Language of document : ECLI:EU:C:2014:307

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

8 de maio de 2014 (*)

«Contratos públicos — Setor da água — Diretiva 92/13/CEE — Processos de recurso eficazes e rápidos — Prazos de recurso — Data a partir da qual começam a correr esses prazos de recurso»

No processo C‑161/13,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Tribunale amministrativo regionale per la Puglia (Itália), por decisão de 19 de dezembro de 2012, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 29 de março de 2013, no processo

Idrodinamica Spurgo Velox srl,

Giovanni Putignano e figli srl,

Cogeir srl,

Splendor Sud srl,

Sceap srl

contra

Acquedotto Pugliese SpA,

sendo intervenientes:

Tundo srl,

Giovanni XXIII Soc. coop. arl,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, K. Lenaerts, vice‑presidente do Tribunal, exercendo funções de juiz da Quinta Secção, E. Juhász (relator), A. Rosas e D. Šváby, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: A. Impellizzeri, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 16 de janeiro de 2014,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação de Idrodinamica Spurgo Velox srl, por L. Quinto e P. Quinto, avvocati,

¾        em representação de Acquedotto Pugliese SpA, por E. Sticchi Damiani, M. Todino e G. Martellino, avvocati,

¾        em representação de Giovanni XXIII Soc. coop. arl, por C. Rella e R. Rella, avvocati,

¾        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por C. Colelli, avvocato dello Stato,

¾        em representação do Governo austríaco, por M. Fruhmann, na qualidade de agente,

¾        em representação da Comissão Europeia, por L. Pignataro‑Nolin e A. Tokár, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 1.°, 2.°‑A, 2.°‑C e 2.°‑F da Diretiva 92/13/CEE do Conselho, de 25 de fevereiro de 1992, relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes à aplicação das regras comunitárias em matéria de procedimentos de celebração de contratos de direito público pelas entidades que operam nos setores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações (JO L 76, p. 14), conforme alterada pela Diretiva 2007/66/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2007 (JO L 335, p. 31, a seguir «Diretiva 92/13»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Idrodinamica Spurgo Velox srl (a seguir «Idrodinamica») e quatro outros recorrentes à Acquedotto Pugliese SpA (a seguir «Acquedotto Pugliese»), entidade adjudicante, a propósito da regularidade do processo de adjudicação de um contrato adjudicado por esta entidade à associação temporária de empresas liderada pela Giovanni XXIII Soc. coop. arl (a seguir «Cooperativa Giovanni XXIII»).

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O contrato em causa no processo principal, relativo a atividades no setor da água, rege‑se pelas disposições da Diretiva 2004/17/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais (JO L 134, p. 1), geralmente designada por «diretiva setorial».

4        O terceiro, quinto e sexto considerandos da Diretiva 92/13 dispõem:

«[…] a inexistência de meios de recurso eficazes ou a insuficiência dos meios existentes poderá dissuadir as empresas comunitárias de apresentar propostas; […] por conseguinte, é conveniente que os Estados‑Membros corrijam esta situação;

[…]

[…] a abertura dos contratos de direito público à concorrência comunitária nos setores em causa implica que sejam colocados à disposição dos fornecedores ou dos empreiteiros procedimentos de recurso adequados, em caso de violação do direito comunitário nesta matéria ou das normas nacionais que transpõem esse direito para o plano interno;

[…] é necessário prever um reforço substancial das garantias de transparência e de não discriminação e […] é conveniente, para que delas resultem efeitos concretos, que se disponha de meios de recursos eficazes e rápidos;»

5        O artigo 1.° desta diretiva, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação e acesso ao recurso», dispõe, nos seus n.os 1 e 3:

«1.      A presente diretiva é aplicável aos contratos a que se refere a Diretiva [2004/17] […]

[…]

Os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para assegurar que, no que se refere aos contratos abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva [2004/17], as decisões das entidades adjudicantes possam ser objeto de recursos eficazes e, sobretudo, tão céleres quanto possível, nos termos dos artigos 2.° a 2.°‑F da presente diretiva, com fundamento na violação, por tais decisões, do direito comunitário em matéria de contratos públicos ou das normas nacionais de transposição desse direito.

