Language of document : ECLI:EU:C:2018:410

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

ELEANOR SHARPSTON

apresentadas em 7 de junho de 2018 (1)

Processo C‑435/17

Argo Kalda Mardi talu

contra

Põllumajanduse Registrite ja Informatsiooni Amet (PRIA)

[pedido de decisão prejudicial do Tartu Halduskohus (Tribunal Administrativo de Tartu, Estónia)]

«Reenvio prejudicial — Política Agrícola Comum — Pagamentos diretos — Regulamento (UE) n.o 1306/2013 — Sistema de condicionalidade — Normas em matéria de boas condições agrícolas e ambientais — Sanções administrativas — Margem de apreciação dos Estados‑Membros — Regulamentação nacional que exige aos agricultores que preservem as estruturas arqueológicas — Conformidade com o direito da União






1.        A política agrícola comum (a seguir «PAC») prevê, entre outras medidas, a concessão de apoios da União Europeia aos agricultores. Para beneficiar desses apoios, os agricultores devem cumprir certas regras, geralmente conhecidas por sistema de condicionalidade. Tais regras exigem que os agricultores, nomeadamente, mantenham as terras elegíveis para apoios financeiros em boas condições agrícolas e ambientais. No presente pedido de decisão prejudicial, o Tartu Halduskohus [Tribunal Administrativo de Tartu (Estónia)] pretende saber se é compatível com as regras de condicionalidade estabelecidas no Regulamento (UE) n.o 1306/2013 (2) que os Estados‑Membros exijam aos agricultores a preservação de estruturas arqueológicas localizadas em terras agrícolas e se é legítima a aplicação de sanções administrativas nos casos em que tais estruturas sejam desmanteladas. O órgão jurisdicional de reenvio também pretende saber se o beneficiário de um apoio da União Europeia deve cumprir os requisitos em matéria de boas condições agrícolas e ambientais na totalidade da sua exploração agrícola ou apenas na superfície agrícola para a qual foi pedido um apoio financeiro.

 Quadro jurídico da União

2.        O Regulamento (UE) n.o 1307/2013 (3) estabelece, nomeadamente, regras comuns relativas aos pagamentos concedidos diretamente aos agricultores (a seguir «pagamentos diretos») (4).

3.        O artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o 1307/2013 define: «agricultor» como a pessoa singular ou coletiva ou o grupo de pessoas singulares ou coletivas, qualquer que seja o estatuto jurídico que o direito nacional confira ao grupo e aos seus membros, cuja exploração se situa, nomeadamente, no território dos Estados‑Membros; (5) «exploração» como o conjunto das unidades utilizadas para atividades agrícolas e geridas por um agricultor, situadas no território do mesmo Estado‑Membro; (6) e «superfície agrícola» como qualquer superfície de terras aráveis, prados permanentes e pastagens permanentes, ou culturas permanentes (7).

4.        O Regulamento (UE) n.o 1306/2013 estabelece regras sobre matérias que integram o sistema de condicionalidade (8). As expressões «agricultor» [artigo 2.o, alínea a)]; «atividade agrícola» [artigo 2.o, alínea b)]; «superfície agrícola» [artigo 2.o, alínea c)]); e «pagamentos diretos» (artigo 2.o, alínea e)] têm o mesmo significado que os termos correspondentes utilizados no Regulamento n.o 1307/2013. A expressão «exploração» no artigo 2.o, alínea d), significa o mesmo que «exploração» no Regulamento n.o 1307/2013, sob reserva das disposições do artigo 91.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1306/2013, relativas ao sistema de condicionalidade. O artigo 72.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1306/2013 dispõe que os beneficiários apresentarão anualmente um pedido de pagamento relativo às superfícies pertinentes, indicando, se for caso disso, todas as parcelas agrícolas da exploração, bem como a superfície não agrícola relativamente à qual é solicitada a ajuda (9).

5.        As regras consagradas no título VI do Regulamento n.o 1306/2013 regem a condicionalidade. O princípio geral do artigo 91.o, n.o 1, dispõe que no caso de um beneficiário não cumprir essas regras ser‑lhe‑á imposta uma sanção administrativa (10). Nos termos do artigo 91.o, n.o 2, tal sanção administrativa aplica‑se quando o incumprimento resultar de um ato ou de uma omissão diretamente imputável ao beneficiário em causa e se estiver preenchida uma das condições adicionais seguintes ou as duas simultaneamente: (a) o incumprimento estiver relacionado com a atividade agrícola do beneficiário; (b) estiver em causa a superfície da exploração do beneficiário.

