Language of document : ECLI:EU:C:2012:795

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

13 de dezembro de 2012 (*)

«Concorrência — Artigo 101.°, n.° 1, TFUE — Acordos, decisões e práticas concertadas — Caráter sensível de uma restrição — Regulamento (CE) n.° 1/2003 — Artigo 3.°, n.° 2 — Autoridade nacional da concorrência — Prática suscetível de afetar o comércio entre os Estados‑Membros — Processo e sanção — Não ultrapassagem dos limiares de quotas de mercado estabelecidos na comunicação de minimis — Restrições por objetivo»

No processo C‑226/11,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pela Cour de cassation (França), por decisão de 10 de maio de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 16 de maio de 2011, no processo

Expedia Inc.

contra

Autorité de la concurrence e o.,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: A. Rosas, exercendo funções de presidente da Segunda Secção, U. Lõhmus (relator), A. Ó Caoimh, A. Arabadjiev e C. G. Fernlund, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: R. Şereş, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 27 de junho de 2012,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação da Expedia Inc., por F. Molinié e F. Ninane, avocats,

¾        em representação da Autorité de la concurrence, por F. Zivy e L. Gauthier‑Lescop, na qualidade de agentes, assistidos por E. Baraduc, avocate,

¾        em representação do Governo francês, por G. de Bergues e J. Gstalter, na qualidade de agentes,

¾        em representação da Irlanda, por D. O’Hagan, na qualidade de agente,

¾        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por P. Gentili, avvocato dello Stato,

¾        em representação do Governo polaco, por M. Szpunar, na qualidade de agente,

¾        em representação da Comissão Europeia, por N. von Lingen e B. Mongin, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Órgão de Fiscalização da EFTA, por X. Lewis, M. Schneider e M. Moustakali, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 6 de setembro de 2012,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE e do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] (JO 2003, L 1, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um processo que opõe a sociedade Expedia Inc. (a seguir «Expedia») à Autorité de la concurrence, anterior Conseil de la concurrence, a respeito dos procedimentos intentados e das sanções pecuniárias aplicadas por esta última devido aos acordos sobre a criação de uma filial comum celebrados entre a Expedia e a Société nationale des chemins de fer français (SNCF) (a seguir «SNCF»).

 Quadro jurídico

 Regulamentação da União

3        O artigo 3.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 1/2003 dispõe:

«1.      Sempre que as autoridades dos Estados‑Membros responsáveis em matéria de concorrência ou os tribunais nacionais apliquem a legislação nacional em matéria de concorrência a acordos, decisões de associação ou práticas concertadas na aceção do n.° 1 do artigo 81.° [CE], suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados‑Membros, na aceção desta disposição, devem aplicar igualmente o artigo 81.° [CE] a tais acordos, decisões ou práticas concertadas. [...]

2.      A aplicação da legislação nacional em matéria de concorrência não pode levar à proibição de acordos, decisões de associação ou práticas concertadas suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados‑Membros mas que não restrinjam a concorrência na aceção do n.° 1 do artigo 81.° [CE], ou que reúnam as condições do n.° 3 do artigo 81.° [CE] ou se encontrem abrangidos por um regulamento de aplicação do n.° 3 do artigo 81.° [CE]. [...]»

4        A Comunicação da Comissão relativa aos acordos de pequena importância que não restringem sensivelmente a concorrência nos termos do n.° 1 do artigo 81.° [CE] (de minimis) (JO 2001, C 368, p. 13, a seguir «comunicação de minimis») refere, nos seus pontos 1, 2, 4, 6 e 7:

«1.      […] O Tribunal de Justiça […] estabeleceu que [o artigo 81.°, n.° 1, CE] só é aplicável quando o impacto do acordo sobre o comércio intracomunitário ou sobre a concorrência for sensível.

