Language of document : ECLI:EU:C:2013:272

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

25 de abril de 2013 (*)

«Reenvio prejudicial — Política social — Aproximação das legislações — Proteção dos trabalhadores em caso de insolvência do empregador — Diretiva 2008/94/CE — Âmbito de aplicação — Regimes complementares de previdência profissionais — Regime de prestações definidas e custos equilibrados — Insuficiência de recursos — Nível mínimo de proteção — Crise económica — Desenvolvimento económico e social equilibrado — Obrigações do Estado‑Membro em causa em caso de insuficiência de recursos — Responsabilidade do Estado‑Membro em caso de transposição incorreta»

No processo C‑398/11,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pela High Court (Irlanda), por decisão de 20 de julho de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 27 de julho de 2011, no processo

Thomas Hogan,

John Burns,

John Dooley,

Alfred Ryan,

Michael Cunningham,

Michael Dooley,

Denis Hayes,

Marion Walsh,

Joan Power,

Walter Walsh

contra

Minister for Social and Family Affairs,

Ireland,

Attorney General,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, exercendo funções de presidente da Terceira Secção, K. Lenaerts, E. Juhász (relator), J. Malenovský e D. Šváby, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 3 de outubro de 2012,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação de T. Hogan e o., por G. Byrne, solicitor, M. Collins, SC, e C. Donnelly, BL,

¾        em representação do Minister for Social and Family Affairs, da Ireland e do Attorney General, por D. O’Hagan, na qualidade de agente, assistido por B. Murray, BL, e E. Carolan, BL,

¾        em representação do Governo neerlandês, por J. Langer, na qualidade de agente,

¾        em representação da Comissão Europeia, por G. Rozet e J. Enegren, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 1.° e 8.° da Diretiva 2008/94/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador (JO L 283, p. 36).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe T. Hogan e outros antigos trabalhadores assalariados da Waterford Crystal Ltd (a seguir «Waterford Crystal») ao Minister for Social and Family Affairs, à Ireland e ao Attorney General, a respeito da transposição da Diretiva 2008/94.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Nos termos do artigo 1.°, n.° 1, da Diretiva 2008/94, esta aplica‑se aos créditos dos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho existentes em relação a empregadores que se encontrem em estado de insolvência, na acepção do n.° 1 do artigo 2.° da referida diretiva.

4        Nos termos do artigo 8.° da referida diretiva, os Estados‑Membros certificar‑se‑ão de que serão tomadas as medidas necessárias para proteger os interesses dos trabalhadores assalariados e das pessoas que tenham deixado a empresa ou o estabelecimento da entidade patronal na data da superveniência da insolvência desta, no que respeita aos seus direitos adquiridos ou em vias de aquisição, a prestações de velhice, incluindo as prestações de sobrevivência, a título de regimes complementares de previdência, profissionais ou interprofissionais existentes para além dos regimes legais nacionais de segurança social.

 Direito irlandês

 Pensão legal

5        No que respeita à pensão legal na Irlanda, resulta da decisão de reenvio que o governo detém as cotizações dos trabalhadores e dos empregadores, sob a forma de um fundo de segurança social. Embora essas cotizações recebam o nome de «cotizações de segurança social ligada à remuneração» («Pay Related Social Insurance»), a pensão legal é paga independentemente do nível dos rendimentos do trabalhador durante a sua carreira.

6        A pensão de base eleva‑se a 230,30 euros por semana e é paga a todas as pessoas que atingem a idade de reforma e que tenham pago um certo nível de cotizações de segurança social ligada à remuneração durante a sua carreira. O funcionamento do regime legal de pensão é independente dos direitos que uma pessoa adquiriu a título de um regime profissional, quer se trate de um regime de prestações definidas quer de um regime de cotizações definidas.

 Regimes complementares de previdência profissionais de prestações definidas

7        Na Irlanda, na maior parte dos regimes complementares de previdência profissionais de prestações definidas, uma vez que os ativos dos regimes são confiados a trustees, administradores de fundos, que os detêm em benefício exclusivo dos beneficiários do regime em causa, esses ativos não pertencem ao empregador e não podem ser afetos ao ressarcimento coletivo dos seus credores em caso de insolvência deste.

8        Num regime deste tipo, os trabalhadores assalariados só têm direito a uma pensão se o seu regime dispuser de ativos suficientes. A proteção desses ativos é assegurada pelo recurso a um trust, o que os separa do património do empregador.