6.        De acordo com o artigo 93.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1306/2013, as regras de condicionalidade incluem, nomeadamente, o cumprimento das normas estabelecidas a nível nacional em matéria de boas condições agrícolas e ambientais das terras, enunciadas no Anexo II do Regulamento n.o 1306/2013.

7.        Nos termos do artigo 94.o, os Estados‑Membros devem assegurar que todas superfícies agrícolas (incluindo as terras que já não sejam utilizadas para fins produtivos), são mantidas em boas condições agrícolas e ambientais. Os Estados‑Membros devem definir, a nível nacional ou regional, normas mínimas no que respeita às boas condições agrícolas e ambientais das terras, a cumprir pelos beneficiários com base no Anexo II do Regulamento n.o 1306/2013, tendo em conta as características específicas das zonas em questão, nomeadamente as condições edafoclimáticas, os sistemas de exploração existentes, a utilização das terras, a rotação das culturas, as práticas agrícolas e as estruturas agrícolas Desta forma, os Estados‑Membros não devem definir requisitos mínimos que não estejam estabelecidos no Anexo II (11).

8.        O artigo 97.o estabelece que a sanção administrativa consagrada no artigo 91.o deve ser aplicada sempre que as regras de condicionalidade não sejam cumpridas a qualquer momento de um determinado ano civil e sempre que o incumprimento em causa seja diretamente imputável ao beneficiário que apresentou o pedido de ajuda ou o pedido de pagamento no ano civil em causa.

9.        O Anexo II do Regulamento n.o 1306/2013 intitula‑se «Regras de condicionalidade nos termos do artigo 93.o». Utiliza o acrónimo «BCAA» com o significado de «normas em matéria de boas condições agrícolas e ambientais das terras». A tabela do Anexo II inclui a seguinte entrada:

Domínio

Assunto principal

Requisitos e normas

Ambiente, alterações climáticas e boas condições agrícolas das terras

Paisagem, nível mínimo de manutenção

BCAA 7

Manutenção das características das paisagens, incluindo, se for caso disso, sebes, lagoas, valas, árvores em linha, agrupadas ou isoladas, e orlas dos campos e socalcos, incluindo a proibição do corte de sebes e árvores durante os períodos nidícola e de reprodução, e, facultativamente, medidas para evitar plantas invasivas.


10.      O Regulamento Delegado (UE) n.o 640/2014 da Comissão (12) estabelece disposições que completam alguns elementos do Regulamento n.o 1306/2013, nomeadamente quanto à determinação das sanções administrativas e das taxas específicas a impor, bem como à base de cálculo da ajuda, incluindo regras para o tratamento de determinados casos em que as superfícies elegíveis contenham certos elementos paisagísticos ou árvores (13). Nos termos do artigo 5.o, n.os 1 e 2, do Regulamento Delegado n.o 640/2014, a fim de assegurar a conformidade com as medidas da PAC, os Estados‑Membros devem estabelecer sistemas de identificação de parcelas agrícolas e devem assegurar que tais parcelas declaradas são claramente identificadas (14). Existem disposições específicas para os elementos paisagísticos sujeitos às exigências e às normas enunciadas no Anexo II do Regulamento (UE) n.o 1306/2013 que sejam parte da superfície total de uma parcela agrícola. Tais elementos devem ser considerados parte da superfície elegível dessa parcela nos termos do artigo 9.o, n.o 2, do Regulamento Delegado n.o 640/2014 (15). De acordo com o artigo 39.o, n.o 1, deste regulamento, se o incumprimento resultar de negligência do beneficiário, a redução aplicável é, em regra, de 3% do montante total dos pagamentos diretos em causa.

 Direito nacional

11.      Segundo a regulamentação nacional, o beneficiário de um pagamento direto na aceção do artigo 92.o do Regulamento n.o 1306/2013 deve cumprir, no âmbito da sua atividade agrícola e na totalidade da superfície agrícola da sua exploração, o requisito relativo às boas condições agrícolas e ambientais dos solos. Tal obrigação inclui a conservação das características da paisagem e a realização de um nível mínimo de manutenção (16). As estruturas arqueológicas, como um túmulo, devem ser conservadas. Para este efeito, podem ser classificados como estruturas arqueológicas: «os locais residenciais pré‑históricos, medievais e modernos, as fortificações, os locais de refúgio, os locais de culto, os túmulos, os sítios da antiguidade, as grutas, os caminhos, as pontes, os portos e os locais destinados ao exercício de ofícios. […]» (17)

