Language of document : ECLI:EU:C:2015:146

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

5 de março de 2015 (*)

«Reenvio prejudicial — Regime das fusões das sociedades anónimas — Diretiva 78/855/CEE — Fusão mediante incorporação — Artigo 19.° — Efeitos — Transmissão universal do conjunto do património ativo e passivo da sociedade incorporada para a sociedade incorporante — Infração cometida pela sociedade incorporada antes da fusão — Constatação da infração por decisão administrativa depois da referida fusão — Direito nacional — Transferência da responsabilidade contraordenacional da sociedade incorporada — Admissibilidade»

No processo C‑343/13,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Tribunal do Trabalho de Leiria (Portugal), por decisão de 14 de março de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 24 de junho de 2013, no processo

Modelo Continente Hipermercados SA

contra

Autoridade para as Condições de Trabalho — Centro Local do Lis (ACT),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, C. Vajda (relator), A. Rosas, E. Juhász e D. Šváby, juízes,

advogado‑geral: M. Wathelet,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 3 de setembro de 2014,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Modelo Continente Hipermercados SA, por D. Abrunhosa e Sousa, advogado,

–        em representação do Governo português, por M. Perestrelo de Oliveira, e em seguida por L. Inez Fernandes e F. Figueiroa Quelhas, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo alemão, por T. Henze e D. Kuon, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo húngaro, por K. Szíjjártó, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por P. Guerra e Andrade e H. Støvlbæk, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 12 de novembro de 2014,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 19.°, n.° 1, da Terceira Diretiva 78/855/CEE do Conselho, de 9 de outubro de 1978, fundada na alínea g) do n.° 3 do artigo 54.° do Tratado e relativa à fusão das sociedades anónimas (JO L 295, p. 36; EE 17 F1 p. 76), conforme alterada pela Diretiva 2009/109/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009 (JO L 259, p. 14, a seguir «Diretiva 78/855»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Modelo Continente Hipermercados SA (a seguir «MCH») à Autoridade para as Condições de Trabalho — Centro Local do Lis (ACT), a respeito da decisão desta última de condenar a MCH por infrações ao direito do trabalho português cometidas pela Good and Cheap — Comércio Retalhista SA (a seguir «Good and Cheap») antes da sua incorporação na MCH.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O terceiro e sexto considerandos da Diretiva 78/855 enunciavam:

«[...] a proteção dos interesses dos sócios e de terceiros requer uma coordenação da legislação dos Estados‑Membros a respeito da fusão das sociedades anónimas e é conveniente introduzir na legislação de todos os Estados‑Membros o instituto da fusão;

[...]

[...] os credores, obrigacionistas ou não, e os portadores de outros títulos das sociedades participantes na fusão devem ser protegidos de modo a evitar que a realização da fusão os prejudique».

4        Nos termos do artigo 3.°, n.° 1, desta diretiva:

«Para os efeitos da presente diretiva, entende‑se por fusão mediante incorporação a operação pela qual uma ou várias sociedades, por meio de uma dissolução sem liquidação, transferem para outra todo o seu património ativo e passivo, mediante a atribuição aos acionistas da ou das sociedades incorporadas de ações da sociedade incorporante e, eventualmente, de uma quantia em dinheiro não superior a 10% do valor nominal das ações assim atribuídas ou, na falta de valor nominal, do seu valor contabilístico.»

5        O artigo 13.°, n.os 1 e 2, da referida diretiva estava redigido nos seguintes termos:

«1.      As legislações dos Estados‑Membros devem prever um adequado sistema de proteção dos interesses dos credores das sociedades participantes na fusão, relativamente aos créditos anteriores à publicação do projeto de fusão e ainda não vencidos no momento desta publicação.

2.      Para o efeito, as legislações dos Estados‑Membros devem prever, pelo menos, que os credores em causa tenham direito a obter garantias adequadas quando a situação financeira das sociedades participantes numa fusão torna essa proteção necessária e esses credores não disponham já de tais garantias.

