competências da Comunidade, não pode, em caso algum, efectuar‑se uma ponderação dos elementos preponderantes deste tipo ou aceitar‑se uma competência acessória quando existam disposições dos Tratados que se lhes oponham expressamente. É o que se verifica no caso vertente, no artigo 133.°, n.° 6, CE.

116. O artigo 133.°, n.° 6, primeiro parágrafo, CE proíbe o Conselho de celebrar – sozinho (67) – acordos internacionais que incluam disposições que excedam as competências internas da Comunidade.

117. No mesmo sentido, o artigo 133.°, n.° 6, segundo parágrafo, CE estabelece uma competência mista (68) sempre que um acordo internacional se refira ao domínio do comércio dos serviços aí enumerados. De facto, a redacção alemã («im Bereich»), bem como algumas outras versões linguísticas (69), poderiam ser entendidas no sentido de que o artigo 133.°, n.° 6, segundo parágrafo, CE apenas impõe a celebração de acordos mistos quando os acordos se refiram, no essencial ou mesmo exclusivamente, ao comércio nos domínios aí mencionados. No entanto, uma série de outras versões linguísticas indicam que o artigo 133.°, n.° 6, segundo parágrafo, CE deve, desde logo, aplicar‑se sempre que um acordo se refira a serviços nos domínios aí enumerados (70). Esta interpretação ampla é sustentada pela relação existente entre os segundo e primeiro parágrafos («a este respeito»), bem como pelo objectivo geral prosseguido pelo artigo 133.°, n.° 6, CE de assegurar aos Estados‑Membros direitos de participação nos domínios políticos mais sensíveis para eles, inclusiva e justamente no quadro da OMC.

118. O artigo 133.°, n.° 6, segundo parágrafo, CE perderia muita da sua eficácia prática se se pretendesse limitar o seu âmbito de aplicação apenas a acordos comerciais sectoriais (ou a decisões na acepção do artigo 300.°, n.° 2, segundo parágrafo, CE) especificamente referentes aos domínios dos serviços aí enumerados. Com efeito, nas negociações bilaterais e multilaterais realizadas no domínio do comércio externo – incluindo no âmbito da OMC –, são frequentemente concluídos acordos globais referentes a uma multiplicidade de domínios distintos, entre os quais não é possível identificar nenhum como elemento preponderante ou objecto principal.

119. Neste contexto, a exigência da participação de comum acordo dos Estados‑Membros a par da Comunidade não deveria ser limitada a acordos (ou decisões) cujo elemento preponderante ou objecto principal esteja abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 133.°, n.° 6, CE. Pelo contrário, de acordo com esta disposição, determinadas disposições isoladas de um acordo podem, por si só, impor a sua celebração sob a forma de um acordo misto, ainda que, se comparadas com o conjunto das suas disposições, tenham carácter acessório.

120. Consequentemente, o artigo 133.°, n.° 6, CE não constitui uma excepção ao artigo 133.°, n.° 5, primeiro parágrafo, CE que tenha de ser interpretada estritamente, sendo antes uma disposição destinada a definir o alcance exacto e os limites em termos de conteúdo da nova competência da Comunidade em matéria de comércio externo, relativa ao comércio de serviços e aos aspectos comerciais da propriedade intelectual. Ao mesmo tempo, esta disposição opõe‑se a uma ponderação dos elementos preponderantes em detrimento das competências dos Estados‑Membros.

121. Importa referir que determinados aspectos parciais de um acordo, para os quais a Comunidade carece de competência a nível interno, são suficientes para «infectar» o acordo no seu todo e torná‑lo dependente, na sua totalidade, do comum acordo dos Estados‑Membros. A imagem criada pela própria Comissão noutro contexto (71) é igualmente verdadeira no âmbito do artigo 133.°, n.° 6, CE: tal como uma pequena gota de pastis pode tornar turvo um copo de água, determinadas disposições, ainda que tenham carácter acessório, contidas num acordo internacional baseado no artigo 133.°, n.° 5, primeiro parágrafo, CE podem desencadear igualmente a obrigação de celebrar um acordo misto.

122. Por conseguinte, a Comunidade apenas pode celebrar sozinha – isto é, sem a participação de comum acordo dos seus Estados‑Membros sob a forma de um acordo misto – um acordo em matéria de comércio externo, na acepção do artigo 133.°, n.° 5, primeiro parágrafo, CE, se esse acordo não contiver quaisquer disposições que excedam as suas competências internas, na acepção do artigo 133.°, n.° 6, primeiro parágrafo, CE, e não se referir a quaisquer dos domínios enumerados no artigo 133.°, n.° 6, segundo parágrafo, CE.

123. No mesmo sentido, a Comunidade apenas pode participar sozinha em decisões em matéria de política comercial no seio de instâncias de organizações internacionais quando estas decisões não tenham por objecto os domínios referidos no artigo 133.°, n.° 6, CE; caso contrário, quando do seu voto, a Comunidade necessita da participação de comum acordo dos Estados‑Membros.

124. Não há dúvida de que este quadro jurídico não favorece uma defesa eficaz dos interesses comunitários no domínio do comércio externo – também e fundamentalmente no âmbito da OMC. Contudo, na actual versão dos Tratados, deve aceitar‑se esta desvantagem (72). Caso contrário, os amplos direitos de participação que Estados‑Membros se reservaram no Tratado de Nice relativamente às novas competências da Comunidade em matéria de comércio externo ficariam esvaziados de sentido. Ao interpretar as disposições dos Tratados, o Tribunal de Justiça não pode exceder os limites que o separam da revisão dos Tratados prevista no artigo 48.° UE (73). O regime previsto no artigo 133.°, n.° 6, primeiro e segundo parágrafos, CE só deixará de ser aplicável com o Tratado de Lisboa, que limita os direitos de participação dos Estados‑Membros ao processo de decisão intracomunitário, embora exija, em determinados domínios considerados particularmente sensíveis, a unanimidade no seio do Conselho (artigo 207.°, n.° 4, segundo e terceiros parágrafos, do TFUE).

125. Contrariamente ao que a Comissão sustenta, este quadro jurídico, que resulta do Tratado de Nice, não constitui igualmente qualquer retrocesso em relação ao quadro jurídico anterior aplicável à data da prolação do parecer OMC (74). Com efeito, o artigo 133.°, n.° 5, primeiro parágrafo, CE estabelece – embora sujeitando‑a a limitações – uma nova competência externa da Comunidade relativa ao comércio de serviços e aos aspectos comerciais da propriedade intelectual, em relação aos quais a Comunidade não possuía, até então, qualquer competência comparável. Ao mesmo tempo, esta disposição ressalva expressamente a competência exclusiva da Comunidade, prevista no artigo 133.°, n.° 1, CE e já reconhecida pelo Tribunal de Justiça no parecer OMC, relativamente aos serviços do «modo 1» (75) – isto é, os serviços que não implicam qualquer deslocação transfronteiriça de pessoas (76); esta circunstância é esclarecida através da expressão «na medida em que os referidos acordos não estejam abrangidos por esses números».

b)      Aplicabilidade do artigo 133.°, n.° 6, CE igualmente aos acordos horizontais

126. A Comissão considera que o artigo 133.°, n.° 6, CE também é inaplicável porque a admissão de um novo membro na OMC deve ser equiparada a um acordo horizontal.

127. Realçando o carácter horizontal de uma adesão à OMC, a Comissão segue, integralmente, o critério da ponderação dos elementos preponderantes já referido supra, segundo o qual o artigo 133.°, n.° 6, CE apenas é aplicável quando seja «específica e exclusivamente» relevante. Já foi por mim referido o facto de essa ponderação dos elementos preponderantes não ser admissível no âmbito do artigo 133.°, n.° 6, CE (77).

128. Porém, a argumentação da Comissão apoia‑se, além disso, em considerações de índole sistemática: o artigo 133.°, n.° 5, terceiro parágrafo, CE prevê, relativamente aos acordos horizontais, uma base jurídica única que concede à Comunidade uma competência abrangente e prevalece sobre o artigo 133.°, n.° 6, CE.

