Language of document : ECLI:EU:C:2013:39

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

29 de janeiro de 2013 (*)

«Cooperação policial e judiciária em matéria penal — Decisão‑Quadro 2002/584/JAI — Mandado de detenção europeu e processos de entrega entre Estados‑Membros — Mandado de detenção europeu emitido para efeitos de instauração de um processo — Motivos de recusa de execução»

No processo C‑396/11,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pela Curtea de Apel Constanţa (Roménia), por decisão de 18 de maio de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 27 de julho de 2011, no processo relativo à execução de mandados de detenção europeus emitidos contra

Ciprian Vasile Radu,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, K. Lenaerts, vice‑presidente, A. Tizzano, R. Silva de Lapuerta, L. Bay Larsen, A. Rosas, M. Berger e E. Jarašiūnas, presidentes de secção, E. Juhász, A. Ó Caoimh (relator), J.‑C. Bonichot, A. Prechal e C. G. Fernlund, juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: M. Aleksejev, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 10 de julho de 2012,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação de C. V. Radu, por C. Cojocaru e T. Chiuariu, avocats,

¾        em representação do Ministerul Public, Parchetul de pe lângă Curtea de Apel Constanţa, por E. C. Grecu, procurador‑geral,

¾        em representação do Governo romeno, por R.‑M. Giurescu, A. Voicu e R. Radu, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo checo, por M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo alemão, por J. Kemper e T. Henze, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo lituano, por R. Mackevičienė e A. Svinkūnaitė, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer, na qualidade de agente,

¾        em representação do Governo polaco, por M. Szpunar, na qualidade de agente,

¾        em representação do Governo do Reino Unido, por C. Murrel, na qualidade de agente,

¾        em representação da Comissão Europeia, por L. Bouyon, W. Bogensberger e H. Krämer, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogado‑geral na audiência de 18 de outubro de 2012,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Decisão‑Quadro 2005/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros (JO L 190, p. 1), conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009 (JO L 81, p. 24, a seguir «Decisão‑Quadro 2002/584»), lida em conjugação com os artigos 6.°, 48.° e 52.° de Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), bem como com os artigos 5.° e 6.° da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um processo relativo à execução na Roménia de quatro mandados de detenção europeus emitidos pelas autoridades alemãs contra C. V. Radu, de nacionalidade romena, para efeitos de um procedimento penal por roubo com violência.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Os considerandos 1, 5 a 8, 10, 12 e 13 da Decisão‑Quadro 2002/584 têm a seguinte redação:

«(1)      De acordo com as conclusões do Conselho Europeu de Tampere de 15 e 16 de outubro de 1999, nomeadamente o ponto 35, deverá ser abolido o processo formal de extradição no que diz respeito às pessoas julgadas embora ausentes cuja sentença já tenha transitado em julgado, bem como acelerados os processos de extradição relativos às pessoas suspeitas de terem praticado uma infração.

[...]

(5)      O objetivo que a União fixou de se tornar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça conduz à supressão da extradição entre os Estados‑Membros e à substituição desta por um sistema de entrega entre autoridades judiciárias. Acresce que a instauração de um novo regime simplificado de entrega de pessoas condenadas ou suspeitas para efeitos de execução de sentenças ou de procedimento penal permite suprimir a complexidade e a eventual morosidade inerentes aos actuais procedimentos de extradição. As relações de cooperação clássicas que até ao momento prevaleceram entre Estados‑Membros devem dar lugar a um sistema de livre circulação das decisões judiciais em matéria penal, tanto na fase pré‑sentencial como transitadas em julgado, no espaço comum de liberdade, de segurança e de justiça.

(6)      O mandado de detenção europeu previsto na presente decisão‑quadro constitui a primeira concretização no domínio do direito penal, do princípio do reconhecimento mútuo, que o Conselho Europeu qualificou de ‘pedra angular’ da cooperação judiciária.