 Matéria de facto, tramitação do processo e questões prejudiciais

12.      Em 2016, a Argo Kalda Mardi talu (a exploração de Argo Kalda Mardi, a seguir «Mardi talu») candidatou‑se a um pagamento único por superfície e a um apoio às práticas agrícolas benéficas para o clima e o ambiente. Em 2 de novembro de 2016, o Põllumajanduse Registrite ja Informatsiooni Amet (Serviço de Registos e Informações Agrícolas, a seguir «PRIA») efetuou uma inspeção no local à unidade agrícola de Mardi talu. No relatório feito após essa inspeção no local, o PRIA refere o seguinte: «no campo n.o 46 — ao lado da parcela agrícola […], monumento arqueológico — túmulo, as pedras tumulares foram deslocadas para o limite do terreno, o arbusto existente foi retirado. Fotografias».

13.      Em 24 de novembro de 2016, o PRIA informou Mardi talu de que este tinha violado a legislação nacional que estabelece os requisitos em matéria de boas condições agrícolas e ambientais dos solos (a seguir «medidas nacionais em causa»). Por conseguinte, foi aplicada uma sanção administrativa e o apoio solicitado por Mardi talu reduzido em 3%. Em 30 de novembro de 2016, Mardi talu impugnou a conclusão do PRIA, contrapondo que não tinha violado as medidas nacionais em causa dado que o túmulo não se encontrava marcado na natureza nem se situava numa superfície agrícola, mas sim no limite de uma parcela.

14.      Em 7 de dezembro de 2016, o PRIA respondeu a Mardi talu, referindo que, em conformidade com o artigo 72.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1306/2013, tais regras também deviam ser cumpridas quanto à parte do solo situado no exterior dos limites da parcela agrícola relativamente à qual não tinha sido solicitada nenhuma ajuda. Por decisão de 15 de dezembro de 2016, o PRIA reconheceu a Mardi talu o direito a um pagamento único por superfície no montante de EUR 82 606,88. Seguidamente foi aplicada uma sanção administrativa e, por conseguinte, esse pagamento reduzido em 3% (EUR 2 554,94). Nos termos de uma segunda decisão da mesma data, o PRIA atribuiu a Mardi talu um pagamento de EUR 37 549,94 a título de apoio às práticas agrícolas benéficas para o clima e o ambiente. Esse pagamento foi da mesma forma reduzido em 3% (EUR 1 161,34) como consequência da aplicação de uma sanção administrativa.

15.      Em 17 de janeiro de 2017, Mardi talu apresentou uma reclamação no PRIA com vista à anulação de ambas as decisões, na medida em que tinha sido aplicada uma sanção administrativa e os pagamentos atribuídos tinham sido reduzidos em 3%. O PRIA indeferiu essa reclamação por decisão de 20 de fevereiro de 2017.

16.      Em 23 de março de 2017, Mardi talu interpôs recurso para o órgão jurisdicional de reenvio, com vista: (i) à anulação das sanções administrativas aplicadas nos termos das duas decisões de 15 de dezembro de 2017; (ii) à condenação no pagamento dos montantes deduzidos; e (iii) à anulação da decisão de 20 de fevereiro de 2017. Como fundamento do seu recurso, Mardi Talu invocou várias considerações, incluindo a inexistência de uma infração às regras de condicionalidade. O monte de pedras não era um túmulo: tinha sido empilhado aquando do cultivo dos campos. O local da alegada infração não era utilizado por Mardi talu para exploração agrícola e não tinha solicitado nenhum pagamento para esse terreno.

17.      O PRIA respondeu que em 6 de janeiro de 1998 tinham sido registados elementos de prova da existência de uma estrutura arqueológica, que forma confirmados na unidade cadastral «Hansapõld» com base nos dados do registo público do património cultural. O PRIA invocou ainda material obtido junto do Serviço de Proteção do Património para confirmar o estatuto arqueológico do túmulo. O terreno onde estava localizado o túmulo fazia parte da exploração de Mardi talu. A obrigação prevista na lei nacional de proteger estruturas arqueológicas não se aplica apenas ao terreno cultivado relativamente ao qual foi apresentado o pedido, mas sim à totalidade da exploração agrícola.