129. Esta parte da argumentação da Comissão também não me convence. Ela esbate a diferença entre as disposições processuais e as disposições materiais existente nos números do artigo 133.° CE que foram reformulados.

130. Ao contrário do que a Comissão sustenta, somente o n.° 1 e o n.° 5, primeiro parágrafo, do artigo 133.° CE concedem à Comunidade uma base jurídica material para a negociação e a celebração de acordos comerciais. Se estas disposições forem aplicáveis – como sucede no caso vertente – em conjugação com o artigo 300.°, n.° 2, segundo parágrafo, CE, elas devem ser entendidas no sentido de que a Comunidade está autorizada não só a negociar e a celebrar acordos, mas também a participar em decisões em matéria de política comercial no seio de instâncias de organizações internacionais.

131. O n.° 6 do artigo 133.° CE clarifica os limites materiais da competência comunitária prevista no primeiro parágrafo do n.° 5 do mesmo artigo. Caso a primeira disposição seja pertinente, a Comunidade necessita da participação dos seus Estados‑Membros sob a forma de um acordo misto ou – na tomada de decisões em instâncias internacionais – sob a forma de uma expressão de voto conjunta e consensual.

132. Além disso, no artigo 133.°, n.° 5, quarto parágrafo, CE, os Estados‑Membros reservam‑se uma competência concorrente para, no âmbito de aplicação material do artigo 133.°, n.° 5, CE, manterem ou celebrarem os seus próprios acordos, desde que esses acordos respeitem o direito comunitário e os outros acordos internacionais pertinentes.

133. As referidas disposições de direito substantivo contrapõem‑se aos segundo e terceiro parágrafos do n.° 5 artigo 133.° CE, que contêm disposições de natureza meramente processual. Estas disposições estabelecem unicamente que, em determinados casos, o Conselho delibera por unanimidade, embora, na realidade, de acordo com as disposições conjugadas dos n.os 4 e 5, primeiro parágrafo, do artigo 133.° CE, fosse suficiente uma decisão tomada por maioria qualificada.

134. Em especial, o artigo 133.°, n.° 5, terceiro parágrafo, CE, aqui em causa, pretende assegurar três aspectos: em primeiro lugar, ao celebrar um acordo horizontal, não se deve ignorar a exigência de unanimidade, que ainda subsiste, a nível comunitário, em alguns domínios políticos considerados particularmente sensíveis (78). Em segundo lugar, no âmbito das relações externas, a integração não deve avançar mais rapidamente do que ao nível intracomunitário, excepto quando isso for deliberado por unanimidade (79). E, em terceiro lugar, no caso de um acordo horizontal assumir a forma de um acordo misto, o modo de votação no seio do Conselho é adaptado à obrigação já existente de obter a unanimidade, que resulta da obrigação de participação de comum acordo de todos os Estados‑Membros como partes contratantes ao lado da Comunidade (80).

135. Tendo em conta o teor normativo extremamente díspar do artigo 133.°, n.° 5, terceiro parágrafo, CE e do artigo 133.°, n.° 6, CE – a primeira disposição incide sobre o processo e a última sobre os limites materiais da nova competência da Comunidade em matéria de comércio externo –, não é possível concluir pela existência de uma relação de regra/excepção entre eles. Pelo contrário, o artigo 133.°, n.° 6, CE é igualmente aplicável a acordos horizontais na acepção do n.° 5, terceiro parágrafo.

136. Contrariamente ao que a Comissão considera, no seu todo, o artigo 133.° CE não contém uma base jurídica material única para os acordos horizontais. Pelo contrário, da relação sistemática entre os n.os 1 e 5 do artigo 133.° CE resulta que, na celebração de acordos horizontais, a Comunidade deve eventualmente apoiar‑se, em simultâneo, em várias bases jurídicas. A título de exemplo, se o acordo OMC, provavelmente o exemplo mais importante de um acordo horizontal, fosse celebrado hoje novamente, a Comunidade deveria basear‑se, pelo menos, no artigo 133.°, n.os 1 e 5, CE, bem como – em virtude da regra contida no artigo 133.°, n.° 6, terceiro parágrafo, CE – nas disposições relativas aos transportes do título V do Tratado CE. Mesmo com o Tratado de Lisboa, a Comissão não obterá qualquer competência única e abrangente em matéria de comércio externo relativamente aos acordos horizontais, dado que o artigo 207.°, n.° 5, do TFUE continua igualmente a exigir, em relação ao domínio dos transportes, o recurso às disposições relativas à política comum dos transportes.

c)      Conclusão intermédia

137. Das considerações precedentes resulta que a disposição do artigo 133.°, n.° 6, CE é aplicável ainda que não seja preponderantemente relevante. Além disso, para a aplicação do artigo 133.°, n.° 6, CE é irrelevante a questão de saber se o acordo ou a decisão em causa reveste carácter horizontal.

3.      Os requisitos exigidos pelo artigo 133.°, n.° 6, CE em pormenor

138. Por último, as partes estão em desacordo em relação à questão de saber se, no caso vertente, os compromissos concretos da Comunidade e do Vietname que decorrem da adesão deste último à OMC eram susceptíveis de exigir a participação dos Estados‑Membros, nos termos do artigo 133.°, n.° 6, CE.

a)      Participação dos Estados‑Membros nos termos do artigo 133.°, n.° 6, primeiro parágrafo, CE

139. Resulta do artigo 133.°, n.° 6, primeiro parágrafo, CE que a Comunidade não pode celebrar – sozinha (81) – um acordo que contenha disposições que excedam as competências internas da Comunidade. No mesmo sentido, nas condições previstas no artigo 133.°, n.° 6, primeiro parágrafo, CE, a Comunidade não pode participar sozinha em decisões em matéria de política comercial, no seio de instâncias de organizações internacionais, quando o seu objecto exceda as suas competências internas.

140. Em primeiro lugar, importa esclarecer que o âmbito de aplicação desta disposição não se encontra, de modo algum, limitado apenas aos acordos (ou decisões) cujas disposições teriam por consequência uma harmonização das legislações nacionais excluída pelo Tratado CE. Como demonstra, desde logo, a expressão «nomeadamente», as proibições de harmonização previstas no Tratado CE constituem simplesmente um exemplo das situações em que se aplica o artigo 133.°, n.° 6, primeiro parágrafo, CE, sem, todavia, restringir o âmbito de aplicação da disposição a este aspecto parcial.

141. A parte do artigo 133.°, n.° 6, primeiro parágrafo, CE iniciada com o termo «nomeadamente» não deve, do mesmo modo, ser entendida no sentido de que apenas seria proibido exceder as competências internas da Comunidade se essa exorbitação de competências for particularmente grave, como, por exemplo, no caso de uma harmonização proibida pelo Tratado CE. Esta interpretação resultaria na introdução de um «limiar de minimis» não escrito. Isto seria incompatível com o princípio da atribuição de competências (artigo 5.°, primeiro parágrafo, CE), que é igualmente aplicável, de modo incondicional, às competências externas (82). Por regra, a Comunidade não pode exceder as suas competências, quer essa exorbitação de competências seja insignificante quer a mesma seja grave.

142. Com efeito, o espírito e o objectivo do artigo 133.°, n.° 6, primeiro parágrafo, CE consiste, de um modo muito geral, em estabelecer um paralelismo entre as competências internas e externas da Comunidade e em impedir que a Comunidade assuma compromissos no plano externo que, devido à insuficiência de atribuições, não poderia transpor para o plano interno.

143. No essencial, o Conselho menciona dois exemplos, dos quais, em sua opinião, resulta que a aprovação da adesão do Vietname à OMC excede as competências internas da Comunidade, razão pela qual, nos termos do artigo 133.°, n.° 6, primeiro parágrafo, CE, teria sido necessária a actuação dos Estados‑Membros a par da Comunidade.

i)      Quanto às limitações ao acesso ao mercado em relação aos serviços

144. O primeiro exemplo apresentado pelo Conselho diz respeito aos compromissos específicos assumidos pela Comunidade e pelo Vietname, no âmbito dos artigos XVI e XVII do GATS, relativamente ao acesso ao mercado por parte dos serviços e dos prestadores de serviços. Nesses compromissos, alguns Estados‑Membros estipularam, designadamente, limitações ao acesso ao mercado em relação ao sector dos serviços hospitalares do «modo 3» (83), que incluem, em particular, exigências de aprovação no âmbito dos regimes nacionais de seguro de doença (84), e, parcialmente, também uma avaliação das necessidades (85). Além disso, no contexto da prestação de serviços do «modo 4» (86), as pessoas singulares estão sujeitas a inúmeras limitações ao acesso ao mercado, como, por exemplo, a reserva de uma avaliação económica das necessidades, bem como requisitos relativos ao domicilio e à nacionalidade.

