Language of document : ECLI:EU:C:2013:799

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

5 de dezembro de 2013 (*)

«Livre circulação de trabalhadores — Artigo 45.° TFUE — Regulamento (UE) n.° 492/2011 — Artigo 7.°, n.° 1 — Legislação nacional que prevê a consideração parcial dos períodos de atividade cumpridos para empregadores diferentes do Land Salzburg — Restrição à livre circulação de trabalhadores — Justificações — Razões imperiosas de interesse geral — Objetivo de fidelização — Simplificação administrativa — Transparência»

No processo C‑514/12,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Landesgericht Salzburg (Áustria), por decisão de 23 de outubro de 2012, entrado no Tribunal de Justiça em 14 de novembro de 2012, no processo

Zentralbetriebsrat der gemeinnützigen Salzburger Landeskliniken Betriebs GmbH

contra

Land Salzburg,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, presidente de secção, J. L. da Cruz Vilaça, G. Arestis, J.‑C. Bonichot e A. Arabadjiev (relator), juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 12 de setembro de 2013,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação do Zentralbetriebsrat der gemeinnützigen Salzburger Landeskliniken Betriebs GmbH, por C. Mahringer, Rechtsanwalt,

¾        em representação do Land Salzburg, por I. Harrer‑Hörzinger, Rechtsanwältin, e P. Sieberer, Prozessbevollmächtigter,

¾        em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer e M. Winkler, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo alemão, por T. Henze, K. Petersen e A. Wiedmann, na qualidade de agentes,

¾        em representação da Comissão Europeia, por J. Enegren, V. Kreuschitz e F. Schatz, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 45.° TFUE e do artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento (UE) n.° 492/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril de 2011, relativo à livre circulação dos trabalhadores na União (JO L 141, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no quadro de um litígio que opõe o Zentralbetriebsrat der gemeinnützigen Salzburger Landeskliniken Betriebs GmbH (comissão de trabalhadores da sociedade de exploração das clínicas do Land Salzburg) ao Land Salzburg, a respeito da consideração parcial, para efeitos do cálculo da remuneração dos empregados do Land, dos períodos de atividade cumpridos para um empregador diferente do Land Salzburg.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento n.° 492/2011 prevê:

«O trabalhador nacional de um Estado‑Membro não pode ser sujeito no território de outro Estado‑Membro, em razão da sua nacionalidade, a um tratamento diferente daquele que é concedido aos trabalhadores nacionais no que respeita a todas as condições de emprego e de trabalho, nomeadamente em matéria de remuneração, de despedimento e de reintegração profissional ou de reemprego, se ficar desempregado.»

 Direito austríaco

4        O § 1 da Lei do Land Salzburg sobre a colocação dos agentes (Salzburger Landesbediensteten‑Zuweisungsgesetz, LGBl. 119/2003) tem a seguinte redação:

«(1)      Os agentes que, no dia anterior à entrada em vigor da presente lei, trabalhavam

1.      para a sociedade holding das clínicas do Land Salzburg ou

2.      numa das instalações da sociedade holding (Hospital Saint Johann do Land Salzburg, Clínica Neuropsiquiátrica Christian Doppler do Land Salzburg, Hospital Saint Veit do Land Salzburg, sito em Pongau, Instituto de Medicina Desportiva, instalações central e de serviços, Centro de Formação)

são, a contar da data da entrada em vigor da presente lei, mantidos no seu lugar de colocação atual, no respeito dos seus direitos e obrigações, como agentes ao serviço permanente da [Gemeinnützigen Salzburger Landeskliniken Betriebs GmbH (a seguir ‘SALK’)].

(2)      Salvo disposição em contrário, os agentes na aceção da presente lei são funcionários [...] e agentes contratuais [...] do Land.»

5        O § 3 da referida lei dispõe:

«(1)      O gerente da [SALK] está autorizado a recrutar, para o Land Salzburg e em nome deste [...], o pessoal necessário à execução das missões da [SALK] no respeito do plano dos postos de trabalho [...]

(2)      As pessoas que tenham sido recrutadas em aplicação do n.° 1 são agentes contratuais do Land Salzburg [...] e são consideradas colocadas ao serviço da [SALK].»

