Language of document : ECLI:EU:C:2012:608

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

4 de outubro de 2012 (*)

«Direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros ― Diretiva 2004/38/CE ― Artigo 27.° ― Medida administrativa de proibição de saída do território nacional devido ao não pagamento de uma dívida contraída para com uma pessoa coletiva de direito privado ― Princípio da segurança jurídica no que respeita a atos administrativos que se tornaram definitivos ― Princípios da equivalência e da efetividade»

No processo C‑249/11,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Administrativen sad Sofia‑grad (Bulgária), por decisão de 9 de maio de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 19 de maio de 2011, no processo

Hristo Byankov

contra

Glaven sekretar na Ministerstvo na vatreshnite raboti,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: J. N. Cunha Rodrigues, presidente de secção, U. Lõhmus, A. Ó Caoimh (relator), A. Arabadjiev e C. G. Fernlund, juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação da Comissão Europeia, por C. Tufvesson e V. Savov, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 21 de junho de 2012,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 4.°, n.° 3, TUE, lido em conjugação com os artigos 20.° TFUE e 21.° TFUE, do artigo 52.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), bem como dos artigos 27.°, n.° 1, e 31.°, n.os 1 e 3, da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.° 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO L 158, p. 77, e retificações no JO L 229, p. 35, e JO 2005, L 197, p. 34).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe H. Byankov ao glaven sekretar na Ministerstvo na vatreshnite raboti (secretário‑geral do Ministério dos Assuntos Internos) a respeito da recusa de reabertura de um procedimento administrativo e de revogação de uma medida administrativa de proibição de saída do território tomada a seu respeito devido ao não pagamento de uma dívida privada.

 Quadro jurídico

 Regulamentação da União

3        O considerando 31 da Diretiva 2004/38 enuncia que a mesma respeita os direitos e liberdades fundamentais e cumpre os princípios reconhecidos na Carta.

4        Nos termos do seu artigo 3.°, n.° 1, a Diretiva 2004/38 aplica‑se a todos os cidadãos da União que se desloquem ou residam num Estado‑Membro que não aquele de que são nacionais, bem como aos membros das suas famílias que os acompanhem ou que a eles se reúnam.

5        O artigo 4.°, n.° 1, desta diretiva tem a seguinte redação:

«Sem prejuízo das disposições em matéria de documentos de viagem aplicáveis aos controlos nas fronteiras nacionais, têm direito a sair do território de um Estado‑Membro a fim de se deslocar a outro Estado‑Membro todos os cidadãos da União, munidos de um bilhete de identidade ou passaporte válido [...].»

6        Sob o capítulo VI da referida diretiva, com a epígrafe «Restrições ao direito de entrada por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública», o artigo 27.° da Diretiva 2004/38, n.os 1 e 2, dispõe:

«1.      Sob reserva do disposto no presente capítulo, os Estados‑Membros podem restringir a livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias, independentemente da nacionalidade, por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública. Tais razões não podem ser invocadas para fins económicos.

2.      As medidas tomadas por razões de ordem pública ou de segurança pública devem ser conformes com o princípio da proporcionalidade e devem basear‑se exclusivamente no comportamento da pessoa em questão. A existência de condenações penais anteriores não pode, por si só, servir de fundamento para tais medidas.

A conduta da pessoa em questão deve constituir uma ameaça real, atual e suficientemente grave que afete um interesse fundamental da sociedade. Não podem ser utilizadas justificações não relacionadas com o caso individual ou baseadas em motivos de prevenção geral.»

7        Sob o mesmo capítulo, o artigo 31.° da Diretiva 2004/38, intitulado «Garantias processuais», prevê:

«1.      As pessoas em questão devem ter acesso às vias judicial e, quando for caso disso, administrativa no Estado‑Membro de acolhimento para impugnar qualquer decisão a seu respeito por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública.

[...]

3.      A impugnação deve permitir o exame da legalidade da decisão, bem como dos factos e circunstâncias que fundamentam a medida prevista. Deve certificar que a decisão não é desproporcionada [...]

[...]»

8        O artigo 32.°, n.° 1, desta diretiva, que faz também parte do referido capítulo VI, tem a seguinte redação:

«As pessoas proibidas de entrar no território por razões de ordem pública ou de segurança pública podem apresentar um pedido de levantamento da proibição de entrada no território após um prazo razoável, em função das circunstâncias, e, em todo o caso, três anos após a execução da decisão definitiva de proibição que tenha sido legalmente tomada nos termos do direito comunitário, invocando meios suscetíveis de provar que houve uma alteração material das circunstâncias que haviam justificado a proibição de entrada no território.

O Estado‑Membro em causa deve tomar uma decisão sobre este pedido no prazo de seis meses a contar da sua apresentação.»

 Regulamentação búlgara

9        O artigo 23.°, n.° 2, da Lei sobre os documentos de identidade búlgaros (Zakon za balgarskite litschni dokumenti, DV n.° 93, de 11 de agosto de 1998), na sua versão aplicável ao processo principal (DV n.° 105, de 22 de dezembro de 2006, a seguir «ZBLD»), prevê que «[t]odos os cidadãos búlgaros têm o direito de deixar o país e de a ele voltar, munidos de um cartão de identidade, através das fronteiras internas da República da Bulgária com os Estados‑Membros da União Europeia, bem como nos casos previstos nos tratados internacionais».

