Language of document : ECLI:EU:C:2013:498

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

18 de julho de 2013 (*)

«Artigo 56.° TFUE — Livre prestação de serviços — Diretiva 2005/29/CE — Práticas comerciais desleais — Proteção dos consumidores — Ofertas conjuntas que incluem pelo menos um serviço financeiro — Proibição — Exceções»

No processo C‑265/12,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo hof van beroep te Brussel (Bélgica), por decisão de 22 de maio de 2012, entrado no Tribunal de Justiça em 29 de maio de 2012, no processo

Citroën Belux NV

contra

Federatie voor Verzekerings‑ en Financiële Tussenpersonen (FvF),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano, presidente de secção, M. Berger, A. Borg Barthet (relator), E. Levits e J.‑J. Kasel, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 24 de abril de 2013,

vistas as observações apresentadas:

―        em representação da Citroën Belux NV, por S. Willemart, C. Smits, T. Balthazar, D. De Keyzer e A. Destrycker, advocaten,

―        em representação da Federatie voor Verzekerings‑ en Financiële Tussenpersonen (FvF), por D. Dhaenens e R. Vermeulen, advocaten,

―        em representação do Governo belga, por T. Materne e J.‑C. Halleux, na qualidade de agentes,

―        em representação da Comissão Europeia, por M. van Beek, na qualidade de agente,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 3.°, n.° 9, da Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno e que altera a Diretiva 84/450/CEE do Conselho, as Diretivas 97/7/CE, 98/27/CE e 2002/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e o Regulamento (CE) n.° 2006/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho («diretiva relativa às práticas comerciais desleais») (JO L 149, p. 22), e do artigo 56.° TFUE.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Citroën Belux NV (a seguir «Citroën») à Federatie voor Verzekerings‑ en Financiële Tussenpersonen (FvF) (Federação dos agentes financeiros e de seguros), quanto a uma prática comercial da Citroën que consiste na oferta de um seguro contra todos os riscos, durante um período de seis meses, na compra de uma viatura Citroën, prática que é considerada desleal pela FvF.

 Quadro jurídico

 Regulamentação da União

3        O considerando 9 da Diretiva 2005/29 tem a seguinte redação:

«[...] Atendendo à sua complexidade e aos sérios riscos que lhes são inerentes, os serviços financeiros e bens imóveis carecem de requisitos pormenorizados, incluindo da imposição de obrigações positivas aos profissionais. Por este motivo, no domínio dos serviços financeiros e bens imóveis, a presente diretiva não prejudica o direito dos Estados‑Membros de irem mais longe do que o nela disposto para proteção dos interesses económicos dos consumidores. […]»

4        O artigo 3.° da Diretiva 2005/29, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», dispõe, nos seus n.os 1 e 9:

«1.      A presente diretiva é aplicável às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores, tal como estabelecidas no artigo 5.°, antes, durante e após uma transação comercial relacionada com um produto.

[...]

9.      Em relação aos ‘serviços financeiros’, tal como definidos na Diretiva 2002/65/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de setembro de 2002, relativa à comercialização à distância de serviços financeiros prestados a consumidores e que altera as Diretivas 90/619/CEE do Conselho, 97/7/CE e 98/27/CE (JO L 271, p. 16)], e bens imóveis, os Estados‑Membros podem impor requisitos mais restritivos ou prescritivos do que os previstos na presente diretiva no domínio que é objeto de aproximação por esta.»

5        O artigo 2.°, alínea b), da Diretiva 2002/65 define «serviço financeiro» como «qualquer serviço bancário, de crédito, de seguros, de pensão individual, de investimento ou de pagamento».

 Regulamentação belga

6        O artigo 72.° da Lei de 6 de abril de 2010 relativa às práticas de mercado e à proteção dos consumidores (Belgisch Staatsblad, 12 de abril de 2010, p. 20803, a seguir «Lei de 6 de abril de 2010») dispõe:

«§ 1.      É proibida qualquer oferta conjunta a um consumidor em que pelo menos um dos elementos constitui um serviço financeiro, efetuada por uma ou várias empresas que atuem com um objetivo comum.

