Language of document : ECLI:EU:C:2013:827

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

12 de dezembro de 2013 (*)

«Artigos 101.° TFUE, 102.° TFUE e 106.° TFUE — Empresas públicas e empresas às quais os Estados‑Membros concedem direitos especiais ou exclusivos — Empresas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral — Conceitos — Organismos encarregados de verificar e certificar a observância dos requisitos legalmente estabelecidos para empresas que realizem empreitadas de obras públicas — Artigo 49.° TFUE — Liberdade de estabelecimento — Restrição — Justificação — Proteção dos destinatários dos serviços — Qualidade dos serviços de certificação»

No processo C‑327/12,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Consiglio di Stato (Itália), por decisão de 6 de março de 2012, entrado no Tribunal de Justiça em 10 de julho de 2012, no processo

Ministero dello Sviluppo economico,

Autorità per la vigilanza sui contratti pubblici di lavori, servizi e forniture

contra

SOA Nazionale Costruttori — Organismo di Attestazione SpA,

sendo intervenientes:

Associazione nazionale Società Organismi di Attestazione (Unionsoa),

SOA CQOP SpA, 

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: L. Bay Larsen, presidente de secção, M. Safjan (relator), C. G. Fernlund, J. Malenovský e A. Prechal, juízes, 

advogado‑geral: P. Cruz Villalón,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 16 de maio de 2013,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação da SOA Nazionale Costruttori — Organismo di Attestazione SpA, por S. Cammareri e M. Condinanzi, avvocati,

¾        em representação da Associazione nazionale Società Organismi di Attestazione (Unionsoa), por A. Cancrini, G. M. Di Paolo e A. Clarizia, avvocati,

¾        em representação da SOA CQOP SpA, por C. De Portu, avvocato,

¾        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por L. D’Ascia, avvocato dello Stato,

¾        em representação da Comissão Europeia, por L. Malferrari, I. Rogalski e R. Striani, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 5 de setembro de 2013,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 101.° TFUE, 102.° TFUE e 106.° TFUE.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Ministero dello Sviluppo económico (Ministério do Desenvolvimento Económico, a seguir «Ministero») e a Autorità per la vigilanza sui contratti pubblici di lavori, servizi e forniture (Autoridade de supervisão dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de serviços e dos contratos públicos de fornecimento, a seguir «Autorità») à SOA Nazionale Costruttori — Organismo di Attestazione SpA (a seguir «SOA Nazionale Costruttori»), a respeito da declaração do Ministero e da Autorità quanto à inaplicabilidade, relativamente aos serviços prestados pelas sociedades com a qualidade de organismos de certificação (Società Organismi di Attestazione, a seguir «SOA»), da revogação legislativa das tarifas mínimas obrigatórias no exercício de atividades profissionais.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O artigo 52.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO L 134, p. 114), prevê:

«Os Estados‑Membros podem instituir listas oficiais de empreiteiros, fornecedores ou prestadores de serviços aprovados ou uma certificação por organismos de certificação públicos ou privados.»

 Direito italiano

4        O Decreto Legislativo n.° 163, de 12 de abril de 2006, que aprova o Código dos contratos públicos de obras, serviços e fornecimentos em aplicação das Diretivas 2004/17/CE e 2004/18/CE (suplemento ordinário ao GURI n.° 100, de 2 maio de 2006, a seguir «código»), dispõe no seu artigo 40.°:

«1.      As pessoas que executam empreitadas de obras públicas, seja a que título for, devem estar habilitadas e assegurar‑se de que o exercício da atividade se rege pelos princípios da qualidade, do profissionalismo e da lealdade. Tendo em vista o mesmo objetivo, os produtos, procedimentos, serviços e sistemas de qualidade na empresa, utilizados por essas pessoas, estão sujeitos a certificação em conformidade com a legislação em vigor.

2.      O regulamento […] rege o sistema de habilitação único para todas as pessoas que executam, seja a que título for, empreitadas de obras públicas num montante superior a 150 000 euros, em função do tipo e do montante das obras. O regulamento […] permite também rever periodicamente as categorias de habilitação e prever eventuais novas categorias.

3.      O sistema de habilitação é posto em prática por organismos de certificação de direito privado, autorizados para este efeito pela Autorità. A atividade de certificação é exercida na observância do princípio da independência de apreciação, garantindo a ausência de qualquer interesse comercial ou financeiro suscetível de originar comportamentos parciais ou discriminatórios. No exercício da atividade de certificação relativamente às pessoas que executam empreitadas de obras públicas, as SOA exercem uma missão de direito público […] Caso falsifiquem as certificações, aplicar‑se‑ão os artigos 476.° e 479.° do Código Penal. Antes de emitirem certificações, as SOA verificam que estão cumpridos todos os requisitos exigidos à empresa requerente. Os organismos de certificação são responsáveis por atestar que as pessoas habilitadas:

a)      dispõem de um certificado que atesta que o respetivo sistema de qualidade cumpre com as normas europeias […] e a legislação nacional em vigor, aprovado pelos organismos acreditados, em conformidade com as normas europeias […]. Os organismos acreditados devem inscrever a certificação referida no presente número relativamente às empresas que executem empreitadas de obras públicas na lista oficial estabelecida pelo organismo italiano de certificação […].

