Language of document : ECLI:EU:C:2012:172

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

27 de março de 2012 (*)

«Artigo 82.° CE — Empresa de correios que detém uma posição dominante e que tem uma obrigação de serviço universal de distribuição de determinadas remessas postais endereçadas — Aplicação de preços baixos a determinados antigos clientes de um concorrente — Falta de elementos de prova quanto à intenção — Discriminação de preços — Preços baixos e seletivos — Eliminação efetiva ou provável de um concorrente — Incidência na concorrência e, por conseguinte, nos consumidores — Justificação objetiva»

No processo C‑209/10,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Højesteret (Dinamarca), por decisão de 27 de abril de 2010, entrado no Tribunal de Justiça em 3 de maio de 2010, no processo

Post Danmark A/S

contra

Konkurrencerådet,

sendo interveniente:

Forbruger‑Kontakt a‑s,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, A. Tizzano, J. N. Cunha Rodrigues, K. Lenaerts, J.‑C. Bonichot, presidentes de secção, A. Rosas, A. Ó Caoimh (relator), L. Bay Larsen, T. von Danwitz, A. Arabadjiev e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 1 de março de 2011,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Post Danmark A/S, por S. Zinck, advokat, T. Lübbig, Rechtsanwalt, e N. Westergaard, advokat,

–        em representação da Forbruger‑Kontakt a‑s, por P. Stig Jakobsen, advokat,

–        em representação do Governo dinamarquês, por C. Vang, na qualidade de agente, assistido por O. Koktvedgaard, advokat,

–        em representação do Governo checo, por M. Smolek, T. Müller e V. Štencel, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por F. Arena, avvocato dello Stato,

–        em representação da Comissão Europeia, por B. Gencarelli, U. Nielsen e K. Mojzesowicz, na qualidade de agentes,

–        em representação do Órgão de Fiscalização da EFTA, por X. Lewis e M. Schneider, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 24 de maio de 2011,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 82.° CE.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Post Danmark A/S (a seguir «Post Danmark») ao Konkurrencerådet (Conselho da Concorrência), relativamente aos preços aplicados pela Post Danmark a três antigos clientes do seu concorrente, a Forbruger‑Kontakt a‑s (a seguir «Forbruger‑Kontakt»).

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

3        A Post Danmark e a Forbruger‑Kontakt são, na Dinamarca, os dois operadores mais importantes no setor da distribuição do correio não endereçado (prospetos, listas telefónicas, guias, jornais locais e regionais, etc.). Segundo a decisão de reenvio, este setor está totalmente liberalizado e não está abrangido pela legislação dinamarquesa que rege os serviços postais. No processo principal, é pacífico que o mercado relevante pode ser circunscrito ao da distribuição do correio não endereçado na Dinamarca.

4        À época dos factos em causa no processo principal, a Post Danmark detinha o monopólio da distribuição de cartas e de encomendas postais endereçadas que não excedessem um determinado peso, ao qual estava associada uma obrigação de serviço universal de distribuição do correio endereçado inferior a esse peso, devido ao direito exclusivo de distribuição. Para esse efeito, a referida empresa dispunha de uma rede que cobria todo o território nacional, igualmente utilizada para a distribuição do correio não endereçado.

5        A Forbruger‑Kontakt, entidade do grupo de imprensa Søndagsavisen a‑s, tem como principal atividade a distribuição do correio não endereçado. À época dos factos em causa no processo principal, tinha criado uma rede de distribuição que abrangia a quase totalidade do território nacional, sobretudo através da aquisição de empresas de distribuição mais pequenas.

6        Até 2004, os grupos SuperBest, Spar e Coop, empresas do setor da grande distribuição, eram clientes importantes da Forbruger‑Kontakt. Em finais de 2003, a Post Danmark celebrou contratos com esses três grupos, tendo‑lhe sido atribuída a distribuição do correio não endereçado destes últimos a partir de 1 de janeiro de 2004.

7        Antes de celebrar um contrato com a Post Danmark, o grupo Coop tinha encetado negociações com esta empresa e com a Forbruger‑Kontakt. As ofertas propostas por estes dois operadores eram comparáveis em termos de preço, sendo a da Post Danmark apenas ligeiramente inferior.