2.      Nesta comunicação a Comissão quantifica, recorrendo a limiares de quotas de mercado, as restrições da concorrência que não são consideradas sensíveis nos termos do n.° 1 do artigo 81.° [CE]. Esta definição, por defeito, do caráter sensível, não implica que os acordos entre empresas que ultrapassem os limiares estabelecidos na presente comunicação restrinjam sensivelmente a concorrência. Tais acordos podem igualmente ter apenas um efeito negligenciável sobre a concorrência e por isso não serem proibidos pelo n.° 1 do artigo 81.° [CE] [...]

[...]

4.      Nos casos abrangidos pela presente comunicação, a Comissão não iniciará qualquer processo, nem a pedido, nem oficiosamente. Sempre que as empresas presumirem, de boa‑fé, que um acordo está abrangido pela presente comunicação, a Comissão não aplicará quaisquer coimas. Embora não seja vinculativa para os tribunais e para as autoridades dos Estados‑Membros, a presente comunicação também pretende dar orientações a essas entidades para a aplicação do artigo 81.° [CE].

[...]

6.      A presente comunicação não prejudica a interpretação do artigo 81.° [CE] efetuada pelo Tribunal de Justiça ou pelo Tribunal [Geral] […].

7.      A Comissão considera que os acordos entre empresas que afetam o comércio entre os Estados‑Membros não restringem sensivelmente a concorrência na aceção do n.° 1 do artigo 81.° [CE] quando:

a)      A quota de mercado de cada uma das partes no acordo não ultrapassar 10% em qualquer dos mercados relevantes afetados pelo acordo, quando este for concluído entre empresas que não sejam concorrentes efetivos nem potenciais em qualquer desses mercados (acordos entre não concorrentes) […]

[...]»

 Legislação francesa

5        O artigo L. 420‑1 do Código Comercial (code de commerce) tem a seguinte redação:

«São proibidas, mesmo quando praticadas por um intermediário direto ou indireto de uma sociedade integrada num grupo e instalada fora de França, as práticas concertadas, as convenções, os acordos expressos ou tácitos ou as colusões, quando tenham por objeto ou possam ter por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado, designadamente quando visem:

1°      Limitar o acesso ao mercado ou o livre exercício da concorrência por outras empresas;

2°      Criar obstáculos à fixação de preços de acordo com o livre jogo do mercado, favorecendo artificialmente o seu aumento ou a sua diminuição;

3°      Limitar ou controlar a produção, o escoamento dos produtos, os investimentos ou o progresso técnico;

4°      Repartir os mercados ou as fontes de abastecimento.»

6        O artigo L. 464‑6‑1 deste código dispõe que a Autorité de la concurrence pode decidir que não há que prosseguir o processo quando as práticas mencionadas no artigo L. 420‑1 do referido código não se refiram a contratos celebrados nos termos do Código dos Contratos Públicos (code des marchés publics) e quando a quota de mercado conjunta das empresas ou dos organismos que são partes no acordo ou na prática em causa não ultrapasse determinados limiares, correspondentes aos estabelecidos no ponto 7 da comunicação de minimis.

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

7        Com o objetivo de desenvolver a venda de bilhetes de comboio e de viagens na Internet, a SNCF celebrou, em setembro de 2001, vários acordos com a Expedia, sociedade americana especializada na venda de viagens na Internet, e criou com esta uma filial comum denominada GL Expedia. O sítio Internet voyages‑SNCF.com, até então destinado apenas à informação, à reserva e à venda de bilhetes de comboio na Internet, alojou a atividade da GL Expedia e transformou‑se para oferecer, além das suas prestações iniciais, um serviço de agência de viagens em linha. Durante o ano de 2004, esta filial comum alterou a sua denominação para Agence de voyages SNCF.com (a seguir «Agence VSC»).

8        Por decisão de 5 de fevereiro de 2009, a Autorité de la concurrence considerou que a parceria entre a SNCF e a Expedia, que criou a Agence VSC, constituía um acordo, contrário ao artigo 81.° CE e ao artigo L. 420‑1 do Código Comercial, que tinha por objetivo e por efeito favorecer esta filial comum no mercado dos serviços de agência de viagens prestados para as viagens de lazer, em detrimento das concorrentes. A Autorité de la concurrence aplicou sanções pecuniárias à Expedia e à SNCF.