b)      cumprem os requisitos gerais, técnico‑organizacionais e económico‑financeiros previstos pelas disposições [da União] aplicáveis em matéria de habilitação. Os certificados emitidos pelos promotores às empresas que executam empreitadas de obras públicas fazem parte dos requisitos técnico‑organizacionais.[…]

4.      Este regulamento define em especial:

[…]

b)      as modalidades e critérios de autorização e de eventual revogação da mesma pelos organismos de certificação, bem como os requisitos subjetivos, organizacionais, financeiros e técnicos a cumprir pelos referidos organismos;

c)      as modalidades segundo as quais se certifica que as pessoas habilitadas dispõem de um sistema de qualidade certificado em conformidade com o n.° 3, alínea a), e que cumprem os requisitos referidos no n.° 3, alínea b), bem como as modalidades de uma eventual verificação anual dos referidos requisitos à luz dos dados do balanço;

d)      os requisitos gerais […] e os requisitos técnico‑organizacionais e económico‑financeiros referidos no n.° 3, alínea b), incluindo as medidas respeitantes à extensão e ao tipo de obras públicas […];

e)      os critérios de fixação das tarifas aplicáveis à atividade de habilitação, sem prejuízo da impossibilidade de não aplicar as tarifas mínimas;

f)      as modalidades de verificação da habilitação; a duração da validade da habilitação é de cinco anos, devendo verificar‑se antes do final do terceiro ano se se mantêm os requisitos gerais e os requisitos relativos à capacidade estrutural, a serem mencionados no regulamento; a duração da validade das categorias, gerais e especiais, objeto da revisão referida no n.° 2; a tarifa de verificação da manutenção dos requisitos é proporcional à tarifa de certificação, sem poder ultrapassar três quintos da mesma;

f‑a)      as modalidade que permitem assegurar, no âmbito das competências, a ação coordenada de supervisão da atividade dos organismos de certificação, recorrendo às estruturas e recursos já disponíveis para esse efeito, sem que sejam postas a cargo do erário público despesas novas ou acrescidas.

g)      as sanções pecuniárias e de interdição, que podem ir até à revogação da autorização, por irregularidades e ilegalidades cometidas pelas SOA quando da entrega das certificações bem como em caso de inércia das SOA na sequência de um pedido de informações e de documentos da Autorità, no âmbito da sua missão de supervisão, segundo um critério de proporcionalidade e na observância do princípio do contraditório;

g‑a)      as sanções pecuniárias referidas no artigo 6.°, n.° 11, e as sanções de interdição, que podem ir até à revogação da certificação de habilitação, para os operadores económicos que não respondam aos pedidos de informações e de documentos formulados pela Autorità no âmbito do seu poder de supervisão do sistema de habilitação ou que forneçam informações ou atos enganadores;

h)      a instituição, no âmbito regional, de uma lista de pessoas que tenham obtido a habilitação referida no n.° 3; estas listas são elaboradas e conservadas pela Autorità, que assegura a sua publicidade através do Observatório.

[…]

6.      O regulamento define os requisitos económico‑financeiros e técnico‑organizacionais específicos que os candidatos a uma concessão de obras públicas que não têm intenção de executar as obras através da respetiva organização empresarial, devem preencher.

[...]

9‑A.      As SOA são responsáveis pela conservação dos documentos e dos atos utilizados para a emissão das certificações, mesmo após a cessação da atividade de certificação. As SOA devem também disponibilizar os referidos documentos e atos às pessoas indicadas no regulamento, mesmo em caso de suspensão ou de revogação da autorização de exercício da atividade de certificação; em caso de incumprimento, aplicam‑se as sanções administrativas pecuniárias previstas no artigo 6.°, n.° 11. Em todo o caso, as SOA continuam obrigadas a conservar os documentos e atos referidos na primeira frase durante dez anos ou durante o período indicado no regulamento […].

9‑B.      As SOA têm a obrigação de informar a Autorità relativamente ao lançamento do procedimento de verificação dos requisitos exigidos a respeito de uma empresa e do seu resultado. As SOA têm a obrigação de declarar a revogação da certificação de habilitação se verificarem que a mesma foi atribuída sem que os requisitos previstos no regulamento estivessem preenchidos ou se os referidos requisitos já não estiverem reunidos; em caso de incumprimento, a Autorità declara a revogação da autorização de exercício da atividade de certificação da SOA.

9‑C.      Em caso de apresentação de falsa declaração ou de documentos falsos para efeitos da habilitação, as SOA informam a Autorità que, se considerar que houve dolo ou culpa grave, tendo em conta a importância e a gravidade dos factos objeto da falsa declaração ou da apresentação dos documentos falsos, procede a um registo informático […] para efeitos de exclusão dos procedimentos de concurso público e de subcontratação […] por um período de um ano, no termo do qual o registo é apagado e perde toda a sua eficácia.»