[…]

3.      Os Estados‑Membros devem garantir o acesso ao recurso de acordo com regras detalhadas que os Estados‑Membros podem estabelecer, a qualquer pessoa que tenha ou tenha tido interesse em obter um determinado contrato e que tenha sido, ou possa vir a ser, lesada por uma eventual violação.»

6        O artigo 2.°, n.° 1, da Diretiva 92/13, dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros devem assegurar que as medidas tomadas para efeitos dos recursos a que se refere o artigo 1.° prevejam os poderes que permitam:

quer

a)      Tomar, no mais curto prazo e mediante processo de urgência, medidas provisórias destinadas a corrigir a alegada violação ou a impedir que sejam causados novos prejuízos aos interessados, incluindo medidas destinadas a suspender ou a mandar suspender o procedimento de celebração do contrato em causa ou a execução de quaisquer decisões tomadas pela entidade adjudicante; e

b)      Anular ou mandar anular as decisões ilegais, inclusive, suprimir as especificações técnicas, económicas ou financeiras discriminatórias que constem do anúncio de concurso, do anúncio periódico indicativo, do anúncio de existência de um sistema de qualificação, do convite à apresentação de propostas, dos cadernos de encargos ou de qualquer outro documento relacionado com o processo de celebração do contrato em causa;

quer

c)      Tomar, no mais curto prazo, se possível mediante processo de urgência e se necessário por meio de um processo definitivo quanto ao fundo, medidas diferentes das previstas nas alíneas a) e b), com o objetivo de corrigir a violação verificada e de impedir que sejam causados prejuízos aos interesses em causa; nomeadamente, emitir uma ordem de pagamento de uma quantia determinada no caso de a violação não ter sido corrigida ou evitada.

Os Estados‑Membros podem efetuar esta escolha quer para a totalidade das entidades adjudicantes quer para categorias de entidades definidas com base em critérios objetivos, salvaguardando, em todas as circunstâncias, a eficácia das medidas estabelecidas, a fim de impedir que os interesses em causa sejam lesados;

d)      e, em ambos os casos acima previstos, conceder indemnizações por perdas e danos às pessoas lesadas pela violação.

Quando forem reclamadas indemnizações por perdas e danos com fundamento na tomada ilegal de uma decisão, os Estados‑Membros podem prever, sempre que o seu sistema de direito interno o exija e disponha de instâncias com a competência necessária para o efeito, que a decisão contestada seja antes de mais anulada ou declarada ilegal.»

7        Nos termos do artigo 2.°‑A, n.° 2, último parágrafo, desta Diretiva:

«A comunicação da decisão de adjudicação a cada um dos proponentes e candidatos interessados é acompanhada:

¾        de uma exposição sintética dos motivos relevantes, estabelecidos no n.° 2 do artigo 49.° da Diretiva [2004/17], e

¾        da indicação exata do prazo suspensivo aplicável nos termos das disposições de direito interno que transpõem o presente número.»

8        O artigo 49.° da Diretiva 2004/17, sob a epígrafe «Informação dos requerentes de qualificação, dos candidatos e dos proponentes», dispõe, nos seus n.os 1 e 2:

«1.      As entidades adjudicantes informarão no mais breve prazo os operadores económicos participantes das decisões tomadas relativamente à celebração de um acordo‑quadro, à adjudicação de um contrato ou à admissão num sistema de aquisição dinâmico, incluindo os motivos pelos quais tenham decidido renunciar à celebração de um acordo‑quadro ou à adjudicação de um contrato para o qual fora aberto concurso ou pelos quais tenham decidido recomeçar o processo, ou à implementação de um sistema de aquisição dinâmico; esta informação será dada por escrito se for feito um pedido nesse sentido às entidades adjudicantes.

2.      As entidades adjudicantes comunicarão, a pedido do interessado e no mais breve prazo:

¾        aos candidatos excluídos, os motivos da exclusão da sua candidatura,

¾        aos proponentes excluídos, os motivos da exclusão da sua proposta, incluindo, nos casos a que se referem os n.os 4 e 5 do artigo 34.°, os motivos da sua decisão de não equivalência ou da sua decisão de que a obra, o produto ou o serviço não corresponde ao desempenho ou não cumpre as exigências formais,

¾        aos proponentes que tiverem apresentado uma proposta admissível, as características e vantagens relativas da proposta selecionada, bem como o nome do adjudicatário ou das partes no acordo‑quadro.