9        A Autorité de la concurrence considerou, designadamente, que a Expedia e a SNCF eram concorrentes no mercado dos serviços em linha de agência de viagens de lazer, detinham mais de 10% das quotas desse mercado e que, por conseguinte, a regra dita «de minimis», enunciada no ponto 7 da comunicação de minimis e no artigo L. 464‑2‑1 do Código Comercial, não podia ser aplicada.

10      Na cour d’appel de Paris, a Expedia alegou que a Autorité de la concurrence tinha sobreavaliado as quotas de mercado da Agence VSC. Este órgão jurisdicional não se pronunciou diretamente sobre este fundamento. No seu acórdão de 23 de fevereiro de 2010, considerou, nomeadamente, que, à luz da redação do artigo L. 464‑6‑1 do Código Comercial e, em particular, do emprego da forma verbal «pode», a Autorité de la concurrence tem, em todo o caso, a possibilidade de punir as práticas levadas a cabo por empresas cujas quotas de mercado se situem abaixo dos limiares fixados por este código e pela comunicação de minimis.

11      A Cour de cassation, perante a qual foi interposto o recurso da Expedia contra este acórdão, salienta que não é contestado que, como concluiu a Autorité de la concurrence, o acordo em causa no processo principal tem um objetivo anticoncorrencial. Considera que, tendo em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça na matéria, não se demonstrou que a Comissão teria punido um acordo desse tipo se as quotas de mercado em causa não ultrapassassem os limiares fixados na comunicação de minimis.

12      O órgão jurisdicional de reenvio é, além disso, de opinião de que as afirmações que figuram nos n.os 4 e 6 da comunicação de minimis, segundo as quais esta não é vinculativa para os tribunais e para as autoridades dos Estados‑Membros e não prejudica a interpretação do artigo 101.° TFUE que pode ser feita pelos órgãos jurisdicionais da União Europeia, fazem surgir uma dúvida quanto à questão de saber se os limiares das quotas de mercado instituídos por essa comunicação constituem uma presunção inilidível de falta de efeito sensível na concorrência, no sentido do referido artigo.

13      Nestas circunstâncias, a Cour de cassation decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O artigo 101.°, n.° 1, […] TFUE e o artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que uma prática de acordos, de decisões de associações de empresas ou de concertação que é suscetível de afetar o comércio entre os Estados‑Membros, mas que não atinge os limiares fixados pela Comissão Europeia na sua comunicação [de minimis], seja objeto de um processo e punida por uma autoridade nacional da concorrência com o duplo fundamento do artigo 101.°, n.° 1, […] TFUE e do direito nacional da concorrência?»

 Quanto à questão prejudicial

14      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 101.°, n.° 1, TFUE e o artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que uma autoridade nacional da concorrência aplique o artigo 101.°, n.° 1, TFUE a um acordo entre empresas que é suscetível de afetar o comércio entre Estados‑Membros, mas que não atinge os limiares estabelecidos pela Comissão na sua comunicação de minimis.

15      Importa recordar que, nos termos do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, são incompatíveis com o mercado interno e proibidos todos os acordos entre empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas que sejam suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados‑Membros e que tenham por objetivo ou por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno.

16      É jurisprudência constante que a proibição enunciada nesta disposição não se aplica a um acordo de empresas que apenas afete o mercado de modo insignificante (acórdãos de 9 de julho de 1969, Völk, 5/69, Colet. 1969‑1970, p. 95, n.° 7; de 28 de maio de 1998, Deere/Comissão, C‑7/95 P, Colet., p. I‑3111, n.° 77; de 21 de janeiro de 1999, Bagnasco e o., C‑215/96 e C‑216/96, Colet., p. I‑135, n.° 34; e de 23 de novembro de 2006, Asnef‑Equifax e Administración del Estado, C‑238/05, Colet., p. I‑11125, n.° 50).