§ 2.      Em derrogação do § 1, é permitida a oferta conjunta de:

1° serviços financeiros que constituam um todo;

O Rei, sob proposta dos Ministros competentes e do Ministro das Finanças, pode designar os serviços oferecidos no sector financeiro que constituem um todo;

2°      serviços financeiros e propostas conjuntas de bens e serviços aceites pelos usos comerciais;

3°      serviços financeiros e cupões de participação em lotarias autorizadas por lei;

4°      serviços financeiros e objetos com inscrições publicitárias indeléveis e claramente visíveis, não comercializados como tais, desde que o seu preço de compra pela empresa não seja superior a 10 euros, excluindo IVA [imposto sobre o valor acrescentado], ou a 5% do preço de venda, excluindo IVA, do serviço financeiro com o qual são oferecidos, aplicando‑se a percentagem de 5% se o montante correspondente à mesma for superior a 10 euros;

5°      serviços financeiros e cromos, vinhetas ou outras imagens com valor comercial reduzido;

6°      serviços financeiros e cupões que, após aquisição de um certo número de produtos ou de serviços, confiram o direito a um brinde ou a uma redução de preço aquando da aquisição de um serviço similar, desde que essa vantagem seja concedida pela mesma empresa e não ultrapasse um terço do preço dos produtos ou serviços anteriormente adquiridos.

Os cupões devem mencionar o seu eventual prazo de validade, bem como as condições da oferta.

Quando a empresa interromper a sua oferta, o consumidor deve poder beneficiar da vantagem oferecida proporcionalmente às compras anteriormente efetuadas.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

7        A Citroën é a importadora de viaturas da marca Citroën na Bélgica. Comercializa mercadorias através de uma rede de distribuidores autorizados.

8        Em 10 de dezembro de 2010, a Citroën lançou uma campanha publicitária com o tema «Quero tudo». Esta campanha decorreu pelo menos até ao final do mês de fevereiro de 2011.

9        A campanha publicitária tinha a seguinte redação:

«A promoção ‘6 meses gratuitos de seguro contra todos os riscos’ é válida durante o primeiro ano, para qualquer subscrição nova de um seguro contra todos os riscos. Abrange viaturas particulares e utilitárias vendidas pelos concessionários oficiais da Citroën, com exceção das viaturas de demonstração e das viaturas de aluguer. São aplicáveis as condições de subscrição do Seguro Citroën. O Seguro Citroën é um produto da Servis, NV, sociedade de seguros licenciada sob o n.° 1396. A PSA Finance Belux NV (CBFA n.° 019.653A) intervém como agente de seguros da Servis NV. Os concessionários da Citroën autorizados pela CBFA [Commissie voor het Bank, Financie en Assurantiewezen (Comissão Bancária, Financeira e de Seguros)] intervêm como subagentes da PSA Finance Belux NV [...]. Esta oferta de seguro não está subordinada à subscrição de qualquer outro produto ou serviço além da viatura objeto do seguro.»

10      A FvF considerou que esta oferta especial «Salão do automóvel», no que se refere à oferta de seis meses de seguro contra todos os riscos na compra de uma viatura Citroën, constituía uma oferta conjunta proibida. Por carta de 22 de dezembro de 2010, interpelou a Citroën.

11      Por carta de 23 de dezembro de 2010, a Citroën respondeu que a oferta era válida para qualquer subscrição nova de um seguro contra todos os riscos durante um ano e não apenas em caso de compra de uma viatura Citroën nova. Em seu entender, não existia conexão entre a oferta de seis meses de seguro contra todos os riscos e a compra de uma viatura Citroën nova.

12      Em 18 de janeiro de 2011, a FvF submeteu ao rechtbank van koophandel te Brussel um pedido de cessação desta prática comercial, com o fundamento de que a mesma era contrária ao artigo 72.°, n.° 1, da Lei de 6 de abril de 2010.