9        Em conformidade com a legislação nacional, os regimes complementares de previdência são financiados pelas cotizações provenientes, simultaneamente, do empregador e dos trabalhadores assalariados. No caso destes, uma percentagem fixa da sua remuneração é paga aos fundos de pensões, ao passo que os empregadores pagam uma contribuição anual com vista a assegurar, a longo prazo, que o regime complementar de previdência disponha de ativos suficientes para o cumprimento das suas obrigações.

10      Para determinar o montante da contribuição do empregador, a Lei sobre as Pensões de 1990 (Pensions Act 1990), conforme alterada, impõe que o atuário faça os seus cálculos em conformidade com uma norma específica chamada «nível mínimo de financiamento» («Minimum Funding Standard»). Daqui resulta que os regimes complementares de previdência são de «custos equilibrados», com o empregador a contribuir anualmente com o montante necessário, em complemento das cotizações dos trabalhadores, para obter, a longo prazo, um equilíbrio entre o ativo e o passivo.

11      Os estatutos do fundo de pensões permitem ao empregador liquidar os regimes complementares de previdência a qualquer momento e, portanto, pôr termo à sua obrigação de contribuir para os mesmos. Estes estatutos preveem que, em caso de liquidação do fundo, seja por decisão do empregador de pôr termo às suas obrigações, pela sua insolvência ou pôr qualquer outra razão, os trabalhadores recebem uma parte dos ativos do fundo.

12      Na Irlanda, um regime complementar de previdência de prestações definidas pode ter em conta a pensão legal. Esse regime recebe o nome de «pensão complementar» («integrated pension»).

 Transposição do artigo 8.° da Diretiva 2008/94 para o direito irlandês

13      O órgão jurisdicional de reenvio precisa que a única medida de direito nacional adotada expressamente com o objetivo de transpor o artigo 8.° da Diretiva 80/987/CEE do Conselho, de 20 de outubro de 1980, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à proteção dos trabalhadores em caso de insolvência das empresas (JO L 283, p. 23; EE 05 F2 p. 219), atual artigo 8.° da Diretiva 2008/94, é a section 7 da Lei de 1984 relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador [Protection of Employees (Employers’ Insolvency) Act, 1984], que prevê que quaisquer contribuições deduzidas por um empregador, ou por este devidas, durante o período de doze meses anterior à insolvência, serão pagas ao regime complementar de previdência profissional.

 Matéria de facto e questões prejudiciais

14      Os demandantes no processo principal são dez antigos trabalhadores assalariados da Waterford Crystal, empresa especializada, desde 1947, no fabrico de produtos de cristal muito finos, situada na cidade de Waterford (Irlanda). Para oito dos demandantes no processo principal, a data de passagem à reforma estava programada entre 2011 e 2013, para os dois restantes, em 2019 e em 2022.

15      Para estes demandantes, uma das condições de emprego era a adesão a um dos regimes complementares de previdência de prestações definidas, fundados pelo empregador, o Waterford Crystal Limited Contributory Pension Scheme for Factory Employees ou o Waterford Crystal Limited Contributory Pension Scheme for Staff, criados, respetivamente, em 1975 e em 1960, por ato constitutivo de trust.

16      Os referidos regimes preveem a possibilidade de os beneficiários que se reformam com a idade normal receberem uma prestação de velhice que tem por base a última remuneração efetiva («actual final salary»), da qual é deduzida a pensão legal («State pension»). Uma vez efetuada a dedução («final pensionable salary»), dois terços do montante assim obtido representam a prestação de velhice dos regimes complementares de previdência em causa.

17      No início de 2009, foi nomeado um administrador extraordinário para a Waterford Crystal, que concluiu que esta se encontrava em estado de insolvência. Os regimes complementares de previdência fundados pela sociedade foram liquidados em 31 de março de 2009, elevando‑se o total de ativos a 130 milhões de euros; visto o passivo totalizar 240 milhões de euros, o défice ascendia a cerca de 110 milhões de euros.

18      O atuário contratado pelos demandantes no processo principal calculou que estes iriam receber entre 18% e 28% dos montantes a que teriam direito se tivessem recebido o valor atual dos seus direitos acumulados com as prestações de velhice. O atuário contratado pela Ireland, emitindo algumas críticas sobre este cálculo, considerou que a percentagem ficava compreendida entre 16% e 41% e não se aproximava dos 49% mencionados pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 25 de janeiro de 2007, Robins e o. (C‑278/05, Colet., p. I‑1053).