17      Assim, para ficar abrangida pela proibição prevista no artigo 101.°, n.° 1, TFUE, um acordo de empresas deve ter por objetivo ou por efeito restringir de maneira sensível a concorrência no mercado interno e ser suscetível de afetar o comércio entre os Estados‑Membros (acórdãos de 24 de outubro de 1995, Bayerische Motorenwerke, C‑70/93, Colet., p. I‑3439, n.° 18; de 28 de abril de 1998, Javico, C‑306/96, Colet., p. I‑1983, n.° 12; e de 2 de abril de 2009, Pedro IV Servicios, C‑260/07, Colet., p. I‑2437, n.° 68).

18      No que respeita ao papel das autoridades dos Estados‑Membros no cumprimento do direito da União em matéria de concorrência, o artigo 3.°, n.° 1, primeiro período, do Regulamento n.° 1/2003 estabelece uma ligação estreita entre a proibição dos cartéis, enunciada no artigo 101.° TFUE, e as disposições correspondentes do direito nacional da concorrência. Quando a autoridade nacional da concorrência aplica as disposições do direito nacional que proíbem os cartéis a um acordo de empresas que é suscetível de afetar o comércio entre Estados‑Membros na aceção do artigo 101.° TFUE, o referido artigo 3.°, n.° 1, primeiro período, impõe‑lhe que aplique, igualmente, em paralelo, o artigo 101.° TFUE (acórdão de 14 de fevereiro de 2012, Toshiba Corporation e o., C‑17/10, n.° 77).

19      Em conformidade com o artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, a aplicação da legislação nacional em matéria de concorrência não pode levar à proibição desses acordos, decisões de associação ou práticas concertadas, se não tiverem por efeito a restrição da concorrência no sentido do artigo 101.°, n.° 1, TFUE.

20      Daqui decorre que as autoridades da concorrência dos Estados‑Membros só podem aplicar as disposições do direito nacional que proíbem os cartéis a um acordo de empresas suscetível de afetar o comércio entre os Estados‑Membros no sentido do artigo 101.° TFUE, se esse acordo constituir uma restrição sensível da concorrência no mercado interno.

21      O Tribunal de Justiça já declarou que a existência de uma restrição deste tipo deve ser apreciada em função do quadro real onde se insere esse acordo (v. acórdão de 6 de maio de 1971, Cadillon, 1/71, Recueil, p. 351, n.° 8, Colet., p. 115). Deve atender‑se, nomeadamente, ao teor das suas disposições, aos objetivos que visa atingir, bem como ao contexto económico e jurídico em que se insere (v. acórdão de 6 de outubro de 2009, GlaxoSmithKline Services e o./Comissão, C‑501/06 P, C‑513/06 P, C‑515/06 P e C‑519/06 P, Colet., p. I‑9291, n.° 58). Há também que tomar em consideração a natureza dos produtos ou dos serviços afetados e as condições reais do funcionamento e da estrutura do mercado ou dos mercados em questão (v., neste sentido, acórdão Asnef‑Equifax e Administración del Estado, já referido, n.° 49).

22      No âmbito da sua apreciação, o Tribunal de Justiça considerou nomeadamente que um acordo de exclusividade, mesmo com uma proteção territorial absoluta, afeta o mercado em causa apenas de maneira insignificante, tendo em conta a fraca posição que os interessados ocupam nesse mercado (v. acórdãos, já referidos, Völk, n.° 7, e Cadillon, n.° 9). Noutros casos, em contrapartida, o Tribunal de Justiça não se baseou na posição dos interessados no mercado em causa. Assim, no n.° 35 do acórdão Bagnasco e o., já referido, o Tribunal de Justiça considerou que um acordo entre os membros de uma associação bancária que, quando da abertura de um crédito em conta corrente, excluía a faculdade de escolher uma taxa de juro fixa não pode ter uma influência restritiva sensível na concorrência, uma vez que a variação da taxa de juro depende de elementos objetivos, tais como as alterações ocorridas no mercado monetário.