8        Na sequência de uma queixa apresentada pela Forbruger‑Kontakt, o Konkurrencerådet declarou, por decisão de 29 de setembro de 2004, que a Post Danmark abusou da sua posição dominante no mercado dinamarquês da distribuição do correio não endereçado ao praticar uma política de descontos diferenciada destinada a fidelizar a clientela, por um lado, ao não colocar os seus clientes em pé de igualdade em termos de tarifas e de descontos (qualificada pelo Konkurrencerådet de «discriminação de preços acessória») e, por outro, ao praticar relativamente a antigos clientes da Forbruger‑Kontakt um tarifário diferente do aplicado à sua clientela existente, sem poder justificar estas diferenças significativas existentes ao nível das suas condições tarifárias e dos descontos com base em considerações atinentes aos respetivos custos (prática qualificada pelo Konkurrencerådet de «discriminação de preços principal»).

9        O órgão jurisdicional de reenvio indica que, embora o preço proposto ao grupo Coop não permitisse à Post Danmark cobrir os «custos totais médios», permitia‑lhe cobrir os «custos incrementais médios».

10      Segundo a Post Danmark, o contrato celebrado com esse grupo permitiu a realização de economias de escala consideráveis, devidas, nomeadamente, ao facto de este contrato dizer respeito a cinco insígnias do referido grupo, ou seja, até cinco cartas por habitação. A este respeito, a decisão de reenvio indica que os custos de distribuição, pela Post Danmark, do correio não endereçado diminuíram 0,13 DKK por carta entre 2003 e 2004.

11      O Konkurrencerådet considerou no entanto que, para a análise dos custos, este elemento não tinha incidência na apreciação global da política de preços aplicada pela Post Danmark a respeito do grupo Coop. Com efeito, por um lado, o critério baseado na realização de economias de escala não figura na política geral tarifária e de descontos, de reduções e de promoções da Post Danmark e, por outro, a diminuição marginal dos custos de distribuição de várias cartas a uma única habitação não está ligada ao facto de essas cartas serem endereçadas por um único remetente.

12      Por decisão de 1 de julho de 2005, a Konkurrenceankenævnet (Comissão de Recurso em matéria de Concorrência) confirmou a decisão do Konkurrencerådet de 29 de setembro de 2004.

13      Além disso, a Konkurrenceankenævnet confirmou uma decisão do Konkurrencerådet de 24 de novembro de 2004 que declara que não foi demonstrado que a Post Danmark tinha intencionalmente procurado eliminar a concorrência e, consequentemente, que esta empresa não abusou da sua posição dominante no mercado da distribuição do correio não endereçado ao praticar preços predatórios.

14      Estas decisões do Konkurrencerådet e da Konkurrenceankenævnet tornaram‑se definitivas na medida em que declaram, por um lado, a inexistência de abuso de posição dominante resultante de preços predatórios e, por outro, a existência desse abuso em razão de uma política de «discriminação de preços acessória» relativamente a outros clientes da Post Danmark diferentes dos grupos SuperBest, Spar e Coop.

15      A Post Danmark interpôs recurso destas decisões no Østre Landsret (Tribunal Regional do Este), na parte relativa ao abuso de posição dominante devido à aplicação de preços baixos e seletivos a estes últimos grupos.

16      Por decisão de 21 de dezembro de 2007, este último órgão jurisdicional confirmou as mesmas decisões do Konkurrencerådet e da Konkurrenceankenævnet na parte em que declaram que a Post Danmark cometeu um abuso de posição dominante no mercado dinamarquês da distribuição do correio não endereçado pela sua prática, durante os anos de 2003 e 2004, de uma política de preços relativamente a antigos clientes da Forbruger‑Kontakt diferente da praticada com a sua clientela existente, sem poder justificar esta diferença com base em considerações atinentes aos respetivos custos.

17      A Post Danmark interpôs recurso no órgão jurisdicional de reenvio desta decisão do Østre Landsret. Alega, nomeadamente, que, segundo os critérios que decorrem do acórdão de 3 de julho de 1991, AKZO/Comissão (C‑62/86, Colet., p. I‑3359), conforme «alterados» pela Decisão 2001/354/CE da Comissão, de 20 de março de 2001, relativa a um processo de aplicação do artigo 82.° do Tratado CE (processo COMP/35.141 — Deutsche Post AG) (JO L 125, p. 27), as tarifas aplicadas ao grupo Coop só podem ser consideradas abusivas se for demonstrada a intenção de eliminar um concorrente. Em contrapartida, o Konkurrencerådet sustentou que a intenção de eliminar um concorrente não é imperativamente exigida para que a prática de preços seletivos, inferiores aos custos totais médios, mas superiores aos custos incrementais médios, seja constitutiva de um abuso de posição dominante.