18.      O órgão jurisdicional de reenvio salienta que, por força da regulamentação nacional, devem ser preservadas as estruturas arqueológicas, os túmulos, os sítios arqueológicos, as grutas, os locais de culto, os caminhos ou as pontes e que os túmulos pré‑históricos, medievais ou modernos são, todos eles, estruturas arqueológicas para efeitos dessa regulamentação. Esse órgão jurisdicional considera que o objetivo da regulamentação nacional em apreço consiste em proteger os túmulos situados em território estónio como estruturas arqueológicas. É pacífico que Mardi talu não utilizou o terreno onde se encontrava o túmulo como superfície agrícola e que esse terreno se situa no limite da parcela agrícola que efetivamente utiliza para a produção agrícola. No entanto, não é claro se o objetivo da legislação pertinente da União, nomeadamente o Regulamento n.o 1306/2013, consiste na preservação de túmulos como estruturas arqueológicas. O Anexo II do Regulamento n.o 1306/2013 faz supor que, em matéria de ambiente, alterações climáticas e boas condições agrícolas dos solos, a manutenção das características das paisagens é enunciada com vista à proteção do ambiente enquanto sistema ecológico e biológico, e não com vista à preservação de estruturas culturais e históricas.

19.      Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça que se pronuncie, a título prejudicial, sobre as seguintes questões:

«1)      Deve considerar‑se conforme ao artigo 93.o, n.o 1, ao artigo 94.o e às normas mínimas estabelecidas no Anexo II do Regulamento n.o 1306/2013 […] que um Estado‑Membro imponha ao requerente de um pagamento único por superfície e de um apoio às práticas agrícolas benéficas para o clima e o ambiente a obrigação de conservar pedras tumulares, obrigação esta cuja violação dá lugar à aplicação de uma redução de 3% dos pagamentos, a título de sanção administrativa, nos termos do artigo 39.o do Regulamento Delegado n.o 640/2014 da Comissão?

2)      Em caso de resposta negativa à primeira questão, deve considerar‑se que, por força do artigo 72.o, n.o 1, alínea a), do artigo 91.o, n.os 1 e 2, do artigo 93.o, n.o 1, do artigo 94.o do Regulamento n.o 1306/2013 […] e do artigo 4.o, n.o 1, alíneas b), c) e e), do Regulamento n.o 1307/2013, o requerente de um pagamento único por superfície e de um apoio às práticas agrícolas benéficas para o clima e o ambiente deve respeitar os requisitos em matéria de boas condições agrícolas e ambientais na totalidade da sua exploração agrícola ou apenas na superfície agrícola para a qual foi concretamente pedido um apoio, a fim de evitar a aplicação de uma sanção administrativa?

20.      Foram apresentadas observações escritas por Argo Kalda Mardi talu, pelo Governo estónio e pela Comissão Europeia. O Tribunal de Justiça decidiu não realizar audiência.

 Análise

 Primeira questão

21.      O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, com a primeira questão, se a regulamentação nacional que impõe a preservação de estruturas arqueológicas, um túmulo no caso em apreço, é compatível com os requisitos do Regulamento n.o 1306/2013 relativos às normas em matéria de boas condições agrícolas e ambientais das terras, em especial a manutenção das características das paisagens (a seguir «normas BCAA 7»), e se a sanção administrativa aplicada pelo desmantelamento e deslocação de tal estrutura é, assim, permitida.

22.      Mardi Talu alega que, embora os Estados‑Membros tenham uma margem de apreciação, as disposições relativas à condicionalidade do Regulamento n.o 1306/2013 não abrangem a proteção do património cultural de um Estado‑Membro. Assim, quando uma estrutura arqueológica não faz parte do ecossistema ou do meio biológico não está abrangida pelo âmbito de aplicação das regras de condicionalidade desse regulamento. A aplicação de uma sanção administrativa e a consequente redução do auxílio concedido a Mardi Talu eram, portanto, contrárias ao direito da União.

23.      O Governo estónio e a Comissão discordam dessa posição.

24.      Eu também considero que a regulamentação nacional em causa é compatível como o direito da União.

25.      É pacífico que Mardi talu, enquanto beneficiário do apoio da União Europeia, está abrangido pelo âmbito de aplicação das disposições relativas à condicionalidade constantes do título VI do Regulamento n.o 1306/2013, na medida em que é agricultor de uma exploração que desenvolve atividades agrícolas na aceção do Regulamento n.o 1307/2013.

26.      As normas em matéria de boas condições agrícolas e ambientais das terras mencionadas no artigo 93.o, n.o 1, e enunciadas no Anexo II não estão definidas de forma exaustiva no Regulamento n.o 1306/2013. As normas BCAA 7, que respeitam à manutenção das características das paisagens, contêm uma lista não exaustiva dessas características. Na falta de uma definição desse conceito no Regulamento n.o 1306/2013, o mesmo deve ser interpretado tendo em conta a sua aceção habitual e o contexto em que é utilizado (18).