5        O Decreto‑Lei n.° 223, de 4 de julho de 2006, relativo às disposições urgentes para o relançamento económico e social, para a limitação e racionalização das despesas públicas e intervenções em matéria de receitas e luta contra a evasão fiscal (GURI, n.° 153, de 4 de julho de 2006, p. 4), convertido, após alteração, na Lei n.° 248, de 4 de agosto de 2006 (suplemento ordinário ao GURI, n.° 186, de 11 de agosto de 2006, a seguir «Decreto‑Lei n.° 223/2006»), revogou, com o seu artigo 2.°, n.° 1, alínea a), as disposições que previam a obrigação de aplicar as tarifas fixas ou mínimas «no que diz respeito aos profissionais liberais ou atividades intelectuais».

6        O Decreto Presidencial n.° 207, de 5 de outubro de 2010, relativo à execução e à aplicação do Decreto Legislativo n.° 163 (suplemento ordinário ao GURI n.° 288, de 10 de dezembro de 2010, a seguir «Decreto Presidencial n.° 207/2010»), que revoga o Decreto Presidencial n.° 34, de 25 de janeiro de 2000, prevê no seu artigo 60.°, n.os 2 a 4:

«2.      É obrigatória habilitação para pessoas que executem empreitadas de obras públicas atribuídas por uma entidade adjudicante num montante superior a 150 000 euros.

3.      […] a certificação de habilitação emitida em conformidade com o presente título constitui uma condição necessária e suficiente de modo a demonstrar que estão reunidos os requisitos em matéria de capacidade técnica e financeira para efeito de adjudicação de empreitadas de obras públicas.

4.      Os promotores não podem exigir aos proponentes que demonstrem estar habilitados segundo modalidades, procedimentos e requisitos diferentes dos previstos no presente capítulo […]»

7        O artigo 68.° do Decreto n.° 207/2010 prevê:

«1.      O exercício, pelas SOA, da atividade de certificação de habilitação […] está sujeito a autorização da Autorità.

2.      A SOA apresenta um pedido de autorização acompanhado dos seguintes documentos:

a)      escritura de constituição e estatutos da sociedade;

b)      lista dos acionistas e declaração relativa às eventuais situações de controlo ou de relação entre empresas.

c)      organigrama da SOA, incluindo o curriculum vitae das pessoas que fazem parte da mesma

d)      declaração do representante legal, segundo as modalidades e formas previstas na legislação em vigor, relativa à não verificação das situações previstas no artigo 64.°, n.° 6, no que diz respeito à SOA, aos seus administradores, representantes legais ou diretores técnicos e pessoal […];

e)      certidão do registo criminal dos administradores, representantes legais, diretores técnicos e pessoal […];

f)      documento que contenha a descrição dos procedimentos que, em conformidade com as disposições adotadas pela Autorità, serão utilizados para o exercício da atividade de certificação;

g)      contrato de seguro celebrado com seguradora autorizada a cobrir o risco relacionado a que se refere a obrigação, para cobertura das responsabilidades inerentes à atividade exercida, cujo montante máximo deve ser no mínimo seis vezes o volume de negócios previsto.

[...]»

8        O artigo 70.° do Decreto n.° 207/2010 dispõe:

«1.      No exercício da sua atividade, as SOA devem:

a)      agir com diligência, lealdade e transparência, observando os princípios referidos no artigo 2.° do código;

b)      obter as informações necessárias junto das pessoas sujeitas a habilitação e agir de modo a assegurar a informação adequada;

c)      agir de modo a garantir a imparcialidade e igualdade de tratamento;

d)      assegurar e manter a independência exigida pelas disposições do código e pelo presente título;

e)      dispor de recursos e procedimentos, incluindo em matéria de fiscalização interna, adequados a assegurar a eficácia e a lealdade;

f)      verificar a veracidade e o conteúdo das declarações, certificados e documentos […] apresentados pelas pessoas a quem é concedida a certificação, bem como a verificação dos requisitos referidos no artigo 78.°;

g)      emitir a certificação de habilitação em conformidade com os documentos apresentados pelas empresas e verificados em conformidade com a alínea f).

2.      No âmbito da sua atividade de avaliação e de verificação da habilitação, as SOA devem obter dados de caráter económico‑financeiro, como os balanços e as informações sobre as alterações organizacionais e as transformações da natureza jurídica das empresas, inclusive junto da base de dados da Câmara de Comércio, Indústria e Artesanato.

3.      Para efeitos da execução das suas funções institucionais, as SOA não podem recorrer às prestações de terceiros à sua própria organização. Em todo o caso, as SOA são responsáveis por todas as atividades exercidas, direta ou indiretamente, em seu nome ou por sua conta.

4.      Toda a certificação de habilitação ou respetiva renovação, bem como todas as atividades complementares de revisão ou alteração, estão sujeitas ao pagamento de uma contrapartida fixada em função do montante global e do número de categorias gerais ou especializadas para as quais é requerida a habilitação, em conformidade com as fórmulas indicadas no anexo C, parte I. Para os agrupamentos estáveis, a contrapartida devida às SOA para cada atividade terá uma redução de 50%; para as empresas habilitadas até à classe de montante II, a contrapartida devida às SOA para cada atividade terá uma redução de 20%.