145. O Concelho manifesta dúvidas quanto ao facto de as referidas limitações corresponderem a competências internas conferidas à Comunidade com base no Tratado CE.

146. A este respeito, importa, em primeiro lugar, referir que, após o Tratado de Amesterdão, a Comunidade adquiriu uma série de novas competências, previstas no Título IV do Tratado CE, para regulamentar a entrada e a estadia de pessoas singulares provenientes de Estados terceiros. Estas competências conferem à Comunidade não apenas o direito de adoptar regras em matéria de vistos para as estadias previstas por um período máximo de três meses [artigo 62.°, n.° 2, alínea b), CE] e medidas relativas à política de imigração [artigo 63.°, primeiro parágrafo, ponto 3, alínea a), CE], como também o direito de regular a livre circulação de nacionais de Estados terceiros dentro da Comunidade (artigo 63.°, primeiro parágrafo, ponto 4, CE).

147. Independentemente destas questões em matéria de entrada e de estadia, as regras respeitantes ao acesso às actividades não assalariadas e ao seu exercício na Comunidade – também no sector da saúde – por parte de pessoas singulares e colectivas estão abrangidas pelo âmbito de aplicação das disposições relativas ao mercado interno.

148. Essas disposições conferem à Comunidade não apenas competência para adoptar directivas que visem o reconhecimento mútuo de diplomas, certificados e outros títulos (artigo 47.°, n.° 1, CE), como também competência para adoptar directivas com vista a realizar a liberdade de estabelecimento (artigo 44.° CE), bem como para coordenar as disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros respeitantes ao acesso às actividades não assalariadas e ao seu exercício (artigo 47.°, n.° 2, CE) (87). Além disso, mediante directivas, a Comunidade pode coordenar os regimes especiais aplicáveis aos estrangeiros introduzidos nos Estados‑Membros por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública (artigo 46.°, n.° 2, CE).

149. Como o Tribunal de Justiça declarou no parecer OMC, embora o objectivo expresso destas disposições consista somente em assegurar o direito de estabelecimento e a livre prestação de serviços em benefício dos nacionais dos Estados‑Membros (88), isto não significa que «esteja vedado às instituições comunitárias utilizar os poderes que lhes [s]ão conferidos […] para determinar o tratamento que deve ser dado aos nacionais de países terceiros» (89). Portanto, ao adoptar directivas para a realização do mercado interno, a Comunidade pode, pelo menos, co‑regulamentar o tratamento que deve ser dado aos cidadãos de países terceiros que operam na Comunidade, por exemplo, quando esta regulamentação seja necessária para o estabelecimento de condições de concorrência equitativas dentro do mercado interno. O facto de, face à inexistência de um exercício exaustivo, estas competências ainda não se terem convertido em competências exclusivas, na acepção da jurisprudência «AETR», continuando antes a revestir um carácter concorrente (90), é irrelevante para a questão da existência de competências intracomunitárias, que é a única relevante no âmbito do artigo 133.°, n.° 6, primeiro parágrafo, CE.

150. No entanto, especialmente no sector da saúde, as competências da Comunidade estão sujeitas a certos limites. Em particular, no domínio da política em matéria de saúde pública, a Comunidade deve respeitar plenamente as competências dos seus Estados‑Membros em matéria da organização e da prestação de serviços públicos de saúde e de cuidados médicos (artigo 152.°, n.° 5, CE). Em todo o caso, a avaliação das necessidades referida pelo Conselho, imposta em alguns locais como condição prévia para a aprovação de novos hospitais, encontra‑se estritamente ligada à organização de cada sistema nacional de saúde e está, portanto, incluída nas prerrogativas dos Estados‑Membros (91).

151. Por conseguinte, pelo menos no que diz respeito a alguns dos regimes de acesso ao mercado aplicáveis à prestação de serviços hospitalares, a Comunidade carece de competência interna, na acepção do artigo 133.°, n.° 6, primeiro parágrafo, CE, pelo que, aquando da admissão do Vietname na OMC, era necessária a participação dos Estados‑Membros a par da Comunidade.

ii)    Quanto ao artigo 61.° do acordo TRIPS

152. O segundo exemplo apresentado pelo Conselho diz respeito ao artigo 61.° do acordo TRIPS. O Conselho alega que os compromissos decorrentes desta disposição conduzem a uma harmonização do direito penal nacional no tocante à violação de determinados direitos de propriedade intelectual, para a qual a Comunidade carece de competência.

153. É certo que, no estádio actual, o direito penal e o direito processual penal não estão, em princípio, abrangidos pela competência da Comunidade, não lhe tendo sido conferida, a este respeito, qualquer competência geral para harmonizar o direito nacional (92). Porém, como já foi referido, nos seus acórdãos relativos ao direito penal do ambiente e à poluição do meio marinho, o Tribunal de Justiça reconheceu que a Comunidade pode co‑regulamentar determinados aspectos do direito penal, quando estes forem necessários para garantir a plena eficácia das normas que adopte (93). Não me parece estar a priori excluído que o legislador comunitário possa apoiar‑se nesta jurisprudência ao criar títulos europeus de propriedade intelectual (94) cuja violação está sujeita a sanções ou ao complementar regulamentações existentes (95) para garantir a sua plena eficácia através de componentes de carácter penal (96). O facto de essa garantia ser considerada necessária a nível internacional é particularmente evidenciado pelo artigo 61.° do acordo TRIPS.

154. No entanto, no seu acórdão relativo à poluição do meio marinho, o Tribunal de Justiça excluiu expressamente da competência da Comunidade a determinação do tipo e da medida das sanções penais a aplicar e reservou‑a assim para os Estados‑Membros (97). Portanto, na situação actual, a Comunidade carece de competência para adoptar uma disposição penal completa (98).

155. É certo que o artigo 61.° do acordo TRIPS não prescreve aos Estados‑Membros qualquer medida da pena concreta. No entanto, exige a introdução de determinados tipos de sanções, nomeadamente da prisão e/ou de sanções pecuniárias, bem como, nos casos apropriados, da apreensão, do arresto e da destruição dos bens. Deste modo, no estado actual do direito comunitário, as exigências do artigo 61.° do acordo TRIPS excedem as competências internas da Comunidade.

156. Por conseguinte, atendendo ao paralelismo entre as competências interna e externa imposto pelo artigo 133.°, n.° 6, primeiro parágrafo, CE, a Comunidade também não podia aprovar sozinha a adesão do Vietname, na medida em que a mesma implica a aplicação do artigo 61.° do acordo TRIPS. Portanto, por este motivo, a adesão do Vietname à OMC necessitava da participação dos Estados‑Membros a par da Comunidade.

b)      Participação dos Estados‑Membros nos termos do artigo 133.°, n.° 6, segundo parágrafo, CE

157. O artigo 133.°, n.° 6, segundo parágrafo, CE determina que, em derrogação do primeiro parágrafo do n.° 5, os acordos no domínio do comércio de serviços culturais e audiovisuais, de serviços educativos, bem como de serviços sociais e de saúde humana, são da competência partilhada entre a Comunidade e os seus Estados‑Membros. No mesmo sentido, a Comunidade não pode, nas condições previstas no artigo 133.°, n.° 6, segundo parágrafo, CE, participar sozinha nas decisões em matéria de política comercial no seio de instâncias de organizações internacionais, na acepção do artigo 300.°, n.° 2, segundo parágrafo, CE.