23      Resulta dos pontos 1 e 2 da comunicação de minimis que, nesta, a Comissão pretende quantificar, recorrendo a limiares de quotas de mercado, o que não constitui uma restrição sensível da concorrência no sentido do artigo 101.° TFUE e da jurisprudência referida nos n.os 16 e 17 do presente acórdão.

24      No que respeita à redação da comunicação de minimis, o seu caráter não vinculativo, tanto para as autoridades da concorrência como para os tribunais dos Estados‑Membros, é sublinhado na terceira frase do seu ponto 4.

25      Além disso, no segundo e terceiro parágrafos do ponto 2 da referida comunicação, a Comissão precisa que os limiares de quota de mercado utilizados quantificam o que não constitui uma restrição sensível da concorrência no sentido do artigo 101.° TFUE, mas que esta definição por defeito do caráter sensível dessa restrição não implica que os acordos entre empresas que ultrapassem esses limiares restrinjam sensivelmente a concorrência.

26      De resto, contrariamente à Comunicação da Comissão sobre a cooperação no âmbito da rede de autoridades de concorrência (JO 2004, C 101, p. 43), a comunicação de minimis não contém nenhuma regra que aluda a declarações feitas pelas autoridades da concorrência dos Estados‑Membros, segundo as quais estas tiveram em consideração os princípios ali expostos e se comprometem a respeitá‑los.

27      Resulta também dos objetivos prosseguidos pela comunicação de minimis, conforme mencionados no seu ponto 4, que esta não pretende vincular as autoridades da concorrência e os tribunais dos Estados‑Membros.

28      Com efeito, decorre deste ponto, por um lado, que a referida comunicação visa expor a maneira como a Comissão, agindo enquanto autoridade de concorrência da União, aplicará ela própria o artigo 101.° TFUE. Por conseguinte, através da comunicação de minimis, a Comissão autolimita‑se no exercício do seu poder de apreciação e não se pode desviar do conteúdo dessa comunicação sem violar princípios gerais do direito, como o da igualdade de tratamento e o da proteção da confiança legítima (v., neste sentido, acórdão de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colet., p. I‑5425, n.° 211). Por outro lado, pretende dar orientações aos tribunais e às autoridades dos Estados‑Membros, para a aplicação do referido artigo.

29      Daqui resulta que, como o Tribunal de Justiça já teve a ocasião de declarar, uma comunicação da Comissão, como a comunicação de minimis, não é vinculativa para os Estados‑Membros (v., neste sentido, acórdão de 14 de junho de 2011, Pfleiderer, C‑360/09, Colet., p. I‑5161, n.° 21).

30      Assim, a referida comunicação foi publicada durante o ano de 2001, na série C do Jornal Oficial da União Europeia, a qual, ao contrário da série L do mesmo, não tem por objetivo publicar os atos juridicamente vinculativos, mas apenas informações, recomendações e pareceres respeitantes à União (v., por analogia, acórdão de 12 de maio de 2011, Polska Telefonia Cyfrowa, C‑410/09, Colet., p. I‑3853, n.° 35).

31      Conclui‑se que, para determinar o caráter sensível ou não de uma restrição à concorrência, a autoridade da concorrência de um Estado‑Membro pode ter em consideração os limiares estabelecidos no ponto 7 da comunicação de minimis, ainda que não seja obrigada a fazê‑lo. Com efeito, esses limiares constituem apenas indícios entre outros, suscetíveis de permitir a essa autoridade determinar o caráter sensível ou não de uma restrição em função ao quadro real onde se insere o acordo.