5.      Os montantes fixados em conformidade com o n.° 4 são considerados a contrapartida mínima da prestação. Não pode ser previsto o pagamento de uma contrapartida superior ao dobro do montante fixado nos termos dos critérios enunciados no n.° 4. Qualquer acordo contrário será nulo. A contrapartida deve ser integralmente paga antes da emissão da certificação, da [sua] revisão ou alteração; é admissível um atraso inferior a seis meses no caso de, no momento da emissão, ter sido emitida e enviada à SOA autorização de levantamento direto numa conta bancária corrente para a totalidade do montante.

6.      As SOA enviam as certificações à Autorità nos quinze dias seguintes à respetiva emissão, segundo as modalidades previstas no artigo 8.°, n.° 7.

7.      As SOA informam a Autorità, no prazo de dez dias, do lançamento de um procedimento de verificação dos requisitos exigidos a respeito de uma empresa e do seu resultado, em conformidade com o artigo 40.°, n.° 9‑B, do código.»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

9        Por notas de 20 de setembro de 2010, o Ministero e a Autorità declararam o artigo 2.° do Decreto‑Lei n.° 223/2006, relativo à revogação das tarifas mínimas obrigatórias no exercício de atividades profissionais, inaplicável aos serviços prestados pelas SOA e decidiram não aceitar a proposta da SOA Nazionale Costruttori de oferecer às empresas descontos sobre os montantes cobrados pela emissão de certificações de habilitação.

10      A SOA Nazionale Costruttori interpôs recurso de anulação das referidas notas para o Tribunale amministrativo regionale per il Lazio.

11      Por sentença de 1 de junho de 2011, o referido órgão jurisdicional deu provimento ao recurso da SOA Nazionale Costruttori.

12      O Ministero e a Autorità interpuseram recurso da referida sentença para o Consiglio di Stato.

13      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a referência, no artigo 2.°, n.° 1, alínea a), do Decreto‑Lei n.° 223/2006, às atividades «intelectuais» não pode abranger as atividades das SOA, que exercem uma missão pública de certificação. Com efeito, esta missão consiste na emissão de certificações de habilitação que constituem a condição necessária e suficiente para demonstrar que uma empresa cumpre os requisitos exigidos em matéria de capacidade técnica e financeira para efeitos de adjudicação de empreitadas de obras públicas.

14      Por outro lado, as atividades das SOA têm natureza exclusiva, não podendo as mesmas exercer outras atividades, e não têm um caráter autónomo, uma vez que estão sujeitas às normas jurídicas e à supervisão da Autorità.

15      Portanto, o órgão jurisdicional de reenvio considera que a revogação das tarifas mínimas prevista no Decreto‑Lei n.° 223/2006 não se pode aplicar às tarifas fixadas para a atividade de certificação das SOA.

16      No entanto, o referido órgão jurisdicional tem dúvidas quanto à compatibilidade das disposições nacionais pertinentes no que respeita à atividade de certificação das SOA com a legislação da União.

17      Em particular, interroga‑se sobre a questão de saber se, à luz das disposições do Tratado FUE em matéria de concorrência e de liberdade de estabelecimento, as SOA participam do exercício da autoridade pública e se a legislação nacional relativa às tarifas mínimas em causa está em conformidade com as referidas disposições.

18      Nestas condições, o Consiglio di Stato decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Os princípios [da União] em matéria de concorrência e os artigos 101.° [TFUE], 102.° [TFUE] e 106.° [TFUE] obstam à aplicação das tarifas previstas [nos Decretos Presidenciais n.° 34, de 25 de janeiro de 2000 e n.° 207/2010], pela atividade de certificação das [SOA]?»

 Quanto à questão prejudicial

 Quanto à admissibilidade

19      A Associazione nazionale Società Organismi di Attestazione (a seguir «Unionsoa») alega que o pedido de decisão prejudicial é inadmissível, porque não é pertinente para a resolução do litígio no processo principal, uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio já declarou que a legislação nacional em matéria de tarifas das SOA se justifica.

20      A este respeito, importa recordar‑se que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as questões relativas à interpretação do direito da União, submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e fatual que este define sob a sua responsabilidade, gozam de uma presunção de pertinência (v. acórdão de 30 de maio de 2013, X, C‑651/11, n.° 20 e jurisprudência referida).

21      O Tribunal de Justiça só pode recusar‑se a responder a um pedido submetido por um órgão jurisdicional nacional quando for manifesto que a interpretação solicitada do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético, ou ainda quando o Tribunal de Justiça não disponha dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe foram submetidas (v. acórdão X, já referido, n.° 21 e jurisprudência referida).

22      Ora, não se pode deixar de observar que, neste caso, não decorre de forma manifesta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que a interpretação do direito da União solicitada pelo órgão jurisdicional de reenvio não tem nenhuma relação com o objeto do litígio no processo principal, ou ainda que o problema suscitado por este seja hipotético.