13      Por decisão de 13 de abril de 2011, o rechtbank van koophandel te Brussel considerou, em primeira instância, que a oferta controvertida era efetivamente uma oferta conjunta na aceção do artigo 2.°, n.° 27, da Lei de 6 de abril de 2010, dirigida aos potenciais compradores de veículos novos. Entendeu que a referida oferta constituía uma oferta conjunta proibida na aceção do artigo 72.°, n.° 1, desta lei e um ato contrário às boas práticas de mercado, sendo, consequentemente, proibida por força do artigo 95.° da mesma lei.

14      A Citroën recorreu desta decisão para o hof van beroep te Brussel. O órgão jurisdicional de reenvio considera que a oferta controvertida constitui uma oferta conjunta e que, na perspetiva do consumidor médio, a obtenção de um seguro contra todos os riscos gratuito durante seis meses estava efetivamente subordinada à compra de uma viatura Citroën nova.

15      O órgão jurisdicional de reenvio recorda que, ao abrigo do artigo 3.°, n.° 9, da Diretiva 2005/29, os Estados‑Membros podem impor requisitos mais restritivos ou prescritivos do que os previstos nesta diretiva, no que respeita aos serviços financeiros e bens imóveis. Considera que esta disposição pode ser objeto de três interpretações diferentes. Segundo uma primeira interpretação, a proibição de uma oferta conjunta que inclua um serviço financeiro é compatível com a Diretiva 2005/29, independentemente de o serviço financeiro ser ou não o elemento principal da oferta. De acordo com uma segunda interpretação, a proibição de uma oferta dessa natureza só é compatível com esta diretiva se o serviço financeiro for um elemento determinante da oferta conjunta. Uma terceira interpretação leva a considerar que tal proibição não é compatível com a referida diretiva na medida em que o seu artigo 3.°, n.° 9, enquanto exceção ao princípio da harmonização completa, deve ser objeto de interpretação restrita. Por último, o órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se sobre a conformidade da Lei de 6 de abril de 2010 com o artigo 56.° TFUE.

16      Nestas condições, o hof van beroep te Brussel decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      [O] artigo 3.°, n.° 9, da Diretiva 2005/29[...] [deve] ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição, como o artigo 72.° da [Lei de 6 de abril de 2010], que — sem prejuízo dos casos taxativamente enumerados na lei — proíbe, de um modo geral, qualquer oferta conjunta a um consumidor [de que] pelo menos [um dos elementos] constitui um serviço financeiro?

2)      [O] artigo 56.° TFUE, relativo à [livre] de prestação de serviços, [deve] ser interpretado no sentido que se opõe a uma disposição, como o artigo 72.° da [Lei de 6 de abril de 2010], que — sem prejuízo dos casos taxativamente enumerados na lei — proíbe, de um modo geral, qualquer oferta conjunta a um consumidor [de que] pelo menos [um dos elementos] constitui um serviço financeiro?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

17      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 3.°, n.° 9, da Diretiva 2005/29 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que, sem prejuízo dos casos taxativamente enumerados pela legislação nacional, proíbe, de um modo geral, ofertas conjuntas a um consumidor de que pelo menos um dos elementos constitui um serviço financeiro.

18      Conforme resulta do n.° 50 do acórdão de 23 de abril de 2009, VTB‑VAB e Galatea (C‑261/07 e C‑299/07, Colet., p. I‑2949), o Tribunal de Justiça considerou que as ofertas conjuntas constituem atos comerciais que se inscrevem claramente no quadro da estratégia comercial de um operador, visando diretamente a promoção e o fluxo das vendas deste, pelo que constituem práticas comerciais na aceção do artigo 2.°, alínea d), da Diretiva 2005/29 e, consequentemente, se incluem no âmbito de aplicação da mesma.

19      Por conseguinte, as ofertas conjuntas em que pelo menos um dos elementos constitui um serviço financeiro, objeto da proibição em causa no processo principal, constituem igualmente práticas comerciais na aceção do artigo 2.°, alínea d), da Diretiva 2005/29 e, portanto, estão subordinadas ao disposto por esta última.