Estes prazos não podem nunca exceder 15 dias a contar da receção de um pedido escrito.

No entanto, as entidades adjudicantes podem decidir que certas informações, relativas à adjudicação dos contratos ou à celebração de acordos‑quadro ou à admissão num sistema de aquisição dinâmico referidas no n.° 1, não sejam comunicadas, quando a sua divulgação possa obstar à aplicação da lei, ser contrária ao interesse público, lesar os legítimos interesses comerciais de operadores económicos específicos públicos ou privados, incluindo o operador económico adjudicatário, ou prejudicar a concorrência leal entre operadores económicos.»

 Direito italiano

9        O Decreto Legislativo n.° 163/2006, de 12 de abril de 2006 (suplemento ordinário da GURI n.° 100, de 2 de maio de 2006), codifica as regras em matéria de contratos de direito público.

10      O artigo 11.° desse decreto legislativo, intitulado «Fases dos processos de adjudicação de contratos», dispõe:

«1.      Os processos de adjudicação de contratos públicos são efetuados em conformidade com os atos de programação das entidades adjudicantes, na medida em que estes se encontrem previstos no presente Código ou nas disposições em vigor.

[…]

4.      Os processos de adjudicação selecionam a melhor proposta, de acordo com um dos critérios estabelecidos no presente Código. No final do procedimento é efetuada a adjudicação provisória a favor do melhor proponente.

5.      Uma vez comprovada a adjudicação provisória na aceção do artigo 12.°, n.° 1, a entidade adjudicante procede à adjudicação definitiva.

[…]

8.      A adjudicação definitiva apenas produz efeitos após a verificação da conformidade com as condições prescritas.

9.      Uma vez eficaz a adjudicação definitiva e salvo o eventual exercício dos poderes de autotutela previstos na lei [isto é, o poder da administração revogar, suspender ou modificar os seus próprios atos], a celebração do contrato público ou do contrato de concessão ocorre no prazo de 60 dias, a não ser que um prazo diferente tenha sido previsto no anúncio ou no convite à apresentação de propostas, bem como no caso de adiamento de prazo expressamente acordado com o adjudicatário. […]

10.      Contudo, o contrato não pode ser celebrado antes de decorrido o prazo de 35 dias a contar do envio da última comunicação da decisão de adjudicação definitiva, na aceção do artigo 79.°

[…]»

11      As disposições pertinentes do artigo 79.° do mesmo decreto legislativo encontram‑se resumidas da seguinte forma pelo órgão jurisdicional de reenvio:

¾        Nos termos do n.° 5, a entidade adjudicante, num prazo não superior a cinco dias, comunica oficiosamente a todos os candidatos admitidos a decisão de adjudicação definitiva e a data da celebração do contrato com o adjudicatário.

¾        De acordo com o n.° 5‑A, à comunicação deve ser anexada a decisão de adjudicação e a respetiva fundamentação, indicando, pelo menos, as características e as vantagens da proposta selecionada, bem como o nome da empresa adjudicatária, tendo a entidade adjudicante a possibilidade de cumprir essa obrigação mediante o envio das atas do concurso aos referidos candidatos.

¾        Nos termos do n.° 5‑C, é permitido aos candidatos, sem necessidade de pedido por escrito, o acesso imediato aos documentos do concurso, mediante consulta in loco ou mediante a emissão de uma cópia, no prazo de dez dias a contar do envio da referida comunicação sobre o resultado do concurso, sem prejuízo do exercício, por parte da entidade adjudicante, do poder de recusar ou de diferir o acesso a esses documentos nos casos previstos na lei.

12      O artigo 120.° do Decreto Legislativo n.° 104/2010, de 2 de julho de 2010, que aprova o Código de Procedimento Administrativo (suplemento ordinário da GURI n.° 156, de 7 de julho de 2010), estabelece que os recursos relativos a atos de processos de adjudicação de contratos públicos devem ser interpostos no prazo de 30 dias a contar da receção da comunicação referida no artigo 79.° do Decreto Legislativo n.° 163 de 2006.