18      Nestas condições, o Højesteret decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)       Deve o artigo 82.° CE ser interpretado no sentido de que o facto de uma empresa de correios em posição dominante, à qual incumbe uma obrigação de [serviço universal], praticar uma baixa seletiva dos seus preços para níveis inferiores aos dos seus custos totais médios, mas superiores aos dos seus custos incrementais médios, [é] considerado constitutivo de um abuso que visa a eliminação de um concorrente, quando já tenha sido apurado que os preços não foram fixados nesse nível com a finalidade de proceder a tal eliminação?

2)      Caso a resposta à [primeira questão] seja no sentido de que, nessas condições, uma prática de baixa selectiva dos preços pode, [em determinadas circunstâncias], constituir um abuso que visa a referida eliminação, quais são as circunstâncias que o tribunal nacional deve tomar em consideração?»

 Quanto às questões prejudiciais

19      Com as suas questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, quais são as circunstâncias em que uma política de preços baixos, aplicados relativamente a determinados antigos clientes de um concorrente por uma empresa que detém uma posição dominante, deve ser considerada constitutiva de uma prática de eliminação abusiva contrária ao artigo 82.° CE e, em particular, se a verificação da existência dessa prática se pode basear apenas na circunstância de o preço aplicado pela empresa que detém uma posição dominante a um único cliente se situar a um nível inferior aos custos totais médios imputados à atividade em causa, mas superiores aos custos incrementais médios relativos a esta.

20      Decorre da jurisprudência que o artigo 82.° CE se refere não apenas às práticas que causam um prejuízo imediato aos consumidores mas também àquelas que lhes causam prejuízo por falsearem o jogo da concorrência (acórdão de 17 de fevereiro de 2011, TeliaSonera Sverige, C‑52/09, Colet., p. I‑527, n.° 24 e jurisprudência referida). É neste último sentido que importa definir os termos «prática de eliminação abusiva» que figuram nas questões prejudiciais.

21      É jurisprudência assente que a constatação da existência de tal posição dominante não implica, em si, qualquer censura à empresa em causa (v. acórdãos de 9 de novembro de 1983, Nederlandsche Banden‑Industrie‑Michelin/Comissão, 322/81, Recueil, p. 3461, n.° 57, e de 16 de março de 2000, Compagnie maritime belge transports e o./Comissão, C‑395/96 P e C‑396/96 P, Colet., p. I‑1365, n.° 37). Com efeito, o artigo 82.° CE não tem, de forma alguma, por objeto proibir que uma empresa conquiste, pelos seus próprios méritos, a posição dominante num mercado (v., designadamente, acórdão TeliaSonera Sverige, já referido, n.° 24). Esta disposição também não visa assegurar que concorrentes menos eficazes que a empresa que detém uma posição dominante permaneçam no mercado.

22      Assim, nem todo o efeito de eliminação falseia necessariamente o jogo da concorrência (v., por analogia, acórdão TeliaSonera Sverige, já referido, n.° 43). Por definição, a concorrência pelos méritos pode conduzir ao desaparecimento do mercado ou à marginalização dos concorrentes menos eficazes e, portanto, menos interessantes para os consumidores do ponto de vista, nomeadamente, dos preços, das escolhas, da qualidade ou da inovação.

23      Segundo jurisprudência igualmente assente, incumbe à empresa que detém uma posição dominante uma responsabilidade especial de não prejudicar, através do seu comportamento, uma concorrência efetiva e não falseada no mercado interno (v. acórdão de 2 de abril de 2009, France Télécom/Comissão, C‑202/07 P, Colet., p. I‑2369, n.° 105 e jurisprudência referida). Quando a existência de uma posição dominante tiver a sua origem num antigo monopólio legal, esta circunstância deve ser levada em conta.