19      Os demandantes no processo principal intentaram, portanto, uma ação, alegando que a Ireland não tinha transposto corretamente o artigo 8.° da Diretiva 2008/94, tendo em conta o acórdão Robins e o., já referido.

20      Em contrapartida, a Ireland alega que, não só antes mas também na sequência do acórdão Robins e o., já referido, adotou numerosas medidas importantes destinadas a proteger os interesses dos beneficiários dos regimes complementares de previdência profissionais.

21      A High Court, considerando que a interpretação das disposições da Diretiva 2008/94 é necessária para proferir a sua decisão, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      A Diretiva 2008/94 […] é aplicável à situação dos recorrentes, atendendo ao artigo 1.°, n.° 1, dessa diretiva e ao facto de que a perda das pensões de reforma reclamadas pelos recorrentes não [dá origem], em direito irlandês, a um crédito contra o seu empregador que seria reconhecido em caso de insolvência ou de qualquer outra forma de liquidação da empresa do empregador dos recorrentes, e que não constitui, nas circunstâncias deste caso, uma base legal para qualquer outro crédito contra o seu empregador?

2)      Ao examinar se o Estado cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 8.° [da Diretiva 2008/94], o órgão jurisdicional nacional pode tomar em conta a pensão [legal] contributiva que será recebida pelos recorrentes (cuja obtenção não é afetada pela sua combinação com o regime de pensões profissional) e comparar (a) o total da pensão [legal] e o valor da pensão que os recorrentes efetivamente recebem ou é provável que recebam do regime de pensões profissional relevante com (b) o total da pensão [legal] contributiva e o valor dos direitos [acumulados com as] pensões de reforma de cada recorrente à data de liquidação do regime, no qual se teve em conta a pensão [legal] ao determinar o montante das pensões de reforma reclamadas pelos recorrentes?

3)      Em caso de resposta afirmativa à segunda questão, algum dos montantes suscetíveis de serem recebidos pelos recorrentes é suficiente para considerar que o Estado cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do [referido] artigo 8.°?

4)      Para aplicar o artigo 8.° da [Diretiva 2008/94], é necessário estabelecer um nexo de causalidade entre a perda das pensões de reforma pelos recorrentes e a insolvência do seu empregador além dos factos de que (i) o regime de pensões estava insuficientemente financiado à data da insolvência do empregador e (ii) a insolvência do empregador implica que o empregador não dispõe de recursos para contribuir para o regime de pensões com dinheiro suficiente para garantir na totalidade as pensões de reforma dos inscritos (não existindo qualquer obrigação do empregador uma vez que o regime entre em liquidação)?

5)      Tendo em conta os fatores sociais, comerciais e económicos considerados pela [Ireland] na revisão da proteção das pensões, realizada na sequência do acórdão Robins e o.[, já referido,] e, em particular, atendendo à «necessidade de um desenvolvimento económico e social equilibrado na Comunidade» referida no terceiro considerando da [Diretiva 2008/94], as medidas adotadas pela [Ireland] […] cumprem as obrigações que lhe incumbem por força [desta] diretiva?

6)      A situação económica [...] constitui uma situação suficientemente excecional que justifique um nível de proteção dos interesses dos recorrentes inferior ao que poderia, de outro modo, ser exigido e, em caso afirmativo, qual é esse nível de proteção inferior [admissível]?

7)      Em caso de resposta negativa à segunda questão, o facto de as medidas adotadas pelo Estado na sequência do acórdão Robins e o.[, já referido,] não terem tido como resultado que os recorrentes recebam mais de 49% do valor dos seus direitos [acumulados com as] pensões de reforma ao abrigo do seu regime de pensões profissional constitui, por si só, um incumprimento grave das obrigações do Estado, de modo a conferir aos recorrentes um direito a indemnização (isto é, sem demonstrar separadamente que as ações do Estado subsequentes ao acórdão Robins e o.[, já referido,] constituem um incumprimento grave e manifesto das obrigações que incumbem ao Estado por força do artigo 8.° da [Diretiva 2008/94])?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

22      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 2008/94 deve ser interpretada no sentido de que se aplica aos direitos dos antigos trabalhadores a prestações de velhice de um regime complementar de previdência instituído pelo seu empregador.

23      Nessa questão, o órgão jurisdicional de reenvio refere o artigo 1.°, n.° 1, da referida diretiva e precisa que, em direito irlandês, em tal situação, não existe nenhuma base jurídica que permita aos demandantes no processo principal agir contra o seu empregador.