Os Estados‑Membros devem estabelecer as condições de proteção previstas no n.° 1 e no primeiro parágrafo do presente número. Em qualquer caso, os Estados‑Membros devem velar por que os credores sejam autorizados a recorrer à autoridade administrativa ou judicial competente para obter garantias adequadas, desde que possam demonstrar, de maneira credível, que a fusão compromete o exercício dos seus direitos e que a sociedade não lhes forneceu garantias adequadas.»

6        O artigo 19.°, n.° 1, da mesma diretiva dispunha:

«A fusão produz ipso iure e simultaneamente os seguintes efeitos:

a)      A transmissão universal do conjunto do património ativo e passivo da sociedade incorporada para a sociedade incorporante, tanto no que a estas respeita como relativamente a terceiros;

b)      Os acionistas da sociedade incorporada tornam‑se acionistas da sociedade incorporante;

c)      A sociedade incorporada extingue‑se.»

7        A Diretiva 78/855 foi revogada, a partir de 1 de julho de 2011, pela Diretiva 2011/35/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril de 2011, relativa à fusão das sociedades anónimas (JO L 110, p. 1). Como resulta do seu primeiro considerando, esta última diretiva visa, por razões de lógica e clareza, proceder à codificação da Diretiva 78/855, por várias vezes alterada de modo substancial. O artigo 19.°, n.° 1, da Diretiva 2011/35 retoma o artigo 19.°, n.° 1, da Diretiva 78/855 em termos idênticos.

 Direito português

8        O artigo 112.° do Código das Sociedades Comerciais (a seguir «CSC») dispõe:

«Com a inscrição da fusão no registo comercial:

a)      Extinguem‑se as sociedades incorporadas ou, no caso de constituição de nova sociedade, todas as sociedades fundidas, transmitindo‑se os seus direitos e obrigações para a sociedade incorporante ou para a nova sociedade;

b)      Os sócios das sociedades extintas tornam‑se sócios da sociedade incorporante ou da nova sociedade.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

9        Em 15 de fevereiro de 2011, a ACT realizou uma inspeção ao registo das horas de trabalho prestadas pelos trabalhadores da Good and Cheap nos meses de dezembro de 2010 e janeiro de 2011. Constatou infrações às disposições do direito do trabalho português no que respeita quer ao número de horas consecutivas prestadas por certos empregados quer, em certos casos, ao número de horas de descanso entre os períodos de trabalho.

10      Decorre dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que, em 22 de fevereiro de 2011, a MCH e a Good and Cheap registaram no serviço competente do Registo Comercial um projeto de fusão, publicado no sítio Internet das publicações do Ministério da Justiça.

11      Em 7 de março de 2011, a ACT lavrou dois autos de notícia contra a Good and Cheap a respeito das referidas infrações. Todavia, apenas notificou os referidos autos em 4 de abril de 2011.

12      Em 31 de março de 2011, foi registada a fusão mediante incorporação do património da Good and Cheap na MCH, o que conduziu à extinção da primeira sociedade por incorporação na segunda.

13      Por decisão de 24 de setembro de 2012, a ACT confirmou os referidos autos de notícia e aplicou à MCH coimas por cada uma das infrações contraordenacionais em causa.

14      No recurso desta decisão, interposto no Tribunal do Trabalho de Leiria, a MCH suscitou a questão da compatibilidade do artigo 112.° do CSC, como interpretado pela ACT, com o artigo 19.° da Diretiva 2011/35. A este respeito, o referido tribunal interroga‑se sobre se, em caso de fusão mediante incorporação, a transmissão universal do conjunto do património ativo e passivo da sociedade incorporada para a sociedade incorporante, como prevista no n.° 1, alínea a), deste último artigo, pode incluir a transferência, para a sociedade incorporante, da responsabilidade pelo pagamento das coimas aplicadas por infrações de natureza contraordenacional cometidas pela sociedade incorporada antes dessa fusão.

