Language of document : ECLI:EU:C:2013:512

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

11 de julho de 2013 (*)

«Circulação de veículos automóveis — Seguro de responsabilidade civil — Diretiva 72/166/CEE — Artigo 3.°, n.° 1 — Diretiva 84/5/CEE — Artigo 1.°, n.° 4, primeiro parágrafo — Insolvência do segurador — Inexistência de responsabilidade do organismo de indemnização»

No processo C‑409/11,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Fővárosi Bíróság (Hungria), por decisão de 12 de julho de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 1 de agosto de 2011, no processo

Gábor Csonka,

Tibor Isztli,

Dávid Juhász,

János Kiss,

Csaba Szontágh

contra

Magyar Állam,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano, presidente de secção, E. Levits, J.‑J. Kasel, M. Safjan e M. Berger (relatora), juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 26 de setembro de 2012,

vistas as observações apresentadas:

―        em representação do Governo húngaro, por M. Z. Fehér, K. Veres e K. Szíjjártó, na qualidade de agentes,

―        em representação da Comissão Europeia, por B. Simon, K.‑P. Wojcik e K. Talabér‑Ritz, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 24 de outubro de 2012,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade (JO L 103, p. 1; EE 13 F2 p. 113), conforme alterada pela Diretiva 2005/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005 (JO L 149, p. 14, a seguir «Primeira Diretiva»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe G. Csonka, T. Isztli, D. Juhász, J. Kiss e C. Szontágh ao Magyar Állam (Estado húngaro), a respeito da responsabilidade em que este incorre, segundo os demandantes, em razão da transposição incorreta da referida diretiva para o ordenamento jurídico húngaro.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        A legislação da União em matéria de seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis foi codificada pela Diretiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, relativa ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade (JO L 263, p. 11). Todavia, esta diretiva não estava em vigor à época dos factos no processo principal, aos quais são, portanto, aplicáveis as diretivas em vigor antes desta codificação, designadamente a Primeira Diretiva e a Segunda Diretiva 84/5/CEE do Conselho, de 30 de dezembro de 1983, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis (JO 1984, L 8, p. 17; EE 13 F15 p. 244), conforme alterada pela Diretiva 2005/14 (a seguir «Segunda Diretiva»).

 Primeira Diretiva

4        A Primeira Diretiva foi adotada, nos termos do seu segundo e terceiro considerandos, tendo em conta que as fiscalizações, nas fronteiras, do seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis, que tinham por objetivo a proteção dos interesses das pessoas que podem ser vítimas de um sinistro causado por esses veículos, eram uma consequência da disparidade das disposições nacionais existentes nesta matéria e que «estas disparidades [eram suscetíveis de] dificultar a livre circulação de veículos automóveis e de pessoas na Comunidade», tendo assim «uma incidência direta no estabelecimento e no funcionamento do mercado comum». O quinto considerando da mesma diretiva sublinhava a necessidade de serem «tomadas medidas a fim [de] liberalizar o sistema de circulação de pessoas e de veículos automóveis no tráfego de viajantes entre os Estados‑Membros».

5        A este respeito, o artigo 3.°, n.° 1, da Primeira Diretiva previa:

«Cada Estado‑Membro, sem prejuízo da aplicação do artigo 4.°, adota todas as medidas adequadas para que a responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos com estacionamento habitual no seu território esteja coberta por um seguro. Essas medidas devem determinar o âmbito da cobertura e as modalidades de seguro.»

6        O artigo 4.° da mesma diretiva abria aos Estados‑Membros a possibilidade de não aplicar as disposições do artigo 3.° da mesma, em relação aos veículos pertencentes a certas pessoas e a certos tipos de veículos ou veículos com uma matrícula especial.