10      O n.° 3 desse artigo 23.° prossegue precisando que «[o] direito referido no n.° 2 só pode ser objeto de restrições previstas na lei e que tenham como objetivo a proteção da segurança nacional, da ordem pública, da saúde dos cidadãos ou dos direitos e das liberdades de outros cidadãos».

11      O artigo 76.°, n.° 3, da ZBLD prevê:

«É possível não autorizar a saída do país e não emitir passaportes ou documentos de substituição a:

[…]

3.      […] pessoas que tenham dívidas pecuniárias de montante significativo para com pessoas singulares ou coletivas, búlgaras ou estrangeiras, as quais tenham sido declaradas través de decisão judicial, a não ser que o seu património pessoal cubra a dívida ou que prestem uma garantia adequada.»

12      Por força das disposições complementares da ZBLD, um montante superior a 5 000 BGN é considerado «significativo» na aceção do artigo 76.°, n.° 3, da ZBLD.

13      Esta última disposição foi revogada pelo n.º 62, ponto 3, da Lei que altera e completa a Lei sobre os documentos de identidade búlgaros (DV n.° 82, de 16 de outubro de 2009), que entrou em vigor em 20 de outubro de 2009. No entanto, o legislador búlgaro não previu a revogação oficiosa das medidas administrativas coercivas aplicadas com base no artigo 76.°, n.° 3, da ZBLD.

14      Inserido no capítulo 7 do Código de Processo Administrativo (Administrativnoprotsesualen kodeks, a seguir «APK»), intitulado «Reabertura do procedimento de adoção dos atos administrativos», o artigo 99.° deste código enuncia:

«Um ato administrativo individual ou regulamentar que se tornou definitivo que não foi objeto de um recurso contencioso pode ser revogado ou reformado pela autoridade administrativa que exerce funções de superior hierárquico imediato, e se o ato não fosse passível de recurso administrativo, pela autoridade que o adotou, quando:

1.      Uma das condições da sua legalidade tenha sido violada, de forma substancial;

[...]

7.      Tenha sido declarada, por Decisão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, uma violação da [Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950].»

15      Segundo a decisão de reenvio, o artigo 99.°, n.° 1, do APK confere ao órgão administrativo o poder de revogar um ato administrativo que se tornou definitivo quando tenha sido violada, de forma substancial, uma das condições da sua legalidade. No entanto, por força dos artigos 100.° e 102.°, n.° 1, do APK, este poder só pode ser exercido no prazo de um mês a contar da data em que o ato em causa foi adotado e por iniciativa do órgão administrativo que o adotou, do procurador ou do mediador.

16      Ao invés, em conformidade com o artigo 102.°, n.° 2, do APK, nos casos previstos no artigo 99.°, n.° 7, deste código, o procedimento pode ser reaberto a pedido do destinatário de uma medida administrativa que, não tendo sido objeto de recurso contencioso, se tenha tornado definitiva.

17      Decorre da decisão de reenvio que o destinatário de uma medida deste tipo pode igualmente apresentar um pedido de reabertura do procedimento nos casos referidos no artigo 99.°, n.os 2 a 6, do APK.

18      Decorre também desta decisão que o artigo 99.°, n.° 2, do APK visa em particular a hipótese de novas provas escritas.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

19      Por despacho do diretor da Direção Regional do Ministério dos Assuntos Internos de 17 de abril de 2007 (a seguir «despacho de 2007»), H. Byankov, nacional búlgaro, foi objeto de uma medida coerciva de proibição de saída do território búlgaro e de emissão de passaporte ou de documentos de identidade de substituição (a seguir «proibição de saída do território em causa no processo principal»).

20      O despacho de 2007 foi adotado a requerimento de um oficial de justiça em razão de uma dívida contraída para com uma pessoa coletiva de direito privado búlgaro. Esse despacho indica que esta dívida, no montante de 200 000 BGN, acrescido de despesas e juros de mora, é «significativa», na aceção das disposições complementares da ZBLD, e que H. Byankov não prestou uma garantia adequada.

21      O referido despacho não foi objeto de recurso contencioso e tornou‑se definitivo.

22      Em 6 de julho de 2010, ou seja, mais de três anos depois da adoção do despacho de 2007, H. Byankov pediu a revogação da proibição de saída do território em causa no processo principal, invocando a sua qualidade de cidadão da União e o seu direito de circular e residir livremente na União. H. Byankov apoiou‑se também no artigo 27.°, n.° 1, da Diretiva 2004/38, no acórdão de 10 de julho de 2008, Jipa (C‑33/77, Colet., p. I‑5157), e no acórdão n.º 3909, de 24 de março de 2010, do Varhoven administrativen sad (Tribunal Administrativo Supremo). Alegou que a medida restritiva suscetível de ser adotada por força do artigo 76.°, n.° 3, da ZBLD não se enquadrava no conceito de «ordem pública».

23      O glaven sekretar na Ministerstvo na vatreshnite raboti, a quem o pedido de H. Byankov foi enviado, examinou‑o como um pedido de revogação de um ato administrativo definitivo, procedimento regulado pelo artigo 99.° do APK.