6        O § 53, n.° 1, da Lei do Land Salzburg que estabelece o Estatuto dos agentes contratuais (Salzburger Landesvertragsbedienstetengesetz), na sua versão aplicável aos factos no processo principal (LGBl. 4/2000, a seguir «L‑VBG»), enunciava:

«O agente contratual progride de dois em dois anos para o escalão salarial imediatamente superior ao que lhe foi atribuído. Salvo disposição em contrário, a data de referência é determinante para efeitos de progressão.»

7        O § 54 da L‑VBG dispunha:

«A data de referência para efeitos de progressão deve ser determinada de forma a antepor os períodos de serviço, calculados em 60%, ao dia de admissão. Entende‑se por ‘outros períodos de serviço’ todos os períodos de tempo decorridos entre os 18 anos de idade completos (ou os 22 anos de idade para funções de direção) e o dia da admissão ao serviço do Land [...]»

8        A L‑VBG foi alterada em 2012, com efeitos retroativos a 1 de janeiro de 2004 (LGBl. 99/2012). O § 54 da L‑VBG, conforme alterado, tem a seguinte redação:

«(1) A data de referência para efeitos de progressão deve ser determinada de forma a se considerar que antecedem o dia de recrutamento, segundo as modalidades fixadas no n.° 2, os períodos posteriores a 30 de junho do ano durante o qual, após a entrada no primeiro ciclo, tenham ou deveriam ter sido completado nove anos de estudos.

(2)       Os períodos visados no n.° 1 antecedem o dia de recrutamento do seguinte modo:

1.       até três anos; na categoria de remuneração (A), até sete anos no total;

2.       para os períodos que excedam esses anos, na medida de 60%.»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

9        A SALK é uma sociedade holding de três hospitais e outros estabelecimentos sitos no Land Salzburg, cujo único acionista é o Land Salzburg, recorrido no processo principal. Nos termos da regulamentação nacional, os empregados da SALK são funcionários ou agentes contratuais do Land Salzburg.

10      Resulta dos autos presentes ao Tribunal de Justiça que, à data de 31 de maio de 2012, trabalhavam para a SALK 716 médicos, dos quais 113 provenientes de um Estado‑Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu (EEE) diferente da República da Áustria, bem como 2850 profissionais de saúde não médicos, dos quais 340 provinham de um Estado‑Membro da União Europeia ou do EEE diferente da República da Áustria.

11      Por ação intentada em 6 de abril de 2012, o Zentralbetriebsrat der gemeinnützigen Salzburger Landeskliniken Betriebs GmbH requereu ao Landesgericht Salzburg a declaração, com efeito entre as partes, de que deve ser reconhecido aos empregados da SALK o direito, para efeitos da determinação da data de referência para a sua progressão para o escalão superior da sua categoria, à integralidade dos períodos de atividade profissionalmente pertinentes, cumpridos na União ou no EEE em empregadores diferentes do Land Salzburg, invocando que se os referidos períodos de atividade tivessem sido cumpridos ao serviço deste último, teriam sido integralmente considerados.

12      Resulta da decisão de reenvio que esta ação foi intentada em aplicação do § 54, n.° 1, da Lei relativa aos órgãos jurisdicionais de direito do trabalho e da segurança social (Arbeits‑ und Sozialgerichtsgesetz). No termos desta disposição, os órgãos representativos dos trabalhadores com capacidade judicial podem, no âmbito da sua competência em matéria de direito do trabalho, intentar ações para que seja declarada a existência ou a inexistência de direitos ou de relações jurídicas que digam respeito a pelo menos três trabalhadores da sua empresa ou estabelecimento.

13      O órgão jurisdicional de reenvio constata que, para determinar a data de referência para efeitos da progressão dos empregados da SALK para o escalão imediatamente superior da sua categoria, o § 54 da L‑VBG introduz uma distinção consoante os empregados tenham sempre trabalhado para os serviços do Land Salzburg ou para outros empregadores. No tocante aos primeiros, os períodos de atividade são considerados na sua integralidade, ao passo que, no referente aos segundos, os períodos de atividade prestados antes do seu recrutamento pelo Land Salzburg só são considerados na medida de 60%. Por conseguinte, os empregados que iniciam a sua atividade profissional no Land Salzburg são classificados num escalão de remuneração mais elevado relativamente aos que tiverem adquirido uma experiência profissional comparável e da mesma duração junto de outros empregadores.