13      O artigo 43.° do Decreto Legislativo n.° 104/2010 estabelece que as decisões da entidade adjudicante adotadas na sequência da interposição, por parte de um candidato, de um recurso contra a adjudicação definitiva do contrato podem ser contestadas, no âmbito do mesmo processo, pela interposição de um recurso denominado «recurso para apresentação de novos fundamentos», efetuada no prazo de 30 dias previsto no artigo 120.° do referido decreto legislativo.

14      De acordo com jurisprudência constante, os tribunais administrativos italianos consideram que a comunicação da decisão de adjudicação prevista no artigo 79.°, n.° 5, do Decreto Legislativo n.° 163/2006, constitui condição suficiente para assegurar o pleno conhecimento do ato lesivo e que a mesma é idónea para iniciar o decurso do prazo de caducidade, sendo irrelevante que a empresa em causa desconheça, total ou parcialmente, os documentos internos do processo de adjudicação. Esta comunicação faz recair sobre a empresa em causa o ónus de impugnar imediatamente o resultado do concurso no prazo de 30 dias, sem prejuízo da possibilidade de esta empresa invocar fundamentos complementares relativos a eventuais vícios legais conhecidos em momento posterior. A jurisprudência chegou a uma conclusão idêntica relativamente ao caso em que a entidade adjudicante adota uma decisão de adjudicação definitiva cuja eficácia se encontra sujeita à condição suspensiva de comprovar que a empresa adjudicatária preenche os requisitos gerais e especiais do anúncio de concurso, sem prejuízo da possibilidade de invocar fundamentos complementares de recurso no prazo de 30 dias.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

15      A Acquedotto Pugliese é uma empresa pública totalmente controlada pela Regione Puglia (Região da Apúlia), acionista única. O objeto da empresa é a gestão da rede de distribuição de água e de saneamento e a prestação do serviço de distribuição de água integrado da Apúlia e de alguns municípios das regiões vizinhas. Nos termos do anexo VI‑C ao Decreto Legislativo n.° 163/2006, a Acquedotto Pugliese é uma entidade adjudicante que atua no setor da produção, transporte e distribuição de água potável, obrigada a respeitar a legislação nacional de transposição da Diretiva 2004/17.

16      Através de um anúncio publicado no Jornal Oficial da União Europeia de 15 de março de 2011, a Acquedotto Pugliese lançou um concurso público para a adjudicação, por um período de quatro anos, dos serviços de tratamento de águas residuais, dos trabalhos de manutenção ordinária e extraordinária das redes de distribuição de água e de saneamento, bem como dos trabalhos de realização de ligações e troços de canalização nas localidades inseridas numa determinada zona geográfica, por um montante de base de 17 615 739,07 euros, a adjudicar à proposta mais baixa.

17      Na sequência das sessões públicas de 17 e 30 de maio de 2011, verificou‑se que a associação temporária de empresas liderada pela Cooperativa Giovanni XXIII apresentou a melhor proposta, tendo ficado classificada em primeiro lugar. A associação temporária de empresas liderada pela Tundo srl (a seguir «Tundo») ficou classificada em segundo lugar, tendo a associação temporária de empresas liderada pela Idrodinamica ficado classificada em terceiro lugar. Deste modo, por decisão de 7 de junho de 2011, a entidade adjudicante adjudicou definitivamente o contrato à associação temporária de empresas liderada pela Cooperativa Giovanni XXIII. A comunicação da decisão foi efetuada em 6 de julho de 2011.

18      Na referida decisão, ficou também estabelecido que, até à celebração do contrato, estava autorizada a execução antecipada do serviço, que a adjudicação definitiva só se tornaria efetiva após a verificação do cumprimento dos requisitos gerais e especiais a preencher por cada uma das empresas associadas do agrupamento adjudicatário e do agrupamento classificado em segundo lugar, e que a adjudicação do contrato deveria ser comunicada a todos os proponentes.