(7)      Como o objetivo de substituir o sistema de extradição multilateral baseado na Convenção europeia de extradição de 13 de dezembro de 1957 não pode ser suficientemente realizado pelos Estados‑Membros agindo unilateralmente e pode, pois, devido à sua dimensão e aos seus efeitos, ser melhor alcançado ao nível da União, o Conselho pode adotar medidas em conformidade com o princípio da subsidiariedade referido no artigo 2.° [UE] e no artigo 5.° [CE]. […]

(8)      As decisões sobre a execução do mandado de detenção europeu devem ser objeto de um controlo adequado, o que implica que deva ser a autoridade judiciária do Estado‑Membro onde a pessoa procurada foi detida a tomar a decisão sobre a sua entrega.

[...]

(10)      O mecanismo do mandado de detenção europeu é baseado num elevado grau de confiança entre os Estados‑Membros. A execução desse mecanismo só poderá ser suspensa no caso de violação grave e persistente, por parte de um Estado‑Membro, dos princípios enunciados no n.° 1 do artigo 6.° [UE], verificada pelo Conselho nos termos do n.° 1 do artigo 7.° [UE] e com as consequências previstas no n.° 2 do mesmo artigo.

[...]

(12)      A presente decisão‑quadro respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos pelo artigo 6.° [UE] e consignados na [Carta], nomeadamente o seu capítulo VI. Nenhuma disposição da presente decisão‑quadro poderá ser interpretada como proibição de recusar a entrega de uma pessoa relativamente à qual foi emitido um mandado de detenção europeu quando existam elementos objetivos que confortem a convicção de que o mandado de detenção europeu é emitido para mover procedimento contra ou punir uma pessoa em virtude do sexo, da sua raça, da sua religião, da sua ascendência étnica, da sua nacionalidade, da sua língua, da sua opinião política ou da sua orientação sexual, ou de que a posição dessa pessoa possa ser lesada por alguns desses motivos.

A presente decisão‑quadro não impede que cada Estado‑Membro aplique as suas normas constitucionais respeitantes ao direito a um processo equitativo, à liberdade de associação, à liberdade de imprensa e à liberdade de expressão noutros meios de comunicação social.

(13) Ninguém pode ser afastado, expulso ou extraditado para um Estado onde corra sério risco de ser sujeito a pena de morte, tortura ou a outros tratos ou penas desumanos ou degradantes.»

4        O artigo 1.° desta decisão‑quadro define o mandado de detenção europeu e a obrigação de o executar nos termos seguintes:

«1.      O mandado de detenção europeu é uma decisão judiciária emitida por um Estado‑Membro com vista à detenção e entrega por outro Estado‑Membro duma pessoa procurada para efeitos de procedimento penal ou de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade.

2.      Os Estados‑Membros executam todo e qualquer mandado de detenção europeu com base no princípio do reconhecimento mútuo e em conformidade com o disposto na presente decisão‑quadro.

3.      A presente decisão‑quadro não tem por efeito alterar a obrigação de respeito dos direitos fundamentais e dos princípios jurídicos fundamentais consagrados pelo artigo 6.° [UE].»

5        Nos termos do artigo 3.° da referida decisão‑quadro, sob a epígrafe «Motivos de não execução obrigatória do mandado de detenção europeu»:

«A autoridade judiciária do Estado‑Membro de execução (a seguir designada ‘autoridade judiciária de execução’) recusa a execução de um mandado de detenção europeu nos seguintes casos:

[...]

2)      Se das informações de que dispõe a autoridade judiciária de execução resultar que a pessoa procurada foi definitivamente julgada pelos mesmos factos por um Estado‑Membro, na condição de que, em caso de condenação, a pena tenha sido cumprida ou esteja atualmente em cumprimento ou não possa já ser cumprida segundo as leis do Estado‑Membro de condenação;

[...]»

6        Segundo o artigo 4.° desta mesma decisão‑quadro, sob a epígrafe «Motivos de não execução facultativa do mandado de detenção europeu»:

«A autoridade judiciária de execução pode recusar a execução de um mandado de detenção europeu:

[...]

2)      Quando contra a pessoa sobre a qual recai o mandado de detenção europeu for movido procedimento penal no Estado‑Membro de execução pelo mesmo facto que determina o mandado de detenção europeu;

[...]