20      Recorde‑se, em seguida, que, visto que a Diretiva 2005/29 procede, em princípio, a uma harmonização completa das regras em matéria de práticas comerciais desleais das empresas relativamente aos consumidores a nível comunitário, os Estados‑Membros não podem adotar, como prevê expressamente o artigo 4.° desta diretiva, medidas mais restritivas do que as definidas pela referida diretiva, mesmo com a finalidade de assegurar um grau mais elevado de proteção dos consumidores (v. acórdão de 14 de janeiro de 2010, Plus Warenhandelsgesellschaft, C‑304/08, Colet., p. I‑217, n.° 41 e jurisprudência referida).

21      No entanto, o artigo 3.°, n.° 9, da Diretiva 2005/29, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», estabelece uma exceção ao objetivo de harmonização total no que respeita designadamente aos serviços financeiros na aceção da Diretiva 2002/65.

22      Ora, resulta do considerando 9 da Diretiva 2005/29 que, atendendo à sua complexidade e aos sérios riscos que lhes são inerentes, os serviços financeiros devem ser objeto de requisitos pormenorizados, incluindo a imposição de obrigações positivas aos profissionais. O mesmo considerando indica igualmente que, no âmbito destes serviços, a referida diretiva não prejudica o direito dos Estados‑Membros de irem mais longe do que o que ela dispõe para proteção dos interesses económicos dos consumidores.

23      Nos termos da Diretiva 2002/65, «serviço financeiro» é definido como «qualquer serviço bancário, de crédito, de seguros, de pensão individual, de investimento ou de pagamento». A Lei de 6 de abril de 2010 adota a mesma definição no seu artigo 2.°, n.° 24, para designar os serviços financeiros. Consequentemente, as ofertas conjuntas em que pelo menos um dos elementos constitui um serviço financeiro, como a que é objeto de proibição no processo principal, estão abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 3.°, n.° 9, da Diretiva 2005/29.

24      Assim, em conformidade com esta disposição, os Estados‑Membros podem impor requisitos mais restritivos ou prescritivos do que os previstos na referida diretiva no que respeita aos serviços financeiros.

25      Por outro lado, impõe‑se salientar que a letra do artigo 3.°, n.° 9, da Diretiva 2005/29 se limita a permitir aos Estados‑Membros que adotem regras nacionais mais estritas no que respeita aos serviços financeiros, sem outras especificações. Assim, não impõe nenhum limite quanto ao nível de restrição das regras nacionais a este respeito nem estabelece critérios relativos ao nível de complexidade ou de riscos que os referidos serviços devem apresentar para serem objeto de regras mais estritas. Também não resulta da letra desta disposição que as regras nacionais mais restritivas só podem ser respeitantes às ofertas conjuntas constituídas por vários serviços financeiros ou às ofertas conjuntas em que o serviço financeiro constitui o elemento principal.

26      Por conseguinte, contrariamente ao que alega a Citroën, não há que limitar a aplicação do artigo 3.°, n.° 9, da Diretiva 2005/29 às ofertas conjuntas constituídas por vários serviços financeiros ou às ofertas conjuntas que incluam um serviço financeiro complexo.

27      Tal interpretação é conforme com o objetivo prosseguido pela referida disposição. Com efeito, o considerando 9 da Diretiva 2005/29 atribui expressamente aos Estados‑Membros a faculdade de adotarem medidas mais rigorosas no que respeita aos serviços financeiros com o objetivo de garantir um nível elevado de proteção do consumidor. A intenção do legislador da União consiste, portanto, em deixar aos Estados‑Membros o poder de serem eles a apreciar o carácter restritivo que pretendem atribuir a estas medidas e em deixar‑lhes neste domínio uma margem de manobra, a qual pode ir até à adoção de uma proibição.

28      À luz das observações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 3.°, n.° 9, da Diretiva 2005/29 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma disposição de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que, sem prejuízo dos casos taxativamente enumerados pela legislação nacional, proíbe, de um modo geral, ofertas conjuntas a um consumidor de que pelo menos um dos elementos constitui um serviço financeiro.