19      Antes da celebração do contrato, o agrupamento adjudicatário, entretanto constituído por ato notarial de 4 de outubro de 2011, informou a entidade adjudicante, por carta de 28 de fevereiro de 2012, da saída do agrupamento de uma das empresas que integravam a associação temporária, precisando que planeava prosseguir a execução do contrato e que, apesar da composição reduzida, o agrupamento agora constituído pela empresa líder e por duas outras empresas estava em condições de satisfazer os requisitos técnicos e económicos exigidos no anúncio de concurso.

20      Por decisão de 28 de março de 2012, a Acquedotto Pugliese autorizou a saída acima referida. O contrato foi celebrado, em 17 de abril de 2012, com a associação temporária de empresas liderada pela Cooperativa Giovanni XXIII na sua nova composição reduzida.

21      A Idrodinamica interpôs recurso dos atos do processo de adjudicação do referido contrato, notificado em 17 de maio de 2012, requerendo, especificamente, a anulação da decisão de 28 de março de 2012 que autorizou a alteração da composição do agrupamento adjudicatário, a anulação do contrato celebrado em 17 de abril de 2012 e a anulação da decisão de 7 de junho de 2011 relativa à adjudicação definitiva do contrato. Alega que o processo padece de ilegalidade pelo facto, por um lado, de a entidade adjudicante ter autorizado a alteração da composição da associação temporária de empresas adjudicatária e, por outro, de essa entidade não ter procedido à exclusão da associação temporária de empresas liderada pela Tundo, classificada em segundo lugar, na medida em que o representante legal de uma empresa integrada nessa associação prestou uma falsa declaração ao indicar nunca ter sido objeto de nenhuma condenação penal.

22      O órgão jurisdicional de reenvio observa que, de acordo com as normas e a jurisprudência nacionais, o recurso interposto pela Idrodinamica deveria ser declarado inadmissível, uma vez que foi interposto muito depois de decorrido o prazo de caducidade de 30 dias, contado a partir da comunicação da decisão de adjudicação do contrato em análise no processo principal. No entanto, o Tribunal de Justiça considerou no n.° 40 do acórdão Uniplex (UK) (C‑406/08, EU:C:2010:45) que o objetivo de celeridade prosseguido pelas normas sobre recursos em matéria de adjudicação de contratos públicos não permite aos Estados‑Membros abstrair do princípio da efetividade da proteção jurisdicional, segundo o qual as regras de aplicação dos prazos de caducidade nacionais não devem tornar impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos que o direito da União confira aos interessados.

23      O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas a respeito da questão de saber se as normas de direito nacional em análise são compatíveis com tal princípio da efetividade, na medida em que os elementos constantes da comunicação da decisão de adjudicação definitiva do contrato nem sempre são suficientes para que os candidatos e os proponentes preteridos tomem conhecimento dos documentos e das circunstâncias de facto pertinentes para decidir se interpõem um recurso, nomeadamente, quando a alegada violação de normas processuais se verifique num momento posterior à adoção formal da decisão de adjudicação definitiva.

24      Além disso, parece ser incompatível com o princípio da efetividade da proteção jurisdicional a regra processual que obriga os interessados a interpor recurso da decisão de adjudicação do contrato no prazo de caducidade de 30 dias, sem prejuízo da possibilidade da apresentação de fundamentos complementares baseados em atos e factos ocorridos ou conhecidos posteriormente, uma vez que o recorrente deve antecipar o pagamento dos honorários do advogado e dos peritos designados pelas partes, bem como o pagamento da taxa de justiça unificada, quer no momento da interposição do recurso, quer na altura da junção de fundamentos novos.

25      O órgão jurisdicional de reenvio pergunta‑se, assim, se as disposições relevantes do direito da União podem ser interpretadas no sentido de que o prazo de caducidade dos recursos previsto nas normas nacionais começa a correr a partir da data em que o interessado teve efetivamente conhecimento ou poderia ter tido conhecimento, dando provas de uma diligência normal, da existência de uma irregularidade, e não a partir da data de comunicação da decisão de adjudicação definitiva do contrato.