24      Por despacho de 20 de julho de 2010, esse pedido foi indeferido com o fundamento de que não estavam reunidas as condições jurídicas exigidas pelo artigo 99.° do APK para a anulação de um «ato administrativo estável». Com efeito, não foi estabelecido nenhum dos fundamentos de revogação previstos no artigo 99.°, n.os 2 a 7, do APK, casos em que um particular pode apresentar um pedido de reabertura do procedimento. Em especial, dado que diz respeito a uma pessoa diferente de H. Byankov, o acórdão do Varhoven administrativen sad mencionado no n.° 22 do presente acórdão não constitui uma prova escrita nova na aceção do artigo 99.°, n.° 2, do APK. Além disso, o fundamento de revogação previsto no artigo 99.°, n.° 1, do APK não foi estabelecido, uma vez que não foi apresentado nenhum pedido no prazo previsto por uma pessoa habilitada para o efeito.

25      H. Byankov submeteu ao órgão jurisdicional de reenvio uma petição a fim de obter a anulação do despacho de 20 de julho de 2010 e o deferimento do seu pedido de revogação do despacho de 2007.

26      O demandado no processo principal pede que a ação seja julgada improcedente, invocando a legalidade da proibição de saída do território em causa no processo principal.

27      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, os fundamentos do despacho de 2007 não mencionam nenhuma razão de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública, não contêm uma apreciação da conduta pessoal de H. Byankov nem expõem as razões comprovativas de que a imposição da proibição de saída do território em causa no processo principal facilitaria o pagamento da quantia pecuniária em questão.

28      Nestas condições, o Administrativen sad Sofia‑grad decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Em circunstâncias como as do processo principal, o princípio da cooperação leal, consagrado no artigo 4.°, n.° 3, […] TUE, [lido em conjugação] com os artigos 20.° [TFUE] e 21.° […] TFUE, exige que, na aplicação de uma norma nacional como a que está em causa no processo principal ― que admite a revogação de um ato administrativo definitivo, para pôr termo a uma violação, declarada em decisão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, de um direito fundamental que, simultaneamente, é reconhecido pelo direito da União […], como o direito de livre circulação dos nacionais dos Estados‑Membros […] ―, seja igualmente levada em conta a interpretação, fixada numa decisão do Tribunal de Justiça […], das normas do direito da União […] aplicáveis às restrições ao exercício do direito fundamental em causa, quando a revogação do referido ato administrativo é necessária para pôr termo à violação desse direito?

2)      Resulta do artigo 31.°, n.os 1 e 3, da Diretiva 2004/38[…] que, se um Estado‑Membro tiver previsto no seu direito nacional um processo que permite impugnar um ato administrativo que restringe o direito consagrado pelo artigo 4.°, n.° 1, dessa diretiva, a autoridade administrativa competente é obrigada a proceder, a pedido do destinatário do ato administrativo em causa, à revisão desse ato e a apreciar a sua legalidade, levando em conta também a jurisprudência do Tribunal de Justiça […] relativa à interpretação das normas [pertinentes] do direito da União que regem as condições e restrições ao exercício desse direito, o que garante que, à data da adoção da decisão sobre a revisão do ato administrativo, a restrição imposta ao referido direito não é desproporcionada, quando, nessa data, o ato administrativo que impôs a restrição já é definitivo?

3)      O disposto no artigo 52.°, n.° 1, segundo [período], da [Carta] e [no] artigo 27.°, n.° 1, da Diretiva 2004/38[…] permite que seja aplicada uma disposição nacional que prevê a imposição de uma restrição ao direito de um nacional de um Estado‑Membro […] de circular livremente no espaço da [União] apenas com fundamento na existência de uma dívida para com um particular, designadamente uma sociedade comercial, que excede um montante fixado por lei e não está coberta por uma garantia adequada, dívida essa que é exigida num processo executivo pendente com vista à cobrança da dívida, sem que seja levada em conta a possibilidade, prevista pelo direito da União, de um organismo de outro Estado‑Membro proceder a essa cobrança?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à terceira questão

29      Através da terceira questão, que importa analisar em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe à aplicação de uma disposição nacional que prevê a imposição de uma restrição ao direito de um nacional de um Estado‑Membro circular livremente na União pelo único motivo de que é devedor, para com uma pessoa coletiva de direito privado, de uma quantia que excede um montante fixado por lei e que não está coberta por uma garantia.

30      A este respeito, importa desde já observar que uma situação como a de H. Byankov, que está impedido de viajar, a partir do território do Estado‑Membro de que é nacional, para o território de outro Estado‑Membro, está abrangida pelo direito de circular e residir livremente no território dos Estados‑Membros, como conferido pelo estatuto de cidadão da União (v., por analogia, acórdãos Jipa, já referido, n.° 17; de 17 de novembro de 2011, Gaydarov, C‑430/10, Colet., p. I‑11637, n.os 24 a 27; e Aladzhov, C‑434/10, Colet., p. I‑11659, n.os 24 a 27).

31      Com efeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que este direito à livre circulação compreende tanto o direito dos cidadãos da União de entrarem num Estado‑Membro diferente do seu Estado de origem como o direito de saírem deste. Como o Tribunal de Justiça já teve ocasião de sublinhar, as liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado FUE ficariam esvaziadas de conteúdo se o Estado‑Membro de origem pudesse, sem justificação válida, proibir os seus nacionais de saírem do seu território para entrarem no território de outro Estado‑Membro (v. acórdão Jipa, já referido, n.° 18 e jurisprudência referida).