27.      O contexto normativo não inclui expressões qualificadoras, como as características da paisagem «natural» ou as características de uma paisagem «agrícola». Por conseguinte, é conforme a esse contexto interpretar a expressão «manutenção das características da paisagem» de um modo que eventualmenteinclua todas as características de uma zona rural ou de um terreno. Estariam, assim, abrangidos os edifícios ou outras intervenções humanas na paisagem, bem como as características que resultam dos contornos naturais da paisagem (como montanhas, rios ou prados). Parece‑me que esta posição é compatível com as normas BCAA 7 e o Anexo II do Regulamento n. o 1306/2013, que inclui elementos resultantes da intervenção humana, como sebes, lagoas, valas, socalcos e orlas dos campos. A expressão «características das paisagens» aponta para os elementos através dos quais certas zonas rurais podem ser identificadas. Na medida em que as normas BCAA também se aplicam às condições ambientais das terras, não é necessário demonstrar que esses elementos são utilizados para fins agrícolas. Também não é necessário que as boas condições ambientais das terras respeitem apenas ao ecossistema do meio biológico.

28.      O enunciado das normas BCAA 7 definidas no Anexo II do Regulamento n. o 1306/2013 dá a entender que a superfície das terras deve ser mantida, de um modo geral, em boas condições. Nestas circunstâncias, poderão aplicar‑se considerações de caráter puramente estético ou relacionadas com o facto de um Estado‑Membro desejar manter certas características de valor histórico e cultural na sua paisagem.

29.      O primeiro parágrafo do artigo 94. o do Regulamento n. o 1306/2013 deixa aos Estados‑Membros uma ampla margem de apreciação. Os Estados‑Membros devem assegurar que todas as superfícies agrícolas, incluindo as terras que já não sejam utilizadas para fins produtivos, são mantidas em boas condições agrícolas e ambientais. Assim, não é relevante a questão de saber se o túmulo se encontrava nas terras utilizadas para fins agrícolas ou em parcelas contíguas, desde que se encontrasse dentro das terras compreendidas na exploração (na aceção do artigo 91.o, n.o 3, alínea a), do referido regulamento) de Mardi talu.

30.      Nos termos do artigo 94.o do Regulamento n.o 1306/2013, são os Estados‑Membros que definem, a nível nacional ou regional, as normas mínimas no que respeita às boas condições agrícolas e ambientais das terras, com base no Anexo II. Assim, é permitido aos Estados‑Membros estabelecer exigências relativas ao seu património cultural, sempre que considerarem adequado fazê‑lo. Na medida em que essas exigências digam respeito às boas condições agrícolas ou ambientais das terras, são também compatíveis com o Anexo II do Regulamento n.o 1306/2013.

31.      Esta interpretação é coerente com o objetivo geral do Regulamento n.o 1306/2013, que figura no considerando 54, de contribuir para o desenvolvimento de uma agricultura sustentável através de uma maior sensibilização dos beneficiários para a necessidade de cumprirem as normas básicas, relativas, nomeadamente, às boas condições agrícolas e ambientais dos solos. Além disso, os Estados‑Membros poderão querer preservar estruturas arqueológicos por outras razões que não de ordem estética ou os benefícios para o património cultural. Pode acontecer — por exemplo — que tais estruturas contribuam para a prevenção da erosão dos solos e para a conservação da matéria orgânica do solo. Estruturas arqueológicas podem igualmente acolher aves, insetos e plantas, constituindo, assim, um ecossistema dinâmico.

32.      Por último, parece‑me que o Acórdão do Tribunal de Justiça no processo Horvath (19) fornece indicações úteis para o caso em apreço. Nesse processo, o Tribunal de Justiça foi interrogado quanto à questão de saber se um Estado‑Membro pode incluir nas normas BCAA estabelecidas ao abrigo do Regulamento (CE) n.o 1782/2003(20) exigências relativas à manutenção de servidões de passagem visíveis. O Tribunal de Justiça declarou que embora os Estados‑Membros sejam obrigados a respeitar as exigências enunciadas no Anexo IV do Regulamento n.o 1782/2003, mantêm, contudo, uma certa margem de apreciação quanto à determinação dessas exigências. Resulta da expressão «boas condições agrícolas e ambientais» que os Estados‑Membros podem adotar exigências em matéria de BCAA para fins ambientais. Assim, uma obrigação de manter uma característica da paisagem que não prossiga nenhum objetivo agrícola mas revista caráter ambiental constitui uma exigência BCAA (21).