23      Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio a que foi submetido o pedido de reforma da sentença do Tribunale amministrativo regionale per il Lazio, ao declarar que era possível não aplicar as tarifas mínimas relativas à atividade de certificação das SOA, considera que a resolução do litígio no processo principal depende da questão de saber se o direito da União em matéria de concorrência obsta a uma legislação nacional que impõe às SOA um regime de tarifas mínimas pelos serviços que prestam. Portanto, a apreciação da legislação nacional relativa às referidas tarifas ainda não foi efetuada de forma definitiva pelo órgão jurisdicional de reenvio.

24      Nestas condições, há que responder à questão submetida pelo Consiglio di Stato.

 Quanto ao mérito

25      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se as disposições do Tratado em matéria de concorrência e de liberdade de estabelecimento devem ser interpretadas no sentido de que obstam a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que impõe às SOA um regime de tarifas mínimas pelos serviços de certificação prestados às empresas que pretendam participar em processos de adjudicação de contratos de empreitada de obras públicas.

 Quanto ao direito da União em matéria de concorrência

26      A fim de responder a esta questão, importa, em primeiro lugar, examinar se, no âmbito da sua atividade de certificação, as SOA são «empresas» na aceção dos artigos 101.° TFUE, 102.° TFUE e 106.° TFUE.

27      A este respeito, resulta da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que, para efeitos de aplicação das disposições do direito da União em matéria de concorrência, é empresa qualquer pessoa que exerça uma atividade económica, independentemente do estatuto jurídico dessa pessoa e do seu modo de financiamento (v. acórdão de 23 de abril de 1991, Höfner e Elser, C‑41/90, Colet., p. I‑1979, n.° 21). Constitui uma atividade económica qualquer atividade consistente na oferta de bens ou serviços num determinado mercado (v. acórdão de 25 de outubro de 2001, Ambulanz Glöckner, C‑475/99, Colet., p. I‑8089, n.° 19). Em contrapartida, não têm caráter económico, que justifique a aplicação das regras de concorrência do Tratado, as atividades ligadas ao exercício de prerrogativas de poder público (v. acórdão de 12 de julho de 2012, Compass‑Datenbank, C‑138/11, n.° 36).

28      No caso vertente, o legislador italiano instituiu, em conformidade com o artigo 52.°, n.° 1, da Diretiva 2004/18, um regime de certificação efetuado por organismos privados, a saber, as SOA. Estas são empresas com fins lucrativos encarregadas de prestar serviços de certificação, dado que a obtenção de um certificado adequado é um requisito necessário para a participação, dos interessados, em concursos de empreitadas de obras públicas, segundo os requisitos estabelecidos pela legislação nacional.

29      Ora, a atividade das SOA tem natureza económica. Com efeito, estas emitem certificados, contra remuneração e exclusivamente com base na procura real do mercado. Assumem, além disso, os riscos financeiros inerentes ao exercício dessa atividade (v., neste sentido, acórdão de 18 de junho de 1998, Comissão/Itália, C‑35/96, Colet., p. I‑3851, n.° 37).

30      A legislação nacional prevê, designadamente, que as SOA verifiquem a capacidade técnica e financeira das empresas sujeitas a certificação, a veracidade e o conteúdo das declarações, certificados e documentos apresentados pelas pessoas a quem é concedida a certificação, bem como a manutenção dos requisitos relativos à situação pessoal do candidato ou do proponente.

31      No âmbito desta verificação, as SOA devem transmitir as informações adequadas à Autorità, que supervisiona a regularidade das atividades de certificação, podendo ser aplicadas sanções relativamente a estas sociedade em caso de violação das respetivas obrigações previstas pela legislação nacional em vigor.

32      Contrariamente à situação em causa no processo que deu origem ao acórdão de 26 de março de 2009, SELEX Sistemi Integrati/Comissão (C‑113/07 P, Colet., p. I‑2207, n.° 76), as SOA não levam a cabo uma missão de normalização. As referidas empresas não dispõem de nenhum poder decisório ligado ao exercício de prerrogativas de autoridade pública.

33      Conforme resulta dos autos do presente processo, as empresas que exercem as atividades de certificação, a saber, as SOA operam, conforme salientou o advogado‑geral no n.° 57 das suas conclusões, em condições de concorrência.

34      As empresas que pretendam participar em processos de adjudicação de contratos de empreitadas de obras públicas não são legalmente obrigadas a recorrer aos serviços de certificação de uma SOA específica.

35      Nestas condições importa salientar que, tal como o Tribunal de Justiça reconheceu a qualidade de empresa a um construtor de automóveis na medida em que este operava no mercado da certificação de automóveis emitindo certificados de conformidade necessários à respetiva matrícula (acórdão de 11 de novembro de 1986, British Leyland/Comissão, 226/84, Colet., p. 3263), as SOA devem ser consideradas, no âmbito da sua atividade de certificação, «empresas» na aceção dos artigos 101.° TFUE, 102.° TFUE e 106.° TFUE.

36      Em segundo lugar, há que verificar se os artigos 101.° TFUE e 102.° TFUE são aplicáveis a uma situação como a que está em causa no processo principal, em que as normas relativas às tarifas mínimas para serviços de certificação são estabelecidas pelo Estado.