26      Com base nestas considerações, o Tribunale amministrativo regionale per la Puglia decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)   Devem os artigos 1.°, 2.°‑A, 2.°‑C e 2.°‑F da Diretiva [92/13] ser interpretados no sentido de que o prazo para a interposição de um recurso por violação da legislação em matéria de adjudicação de contratos públicos começa a correr a partir da data em que o recorrente teve ou deveria ter tido conhecimento, seguindo uma diligência normal, da existência da referida violação?

2)     Os artigos 1.°, 2.°‑A, 2.°‑C e 2.°‑F da Diretiva [92/13] opõem‑se a disposições processuais nacionais ou a práticas interpretativas como as enunciadas no processo principal, que permitem ao juiz declarar inadmissível um recurso por violação da legislação em matéria de adjudicação de contratos públicos quando o recorrente tomou conhecimento da violação após a comunicação formal dos elementos da decisão de adjudicação definitiva devido à conduta seguida pela entidade adjudicante?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à admissibilidade

27      A Cooperativa Giovanni XXIII e o Governo italiano expressam dúvidas relativamente à admissibilidade das questões pelo facto, nomeadamente, de as alegações da Idrodinamica se dirigirem contra o ato da entidade adjudicante que autorizou a alteração da composição do agrupamento adjudicatário, e de não ter sido formulada nenhuma alegação relativamente à decisão de adjudicação definitiva do contrato.

28      Por conseguinte, a eventual anulação do referido ato apenas teria por efeito a supressão do contrato celebrado com o agrupamento adjudicatário na sua composição reduzida, sem que, por essa razão, este perdesse a qualidade de adjudicatário. Por conseguinte, as questões suscitadas pelo órgão jurisdicional de reenvio não apresentam uma relação concreta com o objeto do litígio no processo principal.

29      Deve recordar‑se que, segundo jurisprudência assente, as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que ele define à sua responsabilidade, e cuja exatidão não compete ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar responder a um pedido de decisão prejudicial formulado por um órgão jurisdicional nacional quando for manifesto que a interpretação solicitada do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe foram submetidas (acórdão Fish Legal e Shirley, C‑279/12, EU:C:2013:853, n.° 30 e jurisprudência referida).

30      Não é o que se verifica no caso em apreço, sendo infundadas as dúvidas manifestadas pela Cooperativa Giovanni XXIII e pelo Governo italiano a respeito da admissibilidade das questões. Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio pede a interpretação das disposições relevantes da Diretiva 92/13, tendo em vista a apreciação da admissibilidade do recurso interposto pela Idrodinamica. Tal como resulta do processo disponibilizado ao Tribunal de Justiça, este recurso tem essencialmente como objetivo, por um lado, a anulação da decisão da entidade adjudicante que autorizou a alteração da composição do agrupamento adjudicatário e, por outro, o facto de essa entidade não ter excluído um concorrente classificado à frente da Idrodinamica do processo de adjudicação.

31      Importa constatar que, se o primeiro argumento formulado pela Idrodinamica no âmbito do litígio no processo principal, relativo, no essencial, ao facto de a entidade adjudicante ter autorizado de forma ilegal a redução do número de empresas que compunham a associação temporária de empresas adjudicatária fosse acolhido, a decisão de celebrar o contrato com o agrupamento adjudicatário poderia ser anulada. Caso o segundo argumento, nos termos do qual a entidade adjudicante devia ter excluído a associação temporária de empresas Tundo, segunda classificada, pelo facto de o representante legal de um dos seus membros ter prestado uma falsa declaração, fosse igualmente acolhido, as hipóteses de o contrato em causa no processo principal ser adjudicado à Idrodinamica aumentariam significativamente. Deste modo, a Idrodinamica pode ser legitimamente considerada uma pessoa «que tenha ou tenha tido interesse em obter um determinado contrato e que tenha sido, ou possa vir a ser, lesada por uma eventual violação», na aceção do artigo 1.°, n.° 3, da Diretiva 92/13.

32      Por conseguinte, as questões são admissíveis.

 Quanto ao mérito

33      Através destas questões, que convém analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, essencialmente, se o prazo para interposição de um recurso de anulação contra a decisão de adjudicação de um contrato deve começar a correr novamente caso a entidade adjudicante, depois de expirado o prazo de recurso, tenha adotado uma decisão suscetível de pôr em causa a legalidade da referida decisão de adjudicação. Pergunta igualmente se, na mesma situação, um proponente pode interpor um recurso de anulação contra a decisão de adjudicação do contrato quando tome conhecimento de circunstâncias anteriores àquela decisão, suscetíveis de pôr em causa a legalidade do processo de adjudicação do contrato em questão.