14      O órgão jurisdicional de reenvio considera que o § 54 da L‑VBG não introduz uma discriminação direta em razão da nacionalidade, na medida em que se aplica indistintamente aos nacionais austríacos e aos nacionais dos outros Estados‑Membros. Porém, este órgão jurisdicional nutre dúvidas quanto à compatibilidade desta disposição com o artigo 45.° TFUE e o artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento n.° 492/2011.

15      Nestas condições, o Landesgericht Salzburg decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O artigo 45.° TFUE e o artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento n.° 492/2011 opõem‑se a uma legislação nacional (concretamente, os §§ 53 e 54 da [L‑VBG]) nos termos da qual, para determinar a data de referência para a progressão para escalões de remuneração superiores, uma entidade empregadora pública tem em conta a totalidade do tempo de serviço cumprido ininterruptamente junto dela pelos seus trabalhadores, mas apenas tem em conta, de forma fixa, e a partir de uma determinada idade, uma parte do tempo de serviço cumprido pelos seus trabalhadores junto de outras entidades patronais públicas ou privadas — quer no território da Áustria, quer noutros Estados da [União] ou do EEE?»

 Quanto à questão prejudicial

 Quanto à admissibilidade

16      O Land Salzburg alega que o pedido de decisão prejudicial é inadmissível, invocando que não expõe de modo bastante os elementos de facto e de direito necessários para que o Tribunal de Justiça possa responder utilmente à questão submetida. Em especial, o órgão jurisdicional de reenvio absteve‑se de ter em conta o § 54 da L‑VBG, conforme alterado, que é aplicável ao litígio no processo principal.

17      A este respeito, deve recordar‑se que a necessidade de chegar a uma interpretação do direito da União que seja útil ao órgão jurisdicional nacional exige que este defina o quadro factual e regulamentar em que se inserem as questões que coloca ou que, pelo menos, explique as hipóteses factuais em que as questões se baseiam (v. acórdãos de 31 de janeiro de 2008, Centro Europa 7, C‑380/05, Colet., p. I‑349, n.° 57 e jurisprudência referida, e de 11 de março de 2010, Attanasio Group, C‑384/08, Colet., p. I‑2055, n.° 32).

18      O Tribunal de Justiça tem insistido também na importância da indicação, pelo juiz nacional, das razões precisas que o conduziram a interrogar‑se sobre a interpretação do direito da União e a considerar necessário apresentar questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça (v., neste sentido, designadamente, acórdão de 6 de dezembro de 2005, ABNA e o., C‑453/03, C‑11/04, C‑12/04 e C‑194/04, Colet., p. I‑10423, n.° 46 e jurisprudência referida, e despacho de 20 de janeiro de 2011, Chihabi e o., C‑432/10, n.° 22).

19      No presente caso, é imperioso constatar que a decisão de reenvio contém os elementos de facto e de direito que permitem tanto ao Tribunal de Justiça fornecer respostas úteis ao órgão jurisdicional de reenvio como aos Governos dos Estados‑Membros e aos outros interessados apresentarem as suas observações em conformidade com o artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia. As razões que conduziram o órgão jurisdicional de reenvio a submeter uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça também foram claramente indicadas na decisão de reenvio.

20      Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio referiu, em resposta a um pedido de esclarecimentos que o Tribunal de Justiça lhe dirigiu em aplicação do artigo 101.° do seu Regulamento de Processo, que o § 54 da L‑VBG, conforme alterado, não tinha incidência alguma na pertinência da questão prejudicial, visto que esta disposição continuava a considerar na medida de 60% os períodos de atividade cumpridos entre os 18 anos ou os 22 anos de idade e o dia da entrada ao serviço do Land Salzburg.

21      Por conseguinte, o pedido de decisão prejudicial é admissível.

 Quanto ao mérito

22      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 45.° TFUE e o artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento n.° 492/2011 devem ser interpretados no sentido de que obstam a uma legislação nacional por força da qual, para determinar a data de referência para efeitos da progressão dos empregados de uma coletividade territorial para os escalões de remuneração superiores da sua categoria, são considerados na sua integralidade os períodos de atividade cumpridos ininterruptamente ao serviço dessa coletividade, ao passo que qualquer outro período de atividade só é considerado parcialmente.