37      A este respeito, importa recordar que, como resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, embora seja verdade que os artigos 101.° TFUE e 102.° TFUE dizem unicamente respeito ao comportamento das empresas e não visam medidas legislativas ou regulamentares que emanam dos Estados‑Membros, não é menos certo que estes artigos, lidos em conjugação com o artigo 4.°, n.° 3, TUE, que institui um dever de cooperação entre a União Europeia e os Estados‑Membros, impõem aos Estados‑Membros que não tomem nem mantenham em vigor medidas, mesmo de natureza legislativa ou regulamentar, suscetíveis de eliminar o efeito útil das regras de concorrência aplicáveis às empresas (v. acórdãos de 5 de dezembro de 2006, Cipolla e o., C‑94/04 e C‑202/04, Colet., p. I‑11421, n.° 46, e de 1 de julho de 2010, Sbarigia, C‑393/08, Colet., p. I‑6337, n.° 31).

38      Existe violação dos artigos 101.° TFUE ou 102.° TFUE, lidos em conjugação com o artigo 4.°, n.° 3, TUE, quando um Estado‑Membro impõe ou favorece a celebração de acordos contrários ao artigo 101.° TFUE ou reforça os seus efeitos, ou retira à sua própria regulamentação o seu carácter estatal, delegando em operadores privados a responsabilidade de tomar decisões de intervenção de interesse económico, ou ainda impõe ou favorece abusos de posição dominante (v., neste sentido, acórdão Cipolla e o., já referido, n.° 47).

39      Nenhum elemento dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe permite constatar que a legislação nacional em causa no processo principal tenha esses efeitos. Além disso, é manifesto que o Estado‑Membro em questão não delegou em operadores privados a responsabilidade de tomar decisões de intervenção com interesse económico.

40      Nestas condições, deve examinar‑se, em terceiro lugar, se o artigo 106.° TFUE é aplicável ao caso em apreço, uma vez que o n.° 1 deste artigo proíbe os Estados‑Membros, no tocante às empresas a que concedam direitos especiais ou exclusivos, de tomar ou manter qualquer medida contrária ao disposto nos Tratados, designadamente nos artigos 101.° TFUE e 102.° TFUE.

41      Pode considerar‑se que uma medida estatal atribui um direito exclusivo ou especial, na aceção do artigo 106.°, n.° 1, TFUE, quando confere proteção a um número limitado de empresas, proteção essa que pode afetar substancialmente a capacidade de outras empresas exercerem a atividade económica em questão no mesmo território, em condições substancialmente equivalentes (v. acórdão Ambulanz Glöckner, já referido, n.° 24).

42      No caso em apreço, não se pode considerar que o facto de terem sido confiadas a todas as SOA, e apenas a estas, as atividades ligadas à certificação lhes confira direitos especiais ou exclusivos. Com efeito, todas as SOA têm os mesmos direitos e as mesmas competências no âmbito do mercado pertinente dos serviços de certificação, sem que tenha sido criada nenhuma vantagem concorrencial em benefício de certas empresas ativas no mercado em detrimento de outras empresas que prestam os mesmos serviços. Além disso, a autorização de criar novas SOA não está reservada a um número limitado de organismos, sendo concedida a qualquer organismo que cumpra os requisitos recordados no n.° 7 do presente acórdão.

43      Portanto, não se pode considerar que as SOA são empresas às quais o Estado‑Membro em causa concedeu direitos especiais ou exclusivos, na aceção do artigo 106.°, n.° 1, TFUE.

44      Tendo em conta as considerações precedentes, há que declarar que os artigos 101.° TFUE, 102.° TFUE e 106.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que impõe às SOA um regime de tarifas mínimas pelos serviços de certificação prestados às empresas que pretendem participar em processos de adjudicação de contratos de empreitada de obras públicas.

 Quanto à liberdade de estabelecimento

45      Deve recordar‑se que o artigo 49.° TFUE se opõe às restrições à liberdade de estabelecimento. Esta disposição proíbe qualquer medida nacional que perturbe ou torne menos atrativo o exercício, pelos nacionais da União, da liberdade de estabelecimento garantida pelo Tratado. O conceito de restrição abrange as medidas adotadas por um Estado‑Membro que, embora indistintamente aplicáveis, afetam o acesso ao mercado das empresas de outros Estados‑Membros e entravam, dessa forma, o comércio intracomunitário (v. acórdãos de 28 de abril de 2009, Comissão/Itália, C‑518/06, Colet., p. I‑3491, n.os 63 e 64, e de 7 de março de 2013, DKV Belgium, C‑577/11, n.os 31 a 33).

46      No caso em apreço, resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que todos os elementos do litígio no processo principal estão confinados no interior de um único Estado‑Membro, isto é, a República Italiana. Por conseguinte, há que verificar a título preliminar se o Tribunal de Justiça é competente no presente processo para se pronunciar sobre a disposição do Tratado relativa à liberdade de estabelecimento, a saber, o artigo 49.° TFUE (acórdão de 11 de março de 2010, Attanasio Group, C‑384/08, Colet., p. I‑2055, n.° 22).