15      Nestas condições, o Tribunal do Trabalho de Leiria decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      À luz do Direito [da União], nomeadamente [do artigo 19.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2011/35], a fusão de sociedades implica um regime de transmissão da responsabilidade contraordenacional para a sociedade incorporante por factos cometidos pela sociedade incorporada anteriormente ao registo da fusão?

2)      Poderá uma sanção de natureza contraordenacional ser considerada crédito de terceiros (neste caso o Estado por infração a normas do regime das contraordenações) para efeitos de aplicação da Diretiva [2011/35] transferindo‑se o alegado crédito (coima) por sanção contraordenacional e de que será credor o Estado para a sociedade incorporante?

3)      Não será o entendimento de que o artigo 112.° do CSC não implica a extinção do procedimento por contraordenação praticada anteriormente à fusão nem [da] coima que lhe tenha/venha a ser aplicada, contrária à [Diretiva 2011/35] que estabelece os efeitos da fusão de sociedades estabelecendo‑se assim uma interpretação extensiva do preceito contrária aos princípios do [direito da União], nomeadamente o artigo 19.° [desta] diretiva?

4)      Não será este entendimento uma violação do princípio de que não pode existir contraordenação sem responsabilidade objetiva (mitigada) ou culposa da entidade incorporante?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à admissibilidade

16      Nas suas observações escritas, os Governos alemão e austríaco expressaram dúvidas quanto à admissibilidade de certas questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio. O Governo alemão considera que a terceira e quarta questões têm por objeto a interpretação do direito nacional. O Governo austríaco sustenta que a segunda questão tem por objeto uma situação na qual, contrariamente aos factos no litígio no processo principal, a coima foi aplicada antes da fusão, e que, por conseguinte, a questão é hipotética. Além disso, a questão da responsabilidade penal evocada na quarta questão não é regulada pela Diretiva 2011/35, não apresentando, portanto, o nexo com o direito da União exigido pelo artigo 51.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

17      A este respeito, importa assinalar que, embora resulte efetivamente da exposição dos factos no litígio no processo principal efetuada pelo órgão jurisdicional de reenvio que as coimas foram aplicadas por uma decisão adotada depois da incorporação da Good and Cheap na MCH, não decorre da redação da segunda questão que a mesma não vise essa situação. Por conseguinte, não pode considerar‑se que esta questão seja hipotética.

18      Em seguida, é manifesto que, através da sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio não procura obter uma interpretação do direito nacional, mas sim da Diretiva 2011/35, em particular do seu artigo 19.°, para determinar se a interpretação do artigo 112.° do CSC adotada, nomeadamente, pela ACT, é contrária ao direito da União.

19      Por último, como observou o advogado‑geral no n.° 34 das suas conclusões, a quarta questão afigura‑se ter por objeto a interpretação de princípios do direito português e é desprovida de qualquer referência ao direito da União. Ora, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, o processo previsto no artigo 267.° TFUE baseia‑se numa nítida separação de funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, uma vez que este apenas está habilitado a pronunciar‑se sobre a interpretação ou a validade dos atos da União visados nesse artigo. Neste âmbito, não compete ao Tribunal de Justiça pronunciar‑se sobre a interpretação das disposições do direito nacional nem decidir se a interpretação dada pelo órgão jurisdicional nacional está correta (v. acórdão Texdata Software, C‑418/11, EU:C:2013:588, n.° 28 e jurisprudência referida).

20      Daqui resulta que, com exceção da quarta questão, as questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio são admissíveis.

 Quanto ao mérito

21      Há que observar, a título preliminar, que a Diretiva 2011/35, cuja interpretação é objeto das três primeiras questões, ainda não estava em vigor à data dos factos no processo principal. Nestas condições, as questões submetidas devem ser apreciadas unicamente à luz das disposições da Diretiva 78/855.