24      A esse respeito, há que recordar igualmente que o artigo 82.° CE visa, em particular, os comportamentos de uma empresa que detém uma posição dominante, que têm por efeito, em prejuízo dos consumidores, impedir, através do recurso a mecanismos diferentes dos que regulam a concorrência normal com base nas prestações dos operadores económicos, a manutenção do grau de concorrência existente no mercado ou o desenvolvimento dessa concorrência (v., neste sentido, acórdãos AKZO/Comissão, já referido, n.° 69; France Télécom/Comissão, já referido, n.os 104 e 105; e de 14 de outubro de 2010, Deutsche Telekom/Comissão, C‑280/08 P, Colet., p. I‑9555, n.os 174, 176, 180 e jurisprudência referida).

25      Assim, o artigo 82.° CE proíbe, nomeadamente, que uma empresa que detém uma posição dominante leve a cabo práticas que produzam efeitos de eliminação dos seus concorrentes considerados tão eficazes como ela própria e reforcem a sua posição dominante através do recurso a meios diferentes daqueles que decorrem de uma concorrência pelo mérito. Nesta perspetiva, nem toda a concorrência pelos preços pode, portanto, ser considerada legítima (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, AKZO/Comissão, n.os 70 e 72; France Télécom/Comissão, n.° 106; e Deutsche Telekom/Comissão, n.° 177).

26      Para determinar se, ao aplicar as suas práticas tarifárias, a empresa que detém uma posição dominante explorou esta posição de forma abusiva, é preciso analisar todas as circunstâncias e apurar se essas práticas tendem a suprimir ou a restringir a possibilidade de o comprador escolher as suas fontes de abastecimento, a impedir o acesso dos concorrentes ao mercado, a aplicar a parceiros comerciais condições desiguais para prestações equivalentes, colocando‑os, assim, em desvantagem na concorrência, ou a reforçar a posição dominante através de uma concorrência falseada (acórdão Deutsche Telekom/Comissão, já referido, n.° 175 e jurisprudência referida).

27      No seu acórdão AKZO/Comissão, já referido, em que se devia determinar se uma empresa pratica preços predatórios, o Tribunal de Justiça decidiu, em primeiro lugar, no n.° 71 desse acórdão, que os preços inferiores à média dos custos «variáveis» (os que oscilam em função das quantidades produzidas) devem ser, em princípio, considerados abusivos, na medida em que, ao aplicar esses preços, se presume que uma empresa que detém uma posição dominante não prossegue nenhuma outra finalidade económica senão a de eliminar os seus concorrentes. Em segundo lugar, decidiu, no n.° 72 do mesmo acórdão, que os preços inferiores à média dos custos totais, mas superiores à média dos custos variáveis, devem ser considerados abusivos quando são fixados no âmbito de um plano para eliminar um concorrente.

28      Assim, a fim de apreciar a licitude da política de preços aplicada por uma empresa que detém uma posição dominante, o Tribunal de Justiça recorreu a critérios baseados numa comparação dos preços em causa e de determinados custos suportados pela empresa dominante e na sua estratégia (v. acórdãos, já referidos, AKZO/Comissão, n.° 74, e France Télécom/Comissão, n.° 108).

29      No que diz respeito à existência de uma eventual estratégia anticoncorrencial da Post Danmark, decorre dos autos que a queixa que deu origem ao litígio no processo principal diz respeito à eventualidade de, através de uma política de preços baixos dirigida a determinados clientes importantes para o seu concorrente, a Post Danmark poder eliminar este último do mercado em causa. Ora, como decorre da decisão de reenvio, não foi possível demonstrar que a Post Danmark tenha intencionalmente tentado eliminar este concorrente.

30      Por outro lado, contrariamente à argumentação do Governo dinamarquês, que, neste processo, apresenta observações em apoio dos pedidos apresentados pelo Konkurrencerådet no litígio no processo principal, o facto de uma prática de uma empresa que detém uma posição dominante, como a política de preços em causa no processo principal, poder ser qualificada de «discriminação de preços», ou seja, a aplicação de preços diferentes a clientes diferentes ou a categorias diferentes de clientes para produtos ou serviços cujos custos são os mesmos, ou, inversamente, a aplicação de um preço único a clientes para os quais os custos da oferta variam, não basta, por si só, para sugerir a presença de uma prática de eliminação abusiva.