47      Com efeito, uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que é indistintamente aplicável aos nacionais italianos e aos nacionais de outros Estados‑Membros, regra geral, só é suscetível de ser abrangida pelas disposições relativas às liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado na medida em que seja aplicável a situações que tenham um nexo com as trocas comerciais entre os Estados‑Membros (v. acórdão Attanasio Group, já referido, n.° 23 e jurisprudência referida).

48      No entanto, não se pode excluir de modo algum no caso em apreço que empresas estabelecidas noutros Estados‑Membros diferentes da República Italiana tenham estado ou continuem interessadas em exercer uma atividade de certificação neste último Estado‑Membro (v., neste sentido, acórdão Attanasio Group, já referido, n.° 24).

49      Por outro lado, mesmo numa situação em que todos os elementos estão confinados no interior de um único Estado‑Membro, a resposta pode ser útil ao órgão jurisdicional de reenvio, designadamente no caso de o direito nacional impor que um cidadão italiano beneficie dos mesmos direitos que os que um cidadão de outro Estado‑Membro extrairia do direito da União na mesma situação (v. acórdão de 1 junho de 2010, Blanco Pérez e Chao Gómez, C‑570/07 e C‑571/07, Colet., p. I‑4629, n.° 39).

50      No que respeita ao artigo 51.° TFUE, nos termos do qual as atividades que envolvem o exercício da autoridade pública estão isentas da aplicação das disposições do Tratados em matéria de liberdade de estabelecimento, importa salientar que esta derrogação não é aplicável ao processo principal.

51      Com efeito, a referida derrogação deve restringir‑se apenas às atividades que, consideradas em si mesmas, apresentem uma ligação direta e específica com o exercício da autoridade pública (acórdão de 24 de maio de 2011, Comissão/Bélgica, C‑47/08, Colet., p. I‑4105, n.° 85 e jurisprudência referida).

52      À luz das considerações referidas nos n.os 28 a 35 do presente acórdão, não se poder defender que as atividades de certificação das SOA constituam uma participação direta e específica no exercício da autoridade pública.

53      Com efeito, como salientou o advogado‑geral nos n.os 47 e 48 das suas conclusões, as decisões de certificar ou não o controlo técnico, que, em substância, constatam apenas os resultados da inspeção técnica não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação da derrogação prevista no artigo 51.° TFUE, na medida em que, por um lado, são desprovidas da autonomia decisória específica do exercício de prerrogativas de autoridade pública e, por outro, são adotadas no âmbito de uma vigilância estatal direta (v., por analogia, acórdão de 22 de outubro de 2009, Comissão/Portugal, C‑438/08, Colet., p. I‑10219, n.os 41 e 45). De igual modo, o papel auxiliar e preparatório devolvido aos organismos privados face à autoridade de supervisão não poderá ser considerado como uma ligação direta e específica com o exercício da autoridade pública, na aceção do artigo 51.° TFUE (v. acórdão de 29 de novembro de 2007, Comissão/Alemanha, C‑404/05, Colet., p. I‑10239, n.° 44).

54      No caso vertente, a verificação, pelas SOA, da capacidade técnica e financeira das empresas sujeitas a certificação, da veracidade e do conteúdo das declarações, certificados e documentos apresentados pelas pessoas a quem é concedida a certificação, bem como da manutenção dos requisitos relativos à situação pessoal do candidato ou do proponente, não pode ser considerada uma atividade abrangida pela autonomia decisória específica do exercício de prerrogativas de autoridade pública. Esta verificação é inteiramente determinada pelo quadro legislativo nacional. Além disso, é levada a cabo sob a supervisão estatal direta e tem por função facilitar a tarefa das entidades adjudicantes no âmbito dos concursos públicos de empreitadas, com a finalidade de permitir às referidas autoridades cumprir a sua missão com um conhecimento preciso e circunstanciado da capacidade técnica e financeira dos proponentes.

55      Consequentemente, há que apreciar a legislação nacional em causa no processo principal à luz do artigo 49.° TFUE.

—       Quanto à existência de uma restrição à liberdade de estabelecimento

56      As normas nacionais contestadas no âmbito do litígio no processo principal proíbem as empresas que prestam serviços de certificação de não aplicar as tarifas mínimas previstas pelo direito italiano. Como salientou o advogado‑geral no n.° 51 das suas conclusões, as referidas normas são suscetíveis de tornar menos atrativo o exercício da liberdade de estabelecimento no mercado dos referidos serviços para empresas estabelecidas noutros Estados‑Membros que não a República Italiana.

57      Com efeito, a referida proibição priva as empresas estabelecidas num Estado‑Membro diferente da República Italiana e que cumprem os requisitos estabelecidos pela legislação italiana da possibilidade de, pedindo honorários inferiores aos fixados pelo legislador italiano, concorrer mais eficazmente com as empresas instaladas de modo estável no Estado‑Membro em causa e que, por essa razão, têm maior facilidade do que as empresas com sede noutro Estado‑Membro em angariar clientela (v., por analogia, acórdãos de 5 de outubro de 2004, CaixaBank France, C‑442/02, Colet., p. I‑8961, n.° 13, e Cipolla e o., já referido, n.° 59).