22      Assim, importa considerar que, através das suas três primeiras questões, que devem ser analisadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 19.°, n.° 1, da Diretiva 78/855 deve ser interpretado no sentido de que uma «fusão mediante incorporação», na aceção do artigo 3.°, n.° 1, desta diretiva, implica a transmissão, para a sociedade incorporante, da obrigação de pagar uma coima aplicada por decisão definitiva, depois dessa fusão, por infrações ao direito do trabalho cometidas pela sociedade incorporada antes da referida fusão.

23      Em conformidade com o artigo 19.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 78/855, uma fusão mediante incorporação conduz ipso jure à transmissão universal do conjunto do património ativo e passivo da sociedade incorporada para a sociedade incorporante.

24      Para responder às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, importa, por conseguinte, verificar se a responsabilidade contraordenacional de uma sociedade, que consiste concretamente na obrigação de pagar uma coima fixada depois da fusão mediante incorporação dessa sociedade por infrações cometidas antes da referida fusão, deve ser considerada parte do património passivo dessa mesma sociedade, na aceção da referida disposição.

25      Entre os interessados visados pelo artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia que se pronunciaram a este respeito é pacífico que uma coima fixada por decisão definitiva antes da fusão de duas sociedades, mas ainda não paga, faz parte do património passivo da sociedade incorporada, na medida em que o montante dessa coima deve ser considerado uma dívida desta sociedade a favor do Estado‑Membro em causa. Em contrapartida, no que respeita à situação do processo principal, concretamente, uma situação em que uma coima que só foi fixada depois da fusão das sociedades em causa no processo principal, apenas os Governos português e húngaro, bem como a Comissão Europeia, são de opinião de que a obrigação de pagar essa coima faz parte do património passivo da sociedade incorporada, ao passo que a MCH e o Governo alemão sustentam a tese contrária.

26      A este respeito, há que observar que, tal como figura no artigo 19.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 78/855, o conceito de «património ativo e passivo» não é definido por esta. Além disso, esta disposição não contém uma remissão para o direito dos Estados‑Membros no que respeita a esta definição.

27      Ora, segundo jurisprudência constante, decorre tanto das exigências da aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição do direito da União que não contenha uma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance devem normalmente ser objeto, em toda a União Europeia, de uma interpretação autónoma e uniforme, que deve ser procurada tendo em conta o contexto da disposição e o objetivo prosseguido pela regulamentação em causa (v., designadamente, acórdãos Fish Legal e Shirley, C‑279/12, EU:C:2013:853, n.° 42, e Deckmyn e Vrijheidsfonds, C‑201/13, EU:C:2014:2132, n.° 14).

28      No que respeita ao contexto em que se inscreve o conceito de «património passivo», o artigo 19.°, n.° 1, da Diretiva 78/855 dispõe que uma fusão mediante incorporação conduz ipso jure, e portanto automaticamente, não só à transmissão universal do conjunto do património ativo e passivo da sociedade incorporada para a sociedade incorporante mas também, ao abrigo da sua alínea c), à extinção da sociedade incorporada. Daqui decorre que, caso a responsabilidade contraordenacional não se transmitisse para a sociedade incorporante, enquanto elemento do património passivo da sociedade incorporada, esta responsabilidade extinguir‑se‑ia.

29      Como observou o advogado‑geral no n.° 61 das suas conclusões, essa extinção estaria em contradição com a própria natureza de uma fusão mediante incorporação, como definida no artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 78/855, na medida em que, nos termos desta disposição, essa fusão consiste na transferência do conjunto do património da sociedade incorporada para a sociedade incorporante na sequência de uma dissolução sem liquidação.

30      A interpretação do conceito de património passivo acima exposta é confirmada pela análise da finalidade da Diretiva 78/855. A este respeito, decorre do terceiro considerando da mesma que a coordenação das legislações dos Estados‑Membros a respeito da fusão das sociedades anónimas, através da introdução, no direito destes últimos, do instituto da fusão, tem nomeadamente por objetivo a proteção dos interesses dos sócios e dos terceiros aquando de uma fusão mediante incorporação.