31      No caso em apreço, decorre dos autos que, para efeitos de comparação preço/custos, as autoridades dinamarquesas da concorrência não recorreram ao conceito de «custos variáveis» mencionado na jurisprudência decorrente do acórdão AKZO/Comissão, já referido, mas a outro conceito, a saber, aquele que estas autoridades designaram pela expressão «custos incrementais». A este respeito, decorre nomeadamente das observações escritas do Governo dinamarquês e das respostas escritas às questões do Tribunal de Justiça que as referidas autoridades definiram «custos incrementais» como «os custos que devem desaparecer a curto ou médio prazo (três a cinco anos), se a Post Danmark deixasse de exercer a atividade de distribuição de correio não endereçado». Por outro lado, esse governo indicou que os «custos totais médios» foram definidos, por sua vez, como «custos incrementais médios aos quais foi acrescentada uma parte, determinada por avaliação, dos custos comuns da Post Danmark ligados às atividades alheias à obrigação de serviço universal».

32      Ora, como salientou o referido governo nas suas respostas escritas a estas questões, o litígio no processo principal caracteriza‑se pela existência de custos importantes relativos tanto às atividades que decorrem da obrigação de serviço universal da Post Danmark como à atividade de distribuição do correio não endereçado. Estes custos «comuns» devem‑se, em particular, ao facto de, à época dos factos em causa no processo principal, a Post Danmark utilizar essencialmente a mesma infraestrutura e o mesmo pessoal tanto para a atividade de distribuição do correio não endereçado como para a que lhe é reservada a título da sua obrigação de serviço universal relativa a determinadas remessas postais endereçadas. O mesmo governo indica que, segundo o Konkurrencerådet, uma vez que a atividade de distribuição, pela Post Danmark, do correio não endereçado beneficia dos «recursos comuns do circuito de distribuição» desta, os custos das atividades decorrentes da obrigação de serviço universal podem ser reduzidos por um período de três a cinco anos se a Post Danmark cessar a distribuição de correio não endereçado.

33      Nestas condições, decorre dos autos, particularmente dos n.os 148 a 151 e 200 da decisão do Konkurrencerådet de 24 de novembro de 2004, mencionada no n.° 13 do presente acórdão, que, para efeitos de avaliação dos custos que qualificou de «incrementais médios», o Konkurrencerådet tomou nomeadamente em conta não só os custos fixos e variáveis exclusivamente atribuíveis à atividade de distribuição do correio não endereçado mas, além disso, elementos qualificados de «custos variáveis comuns», «75% dos custos de capacidades logísticas comuns imputáveis», bem como «25% dos custos comuns não imputáveis».

34      Importa salientar que, nas circunstâncias específicas do processo principal, um método de atribuição deste tipo parece visar identificar o essencial dos custos imputáveis à atividade de distribuição do correio não endereçado.

35      No termo desta avaliação, verificou‑se, nomeadamente, que o preço proposto ao grupo Coop não permitia à Post Danmark cobrir os custos totais médios imputados à atividade global de distribuição do correio não endereçado, mas que lhe permitia cobrir os custos incrementais médios respeitantes à referida atividade, conforme avaliados pelas autoridades dinamarquesas da concorrência.

36      Além disso, é pacífico que, no caso em apreço, os preços propostos aos grupos Spar e SuperBest foram avaliados a um nível superior aos referidos custos totais médios, conforme avaliados por estas autoridades. Nestas condições, não se pode concluir que esses preços tenham efeitos anticoncorrenciais.

37      No que respeita aos preços aplicados ao grupo Coop, uma política de preços como a que está em causa no processo principal não pode ser qualificada de prática de eliminação abusiva somente pelo facto de o preço aplicado pela empresa que detém uma posição dominante a um único cliente se situar num nível inferior aos custos totais médios imputados à atividade em causa, mas superior aos custos incrementais médios relativos a esta, conforme foram, respetivamente, avaliados no processo principal.

38      Com efeito, na medida em que a empresa que detém uma posição dominante fixa os seus preços a um nível que cobre o essencial dos custos imputáveis à comercialização do produto ou ao fornecimento da prestação de serviços em questão, um concorrente tão eficiente como essa empresa terá, em princípio, a possibilidade de concorrer com estes preços sem incorrer em perdas incomportáveis a longo prazo.

39      Compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar as circunstâncias pertinentes do processo principal à luz do que foi dito no número precedente do presente acórdão. De qualquer modo, importa referir que o processo no Tribunal de Justiça indicia, nomeadamente, que a Forbruger‑Kontakt conseguiu manter a sua rede de distribuição não obstante a perda do volume de correio fornecido pelos três clientes em causa e recuperar, ao longo de 2007, o correio do grupo Coop e, posteriormente, o do grupo Spar.