 Quanto à segunda questão

29      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 56.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que, sem prejuízo dos casos taxativamente enumerados pela legislação nacional, proíbe, de um modo geral, ofertas conjuntas ao consumidor em que pelo menos um dos elementos constitui um serviço financeiro.

30      A FvF considera que a segunda questão é inadmissível na medida em que, quando um determinado domínio tenha sido harmonizado a nível da União Europeia, as medidas nacionais neste domínio não devem ser apreciadas à luz das disposições do Tratado FUE, mas à luz das disposições desta medida de harmonização.

31      Recorde‑se, a este respeito, que, na verdade, qualquer medida nacional num domínio objeto de uma harmonização exaustiva a nível da União deve ser apreciada tendo em conta as disposições dessa medida de harmonização e não as do direito primário (v., neste sentido, acórdão de 11 de dezembro de 2003, Deutscher Apothekerverband, C‑322/01, Colet., p. I‑14887, n.° 64 e jurisprudência referida). No entanto, como resulta do considerando 9 e do artigo 3.°, n.° 9, da Diretiva 2005/29, esta última disposição prevê precisamente que, no que respeita aos serviços financeiros, a Diretiva 2005/29 não procede a uma harmonização exaustiva e deixa aos Estados‑Membros uma margem de manobra, a qual deve ser exercida no respeito do Tratado.

32      Com efeito, uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que, de acordo com a sua letra, é indistintamente aplicável aos operadores belgas e aos operadores de outros Estados‑Membros, em regra geral, só é suscetível de estar abrangida pelas disposições relativas às liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado na medida em que seja aplicável a situações que tenham um nexo de ligação com as trocas comerciais entre os Estados‑Membros (v. acórdãos de 1 de junho de 2010, Blanco Pérez e Chao Gómez, C‑570/07 e C‑571/07, Colet., p. I‑4629, n.° 40, e de 10 de maio de 2012, Duomo Gpa e o., C‑357/10 a C‑359/10, n.° 26 e jurisprudência referida).

33      No entanto, no caso em apreço, não se pode excluir que empresas com sede em Estados‑Membros diferentes do Reino da Bélgica estejam interessadas em apresentar, neste último Estado‑Membro, ofertas conjuntas que incluem pelo menos um serviço financeiro, como a que é objeto do litígio no processo principal.

34      Por conseguinte, é necessário analisar se a proibição geral de ofertas conjuntas em que pelo menos um dos elementos constitui um serviço financeiro respeita o artigo 56.° TFUE.

35      Quanto ao mérito, resulta de jurisprudência assente que a livre circulação de serviços prevista no artigo 56.° TFUE exige não só a eliminação de qualquer discriminação contra o prestador de serviços estabelecido noutro Estado‑Membro em razão da sua nacionalidade mas também a supressão de qualquer restrição, ainda que indistintamente aplicada aos prestadores nacionais e de outros Estados‑Membros, quando a mesma seja suscetível de impedir, perturbar ou tornar menos atrativas as atividades do prestador estabelecido noutro Estado‑Membro, onde presta legalmente serviços análogos (v., neste sentido, acórdãos de 20 de fevereiro de 2001, Analir e o., C‑205/99, Colet., p. I‑1271, n.° 21, e de 15 de janeiro de 2002, Comissão/Itália, C‑439/99, Colet., p. I‑305, n.° 22).

36      Ora, uma proibição como a que está em causa no processo principal e prevista no artigo 72.°, n.° 1, da Lei de 6 de abril de 2010 pode tornar menos atrativa a prestação de serviços financeiros no território belga para empresas estabelecidas noutros Estados‑Membros que pretendam apresentar ofertas conjuntas em que pelo menos um dos elementos constitui um serviço financeiro. Com efeito, essas empresas não podem apresentar ofertas desta natureza no mercado belga e, além disso, estão obrigadas a verificar se as referidas ofertas são conformes com o direito belga, enquanto para outros Estados‑Membros tal diligência não é necessária.