33.      As características das paisagens são componentes físicas do ambiente. Como o Tribunal de Justiça precisou, «as exigências relativas à manutenção dessas características devem contribuir para a sua conservação como componentes físicos. As obrigações de manutenção podem contribuir para a manutenção desses caminhos como componentes físicos do ambiente. […] Daqui decorre que uma obrigação derivada dessas normas pode ter um objetivo ambiental que consista em evitar a deterioração dos habitats». O Tribunal de Justiça reconheceu que as características da paisagem em causa nesse processo também podiam contribuir para a preservação dos habitats (22).

34.      Em suma, na minha opinião, o conceito de «ambiente», tal como utilizado no contexto da condicionalidade, não deverá ser interpretado de forma restritiva, de modo a abranger apenas o meio biológico imediato em que se desenvolve a atividade agrícola. Como o Tribunal de Justiça já indicou no Acórdão Horvath, as características das paisagens que não contribuam diretamente para os processos do setor agrícola fazem, no entanto, parte integrante da paisagem rural; e a sua preservação pode fazer parte das obrigações de condicionalidade que os agricultores são obrigados a respeitar como contrapartida das ajudas diretas que recebem do orçamento da União Europeia e, por conseguinte, dos contribuintes da União (23).

35.      Assim, o direito da União Europeia não se opõe a que um Estado‑Membro inclua a preservação dos monumentos arqueológicos, tais como pedras tumulares, no quadro das normas relativas às boas condições agrícolas e ambientais das terras para efeitos das normas BCAA 7 enunciadas no Anexo II do Regulamento n.o 1306/2013.

36.      Nestas circunstâncias, sou de opinião que a sanção administrativa era permitida.

37.      O órgão jurisdicional de reenvio declarou que a remoção do túmulo era contrária à regulamentação nacional pertinente. Assim, Mardi talu violou as regras de condicionalidade, na aceção do artigo 93.o do Regulamento n.o 1306/2013. Por conseguinte, são aplicáveis as condições que desencadeiam a aplicação de uma sanção administrativa prevista no artigo 91.o, n.os 1 e 2. Em conformidade com o artigo 39.o, n.o 1, do Regulamento Delegado n.o 640/2014, a redução adequada era de 3% (taxa mínima prevista) do montante total da ajuda.

38.      Por conseguinte, concluo que, nos termos dos artigos 93.o e 94.o do Regulamento n.o 1306/2013, um Estado‑Membro pode incluir exigências relativas à manutenção de estruturas arqueológicas, tais como pedras tumulares, nas suas regras relativas às normas BCAA enumeradas no Anexo II desse regulamento, na medida em que tais exigências contribuam para a preservação das referidas estruturas enquanto características das paisagens ou, se for esse caso, para evitar a deterioração de habitats. Nos casos em que o beneficiário de um pagamento direto não cumpra as regras de condicionalidade, nomeadamente não preservando um monumento arqueológico, conforme exigido pela regulamentação nacional, é compatível com as disposições do título VI do Regulamento n.o 1306/2013 aplicar as sanções administrativas adequadas, em conformidade com o artigo 39.o do Regulamento Delegado n.o 640/2014.

 Segunda questão

39.      A segunda questão tem por objeto a interpretação da superfície da «exploração» do beneficiário em causa. O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se um beneficiário deve respeitar os requisitos em matéria de boas condições agrícolas e ambientais na totalidade da sua exploração agrícola ou apenas na superfície agrícola específica para a qual foi pedida a ajuda.

40.      Esse órgão jurisdicional indica que Mardi talu não utilizou o terreno onde se encontrava o túmulo como superfície agrícola e que nenhuma ajuda foi solicitada em relação a essa parcela. O túmulo encontrava‑se no limite da parcela para a qual foi pedida a ajuda. Estes factos não são contestados pelo beneficiário, exceto no que se refere à localização do túmulo. Mardi talu sustenta que a descrição dos factos do órgão jurisdicional de reenvio a esse respeito é incorreta, uma vez que o túmulo estava construído num terreno adjacente à parcela para a qual foi pedida a ajuda. As pedras estavam lá há décadas, tornando o terreno impróprio para utilização agrícola.

41.      O órgão jurisdicional de reenvio afirma que a segunda questão só se coloca em caso de resposta negativa à sua primeira questão. No entanto, parece‑me (tal como sustentam o Governo estónio e a Comissão) que esta questão é, de facto, pertinente no caso de uma resposta positiva. Por conseguinte, analisarei a segunda questão, a fim de responder integralmente às questões suscitadas no despacho de reenvio.