40      No caso de o órgão jurisdicional de reenvio concluir, apesar de tudo, no final dessa apreciação, que o comportamento da Post Danmark produz efeitos anticoncorrenciais, há que recordar que uma empresa que detém uma posição dominante pode justificar ações suscetíveis de caírem no âmbito da proibição enunciada no artigo 82.° CE (v., neste sentido, designadamente, acórdãos de 14 de fevereiro de 1978, United Brands e United Brands Continentaal/Comissão, 27/76, Colet., p. 77, n.° 184; de 6 de abril de 1995, RTE e ITP/Comissão, C‑241/91 P e C‑242/91 P, Colet., p. I‑743, n.os 54 e 55; e TeliaSonera Sverige, já referido, n.os 31 e 75).

41      Em particular, essa empresa pode demonstrar, para esse efeito, que o seu comportamento é objetivamente necessário (v., neste sentido, acórdão de 3 de outubro de 1985, CBEM, 311/84, Recueil, p. 3261, n.° 27) ou que o efeito de eliminação que este comporta pode ser compensado, ou mesmo superado, por ganhos de eficiência suscetíveis de beneficiar também o consumidor (acórdãos de 15 de março de 2007, British Airways/Comissão, C‑95/04 P, Colet., p. I‑2331, n.° 86, e TeliaSonera Sverige, já referido, n.° 76).

42      A este respeito, compete à empresa que detém uma posição dominante demonstrar que os ganhos de eficiência suscetíveis de resultar do comportamento em causa neutralizam os prováveis efeitos prejudiciais na concorrência e os interesses dos consumidores nos mercados afetados, que estes ganhos de eficiência foram ou são suscetíveis de ser realizados graças ao referido comportamento, que este é indispensável à realização destes e que não elimina uma concorrência efetiva ao suprimir a totalidade ou a maior parte das fontes existentes de concorrência atual ou potencial.

43      No caso em apreço, basta salientar, a respeito das considerações expostas no n.° 11 do presente acórdão, que o simples facto de um critério que assenta expressamente nos ganhos de eficiência não figurar nos elementos que sobressaem das tabelas de preços aplicadas pela Post Danmark não pode justificar que se recuse levar em conta, sendo caso disso, esses ganhos de eficiência, desde que a realidade e a extensão destes sejam determinadas em conformidade com as exigências que figuram no n.° 42 do presente acórdão.

44      Tendo em conta o exposto, há que responder às questões submetidas que o artigo 82.° CE deve ser interpretado no sentido de que uma política de preços baixos aplicados relativamente a determinados antigos clientes importantes de um concorrente por uma empresa que detém uma posição dominante não pode ser considerada constitutiva de uma prática de eliminação abusiva pelo simples facto de o preço aplicado por essa empresa a um desses clientes se situar num nível inferior aos custos totais médios imputados à atividade em causa, mas superior aos custos incrementais médios relativos a esta, conforme avaliados no processo que deu origem ao processo principal. A fim de apreciar a existência de efeitos anticoncorrenciais em circunstâncias como as do referido processo, há que examinar se essa política de preços, sem justificação objetiva, tem por resultado a eliminação efetiva ou provável desse concorrente, em detrimento da concorrência e, nessa medida, dos interesses dos consumidores.

 Quanto às despesas

45      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

O artigo 82.° CE deve ser interpretado no sentido de que uma política de preços baixos aplicados relativamente a determinados antigos clientes importantes de um concorrente por uma empresa que detém uma posição dominante não pode ser considerada constitutiva de uma prática de eliminação abusiva pelo simples facto de o preço aplicado por essa empresa a um desses clientes se situar num nível inferior aos custos totais médios imputados à atividade em causa, mas superior aos custos incrementais médios relativos a esta, conforme avaliados no processo que deu origem ao processo principal. A fim de apreciar a existência de efeitos anticoncorrenciais em circunstâncias como as do referido processo, há que examinar se essa política de preços, sem justificação objetiva, tem por resultado a eliminação efetiva ou provável desse concorrente, em detrimento da concorrência e, nessa medida, dos interesses dos consumidores.

Assinaturas


* Língua do processo: dinamarquês.