5)      Se das informações de que dispõe a autoridade judiciária de execução resultar que a pessoa procurada foi definitivamente julgada pelos mesmos factos por um país terceiro, na condição de que, em caso de condenação, a pena tenha sido cumprida ou esteja atualmente em cumprimento ou não possa já ser cumprida segundo as leis do país de condenação;

[...]»

7        O artigo 4.°‑A da Decisão‑Quadro 2002/584, sob a epígrafe «Decisões proferidas na sequência de um julgamento no qual o arguido não tenha estado presente», permite sob certas condições à autoridade judiciária de execução recusar executar um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de execução de uma pena se o interessado não tiver comparecido pessoalmente no processo que conduziu à decisão.

8        O artigo 5.° desta decisão‑quadro diz respeito às garantias a fornecer pelo Estado‑Membro de emissão em casos especiais.

9        O artigo 8.° de referida decisão‑quadro tem por objeto o conteúdo e formas do mandado de detenção europeu. As informações requeridas nos termos do n.° 1, alíneas d) a f), desta disposição são as seguintes:

«d)       Natureza e qualificação jurídica da infração, nomeadamente à luz do artigo 2.°;

e)       Descrição das circunstâncias em que a infração foi cometida, incluindo o momento, o lugar e o grau de participação da pessoa procurada na infração;

f)      Pena proferida, caso se trate de uma sentença transitada em julgado, ou a medida da pena prevista pela lei do Estado‑Membro de emissão para essa infração.»

10      O artigo 11.°, n.° 1, desta mesma decisão‑quadro, sob a epígrafe «Direitos da pessoa procurada», prevê:

«Quando uma pessoa procurada for detida, a autoridade judiciária de execução competente informa‑a, em conformidade com o seu direito nacional, da existência e do conteúdo do mandado de detenção europeu, bem como da possibilidade ao seu dispor de consentir em ser entregue à autoridade judiciária de emissão.»

11      O artigo 13.°, n.os 1 e 2, da Decisão‑Quadro 2002/584, sob a epígrafe «Consentimento na entrega», estipula:

«1.      Se a pessoa detida declarar que consente na sua entrega, esse consentimento e, se for caso disso, a renúncia expressa ao benefício da ‘regra da especialidade’ a que se refere o n.° 2 do artigo 27.° devem ser declarados perante a autoridade judiciária de execução, em conformidade com o direito nacional do Estado‑Membro de execução.

2.       Cada Estado‑Membro toma as medidas necessárias para que o consentimento e, se for caso disso, a renúncia referidos no n.° 1, sejam recebidos em condições que demonstrem que a pessoa os exprimiu voluntariamente e em plena consciência das consequências do seu ato. Para o efeito, a pessoa procurada tem o direito de ser assistida por um defensor.»

12      O artigo 14.° desta decisão‑quadro, sob a epígrafe «Audição da pessoa procurada», prevê que, caso a pessoa procurada não consinta na sua entrega do modo previsto no artigo 13.°, tem o direito de ser ouvida pela autoridade judiciária de execução, em conformidade com o direito nacional do Estado‑Membro de execução.

13      Intitulado «Decisão sobre a entrega», o artigo 15.°, n.os 2 e 3, da referida decisão‑quadro precisa:

«2.      Se a autoridade judiciária de execução considerar que as informações comunicadas pelo Estado‑Membro de emissão são insuficientes para que possa decidir da entrega, solicita que lhe sejam comunicadas com urgência as informações complementares necessárias, em especial, em conexão com os artigos 3.° a 5.° e o artigo 8.°, podendo fixar um prazo para a sua receção, tendo em conta a necessidade de respeitar os prazos fixados no artigo 17.°

3.       A autoridade judiciária de emissão pode, a qualquer momento, transmitir todas as informações suplementares úteis à autoridade judiciária de execução.»

14      O artigo 19.°, n.os 1 e 2, desta mesma decisão‑quadro, sob a epígrafe «Audição da pessoa enquanto se aguarda uma decisão», prevê:

«1.       A pessoa procurada é ouvida por uma autoridade judiciária, coadjuvada por outra pessoa designada em conformidade com o direito do Estado‑Membro do tribunal requerente.