 Segunda Diretiva

7        O sexto considerando da Segunda Diretiva enunciava que «é necessário prever a existência de um organismo que garanta que a vítima não ficará sem indemnização, no caso [de o] veículo causador do sinistro não estar seguro ou não ser identificado; que, sem prejuízo das disposições aplicadas pelos Estados‑Membros relativamente à natureza, subsidiária ou não, da intervenção deste organismo, bem como às normas aplicáveis em matéria de sub‑rogação, é importante prever que a vítima de um sinistro ocorrido naquelas circunstâncias se possa dirigir direta e prioritariamente a esse organismo» e que «é, todavia, conveniente, dar aos Estados‑Membros a possibilidade de aplicarem certas exclusões limitativas no que respeita à intervenção deste organismo e de prever, no caso de danos materiais causados por um veículo não identificado, devido aos riscos de fraude, que a indemnização por tais danos possa ser limitada ou excluída». O oitavo considerando da mesma diretiva acrescentava que, «para aliviar o encargo financeiro a ser suportado por este organismo, os Estados‑Membros podem prever a aplicação de certas franquias, sempre que o mesmo intervenha para indemnizar danos materiais causados por veículos não seguros, ou, se for caso disso, por veículos roubados ou obtidos por meios violentos».

8        O artigo 1.°, n.os 1 e 4, da Segunda Diretiva dispunha:

«1.      O seguro referido no n.° 1 do artigo 3.° da [Primeira Diretiva] deve, obrigatoriamente, cobrir danos materiais e pessoais.

[...]

4.      Cada Estado‑Membro deve criar ou autorizar a criação de um organismo que tenha por função reparar, pelo menos dentro dos limites da obrigação de seguro, os danos materiais e pessoais causados por veículos não identificados ou relativamente aos quais não tenha sido satisfeita a obrigação de seguro referida no n.° 1.

O primeiro parágrafo não prejudica o direito que assiste aos Estados‑Membros de atribuírem ou não à intervenção desse organismo um carácter subsidiário, nem o direito de regulamentarem os direitos de regresso entre este organismo e o responsável ou responsáveis pelo sinistro e outras seguradoras ou organismos de segurança social obrigados a indemnizar a vítima pelo mesmo sinistro. Todavia, os Estados‑Membros não permitirão que o organismo em questão subordine o pagamento da indemnização à condição de a vítima provar, seja por que meio for, que a pessoa responsável não pode ou não quer pagar.»

9        Os artigos 1.°, n.° 6, e 2.° da Segunda Diretiva permitiam aos Estados‑Membros excluir, em certos casos, a responsabilidade do organismo criado em conformidade com o artigo 1.°, n.° 4, da referida diretiva, ou prever, quando seja responsável, a aplicação de uma franquia.

10      O artigo 1.°, n.° 7, da Segunda Diretiva previa que «[c]ada Estado‑Membro pode aplicar ao pagamento de indemnizações pelo referido organismo as respetivas disposições legislativas, regulamentares e administrativas, sem prejuízo de qualquer outra prática mais favorável às vítimas».

 Direito húngaro

11      Nos termos dos artigos 14.° e 15.° do Decreto governamental n.° 190/2004, sobre o seguro obrigatório de responsabilidade civil dos detentores de veículos automóveis (Korm. Rendelet a gépjármű üzembentartójának kötelező felelősségbiztosításról, a seguir «Decreto governamental n.° 190/2004»), em vigor à época dos factos no processo principal, o Kártalanítási Számlát Kezelő MABISZ GKI (Fundo de Compensação da Federação de Seguradores húngaro) apenas se substituía ao autor dos danos, para efeitos de indemnização da vítima, se ele não tivesse seguro obrigatório de responsabilidade civil à data do acidente, se o detentor do veículo causador dos danos fosse desconhecido ou se os danos tivessem sido causados por um veículo que não tivesse sido autorizado a circular ou tivesse sido retirado de circulação.

12      O Decreto governamental n.° 190/2004 foi revogado pelo artigo 67.° da Lei n.° LXII de 2009, sobre o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel (2009. évi LXII törnévy a kötelező gépjármű‑felelősségbiztosításról).

13      A referida lei, que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2010, institui um novo fundo de compensação e prevê, no seu artigo 29.°, n.° 3, que este «cobre o crédito que a vítima do prejuízo tenha contra a companhia de seguros objeto de um processo de insolvência, tendo em conta as regras estabelecidas pela apólice de seguro ou pela lei para invocar os direitos a indemnização».

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

14      A MAV Àltalános Biztosító Egyesület (a seguir «MAV») é uma companhia de seguros, constituída sob a forma de associação sem fins lucrativos, que propunha aos seus membros produtos a preços reduzidos, com a particularidade de os seus segurados assumirem igualmente obrigações na condição de associados.