42.      É pacífico que o túmulo se situava na exploração de Mardi talu, o beneficiário para efeitos das regras de condicionalidade. Também é pacífico que o local do túmulo não era uma unidade de produção agrícola para a qual tivesse sido pedida ajuda.

43.      Parece‑me que um beneficiário tem necessariamente de cumprir as regras da condicionalidade em relação a toda a exploração, e não apenas para a superfície específica utilizada para a produção agrícola relativamente à qual a ajuda é pedida. Como já referi, é essa a minha leitura do artigo 72.o, n.o 1, alínea a), interpretado em conjunto com as regras de condicionalidade do título VI do Regulamento n.o 1306/2013 (24).

44.      O artigo 91.o, n.o 2, alínea b), dispõe que só é aplicável uma sanção administrativa quando o incumprimento resultar de um ato ou de uma omissão diretamente imputável ao beneficiário em causa e se estiver preenchida uma das condições seguintes ou as duas simultaneamente: (a) o incumprimento estiver relacionado com a atividade agrícola do beneficiário (o que não é o caso); (b) estiver em causa a superfície da exploração do beneficiário. A «exploração» está definida no artigo 91.o, n.o 3, alínea a), como o conjunto das unidades de produção e superfícies geridas pelo beneficiário situadas no território do mesmo Estado‑Membro (25). Este enunciado indica que as atividades do beneficiário relacionadas com a totalidade da exploração são irrelevantes para efeitos da apreciação, pelas autoridades competentes, da questão do cumprimento das regras de condicionalidade num caso concreto.

45.      Esta conclusão é reforçada pelo considerando 53 do Regulamento n.o 1306/2013, que refere que o Regulamento n.o 1782/2003 estabelecia o princípio de que o pagamento integral aos beneficiários de alguns apoios no âmbito da PAC deverá ser sujeito ao cumprimento de regras relativas, nomeadamente, à gestão das terras. No âmbito do sistema de condicionalidade daí resultante, os Estados‑Membros devem impor sanções sob a forma de uma redução ou da exclusão da ajuda. O considerando 54 acrescenta que o sistema de condicionalidade está integrado nas normas básicas da PAC, por exemplo em matéria de ambiente, alterações climáticas e boas condições agrícolas e ambientais dos solos, o que confirma o amplo alcance do âmbito de aplicação destas regras.

46.      Estes objetivos cobrem finalidades amplas que não estão sujeitas a limitações expressamente previstas. Isto nada tem de surpreendente. Seria difícil justificar o pagamento, através de fundos públicos, de ajudas diretas a agricultores para determinadas parcelas que fazem parte da sua exploração geral, permitindo ao mesmo tempo atividades prejudiciais para o ambiente em termos gerais noutras parcelas da mesma exploração que não utilizadas para fins agrícolas.

47.      A génese legislativa do Regulamento n.o 1306/2013 ajuda a esclarecer os objetivos das regras. A sequência dos atos legislativos foi a que se segue. O Regulamento n.o 1782/2003 (que foi substituído pelo Regulamento (CE) n.o 73/2009 (26)) estabelecia o princípio de que o pagamento integral aos beneficiários de alguns apoios no âmbito da PAC dever ser sujeito a um sistema de condicionalidade. Foram, então, adotados vários instrumentos distintos que estabeleceram o quadro legislativo da PAC para o período compreendido entre 2014 e 2020, incluindo o Regulamento n.o 1306/2013 e o Regulamento n.o 1307/2013, tendo este último revogado e substituído o Regulamento n.o 73/2009. O Regulamento n.o 1306/2013 estabelece regras que estavam anteriormente previstas pelo Regulamento n.o 73/2009, em especial as regras destinadas a garantir a observância das obrigações estabelecidas pelas disposições relativas aos pagamentos diretos, incluindo os controlos e a aplicação de medidas e sanções administrativas em caso de incumprimento, as regras relativas à condicionalidade, como os requisitos legais de gestão, as boas condições agrícolas e ambientais, o acompanhamento e a avaliação das medidas pertinentes e as regras relativas ao pagamento de adiantamentos e à recuperação de pagamentos indevidos (27).