37      Segundo jurisprudência assente, uma restrição à livre prestação de serviços só pode ser admitida se prosseguir um objetivo legítimo compatível com o Tratado e se justificar por razões imperiosas de interesse geral, na medida em que, nesse caso, seja adequada a garantir a realização do objetivo prosseguido e não ultrapasse o que é necessário para o alcançar (v., designadamente, acórdão de 18 de dezembro de 2007, Laval un Partneri, C‑341/05, Colet., p. I‑11767, n.° 101 e jurisprudência referida).

38      No presente caso, o objetivo prosseguido pelo artigo 72.° da Lei de 6 de abril de 2010 é a proteção dos interesses do consumidor, tal como, de resto, resulta do próprio título desta lei. A proteção dos consumidores é reconhecida pela jurisprudência como razão imperiosa de interesse geral suscetível de justificar restrições à livre prestação de serviços (v. acórdãos de 15 de dezembro de 1982, Oosthoek’s Uitgeversmaatschappij, 286/81, Recueil, p. 4575, n.° 16, e de 4 de dezembro de 1986, Comissão/França, 220/83, Colet., p. 3663, n.° 20).

39      No que respeita ao caráter adequado do artigo 72.° da Lei de 6 de abril de 2010, observe‑se, por um lado, que os serviços financeiros são, por natureza, complexos e têm riscos específicos sobre os quais o consumidor não está sempre suficientemente informado. Por outro lado, uma oferta conjunta é, em si mesma, suscetível de suscitar no consumidor a ideia de um preço vantajoso. Consequentemente, uma oferta conjunta em que pelo menos um dos elementos constitui um serviço financeiro apresenta um risco acrescido de falta de transparência no que respeita às condições, ao preço e ao conteúdo exato do referido serviço. Por conseguinte, tal oferta pode induzir o consumidor em erro quanto ao conteúdo efetivo e às reais características da combinação oferecida e privá‑lo simultaneamente da possibilidade de proceder a uma comparação do preço e da qualidade da referida oferta com outras prestações correspondentes de outros operadores económicos.

40      Nestas condições, uma legislação que proíbe as ofertas conjuntas que incluem pelo menos um serviço financeiro é suscetível de contribuir para a proteção dos consumidores.

41      No que respeita ao caráter proporcionado da restrição, saliente‑se que o artigo 72.°, n.° 2, da Lei de 6 de abril de 2010 admite exceções à proibição geral de uma oferta conjunta em que pelo menos um dos elementos constitui um serviço financeiro. A existência destas exceções indica que o legislador belga considerou que, em certos casos, não era necessário proteger ainda mais o consumidor.

42      Consequentemente, a proibição geral das ofertas conjuntas em que pelo menos um dos elementos constitui um serviço financeiro, como prevista no artigo 72.° da Lei de 6 de abril de 2010, não ultrapassa o necessário para alcançar o elevado nível de proteção do consumidor referido pela Diretiva 2005/29 e, mais especificamente, para proteger os interesses económicos do consumidor no domínio dos serviços financeiros.

43      À luz das observações precedentes, há que responder à segunda questão que o artigo 56.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma disposição de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que, sem prejuízo dos casos taxativamente enumerados pela legislação nacional, proíbe, de um modo geral, ofertas conjuntas a um consumidor de que pelo menos um dos elementos constitui um serviço financeiro.

 Quanto às despesas

44      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

O artigo 3.°, n.° 9, da Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno e que altera a Diretiva 84/450/CEE do Conselho, as Diretivas 97/7/CE, 98/27/CE e 2002/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e o Regulamento (CE) n.° 2006/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho («diretiva relativa às práticas comerciais desleais»), e o artigo 56.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma disposição de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que, sem prejuízo dos casos taxativamente enumerados pela legislação nacional, proíbe, de um modo geral, ofertas conjuntas a um consumidor de que pelo menos um dos elementos constitui um serviço financeiro.

Assinaturas


* Língua do processo: neerlandês.