2.       A pessoa procurada é ouvida em conformidade com o direito do Estado‑Membro de execução e as condições são fixadas por acordo mútuo entre a autoridade judiciária de emissão e a autoridade judiciária de execução.»

 Direito romeno

15      A Lei n.° 302/2004, relativa à cooperação judiciária internacional em matéria penal (Legea nr. 302/2004 privind cooperarea judiciară internaţională în materie penală, Monitorul Oficial al României, parte I, n.° 377, de 31 de maio de 2011, a seguir «Lei n.° 302/2004»), contém o título III «Disposições relativas à cooperação com os Estados‑Membros da União Europeia em aplicação da [decisão‑quadro]», cujo capítulo III, intitulado «Execução de um mandado de detenção europeu pelas autoridades romenas», inclui a seguinte disposição:

«Artigo 98.° — Motivos de recusa da execução

(2)      A autoridade judiciária de execução romena pode recusar a execução do mandado de detenção europeu nos casos seguintes:

[...]

b)       quando a pessoa sobre a qual recai o mandado de detenção europeu é perseguida na Roménia pelo mesmo facto que está na base do mandado de detenção europeu.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

16      Em 25 de maio e 3 de junho de 2009, foram apresentados na Curtea de Apel Constanţa (Tribunal de Recurso de Constanza) (Roménia), enquanto autoridade judiciária de execução, pedidos formulados pelas autoridades judiciárias alemãs relativos à entrega de C. V. Radu, pessoa procurada no âmbito de quatro mandados de detenção europeus emitidos para efeitos de procedimento penal pelo Ministério Público de Münster, Cobourg, Bielefeld e Verden (Alemanha), respetivamente, em 14 de março de 2007, 16 de março de 2007, 8 de agosto de 2007 e 26 de fevereiro de 2008, por factos que correspondem à infração de roubo com violência na aceção do artigo 211.° do Código Penal romeno. C. V. Radu não manifestou o seu consentimento na entrega.

17      Por decisão de 5 de junho de 2009, a Curtea de Apel Constanţa ordenou a execução de três dos mandados de detenção europeus, a saber, os emitidos pelos Ministérios Públicos de Münster, de Cobourg e de Verden. Em contrapartida, o órgão jurisdicional de reenvio recusou, por força do artigo 98.°, n.° 2, alínea b), da Lei n.° 302/2004, a execução do mandado de detenção europeu emitido em 8 de agosto de 2007 pelo Ministério Público de Bielefeld, pelo facto de C. V. Radu ser perseguido na Roménia no Tribunalul Bacău (Tribunal de Bacău) pelo mesmo facto que está na base do referido mandado. Por conseguinte, suspendeu a entrega de C. V. Radu até ao termo do processo nos tribunais romenos, mantendo a medida de detenção preventiva tomada contra C. V. Radu por um período de trinta dias.

18      Por acórdão de 18 de junho de 2009, a Înalta Curte de Casație și Justiție a României (Tribunal Supremo de Cassação e de Justiça da Roménia) cassou essa decisão e remeteu o processo à Curtea de Apel de Constanța. Além disso, ordenou que C. V. Radu fosse libertado, sujeitando‑o a uma medida preventiva de limitação do seu direito de circular livremente, isto é, à proibição de deixar a sua comuna de residência, a cidade de Bacău, sem avisar o juiz, impondo‑lhe várias obrigações.