31      Ora, o conceito de terceiros é mais amplo do que o de «credores, obrigacionistas ou não, e os portadores de outros títulos das sociedades participantes na fusão», empregue no sexto considerando da referida diretiva, na medida em que estes credores e portadores de outros títulos são objeto de medidas de proteção específicas, previstas, nomeadamente, nos artigos 13.° a 15.° da Diretiva 78/855.

32      Importa, pois, considerar que entre os terceiros cujos interesses esta diretiva visa proteger figuram as entidades que, à data da fusão, ainda não são suscetíveis de ser qualificadas de credores ou de portadores de outros títulos, mas que podem ser assim qualificadas depois dessa fusão, devido a situações que nasceram antes da mesma, como a prática de infrações ao direito do trabalho, mas que só são constatadas por decisão depois da referida fusão. Caso a responsabilidade contraordenacional, que consiste no pagamento de uma coima pelas referidas infrações, não se transmitisse da sociedade incorporada para a sociedade incorporante, o interesse do Estado‑Membro cujas autoridades competentes tivessem aplicado esta coima não estaria protegido.

33      Neste contexto, há que sublinhar, como fizeram os Governos português e húngaro, bem como a Comissão, que, caso a transmissão dessa responsabilidade fosse excluída, a fusão seria um meio de uma sociedade escapar às consequências das infrações que tivesse cometido, em prejuízo do Estado‑Membro em causa ou de outros eventuais interessados.

34      Esta conclusão não é contrariada pelo argumento da MCH segundo o qual a transmissão da responsabilidade contraordenacional de uma sociedade incorporada através de uma fusão seria contrária aos interesses dos credores e acionistas da sociedade incorporante, na medida em que estes últimos não estariam em condições de avaliar as consequências económicas e patrimoniais desta fusão. Com efeito, por um lado, ao abrigo do artigo 13.°, n.° 2, da Diretiva 78/855, os referidos credores devem ter o direito de obter garantias adequadas sempre que a situação financeira das sociedades participantes na fusão torne essa proteção necessária, eventualmente recorrendo à autoridade administrativa ou judiciária competente para obter essas garantias. Por outro lado, como observou o advogado‑geral no n.° 61 das suas conclusões, os acionistas da sociedade incorporante podem ser protegidos, nomeadamente, pela inserção de uma cláusula de declarações e garantias no acordo de fusão. Além disso, nada impede que, antes da fusão, a sociedade incorporante mande efetuar uma auditoria detalhada da situação económica e jurídica da sociedade a incorporar para obter, além dos documentos e das informações disponíveis ao abrigo das disposições legais, uma visão mais completa das obrigações desta sociedade.

35      Assim, há que responder à primeira a terceira questões submetidas que o artigo 19.°, n.° 1, da Diretiva 78/855 deve ser interpretado no sentido de que uma «fusão mediante incorporação», na aceção do artigo 3.°, n.° 1, da referida diretiva, implica a transmissão, para a sociedade incorporante, da obrigação de pagar uma coima aplicada por decisão definitiva, depois da referida fusão, por infrações ao direito do trabalho cometidas pela sociedade incorporada antes da referida fusão.

 Quanto às despesas

36      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

O artigo 19.°, n.° 1, da Terceira Diretiva 78/855/CEE do Conselho, de 9 de outubro de 1978, fundada na alínea g) do n.° 3 do artigo 54.° do Tratado e relativa à fusão das sociedades anónimas, conforme alterada pela Diretiva 2009/109/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, deve ser interpretado no sentido de que uma «fusão mediante incorporação», na aceção do artigo 3.°, n.° 1, da referida diretiva, implica a transmissão, para a sociedade incorporante, da obrigação de pagar uma coima aplicada por decisão definitiva, depois da referida fusão, por infrações ao direito do trabalho cometidas pela sociedade incorporada antes da referida fusão.

Assinaturas


* Língua do processo: português.