24      A este respeito, há que sublinhar que, tendo em conta a obrigação imposta aos demandantes no processo principal, quando da sua contratação, de aderir ao regime de previdência profissional instituído pelo empregador, deve considerar‑se que os seus direitos a prestações de velhice no quadro desse regime resultam dos contratos ou das relações de trabalho que os vinculam ao seu empregador, na aceção do artigo 1.°, n.° 1, da Diretiva 2008/94.

25      O artigo 8.° da Diretiva 2008/94 estabelece uma obrigação específica, que incumbe aos Estados‑Membros, a favor dos trabalhadores assalariados. Os Estados‑Membros podem cumprir esta obrigação por diversos meios. Esta pode consistir em assegurar que o empregador é capaz de fazer face às obrigações que decorrem de um regime complementar de previdência profissional, ou que uma instituição de realização de planos de pensões profissionais, distinta do empregador, tem essa capacidade.

26      É pacífico que os demandantes no processo principal são antigos trabalhadores assalariados de uma sociedade, que alegam que os seus interesses, no que respeita aos seus direitos adquiridos a prestações de velhice a título de um regime complementar de previdência profissional, não estavam protegidos pela Ireland, em caso de insolvência do empregador.

27      Por conseguinte, há que responder à primeira questão que a Diretiva 2008/94 deve ser interpretada no sentido de que se aplica aos direitos dos antigos trabalhadores a prestações de velhice de um regime complementar de previdência instituído pelo empregador.

 Quanto à segunda questão

28      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 8.° da Diretiva 2008/94 deve ser interpretado no sentido de que, para determinar se um Estado‑Membro executou a obrigação prevista neste artigo, podem ser tidas em conta as prestações da pensão estatal.

29      Há que salientar que o objetivo do artigo 8.° da Diretiva 2008/94 é garantir, em caso de insolvência do empregador, a proteção dos interesses dos trabalhadores no que respeita aos seus direitos a prestações de velhice no quadro dos regimes complementares de previdência profissionais. A própria disposição indica que diz respeito exclusivamente aos regimes complementares de previdência profissionais ou interprofissionais, precisando que, no contexto dessa proteção, estão em causa regimes «existentes para além dos regimes legais de segurança social».

30      Dada a redação clara do artigo 8.° da Diretiva 2008/94, para a apreciação da questão de saber se um Estado‑Membro cumpriu a obrigação prevista neste artigo, não podem ser tidas em conta as prestações da pensão legal.

31      Esta conclusão não é contrariada pela existência de uma regulamentação de um regime complementar de previdência profissional que, no cálculo da prestação de velhice desse regime, deduz as prestações da pensão legal do montante da última remuneração efetiva que serve de base a esse cálculo («actual final salary»).

32      Com efeito, a tomada em conta das prestações da pensão legal, com vista à aplicação do artigo 8.° da Diretiva 2008/94, seria contrária ao efeito útil da proteção imposta por este artigo no quadro dos regimes complementares de previdência profissionais.

33      Por conseguinte, há que responder à segunda questão que o artigo 8.° da Diretiva 2008/94 deve ser interpretado no sentido de que, para determinar se um Estado‑Membro executou a obrigação prevista neste artigo, não podem ser tidas em conta as prestações da pensão legal.

34      Face à resposta dada à segunda questão, não há que examinar a terceira questão.

 Quanto à quarta questão

35      Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 8.° da Diretiva 2008/94 deve ser interpretado no sentido de que, para poder ser aplicado, basta que o regime complementar de previdência profissional não beneficie de uma cobertura financeira suficiente na data em que o empregador se encontra em estado de insolvência e que, por causa dessa insolvência, o empregador não disponha dos recursos necessários para pagar a esse regime cotizações suficientes que permitam o pagamento integral das prestações devidas aos beneficiários do referido regime, ou se é necessário que estes provem a existência de outros fatores na origem da perda dos seus direitos a prestações de velhice.

36      Há que constatar que a Diretiva 2008/94 tem por objetivo a proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador. Não trata das causas que provocaram essa insolvência.

37      No que respeita à cobertura insuficiente do regime complementar de previdência profissional, a sua origem pode ser diversa, a saber, nomeadamente, o não pagamento das cotizações pelos trabalhadores ou das contribuições pelo empregador, a evolução desfavorável dos mercados de capitais, a má gestão dos fundos do regime ou regras prudenciais não suficientemente rigorosas.