32      Além disso, o artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 2004/38 prevê expressamente, sem exigir o exercício prévio do referido direito de livre circulação e residência, que qualquer cidadão da União munido de um cartão de identidade ou passaporte válidos tem direito de sair do território de um Estado‑Membro a fim de se deslocar a outro Estado‑Membro.

33      A este respeito, são desprovidos de pertinência os factos, referidos na decisão de reenvio, de o artigo 76.°, n.° 3, da ZBLD, que entrou em vigor antes da adesão da República da Bulgária à União, não visar a transposição do direito da União ou de o artigo 27.° da Diretiva 2004/38 ter sido transposto para a ordem jurídica búlgara apenas no que diz respeito aos nacionais dos Estados‑Membros que não sejam a República da Bulgária (v., sobre este último ponto, acórdão Aladzhov, já referido, n.os 31 e 32).

34      Nestas condições, importa recordar que o direito à livre circulação dos cidadãos da União não é incondicional, podendo ser sujeito a restrições e condições previstas no Tratado e nas disposições adotadas em sua aplicação (v., designadamente, acórdãos, já referidos, Jipa, n.° 21 e jurisprudência referida, e Aladzhov, n.° 28).

35      Estas restrições e condições decorrem, em particular, do artigo 27.°, n.° 1, da Diretiva 2004/38, que permite aos Estados‑Membros restringir a liberdade de circulação dos cidadãos da União ou dos membros das suas famílias, por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública. Nos termos desta mesma disposição, estas razões não podem, no entanto, ser invocadas «para fins económicos» (acórdão Aladzhov, já referido, n.° 29).

36      Por conseguinte, para que o direito da União não se oponha a uma medida administrativa como a que está em causa no processo principal, deve, designadamente, ser demonstrado que a mesma foi tomada por uma das razões enumeradas no artigo 27.°, n.° 1, da Diretiva 2004/38, e na condição de essa razão não ter sido invocada para fins económicos.

37      Ora, resulta da decisão de reenvio e da redação da terceira questão que o único fundamento da medida administrativa em causa no processo principal assenta na dupla verificação da existência de uma dívida para com uma pessoa coletiva de direito privado e da incapacidade do devedor de prestar uma garantia para cobrir essa dívida. A ordem pública, a segurança pública ou a saúde pública não são mencionadas.

38      Sobre este ponto, o órgão jurisdicional de reenvio evoca a hipótese segundo a qual o artigo 76.°, n.° 3, da ZBLD, e, por conseguinte, a proibição de saída do território em causa no processo principal, prossegue o objetivo da proteção dos credores.

39      Mesmo admitindo que se possa validamente considerar que uma certa ideia da manutenção da ordem pública subjaz a tal objetivo, não se pode excluir, da leitura da decisão de reenvio, que a proibição de saída do território em causa no processo principal prossegue um objetivo exclusivamente económico. Ora, o artigo 27.°, n.° 1, da Diretiva 2004/38 exclui expressamente a possibilidade de um Estado‑Membro invocar razões relacionadas com a ordem pública para fins económicos.

40      Além disso, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o recurso ao conceito de ordem pública pressupõe, de qualquer modo, além da perturbação da ordem social que qualquer infração à lei constitui, a existência de uma ameaça real, atual e suficientemente grave para um interesse fundamental da sociedade (v., designadamente, acórdãos, já referidos, Jipa, n.° 23 e jurisprudência referida, e Gaydarov, n.° 33).

41      Neste contexto, as derrogações à liberdade de circulação de pessoas, suscetíveis de ser invocadas por um Estado‑Membro, implicam, nomeadamente, como refere o artigo 27.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38, que, para serem justificadas, as medidas de ordem pública ou de segurança pública devem basear‑se exclusivamente no comportamento da pessoa em questão, não podendo ser acolhidas justificações não diretamente ligadas ao caso individual ou baseadas em motivos de prevenção geral (acórdãos, já referidos, Jipa, n.° 24, e Gaydarov, n.° 34).

42      Contudo, resulta da decisão de reenvio que o despacho de 2007 não contém apreciação alguma especificamente relativa ao comportamento pessoal de H. Byankov ou ao caráter real, atual e grave de uma ameaça que esse comportamento representaria no que respeita a um interesse fundamental da sociedade búlgara, que não está definido em nenhuma parte dos autos apresentados ao Tribunal de Justiça.

43      Além disso, resulta do artigo 27.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38, bem como de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, que uma medida restritiva do direito à livre circulação só pode ser justificada se respeitar o princípio da proporcionalidade, e desde que seja adequada para garantir a realização do objetivo que prossegue e não vá além do que é necessário para o atingir (v., neste sentido, designadamente, acórdãos, já referidos, Jipa, n.° 29, e Gaydarov, n.° 40).

44      A este respeito, importa sublinhar, por um lado, que, salvo a possibilidade de pagamento da quantia reclamada ou de prestação de uma garantia adequada, a proibição de saída do território em causa no processo principal é absoluta, isto é, não prevê exceções, limite temporal ou a possibilidade de uma revisão periódica das circunstâncias de facto e de direito em que se baseia. Por conseguinte, enquanto essa proibição não for levantada, os seus efeitos jurídicos para uma pessoa como H. Byankov renovam‑se continuamente e podem prolongar‑se indefinidamente.