19      Na audiência de 22 de fevereiro de 2012 da Curtea de Apel de Constanța, C. V. Radu opôs‑se à execução dos mandados de detenção europeus contra si emitidos. Alegou, a este respeito, em primeiro lugar, que, na data da adoção da Decisão‑Quadro 2002/584, nem os direitos fundamentais consagrados pela CEDH nem os que figuram na Carta estavam expressamente incorporados nos Tratados que instituem a União. Ora, por força do artigo 6.° TUE, as disposições tanto da Carta como da CEDH passaram a disposições de direito primário da União e, portanto, a Decisão‑Quadro 2002/584 deve passar a ser interpretada e aplicada de maneira conforme com a Carta e com a CEDH. Em seguida, C. V. Radu sublinhou que não foi dada a esta decisão‑quadro execução coerente pelos Estados‑Membros. Em especial, a legislação alemã que transpôs a referida decisão‑quadro foi declarada inconstitucional e nula pelo Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional federal) (Alemanha) no seu acórdão de 18 de julho de 2005, antes de uma nova lei ser adotada. Ora, a execução de um mandado de detenção está sujeita a uma condição de reciprocidade. Por último, C. V. Radu sustentou que as autoridades judiciárias do Estado‑Membro de execução deviam verificar se os direitos fundamentais garantidos pela Carta e pela CEDH são respeitados no Estado‑Membro de emissão. Não sendo esse o caso, essas autoridades podem recusar a execução do mandado de detenção europeu em questão, mesmo que esse motivo de não execução não esteja expressamente previsto pela Decisão‑Quadro 2002/584.

20      Nestas condições, a Curtea de Apel Constanţa decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      As disposições do artigo 5.°, n.° 1, da [CEDH] e do artigo 6.° [da Carta] em conjugação com os artigos 48.° e 52.°, [desta], com referência também aos artigos 5.°, n.os 3 e 4, e 6.°, n.os 2 e 3, da referida [CEDH], são normas de direito [da União] primário, compreendidas nos Tratados constitutivos?

2)      A ação da autoridade judiciária competente do Estado de execução de um mandado de detenção europeu que consiste na privação da liberdade e na entrega coerciva, sem o consentimento da pessoa contra a qual foi emitido o mandado de detenção europeu (a pessoa cuja detenção e entrega são solicitadas), constitui uma ingerência, por parte do Estado de execução do mandado, no direito à liberdade individual da pessoa cuja detenção e entrega são solicitadas, consagrado no direito da União, por força do artigo 6.° TUE, em conjugação com o artigo 5.°, n.° 1, da [CEDH], e por força do artigo 6.° [da Carta], em conjugação com o artigo 5.°, n.° 1, da [CEDH], e por força do artigo 6.° [da Carta], em conjugação com os artigos 48.° e 52.° [desta], com referência também ao artigo 5.°, n.os 3 e 4, e ao artigo 6.°, n.os 2 e 3, da [CEDH]?

3)      A ingerência do Estado de execução de um mandado de detenção europeu nos direitos e garantias previstos no artigo 5.°, n.° 1, da [CEDH] e no artigo 6.°, em conjugação com os artigos 48.° e 52.°, da [Carta], com referência também ao artigo 5.°, n.os 3 e 4, e ao artigo 6.°, n.os 2 e 3, da [CEDH], deve satisfazer as condições da necessidade numa sociedade democrática e da proporcionalidade em relação ao objetivo concretamente prosseguido?

4)      A autoridade judiciária competente do Estado de execução de um mandado de detenção europeu pode indeferir o pedido de entrega, sem violar as obrigações impostas pelos Tratados constitutivos e pelas outras normas de direito [da União], pelo facto de não estarem satisfeitas cumulativamente as condições necessárias, nos termos do artigo 5.°, n.° 1, da [CEDH] e do artigo 6.°, em conjugação com os artigos 48.° e 52.°, da [Carta], com referência também ao artigo 5.°, n.os 3 e 4, e ao artigo 6.°, n.os 2 e 3, da [CEDH]?

5)      A autoridade judiciária competente do Estado de execução de um mandado de detenção europeu pode indeferir o pedido de entrega, sem violar as obrigações impostas pelos Tratados constitutivos e pelas outras normas de direito [da União], [com o fundamento de que o Estado‑Membro de emissão do mandado não transpôs total ou parcialmente a Decisão‑Quadro 2002/584 ou de que não a transpôs corretamente (no sentido da inobservância das condições de reciprocidade)]?