23      O artigo 45.°, n.° 2, TFUE proíbe toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, entre os trabalhadores dos Estados‑Membros, no que diz respeito ao emprego, à remuneração e demais condições de trabalho. O artigo 7.° do Regulamento n.° 492/2011 mais não é do que a expressão particular do princípio da não discriminação consagrado no artigo 45.°, n.° 2, TFUE no domínio específico das condições de emprego e de trabalho, pelo que deve ser interpretado da mesma forma que este último artigo (acórdão de 26 de outubro de 2006, Comissão/Itália, C‑371/04, Colet., p. I‑10257, n.° 17 e jurisprudência referida).

24      A determinação da data de referência para efeitos da progressão para os escalões de remuneração superiores insere‑se incontestavelmente, como elemento que afeta a remuneração dos trabalhadores, no âmbito de aplicação material das disposições citadas no número precedente.

25      O princípio da igualdade de tratamento inscrito tanto no artigo 45.° TFUE como no artigo 7.° do Regulamento n.° 492/2011 proíbe não apenas as discriminações manifestas, baseadas na nacionalidade, mas também todas as formas dissimuladas de discriminação que, por aplicação de outros critérios de diferenciação, conduzem, de facto, ao mesmo resultado (v., nomeadamente, acórdãos de 23 de maio de 1996, O’Flynn, C‑237/94, Colet., p. I‑2617, n.° 17, e de 28 de junho de 2012, Erny, C‑172/11, n.° 39).

26      A menos que seja objetivamente justificada e proporcionada ao objetivo prosseguido, uma disposição de direito nacional, embora indistintamente aplicável consoante a nacionalidade, deve ser considerada indiretamente discriminatória quando, devido à própria natureza, possa afetar os trabalhadores migrantes em maior medida do que os trabalhadores nacionais e, consequentemente, apresente o risco de desfavorecer mais particularmente os primeiros (v., neste sentido, acórdão de 10 de setembro de 2009, Comissão/Alemanha, C‑269/07, Colet., p. I‑7811, n.° 54 e jurisprudência referida).

27      Para que uma medida possa ser qualificada de indiretamente discriminatória, não é necessário que tenha o efeito de favorecer todos os nacionais ou de apenas desfavorecer os nacionais dos outros Estados‑Membros, com exclusão dos nacionais (acórdão Erny, já referido, n.° 41 e jurisprudência referida).

28      No caso em apreço, ao recusar considerar a integralidade dos períodos de atividade pertinentes cumpridos por um trabalhador migrante para um empregador estabelecido num Estado‑Membro diferente da República da Áustria, a legislação nacional em causa no processo principal é suscetível, por um lado, de afetar mais os trabalhadores migrantes do que os trabalhadores nacionais, desfavorecendo mais especialmente os primeiros na medida em que estes adquiriram muito provavelmente uma experiência profissional num Estado‑Membro diferente da República da Áustria, antes de entrarem ao serviço do Land Salzburg. Assim, um trabalhador migrante que tenha adquirido em empregadores estabelecidos num Estado‑Membro diferente da República da Áustria uma experiência profissional pertinente e de idêntica duração da adquirida por um trabalhador que tenha prosseguido a sua carreira ao serviço do Land Salzburg é classificado num escalão de remuneração inferior àquele em que é classificado este último.

29      Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que a referida legislação afeta da mesma maneira os empregados que reintegrem os serviços do Land Salzburg após terem trabalhado primeiramente para os referidos serviços e, a seguir, para outros empregadores, na medida em que a totalidade dos períodos de atividade por si cumpridos até ao momento em que reintegram os serviços do Land só é considerada na medida de 60%. Esta legislação pode, assim, dissuadir os trabalhadores já empregados pelo Land Salzburg de exercerem o seu direito à livre circulação. Com efeito, se decidirem abandonar os seus serviços, a totalidade dos períodos de atividade que até então tinham cumprido só será considerada parcialmente no cálculo da sua remuneração caso pretendam reintegrar os referidos serviços posteriormente.