15      Entre 2003 e 2008, a Pénzügyi Szervezetek Àllami Felügyelete (Autoridade de Supervisão Financeira) enviou à MAV quinze intimações, instando‑a a cumprir as disposições legais que regem a sua atividade. Não tendo sido possível restabelecer condições de funcionamento compatíveis com os requisitos legais em causa, a referida autoridade de supervisão revogou, com efeitos a partir de 15 de agosto de 2008, o alvará da MAV para exercer a sua atividade. Esta perdeu o seu património, tornando‑se insolvente.

16      Os demandantes no processo principal tinham contratado junto da MAV, enquanto detentores de veículos automóveis, um seguro de responsabilidade civil resultante da circulação dos seus veículos.

17      Durante o período que vai do mês de julho de 2006 ao mês de julho de 2008, causaram prejuízos com os seus veículos.

18      Devido à sua insolvência, a MAV não estava em condições de assumir as suas obrigações enquanto segurador. Os demandantes no processo principal tiverem, portanto, de assumir, eles próprios, a indemnização pelos prejuízos causados pelos respetivos veículos.

19      Intentaram então uma ação de indemnização contra o Magyar Állam, com fundamento no prejuízo que lhes foi causado, devido, segundo alegam, à transposição incorreta da Primeira Diretiva.

20      Os demandantes no processo principal sublinham que, apesar de o direito húngaro prever, a partir de 1 de janeiro de 2010, a responsabilidade de um organismo encarregado de assumir a indemnização do dano causado por um veículo segurado em caso de insolvência do segurador, esta medida não é aplicável à responsabilidade civil resultante dos acidentes ocorridos antes desta data, como é o caso daqueles de que resultou a sua responsabilidade. Consideram que, por não ter adotado as medidas necessárias para garantir, nas mesmas condições, a responsabilidade de um organismo que assuma a indemnização em caso de prejuízos ocorridos antes da referida data, o Magyar Állam agiu em violação das suas obrigações decorrentes do direito da União, especialmente do artigo 3.° da Primeira Diretiva, tornando‑se assim responsável.

21      Nestas circunstâncias, o Fővárosi Bíróság, atualmente Fővárosi Törvényszék, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Na data em que os demandantes causaram os danos, o [Magyar Állam] já tinha tomado as medidas necessárias para cumprir a [Primeira Diretiva], especialmente no que respeita às obrigações estabelecidas no seu artigo 3.°? Se assim for, deve declarar‑se que esta produz efeito direto relativamente aos demandantes?

2)      Nos termos da legislação [da União] em vigor, o particular que tenha sido prejudicado nos seus direitos pelo facto de o referido Estado não ter dado cumprimento à [Primeira Diretiva] pode exigir a este que cumpra as disposições dessa Diretiva invocando diretamente a legislação comunitária contra o Estado‑Membro inadimplente para obter as garantias que este lhe devia ter assegurado?

3)      Nos termos da legislação [da União] em vigor, o particular que tenha sido prejudicado nos seus direitos pelo facto de o referido Estado não ter dado cumprimento à [Primeira Diretiva] pode reclamar ao Estado uma indemnização por perdas e danos em consequência deste incumprimento?

4)      No caso de se responder afirmativamente à questão anterior, incumbe ao [Magyar Állam] a obrigação de indemnizar as perdas e os danos causados, quer aos demandantes, quer aos lesados, em acidentes rodoviários causados pelos demandantes? […]

5)      No caso de o dano decorrer de um erro no processo legislativo, deve a responsabilidade ser imputada ao Estado?

6)      O Decreto governamental n.° 190/2004 […], em vigor até 1 de janeiro de 2010 […], está em conformidade com o disposto na [Primeira Diretiva] ou, pelo contrário, a Hungria não cumpriu o dever de transpor para o direito húngaro as obrigações que lhe impõe a referida diretiva?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira parte da primeira questão e quanto à sexta questão

22      Com estas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 3.°, n.° 1, da Primeira Diretiva deve ser interpretado no sentido de que entre as obrigações que impõe aos Estados‑Membros inclui a instituição de um organismo que garanta a indemnização das vítimas de acidentes rodoviários, na hipótese de, apesar de as pessoas responsáveis pelos prejuízos terem subscrito um seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos, a seguradora se ter tornado insolvente.