34      A alteração efetuada pela Diretiva 2007/66 à Diretiva 92/13 e o artigo 49.° da Diretiva 2004/17 contribuíram significativamente para que um proponente a quem não foi adjudicado um contrato seja informado do resultado do processo de adjudicação e dos respetivos fundamentos. Nos termos do artigo 49.°, n.° 2, da Diretiva 2004/17, o proponente pode pedir que lhe sejam prestadas informações detalhadas.

35      O princípio da segurança jurídica exige que as informações obtidas por esta via, bem como aquelas que poderiam ter sido obtidas, já não possam servir de fundamento para a interposição de um recurso pelo proponente após o termo do prazo previsto pelo direito nacional.

36      No entanto, no processo principal, a decisão que autorizou a alteração da composição do agrupamento adjudicatário refere‑se a factos ocorridos depois da adjudicação do contrato e depois de o prazo de recurso de 30 dias previsto na legislação nacional ter expirado. Por conseguinte, nem a comunicação da decisão de adjudicação do contrato e dos respetivos fundamentos, nem a resposta a um eventual pedido de informações adicionais por parte do adjudicatário, dirigido à entidade adjudicante, poderiam permitir o conhecimento de tais factos.

37      De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a existência de recursos eficazes contra as violações das disposições aplicáveis em matéria de adjudicação de contratos públicos só pode ser assegurada se os prazos impostos para interpor estes recursos começarem a correr a partir da data em que o recorrente teve conhecimento ou deveria ter tido conhecimento da alegada violação das referidas disposições [v., neste sentido, acórdão Uniplex (UK), EU:C:2010:45, n.° 32 e jurisprudência referida].

38      Por outro lado, resulta da decisão de reenvio que a decisão que autorizou a alteração da composição do agrupamento adjudicatário, suscetível de pôr em causa a legalidade da adjudicação do contrato, foi adotada antes da celebração do contrato por parte da entidade adjudicante e do referido agrupamento. Nestas circunstâncias, não se pode considerar que o princípio da segurança jurídica impede a reabertura do prazo de recurso de 30 dias, no que diz respeito a um recurso que tem por objetivo a anulação da decisão de adjudicação do contrato.

39      A este respeito, deve considerar‑se que a decisão que autorizou a alteração da composição do agrupamento adjudicatário implica uma alteração da decisão de adjudicação que pode ser considerada substancial se, tendo em conta as particularidades do processo de adjudicação em causa, tiver por objeto um elemento determinante para a adoção da decisão de adjudicação. Neste caso, devem ser aplicadas as medidas de direito nacional necessárias para corrigir essa situação irregular, incluindo a organização de um novo processo de adjudicação (v., por analogia, acórdão Wall, C‑91/08, EU:C:2010:182, n.os 38, 39, 42 e 43).

40      Além disso, deve assinalar‑se que uma possibilidade, como a prevista no artigo 43.° do Decreto Legislativo n.° 104/2010, de apresentar «novos fundamentos» no âmbito de um recurso inicial, interposto dentro do prazo, contra a decisão de adjudicação do contrato, nem sempre constitui uma alternativa válida de proteção jurisdicional efetiva. De facto, num caso como o do processo principal, os proponentes seriam obrigados a contestar in abstracto a decisão de adjudicação do contrato, sem conhecer ainda, nessa fase, os fundamentos que justificariam esse recurso.

41      Por conseguinte, a contagem do prazo de 30 dias previsto na legislação nacional para interposição de recurso contra a decisão de adjudicação do contrato deve recomeçar, de modo a permitir a verificação da legalidade da decisão da entidade adjudicante que autorizou a alteração da composição do agrupamento adjudicatário, suscetível de pôr em causa a legalidade da adjudicação do contrato. Este prazo deve começar a correr a partir da data da receção, pelo proponente, da comunicação da decisão que autorizou a alteração da composição do agrupamento adjudicatário ou do conhecimento de tal decisão por parte daquele.