45      Por outro lado, existem no direito da União normas jurídicas suscetíveis de proteger os direitos dos credores, sem que, no entanto, a liberdade de circulação do devedor seja necessariamente limitada. A título de exemplo, basta citar o Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1), o qual é, aliás, evocado pelo próprio órgão jurisdicional de reenvio.

46      Daqui decorre que, contrariamente a uma preocupação expressa pelo órgão jurisdicional de reenvio, não se pode considerar que, por força da exclusão, no âmbito do artigo 27.°, n.° 1, da Diretiva 2004/38, das derrogações invocadas para fins económicos, a ordem jurídica da União não oferece um nível de proteção dos direitos de propriedade de outrem, concretamente, os credores, que é pelo menos equivalente ao instituído no âmbito da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.

47      Além disso, como observou, no essencial, o órgão jurisdicional de reenvio, resulta da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que as medidas, como a proibição de saída do território em causa no processo principal, que infringem o direito de uma pessoa deixar o seu país devem, nomeadamente, ser submetidas a uma revisão regular, sob pena de deverem ser consideradas «desproporcionadas» na aceção dessa mesma jurisprudência (v., neste sentido, designadamente, TEDH, acórdãos Ignatov c. Bulgária de 2 de julho de 2009, petição n.° 50/02, n.° 37, e Gochev c. Bulgária de 26 de novembro de 2009, petição n.° 34383/03, n.os 55 a 57).

48      Em face do exposto, há que responder à terceira questão que o direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe à aplicação de uma disposição nacional que prevê a imposição de uma restrição ao direito de um nacional de um Estado‑Membro circular livremente na União pelo único motivo de que é devedor, para com uma pessoa coletiva de direito privado, de uma quantia que excede um montante fixado por lei e que não está coberta por uma garantia.

 Quanto à primeira e segunda questões

 Considerações preliminares

49      Resulta dos autos que o órgão jurisdicional de reenvio foi chamado a conhecer uma ação destinada a obter a anulação, com fundamento numa alegada contradição com o direito da União, de uma decisão administrativa que indeferiu o pedido apresentado por H. Byankov de reabertura do procedimento administrativo que levou à adoção do despacho de 2007. Por conseguinte, no litígio no processo principal está em causa determinar se esse indeferimento está em conformidade com as exigências do direito da União.

50      Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, no âmbito da sua primeira questão, sobre a articulação entre, por um lado, o princípio da segurança jurídica no que respeita a um ato administrativo que se tornou definitivo e, por outro, o princípio da proteção jurisdicional efetiva dos direitos conferidos aos litigantes pelo direito da União. Esse órgão jurisdicional tem especialmente em consideração o acórdão de 13 de janeiro de 2004, Kühne & Heitz (C‑453/00, Colet., p. I‑837), e uma parte da jurisprudência derivada do mesmo. Parece daí retirar a conclusão segundo a qual, no essencial, o princípio da proteção jurisdicional efetiva encontra sempre os seus limites quando confrontado com as «normas nacionais que consagram o princípio da segurança jurídica no que respeita a atos administrativos».

51      Neste caso, não é, no entanto, necessário tomar posição sobre os desenvolvimentos apresentados sobre este ponto na decisão de reenvio. Com efeito, basta recordar que, uma vez que o despacho de 2007 se tornou definitivo sem ter sido objeto de uma fiscalização jurisdicional, o acórdão Kühne & Heitz, já referido, não é diretamente pertinente para efeitos de determinar se, numa situação como a que está em causa no processo principal, um órgão administrativo está obrigado a reabrir um procedimento administrativo tendo em vista a revogação de um ato administrativo como o despacho de 2007 (v., por analogia, acórdão de 19 de setembro de 2006, i‑21 Germany e Arcor, C‑392/04 e C‑422/04, Colet., p. I‑8559, n.os 53 e 54).

52      É também no contexto exposto no n.° 49 do presente acórdão que, através da sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 31.° da Diretiva 2004/38 pode servir de fundamento para uma obrigação de revisão de uma decisão administrativa numa situação como a que está em causa no processo principal.

53      Este artigo 31.° visa, nomeadamente, garantir aos cidadãos da União e aos membros das suas famílias um acesso às vias de recurso jurisdicionais e, quando for caso disso, administrativas para impugnar as decisões restritivas do seu direito de livre circulação e residência nos Estados‑Membros.

54      Estas garantias processuais impostas pelo referido artigo 31.° são aplicáveis no momento da adoção das medidas restritivas do referido direito.

55      Ora, no caso em apreço, não é contestado que H. Byankov dispunha, no momento da adoção do despacho de 2007, de vias jurídicas que lhe permitiam impugnar a proibição de saída do território em causa no processo principal, sendo caso disso, judicialmente. Com efeito, resulta da decisão de reenvio que H. Byankov não interpôs, quando da adoção do despacho de 2007, recurso deste despacho, com a consequência de que o mesmo se tornou definitivo.

56      Daqui decorre que o artigo 31.° da Diretiva 2004/38 não é aplicável, como tal, a situações jurídicas como a descrita pelo órgão jurisdicional de reenvio no âmbito da sua segunda questão.