6)      As disposições do artigo 5.°, n.° 1, da [CEDH] e do artigo 6.° [da Carta], em conjugação com os artigos 48.° e 52.° [desta], com referência também ao artigo 5.°, n.os 3 e 4, e ao artigo 6.°, n.° 2 e 3, da [CEDH], a que se refere o artigo 6.° TUE, opõem‑se ao direito nacional do Estado‑Membro da União Europeia — a Roménia —, em particular ao título III da Lei […] n.° 302/2004, e a [Decisão‑Quadro 2002/584] foi corretamente transposta [por esta lei]?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à admissibilidade

21      Os Governos romeno e austríaco, bem como a Comissão, alegam que o presente pedido de decisão prejudicial é inadmissível com o fundamento de que a decisão de reenvio não indica as razões pelas quais a interpretação das disposições do direito da União e da Carta invocadas nas questões submetidas seria necessária para a resolução do litígio. Consideram assim que estas questões têm caráter abstrato, tendo em vista obter uma interpretação teórica do direito da União. Em especial, estas partes interessadas, com cuja opinião concorda neste particular o Governo alemão, consideram que a decisão de reenvio não permite determinar aquilo que incita o órgão jurisdicional ao qual foi submetido o litígio no processo principal a equacionar a possibilidade de recusar a execução dos mandados de detenção europeus controvertidos devido a uma violação dos direitos fundamentais do interessado nem, portanto, em que medida a execução desses mandados de detenção poderia ameaçar esses direitos.

22      Cabe recordar que, segundo jurisprudência assente, as questões relativas à interpretação do direito da União colocadas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que define sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não cabe ao Tribunal de Justiça verificar, beneficiam de uma presunção de pertinência. A recusa de o Tribunal de Justiça conhecer de um pedido apresentado por um órgão jurisdicional nacional só é possível se for manifesto que a interpretação que se pede do direito da União não tem qualquer relação com a realidade ou o objeto da lide principal, quando a questão for de natureza hipotética ou ainda quando o Tribunal de Justiça não disponha dos elementos de facto e de direito necessários para responder de forma útil às questões que lhe são submetidas (acórdão de 22 de junho de 2010, Melki e Abdeli, C‑188/10 e C‑189/10, Colet., p. I‑5667, n.° 27 e jurisprudência referida).

23      No caso vertente, através das suas quatro primeiras questões, bem como da sexta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se tem o direito de examinar se a emissão de um mandado de detenção europeu está em conformidade com os direitos fundamentais com vista, eventualmente, a recusar a respetiva execução, quando tal motivo de não execução não está previsto na Decisão‑Quadro 2002/584 nem na legislação nacional que a transpôs. Através da qua quinta questão, pretende igualmente determinar se tal recusa é possível quando essa decisão‑quadro não foi transposta para o Estado‑Membro de emissão.

24      Importa começar por assinalar que esta quinta questão é hipotética. Com efeito, a própria emissão dos mandados de detenção europeus controvertidos basta para demonstrar que, como o Governo alemão confirmou na audiência, a Decisão‑Quadro 2002/584 foi efetivamente transposta pela República Federal da Alemanha no momento da emissão desses mandados de detenção. Esta questão é portanto inadmissível.

25      As outras questões têm por objeto, designadamente, a interpretação da Decisão‑Quadro 2002/584 assim como de certas disposições da Carta num litígio real respeitante à execução de vários mandados de detenção europeus emitidos pelas autoridades alemãs para efeitos de procedimentos penais contra C. V. Radu.

26      Além disso, quanto à pretensa violação dos direitos fundamentais de C. V. Radu, este sustenta, no quadro do processo penal principal, para se opor à sua entrega, que as disposições da Decisão‑Quadro 2002/584 privam as autoridades romenas de execução da possibilidade de verificar se os direitos a um processo equitativo, à presunção de inocência e à liberdade dos quais considera beneficiar ao abrigo da Carta e da CEDH foram respeitados, atendendo a que os mandados de detenção europeus controvertidos foram emitidos sem que tenha sido citado nem tido a possibilidade de contratar um advogado ou de apresentar a sua defesa. C. V. Radu reiterou, no essencial, estas mesmas alegações na audiência no Tribunal de Justiça no quadro do presente processo.