58      Nestas condições, deve considerar‑se que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento.

—       Quanto à justificação da restrição à liberdade de estabelecimento

59      Uma restrição à liberdade de estabelecimento pode ser admitida na condição de se verificar que responde a razões imperiosas de interesse geral, é adequada a garantir a realização do objetivo prosseguido e não ultrapassa o que é necessário para o atingir (v. acórdão DKV Belgium, já referido, n.° 38).

60      A Unionsoa e o Governo italiano consideram que a legislação nacional em causa no processo principal visa garantir a independência das SOA e a qualidade dos serviços de certificação que prestam. Com efeito, uma concorrência entre as SOA ao nível das tarifas negociadas com os seus clientes e a possibilidade de fixar estas tarifas a um nível muito baixo poderia pôr em causa a sua independência em relação aos referidos clientes e afetar de forma negativa a qualidade dos serviços de certificação.

61      A este respeito, deve observar‑se que o interesse geral ligado à proteção dos destinatários dos serviços é suscetível de justificar uma restrição à liberdade de estabelecimento (v. acórdão de 30 de março de 2006, Servizi Ausiliari Dottori Commercialisti, C‑451/03, Colet., p. I‑2941, n.° 38).

62      No caso em apreço, por um lado, as SOA estão encarregadas da certificação de empresas, sendo a obtenção de um certificado apropriado condição necessária da participação das empresas interessadas em concursos de empreitadas de obras públicas. Neste contexto, a legislação italiana visa garantir a ausência de qualquer interesse comercial ou financeiro suscetível de provocar comportamentos parciais ou discriminatórios por parte das SOA relativamente às referidas empresas.

63      Por outro lado, como decorre da decisão de reenvio, as SOA não podem exercer outras atividades que não a certificação. Além disso, nos termos da legislação nacional, devem dispor de recursos e procedimentos adequados para garantir a eficácia e a lealdade da prestação dos seus serviços.

64      É na perspetiva da proteção dos destinatários dos serviços que reveste particular importância a independência das SOA relativamente aos interesses particulares dos seus clientes. Uma certa limitação da possibilidade de negociar os preços dos serviços com estes clientes pode reforçar a referida independência.

65      Nestas condições, deve observar‑se que, tal como salientou, no essencial, o advogado‑geral no n.° 58 das suas conclusões, a fixação de um regime de tarifas mínimas pela prestação dos serviços em causa destina‑se, em princípio, a assegurar a boa qualidade dos mesmos e é adequada para garantir a realização do objetivo da proteção dos destinatários dos referidos serviços.

66      A este respeito, importa todavia sublinhar que o regime nacional em causa no processo principal relativo às tarifas e, em particular, o modo de cálculo das tarifas mínimas, deve ser proporcional em relação à realização do objetivo visado no ponto precedente.

67      No caso em apreço, a legislação italiana prevê que toda a certificação de habilitação ou a sua renovação, bem como todas as atividades complementares de revisão ou alteração, estão sujeitas ao pagamento de uma tarifa mínima, fixada em função do montante total e do número de categorias gerais ou especializadas para as quais é requerida a certificação.

68      Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se a referida legislação não ultrapassa o que é necessário para atingir o objetivo referido no n.° 65 do presente acórdão. Para o efeito, compete‑lhe ter em conta, em especial, o modo de cálculo das tarifas mínimas, nomeadamente em função do número de categorias de obras para as quais o certificado é emitido.

69      Tendo em conta o que precede, há que declarar que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que impõe às SOA um regime de tarifas mínimas pelos serviços de certificação prestados às empresas que pretendam participar em processos de adjudicação de contratos de empreitada de obras públicas, constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento na aceção do artigo 49.° TFUE, mas tal legislação é adequada para garantir a realização do objetivo da proteção dos destinatários dos referidos serviços. Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se, tendo em conta, em especial, o modo de cálculo das tarifas mínimas, nomeadamente em função do número de categorias de empreitadas para as quais o certificado é emitido, a referida legislação nacional não ultrapassa o que é necessário para atingir este objetivo.

 Quanto às despesas

70      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

Os artigos 101.° TFUE, 102.° TFUE e 106.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que impõe às sociedades com qualidade de organismos de certificação (Società Organismi di Attestazione) um regime de tarifas mínimas pelos serviços de certificação prestados às empresas que pretendem participar em processos de adjudicação de contratos de empreitada de obras públicas.

Essa legislação nacional constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento na aceção do artigo 49.° TFUE, mas é adequada para garantir a realização do objetivo da proteção dos destinatários dos referidos serviços. Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se, tendo em conta, em especial, o modo de cálculo das tarifas mínimas, nomeadamente em função do número de categorias de empreitadas para as quais o certificado é emitido, a referida legislação nacional ultrapassa o que é necessário para atingir este objetivo.

Assinaturas


* Língua do processo: italiano.