38      Contudo, o artigo 8.° da Diretiva 2008/94 não faz a distinção entre as causas possíveis, mas estabelece uma obrigação geral de proteção dos interesses dos trabalhadores e deixa aos Estados‑Membros o cuidado de definir, em conformidade com o direito da União, em particular com a Diretiva 2003/41/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de junho de 2003, relativa às atividades e à supervisão das instituições de realização de planos de pensões profissionais (JO L 235, p. 10), os métodos que utilizam para cumprir essa obrigação.

39      Deste modo, para a aplicação do artigo 8.° da Diretiva 2008/94, não é necessário identificar as causas que conduziram à insolvência do empregador nem as que provocaram a insuficiência da cobertura financeira do regime complementar de previdência profissional.

40      Por conseguinte, há que responder à quarta questão que o artigo 8.° da Diretiva 2008/94 deve ser interpretado no sentido de que, para poder ser aplicado, basta que o regime complementar de previdência profissional não beneficie de uma cobertura financeira suficiente na data em que o empregador se encontra em estado de insolvência e que, por causa dessa insolvência, o empregador não disponha dos recursos necessários para pagar a esse regime cotizações suficientes que permitam o pagamento integral das prestações devidas aos beneficiários. Não é necessário que estes provem a existência de outros fatores na origem da perda dos seus direitos a prestações de velhice.

 Quanto à quinta e sexta questões

41      Com a sua quarta e quinta questões, que há que examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 2008/94 deve ser interpretada no sentido de que as medidas adotadas pela Ireland na sequência do acórdão Robins e o., já referido, satisfazem as obrigações impostas por esta diretiva, tendo em conta as necessidades de um desenvolvimento económico e social equilibrado, e se a situação económica constitui uma circunstância excecional suscetível de justificar um nível de proteção reduzido dos interesses dos trabalhadores no que respeita aos seus direitos a prestações de velhice a título de um regime complementar de previdência profissional.

42      No acórdão Robins e o., já referido, o Tribunal de Justiça, ao interpretar o artigo 8.° da Diretiva 80/987, atual artigo 8.° da Diretiva 2008/94, reconheceu que os Estados‑Membros beneficiam de uma ampla margem de apreciação para determinar tanto o mecanismo como o nível de proteção dos direitos a prestações de velhice a título de um regime complementar de previdência profissional em caso de insolvência do empregador, o que exclui uma obrigação de garantia integral (acórdão Robins e o., já referido, n.os 36 e 42 a 45).

43      Considerou, porém, que disposições de direito interno suscetíveis de conduzir a uma garantia das prestações de um regime complementar de previdência profissional limitada a menos de metade dos direitos que um trabalhador assalariado podia invocar não correspondem à definição do termo «proteger» usado no artigo 8.° da Diretiva 80/987 (acórdão Robins e o., já referido, n.° 57).

44      Esta apreciação tem em conta as exigências de um desenvolvimento económico e social equilibrado, ao tomar em consideração, por um lado, a evolução divergente e pouco previsível da situação económica dos Estados‑Membros e, por outro, a necessidade de assegurar aos trabalhadores assalariados uma garantia mínima de proteção em caso de insolvência do empregador resultante, por exemplo, de uma evolução desfavorável das condições económicas.

45      Neste contexto, não são as especificidades das medidas adotadas por um Estado‑Membro que determinam se este executou corretamente as obrigações previstas pelo artigo 8.° da Diretiva 2008/94, mas o resultado que decorre da aplicação dessas medidas nacionais.

46      Por outro lado, a medida a que se refere o órgão jurisdicional de reenvio, descrita no n.° 13 do presente acórdão, não parece, tendo em conta as informações dadas no n.° 18 do presente acórdão, ser de molde a assegurar o nível mínimo de proteção exigido pelo acórdão Robins e o., já referido.

47      Por conseguinte, há que responder à quinta e sexta questões que a Diretiva 2008/94 deve ser interpretada no sentido de que as medidas adotadas pela Ireland na sequência do acórdão Robins e o., já referido, não satisfazem as obrigações impostas por esta diretiva e que a situação económica do Estado‑Membro em causa não constitui uma circunstância excecional suscetível de justificar um nível de proteção reduzido dos interesses dos trabalhadores no que respeita aos seus direitos a prestações de velhice a título de um regime complementar de previdência profissional.