158. Segundo a Comissão, o artigo 133.°, n.° 6, segundo parágrafo, CE diz apenas respeito a casos em que a celebração de um acordo pela Comunidade conduziria à harmonização do direito dos Estados‑Membros nos domínios da cultura, do audiovisual, da educação, dos serviços sociais e da saúde humana. Esta circunstância resulta da relação entre os primeiro e segundo parágrafos do n.° 6 do artigo 133.° CE. De acordo com a sua redacção («a este respeito»), o segundo parágrafo consiste numa concretização do primeiro parágrafo. Estes dois parágrafos têm simplesmente por função impedir que a Comunidade, no exercício das suas competências externas, contorne as proibições de harmonização enunciadas em diferentes pontos do Tratado; a referida disposição reflecte, nesta medida, os artigos 149.° a 152.° CE.

159. Este entendimento não me convence.

160. Segundo o artigo 133.°, n.° 6, segundo parágrafo, CE, é necessária a participação de comum acordo dos Estados‑Membros a par da Comunidade quando e na medida em que sejam visados os domínios aí enumerados, e independentemente do facto de o acordo comercial em causa conduzir ou não a uma harmonização do direito nacional.

161. Dado que o âmbito de aplicação do artigo 133.°, n.° 6, primeiro parágrafo, CE, não pode, como foi referido, ser reduzido apenas aos casos de harmonização do direito nacional (99), menos ainda pode uma leitura deste tipo ser transposta para o segundo parágrafo por via da expressão «a este respeito».

162. Além disso, os primeiro e segundo parágrafos do n.° 6 do artigo 133.° CE são independentes (100), não existindo qualquer hierarquia entre eles. Em particular, o segundo parágrafo não pode simplesmente ser considerado uma concretização do primeiro. Os dois parágrafos não têm um objecto idêntico, tendo, pelo contrário, cada um o seu âmbito de aplicação e conteúdo normativo próprios.

163. Por um lado, o âmbito de aplicação do segundo parágrafo excede o do primeiro. O segundo parágrafo estende a exigência de obtenção do comum acordo dos Estados‑Membros aos domínios em relação aos quais a Comunidade dispõe de competência para harmonizar o direito nacional e que, portanto, não estariam, de modo algum, abrangidos pelo primeiro parágrafo. É o caso, por exemplo, dos serviços audiovisuais, em relação aos quais existe competência interna para proceder a uma harmonização (101), competência que já foi exercida através da Directiva «Televisão sem fronteiras» (102).

164. Todavia, por outro lado, o âmbito de aplicação do segundo parágrafo fica igualmente aquém do do primeiro porque não enumera, de modo algum, todos os domínios em que, na acepção do primeiro parágrafo, a Comunidade careceria de uma competência interna ou em que existiria, a nível intracomunitário, uma proibição de harmonização. Assim, por exemplo, na enumeração feita no segundo parágrafo, não são mencionados nem o direito penal nem o direito processual penal, em relação aos quais, na actual versão dos Tratados, a Comunidade não tem, em princípio, competência (103), tal como não o é a política de emprego, domínio em que a Comunidade está impedida de proceder a qualquer harmonização do direito nacional (artigo 129.°, segundo parágrafo, CE).

165. Da expressão «a este respeito» também não se pode concluir que os âmbitos de aplicação de ambos os parágrafos sejam coincidentes. Pelo contrário, a expressão «a este respeito» visa simplesmente indicar que os primeiro e segundo parágrafos do n.° 6 do artigo 133.° CE têm a mesma consequência jurídica: qualquer matéria por eles abrangida faz parte das matérias em relação às quais o Conselho não pode celebrar sozinho acordos em nome da Comunidade. Pretende‑se assegurar que os acordos por eles abrangidos são celebrados sob a forma de acordos mistos, isto é, com a participação dos Estados‑Membros como partes contratantes ao lado da Comunidade.

166. Ao invés, são completamente distintas as considerações em que se baseia, em ambos os parágrafos, a obrigação de celebrar acordos mistos: como já foi referido, enquanto que o primeiro parágrafo do n.° 6 do artigo 133.° CE visa estabelecer um paralelismo entre as competências internas e externas da Comunidade (104), no segundo parágrafo, a vontade dos Estados‑Membros de não prescindir de acordos mistos explica‑se pelo carácter politicamente sensível das matérias aí mencionadas (105). No que diz respeito a acordos relativos a serviços referentes aos domínios enumerados no artigo 133.°, n.° 6, segundo parágrafo, CE, deve ser concedido aos Estados‑Membros não só um direito de veto no Conselho no plano intracomunitário (106), como também ser‑lhes reservado, nas relações externas, um amplo direito de participação a nível internacional.

167. Em relação ao caso vertente, isto implica que a participação dos Estados‑Membros a par da Comunidade era, desde logo, necessária para a admissão do Vietname na OMC caso esta adesão afectasse um ou vários dos domínios referidos no artigo 133.°, n.° 6, segundo parágrafo, CE, independentemente de conduzir ou não à harmonização das ordens jurídicas nacionais, na acepção do primeiro parágrafo. Como já foi referido (107), a este respeito, importa ter em consideração os compromissos concretos que decorrem para a Comunidade e o Vietname da adesão deste último à OMC.

168. É pacífico que uma série de compromissos concretos assumidos pela Comunidade no âmbito do GATS dizem respeito a serviços nos domínios da cultura, dos serviços sociais, da saúde e da educação; a adesão do Vietname à OMC tem por consequência o alargamento do seu âmbito de aplicação geográfico a este país. Tendo em vista a sua adesão à OMC, o Vietname assumiu igualmente compromissos concretos no âmbito do GATS, respeitantes a serviços nos domínios do audiovisual, da educação, dos serviços sociais e da cultura.

169. Daqui resulta que a aprovação pela Comunidade da adesão do Vietname à OMC afectava vários dos domínios referidos no artigo 133.°, n.° 6, segundo parágrafo, CE. Assim, a Comunidade não podia aprovar sozinha a admissão do Vietname no seio do Conselho Geral da OMC, necessitando para tal da participação dos seus Estados‑Membros sob a forma de uma expressão de voto consensual.

D –    Conclusão intermédia

170. Uma vez que a Comunidade não podia aprovar sozinha a admissão do Vietname na OMC, necessitando para tal, nos termos do artigo 133.°, n.° 6, CE, do comum acordo dos seus Estados‑Membros, deve negar‑se provimento ao recurso – na medida em que o mesmo seja admissível – interposto pela Comissão.

VII – Quanto à limitação dos efeitos de uma eventual anulação

171. Na hipótese de o Tribunal de Justiça anular a decisão impugnada, contrariamente ao que acaba de ser defendido, é conveniente limitar os efeitos de um acórdão nesse sentido. As partes adoptaram igualmente este ponto de vista e solicitaram unanimemente, sendo caso disso, a manutenção dos efeitos da decisão impugnada.

172. Segundo o artigo 231.°, segundo parágrafo, CE, o Tribunal de Justiça pode, se considerar necessário, indicar quais os efeitos do acto normativo anulado que devem ser considerados definitivos. Embora, de acordo com a sua redacção, esta disposição apenas se refira, na verdade, aos regulamentos, o Tribunal de Justiça aplicou‑a, por analogia, igualmente às decisões (108).

173. No caso vertente, a manutenção dos efeitos da decisão impugnada é justificada pelo facto de o Vietname já se ter tornado membro da OMC. De facto, a anulação de uma decisão adoptada previamente para estabelecer a posição da Comunidade não alteraria em nada o carácter vinculativo, no plano do direito internacional, da adesão do Vietname à OMC para a Comunidade e os seus Estados‑Membros, uma vez que, segundo as normas gerais do direito internacional, a violação de uma disposição de direito interno em matéria de competência para a conclusão dos tratados é, em princípio, irrelevante (109). No entanto, em termos intracomunitários, poderiam surgir incertezas jurídicas no que diz respeito aos efeitos da adesão do Vietname à OMC e ao comércio com este Estado terceiro. De modo a evitar qualquer incerteza jurídica relativamente às disposições aplicáveis ao comércio com o Vietname, impõe‑se, por conseguinte, a manutenção dos efeitos da decisão impugnada (110).