42      No que diz respeito ao argumento da Idrodinamica, relativo ao facto de o agrupamento classificado em segundo lugar não ter sido excluído do processo de adjudicação com fundamento na falsa declaração prestada pelo representante legal de uma das sociedades que o compõem, constata‑se que esta alegada irregularidade se verificou antes da decisão de adjudicação do contrato.

43      Nestas condições, há que constatar que o proponente, com base nas informações que lhe foram transmitidas nos termos do artigo 2.°‑A da Diretiva 92/13 e do artigo 49.° da Diretiva 2004/17, bem como naquelas que poderia ter obtido seguindo uma diligência normal, estava em condições de interpor recurso contra as eventuais violações do direito da União em matéria de contratos públicos e que, por conseguinte, não há motivo para proceder à reabertura do prazo de recurso previsto na legislação nacional.

44      Há que assinalar que, na situação do processo principal, se ocorrer a anulação da decisão de adjudicação do contrato ao agrupamento classificado em primeiro lugar no processo de adjudicação, uma nova decisão de adjudicação a um proponente diferente pode ser objeto de novo recurso de anulação no prazo previsto na legislação nacional.

45      Por conseguinte, importa considerar que, por força do princípio da segurança jurídica, caso tenham alegadamente sido cometidas irregularidades antes da decisão de adjudicação do contrato, um proponente só tem legitimidade para interpor recurso de anulação da decisão de adjudicação no prazo especificamente previsto para o efeito no direito nacional, salvo disposição expressa do direito nacional que garanta esse direito de recurso em conformidade com o direito da União.

46      Em contrapartida, um proponente tem legitimidade para intentar uma ação de indemnização por perdas e danos no prazo geral de prescrição previsto para o efeito no direito nacional.

47      Com base nas considerações precedentes, há que responder às questões que os artigos 1.°, n.os 1 e 3, e 2.°‑A, n.° 2, último parágrafo, da Diretiva 92/13 devem ser interpretados no sentido de que o prazo para interposição de um recurso de anulação contra a decisão de adjudicação de um contrato deve começar a correr novamente, sempre que uma nova decisão por parte da entidade adjudicante, adotada após aquela decisão de adjudicação mas antes da celebração do contrato, seja suscetível de pôr em causa a legalidade da referida decisão de adjudicação. Este prazo começa a correr a partir da comunicação, aos proponentes, da decisão posterior ou, na sua falta, da data em que dela tiveram conhecimento.

48      Caso um proponente tome conhecimento, depois de expirado o prazo de recurso previsto na legislação nacional, de uma irregularidade alegadamente cometida antes da decisão de adjudicação de um contrato, só tem legitimidade para interpor recurso contra essa decisão nesse prazo, salvo disposição expressa do direito nacional que garanta esse direito em conformidade com o direito da União.

 Quanto às despesas

49      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

Os artigos 1.°, n.os 1 e 3, e 2.°‑A, n.° 2, último parágrafo, da Diretiva 92/13/CEE do Conselho, de 25 de fevereiro de 1992, relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes à aplicação das regras comunitárias em matéria de procedimentos de celebração de contratos de direito público pelas entidades que operam nos setores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações, conforme alterada pela Diretiva 2007/66/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2007, devem ser interpretados no sentido de que o prazo para interposição de um recurso de anulação contra a decisão de adjudicação de um contrato deve começar a correr novamente, sempre que uma nova decisão por parte da entidade adjudicante, adotada após aquela decisão de adjudicação mas antes da celebração do contrato, seja suscetível de pôr em causa a legalidade da referida decisão de adjudicação. Este prazo começa a correr a partir da comunicação, aos proponentes, da decisão posterior ou, na sua falta, da data em que dela tiveram conhecimento.

Caso um proponente tome conhecimento, depois de expirado o prazo de recurso previsto na legislação nacional, de uma irregularidade alegadamente cometida antes da decisão de adjudicação de um contrato, só tem legitimidade para interpor recurso contra essa decisão nesse prazo, salvo disposição expressa do direito nacional que garanta esse direito em conformidade com o direito da União.

Assinaturas


* Língua do processo: italiano.