 Quanto à sétima questão

48      Com a sua sétima questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 2008/94 deve ser interpretada no sentido de que o facto de as medidas tomadas pela Ireland na sequência do acórdão Robins e o., já referido, não terem tido como resultado permitir aos demandantes no processo principal receber mais de 49% do valor dos seus direitos acumulados com as a prestações de velhice, a título do regime complementar de previdência profissional, constitui, em si, uma violação caracterizada das obrigações desse Estado‑Membro.

49      Os particulares lesados têm um direito a reparação contra um Estado‑Membro, desde que estejam preenchidos três requisitos, a saber: que a norma do direito da União violada tenha por objeto conferir‑lhes direitos, que a violação dessa norma seja suficientemente caracterizada e que haja um nexo de causalidade direto entre essa violação e o dano sofrido pelos particulares (acórdãos de 24 de março de 2009, Danske Slagterier, C‑445/06, Colet., p. I‑2119, n.° 20, e de 9 de dezembro de 2010, Combinatie Spijker Infrabouw‑De Jonge Konstruktie e o., C‑568/08, Colet., p. I‑12655, n.° 87 e jurisprudência referida).

50      A sétima questão refere‑se ao segundo destes requisitos.

51      Desde que o acórdão Robins e o., já referido, foi proferido, a saber, em 25 de janeiro de 2007, os Estados‑Membros ficam prevenidos de que a transposição correta do artigo 8.° da Diretiva 2008/94 requer que um trabalhador receba, em caso de insolvência do seu empregador, pelo menos, metade das prestações de velhice resultantes dos direitos a pensão acumulados, para os quais pagou cotizações no quadro de um regime complementar de previdência profissional.

52      Nestas condições, há que constatar que, ainda que a natureza e o alcance da obrigação que incumbe aos Estados‑Membros por força do artigo 8.° da Diretiva 2008/94, que tem por objeto conferir direitos aos particulares, fossem claras e precisas, o mais tardar a partir de 25 de janeiro de 2007, a Ireland não procedeu à execução correta desta obrigação, o que constitui uma violação suficientemente caracterizada desta regra de direito no quadro de uma eventual apreciação da responsabilidade deste Estado‑Membro por danos causados aos particulares.

53      Por conseguinte, há que responder à sétima questão que a Diretiva 2008/94 deve ser interpretada no sentido de que o facto de as medidas tomadas pela Ireland na sequência do acórdão Robins e o., já referido, não terem tido como resultado permitir aos demandantes no processo principal receber mais de 49% do valor dos seus direitos acumulados com as prestações de velhice, a título do regime complementar de previdência profissional, constitui, em si, uma violação caracterizada das obrigações desse Estado‑Membro.

 Quanto às despesas

54      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

1)      A Diretiva 2008/94/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, deve ser interpretada no sentido de que se aplica aos direitos dos antigos trabalhadores a prestações de velhice de um regime complementar de previdência instituído pelo empregador.

2)      O artigo 8.° da Diretiva 2008/94 deve ser interpretado no sentido de que, para determinar se um Estado‑Membro executou a obrigação prevista neste artigo, não podem ser tidas em conta as prestações da pensão legal.

3)      O artigo 8.° da Diretiva 2008/94 deve ser interpretado no sentido de que, para poder ser aplicado, basta que o regime complementar de previdência profissional não beneficie de uma cobertura financeira suficiente na data em que o empregador se encontra em estado de insolvência e que, por causa dessa insolvência, o empregador não disponha dos recursos necessários para pagar a esse regime cotizações suficientes que permitam o pagamento integral das prestações devidas aos beneficiários. Não é necessário que estes provem a existência de outros fatores na origem da perda dos seus direitos a prestações de velhice.

4)      A Diretiva 2008/94 deve ser interpretada no sentido de que as medidas adotadas pela Ireland na sequência do acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 25 de janeiro de 2007, Robins e o. (C‑278/05), não satisfazem as obrigações impostas por esta diretiva e que a situação económica do Estado‑Membro em causa não constitui uma circunstância excecional suscetível de justificar um nível de proteção reduzido dos interesses dos trabalhadores no que respeita aos seus direitos a prestações de velhice a título de um regime complementar de previdência profissional.

5)      A Diretiva 2008/94 deve ser interpretada no sentido de que o facto de as medidas tomadas pela Ireland na sequência do acórdão Robins e o., já referido, não terem tido como resultado permitir aos demandantes no processo principal receber mais de 49% do valor dos seus direitos acumulados com as prestações de velhice, a título do regime complementar de previdência profissional, constitui, em si, uma violação caracterizada das obrigações desse Estado‑Membro.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.