23      Segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, para interpretar uma disposição do direito da União, deve atender‑se não só aos seus termos mas também ao seu contexto e aos objetivos prosseguidos pela regulamentação em que se integra (v., designadamente, acórdão de 22 de novembro de 2012, Brain Products, C‑219/11, n.° 13 e jurisprudência referida).

24      A este respeito, importa constatar que o artigo 3.°, n.° 1, da Primeira Diretiva está redigido em termos muito gerais, na medida em que exige que cada Estado‑Membro adote «todas as medidas adequadas para que a responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos com estacionamento habitual no seu território esteja coberta por um seguro». Tal como salientou o advogado‑geral no n.° 26 das suas conclusões, resulta desta disposição que os Estados‑Membros devem instituir na sua ordem jurídica uma obrigação geral de seguro dos veículos.

25      Tendo em conta a generalidade dos termos do artigo 3.°, n.° 1, da Primeira Diretiva, o âmbito da obrigação que impende sobre os Estados‑Membros deve ser precisada atendendo ao contexto e aos objetivos desta disposição.

26      A este respeito, importa salientar que a Primeira Diretiva faz parte de uma série de diretivas que vieram progressivamente precisar as obrigações dos Estados‑Membros em matéria de responsabilidade civil que resulta da circulação dos veículos. Os considerandos da Primeira e Segunda Diretivas revelam que elas têm por objetivo, por um lado, assegurar a livre circulação dos veículos com estacionamento habitual no território da União Europeia e das pessoas que neles viajam e, por outro, garantir que as vítimas dos acidentes causados por esses veículos receberão tratamento idêntico, independentemente do local do território da União onde o acidente tenha ocorrido (v., designadamente, acórdão de 23 de outubro de 2012, Marques Almeida, C‑300/10, n.° 26 e jurisprudência referida).

27      É nesta perspetiva que a Primeira Diretiva, tal como completada pela Segunda Diretiva e por diretivas posteriores, impõe aos Estados‑Membros que garantam que a responsabilidade civil resultante da circulação de veículos com estacionamento habitual no seu território esteja coberta por um seguro, precisando, nomeadamente, os tipos de danos e os terceiros vítimas que esse seguro deve cobrir (v., nomeadamente, acórdão Marques Almeida, já referido, n.° 27 e jurisprudência referida).

28      O artigo 3.°, n.° 1, da Primeira Diretiva, lido à luz das diretivas posteriores, obriga os Estados‑Membros a assegurarem que, sem prejuízo das derrogações previstas no artigo 4.° da referida Primeira Diretiva, todos os proprietários ou detentores de um veículo com estacionamento habitual no seu território celebrem um contrato com uma companhia de seguros, de modo a garantir, pelo menos dentro dos limites definidos pelo direito da União, a sua responsabilidade civil resultante do referido veículo.

29      A importância atribuída pelo legislador da União à proteção das vítimas levou‑o a completar este dispositivo, ao obrigar, em conformidade com o artigo 1.°, n.° 4, da Segunda Diretiva, os Estados‑Membros a instituírem um organismo com a missão de indemnizar, pelo menos dentro dos limites previstos pelo direito da União, os danos materiais e corporais causados por um veículo não identificado ou relativamente ao qual não tenha sido cumprida a obrigação de seguro referida no n.° 1 do mesmo artigo, o qual remete para o artigo 3.°, n.° 1, da Primeira Diretiva. A fim de aliviar o encargo financeiro a suportar por este organismo, os Estados‑Membros podiam excluir a sua responsabilidade em certos casos ou prever franquias.

30      A responsabilidade de um organismo desta natureza está concebida como uma medida de último recurso, prevista apenas para o caso de os danos serem causados por um veículo não identificado ou por um veículo relativamente ao qual não tenha sido cumprida a obrigação de seguro referida no artigo 3.°, n.° 1, da Primeira Diretiva (acórdão de 1 de dezembro de 2011, Churchill Insurance Company e Evans, C‑442/10, Colet., p. I‑12639, n.° 41).