30      Ora, disposições nacionais que impeçam ou dissuadam um trabalhador nacional de um Estado‑Membro de abandonar o seu Estado de origem para exercer o seu direito à livre circulação constituem entraves a essa liberdade, mesmo que se apliquem independentemente da nacionalidade dos trabalhadores em causa (v., designadamente, acórdãos de 17 de março de 2005, Kranemann, C‑109/04, Colet., p. I‑2421, n.° 26, e de 16 de março de 2010, Olympique Lyonnais, C‑325/08, Colet., p. I‑2177, n.° 34).

31      É certo que existe o risco de a legislação em causa no processo principal operar em detrimento não apenas dos trabalhadores migrantes mas também dos trabalhadores nacionais que tiverem adquirido uma experiência profissional pertinente junto de um empregador estabelecido na Áustria, diferente do Land Salzburg. Todavia, como se recordou no n.° 27 do presente acórdão, para que uma medida possa ser qualificada de indiretamente discriminatória, não é necessário que tenha o efeito de favorecer todos os nacionais ou de apenas desfavorecer os nacionais dos outros Estados‑Membros, com exclusão dos nacionais.

32      Com efeito, o conjunto das disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de pessoas, bem como as do Regulamento n.° 492/2011, têm por objetivo facilitar aos nacionais dos Estados‑Membros o exercício de atividades profissionais de qualquer natureza no território da União e opõem‑se às medidas que os possam desfavorecer quando pretendam exercer uma atividade económica no território de outro Estado‑Membro (v., neste sentido, designadamente, acórdãos, já referidos, Kranemann, n.° 25, e Olympique Lyonnais, n.° 33).

33      No tocante à argumentação dos Governos austríaco e alemão, que consideram que a legislação nacional em causa no processo principal afeta apenas de modo aleatório a decisão de um trabalhador migrante de integrar os serviços da SALK, cabe recordar que os motivos pelos quais um trabalhador migrante escolhe fazer uso da sua liberdade de circulação no interior da União não podem ser tomados em consideração para apreciar a natureza discriminatória de uma disposição nacional. Com efeito, a possibilidade de exercer uma liberdade tão fundamental como a liberdade de circulação das pessoas não pode ser limitada por tais considerações, de ordem puramente subjetiva (acórdão O’Flynn, já referido, n.° 21).

34      Ao que acresce que os artigos do Tratado relativos à livre circulação de mercadorias, de pessoas, de serviços e de capitais constituem disposições fundamentais para a União, sendo proibido todo e qualquer entrave, ainda que de reduzida importância, a esta liberdade (v., designadamente, acórdãos de 15 de fevereiro de 2000, Comissão/França, C‑169/98, Colet., p. I‑1049, n.° 46, e de 1 de abril de 2008, Gouvernement de la Communauté française e gouvernement wallon, C‑212/06, Colet., p. I‑1683, n.° 52 e jurisprudência referida).

35      Por conseguinte, uma legislação nacional como a em causa no processo principal é suscetível de entravar a livre circulação de trabalhadores, o que, em princípio, é proibido pelo artigo 45.° TFUE e pelo artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento n.° 492/2011.

36      Tal medida só é admissível se prosseguir um dos objetivos legítimos enunciados no Tratado ou se se justificar por razões imperiosas de interesse geral. Em tal caso, é ainda necessário que a aplicação dessa medida seja adequada a garantir a realização do objetivo em causa e não vá além do necessário para alcançar esse objetivo (v., neste sentido, designadamente, acórdãos, já referidos, Kranemann, n.° 33, e Olympique Lyonnais, n.° 38).

37      A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio considera que a legislação em causa no processo principal institui um ‘prémio de fidelidade’ para recompensar os trabalhadores que fazem a sua carreira junto do mesmo empregador. Segundo o Land Salzburg e o Governo austríaco, a referida legislação não configura tal prémio.

38      Mesmo supondo que essa legislação prossiga efetivamente o objetivo de fidelização dos trabalhadores aos seus empregadores, e não sendo possível excluir que tal objetivo possa constituir uma razão imperiosa de interesse geral (v. acórdão de 30 de setembro de 2003, Köbler, C‑224/01, Colet., p. I‑10239, n.° 83), deve constatar‑se que, atentas as características da referida legislação, o entrave que acarreta não é adequado para garantir a realização desse objetivo.