174. Diferentemente do que sucedeu, por exemplo, no processo C‑178/03 (111), no caso vertente, não faria qualquer sentido impor ao Conselho a tomada, num prazo razoável, de uma nova decisão – sem recurso ao artigo 133.°, n.° 6, CE. Com efeito, deixou de ser necessário, para o futuro, o estabelecimento de uma posição da Comunidade relativamente à adesão do Vietname à OMC. O estabelecimento desta posição fazia apenas sentido para o voto da Comunidade no seio do Conselho Geral da OMC, em 7 de Novembro de 2006. Porém, essa votação já se realizou e não será repetida.

VIII – Quanto às despesas

175. Por força do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Conselho pedido a condenação da Comissão e tendo esta sido integralmente vencida, há que condená‑la nas despesas.

176. Por outro lado, resulta do artigo 69.°, n.° 4, do Regulamento de Processo que os Estados‑Membros intervenientes devem suportar as respectivas despesas.

IX – Conclusão

177. Com base nas considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que decida do seguinte modo:

1)      O recurso é julgado inadmissível na parte em que tem por objecto a decisão dos representantes dos Estados‑Membros reunidos no seio do Conselho. Quanto ao mais, é negado provimento ao recurso.

2)      A República Checa, a República Federal da Alemanha, a República Helénica, o Reino de Espanha, a República Francesa, a República da Finlândia e o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte suportarão as respectivas despesas. Quanto ao mais, a Comissão suportará as despesas do processo.


1 – Língua original: alemão.


2 – Nestes termos, Christoph W. Herrmann, in: «Common Commercial Policy after Nice: Sisyphus would have done a better job», Common Market Law Review – CMLRev 39 (2002), p. 7.


3 – O Tratado de Nice foi assinado em 26 de Fevereiro de 2001 e entrou em vigor em 1 de Fevereiro de 2003, tendo sido publicado no JO 2001, C 80, p. 1.


4 – Paralelamente a este processo, está pendente no Tribunal de Justiça o pedido de parecer 1/08 da Comissão, baseado no artigo 300.°, n.° 6, CE, que diz igualmente respeito à interpretação dos n.os 5 e 6 do artigo 133.° CE, com a redacção que lhe foi dada pelo Tratado de Nice.


5 – Neste sentido, as informações divulgadas pela própria Organização Mundial do Comércio, disponíveis na Internet no sítio < http://www.wto.org/english/thewto_e/acc_e/acc_e.htm > (consultado pela última vez em 3 de Fevereiro de 2009).


6 – Assinado em Marraquexe, em 15 de Abril de 1994, e aprovado pela Decisão 94/800/CE do Conselho, de 22 de Dezembro de 1994, relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia e em relação às matérias da sua competência, dos acordos resultantes das negociações multilaterais do Uruguay Round (1986/1994) (JO L 336, p. 1).


7 – JO 1994, L 336, p. 190.


8 – JO 1994, L 336, p. 213.


9 – Proposta da Comissão, de 27 de Outubro de 2006, para uma decisão do Conselho que define a posição da Comunidade, no âmbito do Conselho Geral da Organização Mundial do Comércio, no que diz respeito à adesão da República Socialista do Vietname à Organização Mundial do Comércio [COM (2006) 659 final].


10 – Esta decisão foi adoptada no âmbito do procedimento escrito que se iniciou a 31 de Outubro de 2006 (documento do Conselho CM 3730/06) e terminou a 6 de Novembro de 2006 (documento do Conselho CM 3773/06). Esta decisão não foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia.


11 – Esta decisão foi reproduzida no mesmo documento que a decisão do Conselho (v. nota 10).


12 – A declaração a exarar na acta do Conselho, igualmente reproduzida no documento do Conselho CM 3773/06, apresenta o seguinte teor: «The Commission notes that its proposal had as the legal basis Article 133(1) and (5) in conjunction with the second subparagraph of Article 300(2). The Council has added paragraph 6 of Article 133 and in addition the Representatives of Member States meeting within the Council have adopted a separate decision approving the accession of Viet Nam to the WTO. The Commission considers that its proposal included the correct legal basis and is of the view that the separate decision of the Representatives of Member States meeting within the Council was not necessary. Consequently the Commission reserves its right to make use of all legal means at its disposal».


13 – O original da petição, apresentada inicialmente por fax, foi depositado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 18 de Janeiro de 2007.


14 – De modo semelhante, a actuação do Tribunal de Justiça nos seus despachos de 23 de Outubro de 2002, Áustria/Conselho (C‑445/00, Colect., p. I‑9151), e de 23 de Março de 2007, Stadtgemeinde Frohnleiten e Gemeindebetriebe Frohnleiten (C‑221/06, Colect., p. I‑2613).


15 – V., por exemplo, acórdãos de 31 de Março de 1971, Comissão/Conselho («AETR», 22/70, Colect., p. 69, n.os 39 e 42), de 11 de Novembro de 1981, IBM/Comissão (60/81, Recueil, p. 2639, n.° 9), e de 17 de Julho de 2008, Athinaïki Techniki/Comissão (C‑521/06 P, ainda não publicado na Colectânea, n.° 42).


16 – Acórdão de 30 de Junho de 1993, Parlamento/Conselho e Comissão («Bangladesh», C‑181/91 e C‑248/91, Colect., p. I‑3685, n.° 14).


17 – Acórdão de 2 de Março de 1994, Parlamento/Conselho («Fundo Europeu de Desenvolvimento – FED», C‑316/91, Colect., p. I‑625, n.° 9).


18 – Acórdão «Bangladesh» (já referido na nota 16, n.° 12).


19 – Parecer 2/94 de 28 de Março de 1996 («Parecer CEDH», Colect., p. I‑1759, n.° 24).


20 – Já neste sentido, acórdão de 14 de Julho de 1976, Kramer e o. (3/76, 4/76 e 6/76, Colect., p. 515, n.° 19), segundo o qual deve tomar‑se em consideração «o sistema de direito comunitário, da mesma forma que as suas normas materiais»; v. ainda o parecer 2/94 (já referido na nota 19, n.os 23 e segs.).


21 – Como é do conhecimento geral, nos termos do artigo II, n.° 2, para além do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio de 1994 (GATT 1994), fazem parte integrante do acordo OMC ainda outros dois acordos comerciais multilaterais, que são, portanto, vinculativos para todos os membros da OMC: o Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS) e o Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio (TRIPS).


22 – Acórdãos de 27 de Setembro de 1988, Comissão/Conselho (165/87, Colect., p. 5545, n.os 18 e 19), de 3 de Dezembro de 1996, Portugal/Conselho (C‑268/94, Colect., p. I‑6177, n.° 79), de 10 de Dezembro de 2002, British American Tobacco (Investments) e Imperial Tobacco (C‑491/01, Colect., p. I‑11453, n.° 98), e de 14 de Dezembro de 2004, Swedish Match (C‑210/03, Colect., p. I‑11893, n.° 44).


23 – Quanto à rejeição de um fundamento de uma acção ou de um recurso por «inoperante» («inopérant»), v., por exemplo, acórdãos de 18 Março de 1993, Parlamento/Frederiksen (C‑35/92 P, Colect., p. I‑991, n.° 31), de 12 de Dezembro de 2006, Alemanha/Parlamento e Conselho (C‑380/03, Colect., p. I‑11573, n.° 125), e de 9 de Setembro de 2008, FIAMM e FIAMM Technologies/Conselho e Comissão (C‑120/06 P e C‑121/06 P, ainda não publicado na Colectânea, n.° 189).


24 – Parecer 1/75 de 11 de Novembro de 1975 («Custos locais», Colect., p. 457, em especial pp. 463 e segs.), acórdão de 15 de Dezembro de 1976, Donckerwolcke e Schou (41/76, Colect., p. 781, n.° 32), parecer 2/91 de 19 de Março de 1993 («Convenção n.° 170 da OIT », Colect., p. I‑1061, n.° 8), parecer 1/94 de 15 de Novembro de 1994 («Parecer OMC», Colect., p. I‑5267, n.° 22 em conjugação com o n.° 34), parecer 2/00 de 6 de Dezembro de 2001 («Protocolo de Cartagena», Colect., p. I‑9713, n.° 41), bem como acórdãos de 12 de Maio de 2005, Regione autonoma Friuli‑Venezia Giulia e ERSA (C‑347/03, Colect., p. I‑3785, n.os 75 e 76), e de 3 de Setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão (C‑402/05 P e C‑415/05 P, ainda não publicado na Colectânea, n.° 182).