27      Nestas condições, deve considerar‑se que as quatro primeiras questões, bem como a sexta questão, são admissíveis.

 Quanto ao mérito

28      Como resulta do n.° 16 do presente acórdão, o pedido de decisão prejudicial respeita à execução de mandados de detenção europeus emitidos para efeitos, não da execução de uma pena privativa de liberdade, mas de um procedimento penal.

29      Segundo os elementos fornecidos ao Tribunal, conforme descritos no n.° 26 do presente acórdão, no litígio no processo principal, a pessoa procurada, C. V. Radu, alega, a fim de se opor à sua entrega, que os mandados de detenção europeus controvertidos foram emitidos sem lhe ter sido dada a possibilidade de ser ouvido antes da emissão desses mandados de detenção pelas autoridades judiciárias de emissão, em violação dos artigos 47.° e 48.° da Carta e do artigo 6.° da CEDH.

30      Na verdade, nas suas questões, o órgão jurisdicional de reenvio refere‑se também ao artigo 6.° da Carta e ao artigo 5.° da CEDH. A decisão de reenvio não contém, porém, nenhuma explicação a este respeito. Quando muito, resulta de documentos em anexo à decisão de reenvio que, perante o órgão jurisdicional de reenvio, C. V. Radu sustentou que esse órgão jurisdicional deveria recusar executar os mandados de detenção europeus «através dos quais foi privado de liberdade», uma vez que foram emitidos em violação dos seus direitos de defesa. Esta argumentação de C. V. Radu no que respeita à pretensa violação do artigo 6.° da Carta e do artigo 5.° da CEDH no Estado‑Membro de emissão confunde‑se assim com a sua argumentação relativa à violação dos seus direitos de defesa nesse Estado‑Membro.

31      Assim, há que considerar que, através das suas quatro primeiras questões, bem como da sua sexta questão, que há que examinar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a Decisão‑Quadro 2002/584, lida à luz dos artigos 47.° e 48.° da Carta assim como do artigo 6.° da CEDH, deve ser interpretada no sentido de que as autoridades judiciárias de execução podem recusar executar um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de procedimento penal com o fundamento de que as autoridades judiciárias de emissão não ouviram a pessoa procurada antes de emitirem esse mandado de detenção.

32      A este respeito, importa começar por assinalar que o direito de ser ouvido, garantido pelo artigo 6.° da CEDH e mencionado pelo órgão jurisdicional de reenvio nas suas questões, está hoje consagrado nos artigos 47.° e 48.° da Carta. Por conseguinte, há que se referir a estas disposições da Carta (v., neste sentido, acórdão de 6 de novembro de 2012, Otis e o., C‑199/11, n.os 46, 47 e jurisprudência referida).

33      Além disso, importa recordar que a Decisão Quadro 2002/584, como resulta em especial do seu artigo 1.°, n.os 1 e 2, bem como dos seus considerandos 5 e 7, tem por objeto substituir o sistema de extradição multilateral entre Estados‑Membros por um sistema de entrega, entre autoridades judiciárias, das pessoas condenadas ou suspeitas para efeitos da execução de sentenças ou de procedimento penal, baseando‑se este último sistema no princípio do reconhecimento mútuo (v. acórdão de 5 de setembro de 2012, Lopes Da Silva Jorge, C‑42/11, n.° 28 e jurisprudência referida).

34      A Decisão‑Quadro 2002/584 pretende assim, ao instituir um novo sistema simplificado e mais eficaz de entrega das pessoas condenadas ou suspeitas de ter infringido a lei penal, facilitar e acelerar a cooperação judiciária com vista a contribuir para realizar o objetivo atribuído à União de se tornar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça baseando‑se no elevado grau de confiança que deve existir entre os Estados‑Membros (v., neste sentido, acórdão de 28 de junho de 2012, West, C‑192/12 PPU, n.° 53 e jurisprudência referida).

35      Por força do artigo 1.°, n.° 2, da Decisão‑Quadro 2002/584, os Estados‑Membros são, em princípio, obrigados a executar o mandado de detenção europeu.