31      Quanto à determinação das circunstâncias concretas em que se pode considerar que não foi cumprida a obrigação de seguro na aceção da referida disposição, é significativo, como salientou o advogado‑geral no n.° 32 das suas conclusões, que o legislador da União não se tenha limitado a prever que o organismo deve responder em caso de danos causados por um veículo relativamente ao qual não tenha sido cumprida a obrigação de seguro em geral, tendo antes especificado que isso devia acontecer apenas com os danos causados por um veículo relativamente ao qual não tenha sido cumprida a obrigação de seguro referida no n.° 3 do artigo 1.° da Primeira Diretiva, ou seja, um veículo relativamente ao qual não há contrato de seguro. Essa restrição explica‑se pelo facto de esta disposição, tal como foi recordado no n.° 28 do presente acórdão, obrigar os Estados‑Membros a assegurarem que, sem prejuízo das derrogações previstas no artigo 4.° daquela diretiva, todos os proprietários ou detentores de um veículo com estacionamento habitual no seu território celebrem um contrato com uma companhia de seguro, de modo a garantir, dentro dos limites definidos pelo direito da União, a sua responsabilidade civil resultante do referido veículo. Nesta perspetiva, o simples facto de um dano ter sido causado por um veículo não segurado constitui uma falha no sistema que o Estado‑Membro devia ter implementado, o que justifica a responsabilidade de um organismo nacional de indemnização.

32      Resulta do que precede que, contrariamente à tese defendida pelos demandantes no processo principal, a responsabilidade desse organismo nacional, conforme prevista pela Primeira e Segunda Diretivas, não pode ser considerada como a implementação de um sistema de garantia de seguro de responsabilidade civil relativa à circulação de veículos, mas como visando produzir efeitos apenas em circunstâncias específicas e claramente identificadas.

33      A hipótese de insolvência do segurador não constitui um caso que possa ser identificado com tais circunstâncias. Com efeito, nessa hipótese, foi cumprida a obrigação de seguro.

34      Todavia, tal como resulta do artigo 1.°, n.° 7, da Segunda Diretiva, os Estados‑Membros têm a possibilidade de adotar, no que respeita aos pressupostos da responsabilidade do fundo nacional de compensação, medidas mais favoráveis às vítimas do que as previstas pelas diretivas em matéria de seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação dos veículos automóveis. A este respeito, importa recordar que, segundo as informações fornecidas pelo Governo húngaro, estavam em vias de preparação nas instâncias húngaras competentes medidas destinadas a remediar a situação criada pela insolvência da MAV, na pendência do processo no Tribunal de Justiça.

35      Tendo em conta as considerações que precedem, importa responder à primeira parte da primeira questão e à sexta questão que o artigo 3.°, n.° 1, da Primeira Diretiva, lido à luz do artigo 1.°, n.° 4, da Segunda Diretiva, deve ser interpretado no sentido de que entre as obrigações que impõe aos Estados‑Membros não inclui a instituição de um organismo que garanta a indemnização das vítimas de acidentes rodoviários, na hipótese de, apesar de as pessoas responsáveis pelos prejuízos terem subscrito um seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis, a seguradora se ter tornado insolvente.

 Quanto à segunda parte da primeira questão e quanto às questões segunda a quinta

36      Com estas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, por um lado, se se pode reconhecer efeito direto ao artigo 3.° da Primeira Diretiva e, por outro, em que condições podem os particulares acionar a responsabilidade da Hungria em razão do dano que lhes foi causado pela transposição incorreta da Primeira Diretiva.

37      Tendo em conta a interpretação da Primeira Diretiva dada em resposta à primeira parte da primeira questão e à sexta questão, não se afigura que o Estado‑Membro em causa tenha violado o direito da União.

38      Nestas condições, não há que responder à segunda parte da primeira questão nem às questões segunda a quinta.

 Quanto às despesas

39      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

O artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade, conforme alterada pela Diretiva 2005/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, lido à luz do artigo 1.°, n.° 4, da Segunda Diretiva 84/5/CEE do Conselho, de 30 de dezembro de 1983, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis, conforme alterada pela Diretiva 2005/14, deve ser interpretado no sentido de que entre as obrigações que impõe aos Estados‑Membros não inclui a instituição de um organismo que garanta a indemnização das vítimas de acidentes rodoviários, na hipótese de, apesar de as pessoas responsáveis pelos prejuízos terem subscrito um seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis, a seguradora se ter tornado insolvente.

Assinaturas


* Língua do processo: húngaro.