57      No âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, instituído pelo artigo 267.° TFUE, compete a este dar ao órgão jurisdicional nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, compete ao Tribunal de Justiça, se necessário, reformular as questões que lhe foram apresentadas (v., designadamente, acórdãos de 17 de julho de 1997, Krüger, C‑334/95, Colet., p. I‑4517, n.os 22 e 23, e de 14 de outubro de 2010, Fuß, C‑243/09, Colet., p. I‑9849, n.° 39 e jurisprudência referida).

58      Para o efeito, o Tribunal de Justiça pode extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, designadamente, da fundamentação da decisão de reenvio, as normas e os princípios do direito da União que carecem de interpretação, tendo em conta o objeto do litígio no processo principal (v., neste sentido, designadamente, acórdãos de 29 de novembro de 1978, Redmond, 83/78, Colet., p. 821, n.° 26; de 23 de outubro de 2003, Inizan, C‑56/01, Colet., p. I‑12403, n.° 34; e Fuß, já referido, n.° 40).

59      A este respeito, resulta da decisão de reenvio que, no direito búlgaro, o procedimento administrativo que conduziu à adoção de um ato administrativo individual definitivo, que não foi objeto de recurso contencioso, pode ser reaberto, a título excecional, para efeitos de revogação ou de reforma desse ato, nos casos taxativamente enumerados no artigo 99.° do APK.

60      Além disso, como resulta dos n.os 15, 23 e 24 do presente acórdão, o pedido de H. Byankov no sentido da reabertura do procedimento administrativo com vista à revogação da proibição de saída do território em causa no processo principal foi indeferido com o fundamento de que não estavam reunidas as condições jurídicas exigidas para a aplicação do artigo 99.° do APK. Em especial, no que se refere ao n.° 1 deste artigo, não foi apresentado nenhum pedido de reabertura do procedimento administrativo no prazo de um mês a contar da data do despacho de 2007 por uma pessoa habilitada para o efeito, a saber, o órgão administrativo que adotou esse despacho, o mediador ou, se for o caso, o procurador em causa.

61      Por conseguinte, como observou, no essencial, o órgão jurisdicional de reenvio, exceção feita à possibilidade de pagar a quantia reclamada ou de prestar uma garantia adequada, por aplicação apenas do direito búlgaro, não há atualmente nenhuma possibilidade de H. Byankov obter uma reapreciação das circunstâncias de facto e de direito que deram origem à proibição territorial a que está sujeito, e isso não obstante o facto de, como resulta da resposta à terceira pergunta e é, aliás, admitido na decisão de reenvio, tal proibição ser claramente contrária às exigências do direito da União, em especial, às do artigo 27.° da Diretiva 2004/38.

62      Por outro lado, segundo a interpretação do órgão jurisdicional de reenvio quanto à regulamentação em causa no processo principal, os órgãos pertinentes da administração búlgara, que estão sujeitos à obrigação de respeitar o primado do direito da União (v., neste sentido, designadamente, acórdão de 12 de janeiro de 2010, Petersen, C‑341/08, Colet., p. I‑47, n.° 80 e jurisprudência referida), deixam de poder exercer a sua faculdade de reexaminar o caso de H. Byankov à luz, nomeadamente, dos ensinamentos decorrentes dos acórdãos, já referidos, Jipa, Gaydarov e Aladzhov. Essa faculdade só pode ser exercida no prazo de um mês a contar da data da adoção do ato em causa.

63      Ora, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que as disposições do artigo 21.°, n.° 1, TFUE conferem aos particulares direitos que estes podem invocar em juízo e que os órgãos jurisdicionais nacionais devem salvaguardar (v., neste sentido, designadamente, acórdão de 17 de setembro de 2002, Baumbast e R, C‑413/99, Colet., p. I‑7091, n.os 84 a 86).

64      Além disso, em virtude, nomeadamente, do princípio da cooperação leal, consagrado no artigo 4.°, n.° 3, TUE, incumbe a todas as autoridades dos Estados‑Membros, incluindo aos órgãos administrativos e jurisdicionais, assegurar o respeito das normas do direito da União no âmbito das suas competências (v., neste sentido, acórdão de 13 de abril de 2010, Wall, C‑91/08, Colet., p. I‑2815, n.° 69).

65      Trata‑se, portanto, no caso em apreço, de saber se, para salvaguardar os direitos que para os cidadãos decorrem do direito da União, o órgão jurisdicional nacional, que conhece de uma ação como a de H. Byankov, pode ser levado, tendo em conta o artigo 4.°, n.° 3, TUE (v., neste sentido, acórdão de 13 de março de 2007, Unibet, C‑432/05, Colet., p. I‑2271, n.° 38 e jurisprudência referida), a reconhecer a existência da obrigação de a autoridade administrativa reexaminar e, se for o caso, revogar uma proibição de saída do território como a que está em causa no processo principal (v., por analogia, acórdão i‑21 Germany e Arcor, já referido, n.os 55 e 56).

66      Nestas condições, há que interpretar a primeira e segunda questões como visando, no essencial, saber se, em circunstâncias como as do processo principal, o direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro por força da qual o procedimento administrativo que conduziu à adoção de uma proibição de saída do território, como a que está em causa no processo principal, que se tornou definitiva e que não foi objeto de recurso jurisdicional só pode ser reaberto, no caso de essa proibição ser manifestamente contrária ao direito da União, em condições como as taxativamente enunciadas no artigo 99.° do APK, e não obstante o facto de tal proibição continuar a produzir efeitos jurídicos para o seu destinatário.