32      Contrariamente ao que a Expedia alegou na audiência, os procedimentos intentados e as sanções aplicadas pela autoridade da concorrência de um Estado‑Membro às empresas que são partes num acordo que não atingiu os limiares definidos na comunicação de minimis não podem infringir, enquanto tais, os princípios da confiança legítima e da segurança jurídica, tendo em conta a redação do ponto 4 da referida comunicação.

33      Além disso, como salientou a advogada‑geral no n.° 33 das suas conclusões, o princípio da legalidade das penas não obriga a que a comunicação de minimis seja considerada como norma jurídica vinculativa para as autoridades nacionais. Com efeito, os cartéis são já proibidos pelo direito primário da União, concretamente pelo artigo 101.°, n.° 1, TFUE.

34      Na medida em que a Expedia, o Governo francês e a Comissão, nas suas observações escritas ou na audiência, emitiram dúvidas acerca da conclusão tirada pelo órgão jurisdicional de reenvio, segundo a qual não é contestado que o cartel em causa no processo principal tinha um objetivo anticoncorrencial, importa recordar que, no âmbito do processo previsto no artigo 267.° TFUE, o qual é baseado numa nítida separação das funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, qualquer apreciação dos factos da causa principal é da competência do julgador nacional (v. acórdão de 8 de setembro de 2010, Winner Wetten, C‑409/06, Colet., p. I‑8015, n.° 49 e jurisprudência referida).

35      Em seguida, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, para a aplicação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, a tomada em consideração dos efeitos concretos de um acordo é supérflua, a partir do momento em que se verifique que este tem por objeto restringir, impedir ou falsear a concorrência (v., neste sentido, acórdãos de 13 de julho de 1966, Consten e Grundig/Comissão, 56/64 e 58/64, Colet. 1965‑1968, p. 423; de 8 de dezembro de 2011, KME Germany e o./Comissão, C‑272/09 P, Colet., p. I‑12789, n.° 65; e KME Germany e o./Comissão, C‑389/10 P, Colet., p. I‑13125, n.° 75).

36      A este respeito, o Tribunal de Justiça sublinhou que a distinção entre «infrações pelo objetivo» e «infrações pelo efeito» tem a ver com o facto de determinadas formas de conluio entre empresas poderem ser consideradas, pela sua própria natureza, prejudiciais ao bom funcionamento da concorrência (acórdãos de 20 de novembro de 2008, Beef Industry Development Society e Barry Brothers, C‑209/07, Colet., p. I‑8637, n.° 17; e de 4 de junho de 2009, T‑Mobile Netherlands e o., C‑8/08, Colet., p. I‑4529, n.° 29).

37      Há, portanto, que considerar que um acordo suscetível de afetar o comércio entre os Estados‑Membros e que tenha um objetivo anticoncorrencial constitui, pela sua natureza e independentemente de qualquer efeito concreto do mesmo, uma restrição sensível à concorrência.

38      Tendo em conta o exposto, há que responder à questão submetida que o artigo 101.°, n.° 1, TFUE e o artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que uma autoridade nacional em matéria de concorrência aplique o artigo 101.°, n.° 1, TFUE a um acordo entre empresas que seja suscetível de afetar o comércio entre Estados‑Membros, mas que não atinja os limiares estabelecidos pela Comissão na sua comunicação de minimis, desde que esse acordo constitua uma restrição sensível da concorrência no sentido dessa disposição.

 Quanto às despesas

39      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

O artigo 101.°, n.° 1, TFUE e o artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE], devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que uma autoridade nacional em matéria de concorrência aplique o artigo 101.°, n.° 1, TFUE a um acordo entre empresas que seja suscetível de afetar o comércio entre Estados‑Membros, mas que não atinja os limiares fixados pela Comissão Europeia na sua Comunicação relativa aos acordos de pequena importância que não restringem sensivelmente a concorrência nos termos do n.° 1 do artigo 81.° [CE] (de minimis), desde que esse acordo constitua uma restrição sensível da concorrência no sentido dessa disposição.

Assinaturas


* Língua do processo: francês.