36      Com efeito, como o Tribunal já declarou, segundo as disposições da Decisão‑Quadro 2002/584, os Estados‑Membros apenas podem recusar dar execução a tal mandado nos casos de não execução obrigatória previstos pelo artigo 3.° desta assim como nos casos de não execução facultativa enumerados nos seus artigos 4.° e 4.°‑A (v., neste sentido, acórdãos de 1 de dezembro de 2008, Leymann e Pustovarov, C‑388/08 PPU, Colet., p. I‑8983, n.° 51, e de 16 de novembro de 2010, Mantello, C‑261/09, Colet., p. I‑11477, n.° 37). Além disso, a autoridade judiciária de execução apenas pode subordinar a execução de um mandado de detenção europeu às condições definidas no artigo 5.° da referida decisão‑quadro.

37      Na verdade, por força do artigo 4.°‑A da Decisão‑Quadro 2002/584, a violação dos direitos de defesa no decurso do processo que conduziu a uma condenação penal se a pessoa não tiver estado presente no julgamento pode, em certas condições, constituir um motivo de não execução de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos da execução de uma pena privativa de liberdade.

38      Em contrapartida, a circunstância de o mandado de detenção europeu ter sido emitido para efeitos de procedimentos penais sem que a pessoa procurada tenha sido ouvida pelas autoridades judiciárias de emissão não figura entre os motivos de não execução de tal mandado, tal como previstos pelas disposições da Decisão‑Quadro 2002/584.

39      Contrariamente ao que sustenta C. V. Radu, a observância dos artigos 47.° e 48.° da Carta não exige que uma autoridade judiciária de um Estado‑Membro possa recusar a execução de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de procedimentos penais com o fundamento de que a pessoa procurada não foi ouvida pelas autoridades judiciárias de emissão antes de o mandado de detenção ter sido emitido.

40      Há que reconhecer que impor às autoridades judiciárias de emissão a obrigação de ouvirem a pessoa procurada antes de emitirem o mandado de detenção europeu colocaria inevitavelmente em risco o próprio sistema de entrega previsto pela Decisão‑Quadro 2002/584 e, portanto, a realização do espaço de liberdade, de segurança e de justiça, uma vez que, a fim de, designadamente, evitar a fuga da pessoa em causa, tal mandado de detenção deve beneficiar de um certo efeito de surpresa.

41      Em qualquer caso, o legislador europeu garantiu o respeito do direito de ser ouvido no Estado‑Membro de execução de modo a não comprometer a eficácia do mecanismo do mandado de detenção europeu.

42      Assim, resulta dos artigos 8.° e 15.° da Decisão‑Quadro 2002/584 que, antes de decidir entregar a pessoa procurada para efeitos de procedimento penal, a autoridade judiciária de execução deve exercer uma certa fiscalização no que respeita ao mandado de detenção europeu. Além disso, o artigo 13.° desta decisão‑quadro prevê que a pessoa procurada tem o direito de ser assistida por um defensor quando consente na sua entrega e, eventualmente, renuncia à regra da especialidade. Por outro lado, por força dos artigos 14.° e 19.° da Decisão‑Quadro 2002/584, a pessoa procurada, se não consentir na sua entrega e é objeto de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de um procedimento penal, dispõe do direito de ser ouvida pela autoridade judiciária de execução nas condições determinadas de comum acordo com a autoridade judiciária de emissão.

43      Tendo em conta o exposto, há que responder às quatro primeiras questões, bem como à sexta questão, que a Decisão‑Quadro 2002/584 deve ser interpretada no sentido de que as autoridades judiciárias de execução não podem recusar executar um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de um procedimento penal com o fundamento de que a pessoa procurada não foi ouvida no Estado‑Membro de emissão antes de esse mandado de detenção ter sido emitido.

 Quanto às despesas

44      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

A Decisão‑Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros, conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, deve ser interpretada no sentido de que as autoridades judiciárias de execução não podem recusar executar um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de um procedimento penal com o fundamento de que a pessoa procurada não foi ouvida no Estado‑Membro de emissão antes de esse mandado de detenção ter sido emitido.

Assinaturas


* Língua do processo: romeno.