25 – O Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa (a seguir «TCE») foi assinado em Roma em 29 de Outubro de 2004 (JO 2004, C 310, p. 1).


26 – O Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (a seguir «TFUE») tem origem em alterações ao Tratado CE que resultam do Tratado de Lisboa (assinado em Lisboa em 13 de Dezembro de 2007, JO 2007, C 306, p. 1) e entram em vigor com este Tratado.


27 – Acórdão de 5 de Maio de 1981, Comissão/Reino Unido (804/79, Recueil, p. 1045, n.os 17, 18 e 27).


28 – Acórdão Comissão/Reino Unido (já referido na nota 27, n.° 20).


29 – No mesmo sentido, artigo I‑12.°, n.° 1, primeira parte, do TCE e artigo 2.°, n.° 1, primeira parte, do TFUE, que podem, a este respeito, ser entendidos como uma codificação do direito actualmente em vigor; v. igualmente acórdão «AETR» (já referido na nota 15, n.° 31), bem como pareceres 1/75 (já referido na nota 24, pp. 463 e segs.) e 2/91 (já referido na nota 24, n.° 8), segundos os quais não pode existir qualquer «competência concorrente» ou qualquer «competência paralela» por parte dos Estados‑Membros a par de uma competência exclusiva da Comunidade.


30 – Acórdãos Donckerwolcke e Schou (já referido na nota 24, n.° 32), de 18 de Fevereiro de 1986, Bulk Oil (174/84, Colect., p. 559, n.° 31), bem como de 17 de Outubro de 1995, Werner (C‑70/94, Colect., p. I‑3189, n.° 12) e Leifer e o. (C‑83/94, Colect., p. I‑3231, n.° 13); esta jurisprudência foi igualmente acolhida no artigo I‑12.°, n.° 1, segunda parte, do TCE e no artigo 2.°, n.° 1, segunda parte, do TFUE. Para além dos casos em que há uma autorização expressa, os Estados‑Membros podem igualmente, perante a inacção da Comunidade, agir em casos urgentes como «representantes do interesse comum», apesar de terem de consultar a Comissão e de respeitar o direito comunitário (neste sentido, acórdão Comissão/Reino Unido, já referido na nota 27, n.os 22 e 31); no caso vertente, está, porém, excluída à partida qualquer margem para uma «actividade de representante» deste tipo por parte dos Estados‑Membros, uma vez que o próprio Conselho adoptou uma decisão em relação à adesão do Vietname à OMC.


31 – Estão em causa o comércio de serviços, os aspectos comerciais da propriedade intelectual e o investimento estrangeiro directo.


32 – Já no mesmo sentido, o artigo III‑315.°, n.° 1, em conjugação com o artigo I‑13.°, n.° 1, alínea e), do TCE.


33 – Acórdão «AETR» (já referido na nota 15, n.os 17, 18 e 31), parecer 1/94 (já referido na nota 24, n.os 77 e 95), acórdão de 5 de Novembro de 2002, Comissão/Dinamarca («Open Skies», C‑467/98, Colect., p. I‑9519, n.os 77 a 84), e parecer 1/03 de 7 de Fevereiro de 2006 («Convenção de Lugano», Colect., p. I‑1145, n.os 115, 116, 118, 122 a 126).


34 – Encontram‑se formulações semelhantes no artigo 111.°, n.° 5, CE (união monetária), no artigo 174.°, n.° 4, segundo parágrafo, CE (ambiente) e no artigo 181.°‑A, n.° 3, segundo parágrafo, CE (cooperação económica, financeira e técnica com os países terceiros).


35 – Acórdão FED (já referido na nota 17, n.os 26 e 34); já no mesmo sentido, acórdão «Bangladesh» (já referido na nota 16, n.° 16).


36 – V. igualmente acórdão Portugal/Conselho (já referido na nota 22, n.° 36).


37 – Acórdãos de 13 de Fevereiro de 1969, Walt Wilhelm e o. (14/68, Colect. 1969‑1970, p. 1, n.os 3 e 4), de 10 de Julho de 1980, Giry e Guerlain e o. (253/78 e 1/79 a 3/79, Recueil, p. 2327, n.° 15), de 9 de Setembro de 2003, Milk Marque e National Farmers’ Union (C‑137/00, Colect., p. I‑7975, n.° 61), e de 13 de Julho de 2006, Manfredi e o. (C‑295/04 a C‑298/04, Colect., p. I‑6619, n.° 38).


38 – Quanto à coordenação entre a Comissão e as autoridades nacionais competentes em matéria de concorrência, bem como quanto ao primado do direito comunitário, v. Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de Dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° e 82.° do Tratado (JO L 1, p. 1), em particular o artigo 3.° e os oitavo e décimo quinto considerandos.


39 – Já neste sentido, parecer 1/75 (já referido na nota 24, pp. 463 e segs.), segundo o qual a concepção da política comercial comum – clássica – é incompatível com o facto de os Estados‑Membros reservarem para si uma liberdade invocando uma competência paralela, a fim de prosseguirem a satisfação distinta dos seus interesses próprios nas relações externas, com o risco de impedir uma defesa eficaz do interesse comum da Comunidade.


40 – Neste sentido, acórdão Kramer (já referido na nota 20, n.os 39 e 40); v. também os mais recentes artigos I‑12.°, n.° 2, segundo período, do TCE e 2.°, n.° 2, segundo período, do TFUE, que podem, a este respeito, ser entendidos como uma codificação do direito actualmente em vigor.


41 – Acórdãos de 30 de Abril de 1974, Haegeman (181/73, Colect., p. 251, n.° 5), de 30 de Setembro de 1987, Demirel (12/86, Colect., p. I‑3719, n.° 7), de 30 de Maio de 2006, Comissão/Irlanda (C‑459/03, Colect., p. I‑4635, n.° 82), e de 11 de Setembro de 2007, Merck Genéricos – Produtos Farmacêuticos (C‑431/05, Colect., p. I‑7001, n.° 31).


42 – V. igualmente acórdão de 26 de Outubro de 1982, Kupferberg (104/81, Recueil, p. 3641, n.° 11).


43 – Parecer 2/91 (já referido na nota 24, n.° 10), acórdãos Comissão/Dinamarca (já referido na nota 33, n.° 110), de 2 de Junho de 2005, Comissão/Luxemburgo (C‑266/03, Colect., p. I‑4805, n.° 57), e de 14 de Julho de 2005, Comissão/Alemanha (C‑433/03, Colect., p. I‑6985, n.° 63), parecer 1/03 (já referido na nota 33, n.° 119).


44 – Acórdãos Comissão/Luxemburgo (já referido na nota 43, n.° 58) e Comissão/Alemanha (já referido na nota 43, n.° 64).


45 – Acórdãos Comissão/Luxemburgo (já referido na nota 43, n.os 59 e 60) e Comissão/Alemanha (já referido na nota 43, n.os 65 e 66).


46 – V., supra, n.° 72 destas conclusões.


47 – Neste sentido, embora noutro contexto, parecer 1/00 de 18 de Abril de 2002 (Colect., p. I‑3493, n.° 12).


48 – V., a este respeito, novamente os acórdãos Comissão/Luxemburgo (já referido na nota 43, n.° 57) e Comissão/Alemanha (já referido na nota 43, n.° 63).


49 – V., a este respeito, o n.° 76 e a nota 40 destas conclusões.


50 – Tendo em conta a particularidade exposta, é enganoso o facto de, em várias versões linguísticas do artigo 133.°, n.° 6, segundo parágrafo, CE, este tipo de competência ser designada pelo conceito tradicional de «competência partilhada», nomeadamente na versão francesa («compétence partagée») e na versão inglesa («shared competence»).