39      Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio referiu, em resposta ao pedido de esclarecimentos mencionado no n.° 20 do presente acórdão, que os empregados da SALK, sendo funcionários ou agentes contratuais do Land Salzburg, beneficiam da consideração integral dos períodos anteriores de atividade, pertinente ou não à luz das funções exercidas na SALK, cumpridos ininterruptamente ao serviço não apenas da SALK, enquanto tal, mas também do Land Salzburg em geral.

40      Ora, tendo em conta a multiplicidade de empregadores potenciais que caem na alçada da autoridade do Land Salzburg, tal sistema de remuneração destina‑se a permitir a mobilidade no interior de um grupo de empregadores distintos, e não a recompensar a fidelidade de um assalariado a um determinado empregador (v., neste sentido, acórdão de 30 de novembro de 2000, Österreichischer Gewerkschaftsbund, C‑195/98, Colet., p. I‑10497, n.° 49).

41      O Land Salzburg e os Governos austríaco e alemão alegam que a legislação em causa no processo principal prossegue os objetivos legítimos de simplificação administrativa e de transparência. No que respeita a este primeiro objetivo, a contabilização, na medida de 60%, de todos os períodos de atividade cumpridos para empregadores diferentes do Land Salzburg substituiu um sistema anterior complexo, com vista a simplificar os cálculos que a Administração deve efetuar na determinação da data de referência para efeitos da progressão para os escalões de remuneração superiores, pois deixou de ser necessário examinar caso a caso toda a carreira profissional dos trabalhadores recentemente recrutados, e com vista a reduzir, consequentemente, os respetivos custos administrativos.

42      Porém, não se pode admitir que um objetivo de simplificação administrativa que visa unicamente aliviar as tarefas que incumbem à Administração Pública, designadamente facilitando os cálculos a que esta deve proceder, constitua uma razão imperiosa de interesse geral suscetível de justificar uma restrição a uma liberdade tão fundamental como a livre circulação de trabalhadores, garantida pelo artigo 45.° TFUE.

43      Ao que acresce que a consideração segundo a qual tal simplificação permite reduzir os custos administrativos é de natureza puramente económica e não pode, portanto, em conformidade com jurisprudência constante, constituir uma razão imperiosa de interesse geral (v., designadamente, acórdão de 15 de abril de 2010, CIBA, C‑96/08, Colet., p. I‑2911, n.° 48 e jurisprudência referida).

44      Na medida em que a legislação nacional em causa no processo principal visa assegurar uma transparência acrescida na determinação da data de referência para efeitos da progressão para os escalões de remuneração superiores, é forçoso constatar que, em todo o caso, essa legislação vai além do necessário para alcançar esse objetivo. Com efeito, a transparência pretendida poderia ser assegurada através de medidas que não entravem a livre circulação de trabalhadores, tais como, por exemplo, a elaboração e a publicação ou a difusão, por meios adequados, de critérios predeterminados e não discriminatórios para a avaliação da duração da experiência profissional pertinente para efeitos da progressão para os escalões de remuneração superiores.

45      Vistas as precedentes considerações, há que responder à questão submetida que o artigo 45.° TFUE e o artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento n.° 492/2011 devem ser interpretados no sentido de que obstam a uma legislação nacional por força da qual, para determinar a data de referência para efeitos da progressão dos empregados de uma coletividade territorial para os escalões de remuneração superiores da sua categoria, se consideram na sua integralidade os períodos de atividade cumpridos ininterruptamente ao serviço dessa coletividade, ao passo que qualquer outro período de atividade só é considerado parcialmente.

 Quanto às despesas

46      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

O artigo 45.° TFUE e o artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento (UE) n.° 492/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril de 2011, relativo à livre circulação dos trabalhadores na União, devem ser interpretados no sentido de que obstam a uma legislação nacional por força da qual, para determinar a data de referência para efeitos da progressão dos empregados de uma coletividade territorial para os escalões de remuneração superiores da sua categoria, se consideram na sua integralidade os períodos de atividade cumpridos ininterruptamente ao serviço dessa coletividade, ao passo que qualquer outro período de atividade só é considerado parcialmente.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.