 Quanto à primeira e segunda questões conforme reformuladas

67      É verdade que decorre, nomeadamente, dos n.os 30 a 32 e 36 do presente acórdão que as garantias impostas pelo legislador da União no artigo 32.° da Diretiva 2004/38 são suscetíveis de ser aplicáveis às proibições impostas aos cidadãos da União de sair do território de um Estado‑Membro.

68      No entanto, para que a via da reapreciação esteja aberta no âmbito específico do referido artigo 32.°, é necessário, nomeadamente, que a medida em causa tenha sido «legalmente tomada nos termos do direito [da União]». Ora, como resulta da resposta à terceira questão, esse não é o caso duma medida como o despacho de 2007. Nomeadamente por esta razão, não se pode considerar que o artigo 32.° da Diretiva 2004/38 é aplicável, como tal, ao litígio no processo principal.

69      Segundo jurisprudência assente, não havendo regulamentação da União na matéria, compete à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro, por força do princípio da autonomia processual dos Estados‑Membros, regular as vias legais destinadas a assegurar a salvaguarda dos direitos que decorrem do direito da União para os litigantes (v. acórdão Wall, já referido, n.° 63), na condição, porém, de essas vias não serem menos favoráveis do que as que regulam as situações semelhantes de natureza interna (princípio da equivalência) e não tornarem impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efetividade) (v., designadamente, acórdãos de 14 de dezembro de 1995, Peterbroeck, C‑312/93, Colet., p. I‑4599, n.° 12; i‑21 Germany e Arcor, já referido, n.° 57 e jurisprudência referida; e de 12 de julho de 2012, VALE Építési, C‑378/10, n.° 48 e jurisprudência referida).

70      No que respeita ao princípio da equivalência, este exige que todas as regras aplicáveis aos recursos, incluindo os prazos fixados, se apliquem indiferentemente aos recursos assentes na violação do direito da União e aos assentes na violação do direito interno (v., designadamente, acórdãos de 29 de outubro de 2009, Pontin, C‑63/08, Colet., p. I‑10467, n.° 45 e jurisprudência referida, e de 19 de julho de 2012, Littlewoods Retail e o., C‑591/10, n.° 31).

71      A esse respeito, o órgão jurisdicional de reenvio não teve em consideração o facto de as condições especiais previstas para efeitos da aplicação do artigo 99.° do APK poderem diferir consoante o fundamento de ilegalidade invocado contra o ato administrativo que se tornou definitivo seja relativo a uma violação do direito da União ou a uma violação do direito interno.

72      No presente processo, coloca‑se mais particularmente a questão de saber se uma regulamentação nacional como a descrita pelo órgão jurisdicional de reenvio é compatível com os princípios da efetividade e da cooperação leal.

73      Com efeito, por um lado, por força dessa regulamentação, os destinatários de proibições de saída do território em circunstâncias semelhantes às de H. Byankov, a menos que paguem as quantias reclamadas ou prestem garantias adequadas, jamais terão a possibilidade de obter a reapreciação do seu caso, não obstante a ilegalidade manifesta das proibições territoriais que lhes são impostas por tempo indeterminado.

74      Por outro lado, como decorre, nomeadamente, dos n.os 13 e 15 do presente acórdão, devido à inexistência de revogação oficiosa, como resulta, nomeadamente, do acórdão Jipa, já referido, das proibições de saída do território infligidas com base no artigo 76.°, n.° 3, da ZBLD e ao prazo de um mês aplicável nos termos do artigo 99.°, n.° 1, do APK, os órgãos administrativos pertinentes consideram‑se incapazes de permitir uma reapreciação em situações como a que está em causa no processo principal, mesmo que a ilegalidade relativamente ao direito da União tenha sido confirmada por jurisprudência do Tribunal de Justiça.

75      Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que os casos em que se coloca a questão de saber se uma disposição processual nacional torna impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos aos particulares pela ordem jurídica da União devem ser analisados tendo em conta o lugar que essa disposição ocupa no processo, visto como um todo, na sua tramitação e nas suas particularidades perante as várias instâncias nacionais (v., designadamente, acórdãos Peterbroeck, já referido, n.° 14; de 3 de setembro de 2009, Fallimento Olimpiclub, C‑2/08, Colet., p. I‑7501, n.° 27; e de 14 de junho de 2012, Banco Español de Crédito, C‑618/10, n.° 49).

76      A este respeito, o Tribunal de Justiça já reconheceu que o caráter definitivo de uma decisão administrativa contribui para a segurança jurídica, com a consequência de que o direito da União não exige que um órgão administrativo seja, em princípio, obrigado a revogar uma decisão administrativa que já adquiriu este caráter definitivo (v., neste sentido, acórdão de 12 de fevereiro de 2008, Kempter, C‑2/06, Colet., p. I‑411, n.° 37).