51 – A título de exemplo, é referida, em particular, a aprovação por parte da Comunidade e dos seus Estados‑Membros das adesões à OMC dos Reinos da Arábia Saudita e do Tonga, em 2005, para as quais o Tratado CE, com a redacção que lhe foi dada com o Tratado de Nice, já tinha igualmente sido determinante no plano intercomunitário.


52 – Acórdãos de 23 de Fevereiro de 1988, Reino Unido/Conselho (68/86, Colect., p. 855, n.° 24), de 12 de Novembro de 1996, Reino Unido/Conselho (C‑84/94, Colect., p. I‑5755, n.° 19), de 28 de Novembro de 2006, Parlamento/Conselho (C‑414/04, Colect., p. I‑11279, n.° 37), e de 6 de Maio de 2008, Parlamento/Conselho (C‑133/06, ainda não publicado na Colectânea, n.° 60), bem como parecer 1/94 (já referido na nota 24, n.° 52).


53 – Neste sentido, pareceres 1/94 (já referido na nota 24, n.° 107) e 2/00 (já referido na nota 24, n.° 41).


54 – Jurisprudência assente; v., entre muitos outros, acórdãos de 11 de Julho de 1991, Comissão/Conselho («Titandioxid», C‑300/89, Colect., p. I‑2867, n.° 10), Portugal/Conselho (já referido na nota 22, n.° 22) e Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão (já referido na nota 24, n.° 182), bem como parecer 2/00 (já referido na nota 24, n.° 22).


55 – O mesmo acontecera já anteriormente relativamente ao GATT de 1947 [acórdão de 12 de Dezembro de 1972, International Fruit Company e o. (21/72 a 24/72, Colect., p. 407, n.os 14 a 18)].


56 – De acordo com as regras gerais do direito internacional convencional, como foram consagradas na Convenção de Viena de 23 de Maio de 1969 sobre o Direito dos Tratados (UNTS, vol. 1155, p. 331), os tratados internacionais apenas podem, em princípio, ser revistos por acordo entres as partes (artigo 39.° da Convenção de Viena). Em relação à revisão de tratados multilaterais, são aplicáveis regras específicas (artigo 40.° da Convenção de Viena). No entanto, estas regras gerais de direito internacional apenas são aplicáveis na medida em que o tratado em causa não disponha em contrário (artigo 39.°, segundo período, e artigo 40.°, n.° 1, da Convenção de Viena). Os membros da OMC recorreram a esta última possibilidade e estabeleceram, no artigo XII do acordo OMC, um procedimento simplificado de adesão, que não requer um acordo entre a totalidade dos membros da OMC e o novo membro.


57 – V., respectivamente, o terceiro considerando do acordo OMC e do GATS, bem como acórdão de 23 de Novembro de 1999, Portugal/Conselho («Produtos têxteis», C‑149/96, Colect., p. I‑8395, n.° 42).


58 – De forma semelhante, artigo I, n.° 1, do GATT e artigo 4.° do TRIPS.


59 – O pedido de adesão do Vietname deu entrada na OMC em 4 de Janeiro de 1995. Em 31 de Janeiro de 1995, foi criado um grupo de trabalho («Working Party»). Em 7 de Novembro de 2006, o Conselho Geral da OMC aprovou a adesão do Vietname. Em 11 de Janeiro de 2007, o Vietname tornou‑se membro da OMC. V., a este respeito, novamente as informações divulgadas pela própria OMC, disponíveis na Internet no sítio < http://www.wto.org/english/thewto_e/acc_e/a1_vietnam_e.htm > (consultado pela última vez em de 3 de Fevereiro de 2009).


60 – Parecer 2/94 (já referido na nota 19, n.° 24).


61 – V., a este respeito, de novo os terceiros considerandos do acordo OMC e do GATS, bem como acórdão «Produtos têxteis» (já referido na nota 57, n.° 42).


62 – Nos termos do artigo XII, n.° 2, do acordo OMC, é necessária uma maioria de dois terços dos membros da OMC.


63 – Acórdão de 17 de Março de 1993, Comissão/Conselho («Directiva relativa aos resíduos», C‑155/91, Colect., p. I‑939, n.os 19 e 21), parecer 2/00 (já referido na nota 24, n.° 23), acórdãos de 10 de Janeiro de 2006, Comissão/Conselho («Convenção de Roterdão», C‑94/03, Colect., p.I‑1, n.° 35), e de 20 de Maio de 2008, Comissão/Conselho («Armas de pequeno calibre», C‑91/05, ainda não publicado na Colectânea, n.° 73).


64 – No acórdão de 10 de Fevereiro de 2009, Irlanda/Parlamento e Conselho («Conservação de dados», C‑301/06, ainda não publicado na Colectânea, n.° 56), o Tribunal de Justiça distinguiu igualmente entre a repartição das competências no seio da União, por um lado, e a repartição das competências entre a União e os Estados‑Membros, por outro. Esta última abrange a questão de saber se a União invadiu as competências dos Estados‑Membros.


65 – Acórdãos de 13 de Setembro de 2005, Comissão/Conselho («Direito penal do ambiente», C‑176/03, Colect., p. I‑7879, n.° 48), e de 23 de Outubro de 2007, Comissão/Conselho («Poluição do meio marinho», C‑440/05, Colect., p. I‑9097, n.° 66).


66 – Os exemplos referidos pela Comissão, retirados da jurisprudência, nomeadamente o parecer 1/78 de 4 de Outubro de 1979 («Acordo internacional sobre a borracha natural», Recueil, p. 2871, n.° 56) e o acórdão Portugal/Conselho (já referido na nota 22, n.os 38 e 39), dizem igualmente respeito à interpretação de competências comunitárias existentes previstas no Tratado CE.


67 – A redacção do artigo 133.°, n.° 6, primeiro parágrafo, CE – «o Conselho não pode celebrar acordos» – é equívoca. Na realidade, é a Comunidade (e, deste modo, o Conselho na qualidade de instituição da Comunidade) que não pode celebrar acordos sozinha.


68 – Relativamente à diferença entre este tipo de competência e a tradicional «competência partilhada», v., supra, o n.° 88 e a nota 50 destas conclusões.


69 – V. as versões espanhola («en el âmbito»), checa («v oblasti»), grega («στον τομέα του»), francesa («dans le domaine»), italiana («nei settori»), portuguesa («no domínio») e romena («în domeniul») do artigo 133.°, n.° 6, segundo parágrafo, CE.


70 – V., neste sentido, as redacções comparativamente mais abertas das versões búlgara («относно»), dinamarquesa («om»), estónia («käsitlevad»), inglesa («relating to»), irlandesa («a bhaineann le»), letã («kas saistīti ar»), lituana («susiję»), húngara («vonatkozó»), maltesa («li ghandu x’jaqsam ma[’]»), neerlandesa («betreffende»), polaca («dotyczące»), eslovaca («týkajúce sa»), eslovena («ki se nanašajo na»), finlandesa («koskevat») e sueca («rörande») do artigo 133.°, n.° 6, segundo parágrafo, CE.


71 – A Comissão refere‑se à exigência de unanimidade no seio do Conselho relativamente a acordos horizontais, imposta pelo artigo 133.°, n.° 5, terceiro parágrafo, CE.


72 – No mesmo sentido – quanto ao quadro jurídico anterior ao Tratado de Nice – parecer 1/94 (já referido na nota 24, n.° 107).


73 – No mesmo sentido, parecer 2/94 (já referido na nota 19, n.° 35, segunda frase) e acórdão de 25 de Julho de 2002, Unión de Pequeños Agricultores/Conselho (C‑50/00 P, Colect., p. I‑6677, n.° 45).


74 – Parecer 1/94 (já referido na nota 24).


75 – Por «modo 1» entende‑se a prestação de um serviço com origem no território de um membro e com destino ao território de qualquer outro membro da OMC [artigo I, n.° 2, alínea a), do GATS].


76 – O mesmo é válido – no que se refere aos aspectos comerciais da propriedade intelectual – relativamente à proibição de colocação em livre prática de mercadorias contrafeitas (parecer 1/94, já referido na nota 24, n.os 55 e 71).


77 – V., supra, n.os 111 a 125 destas conclusões.


78 – Isto é válido para os acordos horizontais, na acepção do artigo 133.°, n.° 5, terceiro parágrafo, CE, abrangidos pela primeira alternativa do n.° 5, segundo parágrafo («sempre que incluam disposições em relação às quais seja exigida a unanimidade para a adopção de normas internas»); v., no mesmo sentido, artigo 300.°, n.° 2, segundo parágrafo, CE, em conjugação com o seu primeiro parágrafo, segundo período.


79 – Isto é válido para os acordos horizontais, na acepção do artigo 133.°, n.° 5, terceiro parágrafo, CE, abrangidos pela segunda alternativa do n.° 5, segundo parágrafo («sempre que incidam em domínios em que a Comunidade não tenha ainda exercido, através da adopção de normas internas, as suas competências por força do presente Tratado»).


80 – Acordo horizontal «também abrangid[o] […] pelo segundo parágrafo do n.° 6».


81 – V., a este respeito, novamente a nota 67.


82 – Parecer 2/94 (já referido na nota 19, n.° 24).


83 – Por «modo 3» entende‑se a prestação de um serviço por um prestador de serviços de um membro através da presença comercial no território de qualquer outro membro da OMC [artigo I, n.° 2, alínea c), do GATS]. Neste âmbito, no parecer 1/94 (já referido na nota 24, n.° 43), o Tribunal de Justiça fixou o conceito de «presença comercial».


84 – Em inglês: «health plans» ou «health‑service plans».


85 – Em particular, o Conselho remete para os exemplos da Bélgica (a avaliação das necessidades nesse país tem por objecto «the needs in function of the population, age scale, death rate and geographical spread») e da Áustria («due consideration on a case‑by‑case basis is taken of the density of population, existing facilities, traffic infrastructure, topographical conditions and the distance between hospitals»).


86 – Por «modo 4» entende‑se a prestação de um serviço por um prestador de serviços de um membro através da presença de pessoas singulares de um membro no território de qualquer outro membro da OMC [artigo I, n.° 2, alínea d), do GATS]. Neste âmbito, no parecer 1/94 (já referido na nota 24, n.° 43), o Tribunal de Justiça fixou o conceito de «presença de pessoas singulares».


87 – Para além de à liberdade de estabelecimento, estas competências são igualmente aplicáveis à liberdade de prestação de serviços (artigo 55.° CE) e englobam, para além das pessoas singulares, as pessoas colectivas (artigo 48.° CE).


88 – Parecer 1/94 (já referido na nota 24, n.os 81 e 86).


89 – Parecer 1/94 (já referido na nota 24, n.° 90). Como o Tribunal de Justiça afirmou ainda no referido parecer (n.os 90 e segs.), já existem inúmeros actos normativos comunitários adoptados com base nos artigos 44.° e 47.°  CE que são igualmente aplicáveis a cidadãos de países terceiros.


90 – Parecer 1/94 (já referido na nota 24, n.os 95 e 98).


91 – O acórdão de 10 de Março de 2009, Hartlauer (C‑169/07, ainda não publicado na Colectânea), não se opõe igualmente a esta conclusão. O referido acórdão diz respeito a uma legislação nacional relativa à avaliação das necessidades com vista à autorização de policlínicas. Esta legislação é apreciada à luz da liberdade de estabelecimento (artigo 43.° CE). Em contrapartida, não é feita nesse acórdão qualquer referência a uma competência da Comunidade para impor aos Estados‑Membros uma avaliação das necessidades desse tipo ou para harmonizar as legislações nacionais a este respeito.


92 – Acórdãos de 11 de Novembro de 1981, Casati (203/80, Recueil, p. 2595, n.° 27), de 2 de Fevereiro de 1989, Cowan (186/87, Colect., p. 195, n.° 19), «Direito penal do ambiente» (já referido na nota 65, n.° 47) e «Poluição do meio marinho» (já referido na nota 65, n.° 66).


93 – Acórdãos «Direito penal do ambiente» (já referido na nota 65, n.° 48) e «Poluição do meio marinho» (já referido na nota 65, n.° 66).


94 – A título de exemplo, está prevista a criação de uma patente comunitária; v. a proposta da Comissão para um regulamento do Conselho relativo à patente comunitária, COM(2000) 412 final (JO C 337 E, p. 278). Actualmente, o artigo 308.° CE é utilizado como base jurídica para a criação desses direitos de propriedade intelectual (v. igualmente parecer 1/94, já referido na nota 24, n.° 59). Com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, a União obterá, no artigo 118.° do TFUE, uma competência expressa para a criação de títulos europeus a fim de assegurar uma protecção uniforme dos direitos de propriedade intelectual, bem como, nas condições previstas no artigo 83.°, n.° 2, do TFUE, uma competência expressa para estabelecer regras mínimas relativas à definição de infracções penais e sanções.


95 – V., por exemplo, o Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), e o Regulamento (CE) n.° 6/2002 do Conselho, de 12 de Dezembro de 2001, relativo aos desenhos ou aos modelos comunitários (JO L 3, p. 1).


96 – V., neste contexto, igualmente a proposta alterada da Comissão, de 26 de Abril de 2006, de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa às medidas penais destinadas a assegurar o respeito pelos direitos de propriedade intelectual, COM(2006) 168 final, que se baseia no artigo 95.° CE em conjugação com o acórdão «Direito penal do ambiente».


97 – Acórdão «Poluição do meio marinho» (já referido na nota 65, n.° 70).


98 – Com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, a União obterá, nas condições referidas no artigo 83.°, n.° 2, TFUE, competência para estabelecer regras mínimas relativas à definição de infracções penais e sanções.


99 – V., supra, n.° 140 destas conclusões.


100 – Do ponto de vista sistemático, isto resulta, por exemplo, da leitura de uma disposição vizinha: o artigo 133.°, n.° 5, terceiro parágrafo, CE remete apenas para o segundo parágrafo do n.° 6, e não para o primeiro parágrafo.


101 – Artigos 47.°, n.° 2, e 55.°  CE (antigos artigos 57.°, n.° 2, e 66.° do Tratado CE).


102 – Directiva 89/552/CEE do Conselho, de 3 de Outubro de 1989, relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas ao exercício de actividades de radiodifusão televisiva (JO L 298, p. 23, rectificada no JO L 331, p. 51), alterada em último lugar pela Directiva 2007/65/EG (JO L 332, p. 27).


103 – V., a este respeito, a jurisprudência referida na nota 92.


104 – V., supra, n.° 142 destas conclusões.


105 – A título de exemplo da importância dos serviços audiovisuais para a diversidade cultural e para a política linguística dos Estados‑Membros da UE, v., por último, acórdão de 5 de Março de 2009, UTECA (C‑222/07, ainda não publicado na Colectânea), bem como as minhas conclusões apresentadas em 4 de Setembro de 2008 no mesmo processo (em particular, n.os 90 a 102).


106 – Este direito de veto resulta das exigências de unanimidade impostas pelo artigo 133.°, n.° 5, segundo e terceiro parágrafos, CE.


107 – V., supra, n.os 92 a 109 destas conclusões.


108 – Acórdãos de 28 de Maio de 1998, Parlamento/Conselho (C‑22/96, Colect., p. I‑3231, n.° 42), e de 6 Novembro de 2008, Parlamento/Conselho («Garantias», C‑155/07, ainda não publicado na Colectânea, n.° 87).


109 – No mesmo sentido, igualmente o artigo 46.° da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados.


110 – No mesmo sentido, acórdãos de 7 de Março de 1996, Parlamento/Conselho (C‑360/93, Colect., p. I‑1195, n.os 33 a 36), de 19 de Novembro de 1998, Portugal/comissão (C‑159/96, Colect., p. I‑7379, n.os 52 e 53), de 10 de Janeiro de 2006, Comissão/Parlamento e Conselho («Produtos químicos perigosos», C‑178/03, Colect., p. I‑107, n.os 64 e 65), e «Garantias» (já referido na nota 108, n.os 87 e 88).


111 – Acórdão «Produtos químicos perigosos» (já referido na nota 110, n.° 65).