77      No entanto, declarou, no essencial, que determinadas circunstâncias particulares podem impor que, por força do princípio da cooperação leal que decorre do artigo 4.°, n.° 3, TUE, um órgão administrativo nacional reexamine uma decisão administrativa que se tornou definitiva a fim de, em especial, ter em conta a interpretação de uma disposição pertinente de direito da União feita posteriormente pelo Tribunal de Justiça (v. acórdão Kempter, já referido, n.° 38). Resulta da jurisprudência que, neste contexto, o Tribunal de Justiça teve em conta as particularidades das situações e dos interesses em causa, por forma a encontrar um equilíbrio entre a exigência da segurança jurídica e a exigência da legalidade relativamente ao direito da União (v., neste sentido, designadamente, acórdãos, já referidos, Kühne & Heitz, n.os 25 e 26; i‑21 Germany e Arcor, n.os 53, 63 e 64; Kempter, n.os 46, 55 e 60; e Fallimento Olimpiclub, n.os 22, 26 e 31).

78      No caso em apreço, há que examinar mais particularmente se, em situações como a que está em causa no processo principal, uma regulamentação nacional como a descrita na decisão de reenvio pode ser justificada tendo em vista a salvaguarda do princípio da segurança jurídica, atendendo às consequências daí decorrentes para a aplicação do direito da União e para os cidadãos da União que são destinatários de proibições de saída do território como a que está em causa no processo principal (v., por analogia, acórdão Fallimento Olimpiclub, já referido, n.° 28).

79      Como resulta da resposta à terceira questão e, em particular, dos n.os 37, 42 e 44 do presente acórdão, em circunstâncias como as do processo principal, a regulamentação em causa no processo principal, que não prevê a revisão periódica, perpetua por tempo indeterminado a proibição de saída do território e, do mesmo modo, a violação do direito de livre circulação e de residência no território dos Estados‑Membros enunciado no artigo 21.°, n.° 1, TFUE. Nestas condições, uma proibição territorial deste tipo constitui a negação mesmo da liberdade de circulação e de residência no território dos Estados‑Membros conferida pelo estatuto de cidadão da União (v., igualmente, por analogia, acórdão de 19 de janeiro de 1999, Calfa, C‑348/96, Colet., p. I‑11, n.° 18).

80      Por outro lado, através do artigo 32.°, n.° 1, da Diretiva 2004/38, o legislador da União obrigou os Estados‑Membros a prever a possibilidade de revisão das medidas de proibição de entrada ou de saída do seu território, mesmo que essas medidas tenham sido legalmente tomadas nos termos do direito da União e mesmo que, à semelhança do despacho de 2007, se tenham tornado definitivas. Por maioria de razão, deveria ser esse o caso em relação a restrições territoriais como a que está em causa no principal, que não foram legalmente tomadas nos termos do direito da União e que constituem a negação mesmo da liberdade enunciada no artigo 21.°, n.° 1, TFUE. Numa situação deste tipo, o princípio da segurança jurídica não exige imperativamente que um ato que impõe uma tal proibição continue a produzir efeitos jurídicos por tempo indeterminado.

81      Tendo também em conta a importância que o direito primário atribui ao estatuto de cidadão da União (v., designadamente, acórdão de 2 de março de 2010, Rottmann, C‑135/08, Colet., p. I‑1449, n.os 43 e 56), cumpre concluir que, em circunstâncias como a que está em causa no processo principal, uma regulamentação nacional como a descrita na decisão de reenvio, na medida em que impede os cidadãos da União de invocar o seu direito de livre circulação e residência, conforme conferido pelo artigo 21.° TFUE, contra proibições territoriais absolutas adotadas por tempo indeterminado e os órgãos administrativos de retirar as consequências duma jurisprudência do Tribunal de Justiça que confirma o caráter ilícito dessas proibições à luz do direito da União, não pode ser razoavelmente justificada pelo princípio da segurança jurídica e, nessa medida, deve, portanto, ser considerada contrária ao princípio da efetividade e ao artigo 4.°, n.° 3, TUE (v., por analogia, acórdão Fallimento Olimpiclub, já referido, n.os 30 e 31).

82      Em face do exposto, há que responder à primeira e segunda questões que o direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro por força da qual o procedimento administrativo que conduziu à adoção de uma proibição de saída do território, como a que está em causa no processo principal, que se tornou definitiva e que não foi objeto de recurso jurisdicional só pode ser reaberto, no caso de essa proibição ser manifestamente contrária ao direito da União, em condições como as taxativamente enunciadas no artigo 99.° do APK, e não obstante o facto de tal proibição continuar a produzir efeitos jurídicos para o seu destinatário.

 Quanto às despesas

83      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

1)      O direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe à aplicação de uma disposição nacional que prevê a imposição de uma restrição ao direito de um nacional de um Estado‑Membro circular livremente na União Europeia pelo único motivo de que é devedor, para com uma pessoa coletiva de direito privado, de uma quantia que excede um montante fixado por lei e que não está coberta por uma garantia.

2)      O direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro por força da qual o procedimento administrativo que conduziu à adoção de uma proibição de saída do território, como a que está em causa no processo principal, que se tornou definitiva e que não foi objeto de recurso jurisdicional só pode ser reaberto, no caso de essa proibição ser manifestamente contrária ao direito da União, em condições como as taxativamente enunciadas no artigo 99.° do Código de Processo Administrativo (Administrativnoprotsesualen kodeks), e não obstante o facto de tal proibição continuar a produzir efeitos jurídicos para o seu destinatário.

Assinaturas


* Língua do processo: búlgaro.