48.      Na exposição de motivos da sua proposta para o que veio a ser o Regulamento n.o 1782/2003, em que exprime os seus pontos de vista numa perspetiva de longo prazo para uma agricultura sustentável, sob a epígrafe «Reforço das normas ambientais, de segurança dos alimentos, de saúde e bem‑estar animal e de segurança no trabalho», a Comissão declarou:

«O conceito de condicionalidade será de aplicação obrigatória às normas europeias imperativas nos domínios ambiental, da segurança dos alimentos, da saúde e do bem‑estar animal e da segurança no trabalho ao nível das explorações agrícolas. Como complemento necessário da dissociação, para evitar o abandono das terras e os problemas ambientais que daí decorreriam, os beneficiários dos pagamentos diretos também serão obrigados a manter todas as suas terras agrícolas em boas condições agrícolas.

Estes critérios serão aplicados às explorações na sua integralidade e serão aplicáveis sanções a qualquer caso de inobservância por parte de explorações beneficiárias. Serão aplicáveis a todos os setores e tanto aos terrenos agrícolas em utilização como aos que não estejam a ser utilizados.

Os agricultores que receberem o pagamento único por exploração ou outros pagamentos diretos ao abrigo da PAC e não respeitarem as normas imperativas referidas ficarão sujeitos a sanções. A penalidade assumirá a forma de uma redução parcial ou total da ajuda (em função da gravidade do caso).» (28)

49.      Num estudo posterior sobre o impacto dos acordos ambientais na PAC, foi observado que «a condicionalidade é um elemento‑chave da reforma da PAC de 2003. A introdução da condicionalidade obrigatória significa que, a partir de 1 de janeiro de 2005, os agricultores que recebam pagamentos diretos terão de respeitar um conjunto de requisitos legais de gestão (RLG), tal como estabelece o Anexo III do Regulamento n.o 1782/2003, e manter os terrenos elegíveis em boas condições agrícolas e ambientais (BCAA), em conformidade com o quadro estabelecido pelo Anexo IV do mesmo regulamento. Os requisitos de condicionalidade respeitam à totalidade da exploração agrícola e também a terrenos e parcelas da exploração agrícola que não são objeto de pagamentos diretos. O incumprimento dará lugar à aplicação de determinadas reduções dos pagamentos diretos, sendo, em média, de 3% (1% a 5%) em caso do primeiro incumprimento e de 15% a 100% em caso de incumprimento deliberado, em função da gravidade, da extensão, da persistência e da reincidência do incumprimento. Assim, tanto os requisitos legais existentes como as normas BCAA serão aplicados por meio de controlos integrados no regime de pagamento direto» (29).

50.      Por último, a exposição de motivos da proposta da Comissão para o Regulamento n.o 1306/2013 salienta: «Terá que ser dado apoio aos agricultores, que juntamente com os silvicultores são os principais gestores das terras, para que adotem e mantenham sistemas e práticas agrícolas especialmente favoráveis aos objetivos ambientais e climáticos, pois os preços do mercado não refletem o fornecimento desses bens públicos. Será também essencial tirar o máximo partido do potencial diversificado das zonas rurais e contribuir, assim, para um crescimento inclusivo e para a coesão.» (30)

51.      A génese legislativa indica que, no contexto da PAC, se considera que os agricultores têm obrigações que se estendem além da produção agrícola. Têm também um papel de guardiões do meio ambiente («gestores de terras») em relação à terra que compreende a sua exploração. Assim, a origem das regras de condicionalidade corrobora a leitura do Regulamento n.o 1306/2013 que entende por «exploração» a totalidade da exploração do beneficiário.

52.      O que acabo de expor poderia considerar‑se suficiente para concluir a análise do assunto. No entanto, por uma questão de exaustividade, analisarei também brevemente a questão de saber se o regime legislativo específico permite considerar igualmente que o termo «exploração» inclui terrenos que não são objeto do pedido de ajuda.

53.      O quadro normativo é muito complexo. Inclui o Regulamento Delegado n.o 640/2014, que deve naturalmente ser interpretado de forma coerente com o Regulamento n.o 1306/2013, o regulamento de habilitação (31). Para além de «exploração» e «superfície agrícola», este último regulamento utiliza a expressão «parcela agrícola», definida no artigo 67.o, n.o 4, alínea a), do Regulamento n.o 1306/2013. Esta disposição faz parte do capítulo II, «Sistema Integrado de Gestão e de Controlo», que figura no título V do Regulamento n.o 1306/2013 sob a epígrafe «Sistemas de Controlo e Sanções». Estas disposições incluem os elementos introduzidos para um acompanhamento eficaz da distribuição da ajuda paga aos agricultores da União (32).

54.      O Regulamento Delegado n.o 640/2014 introduz uma série de medidas técnicas precisas. Estabelece, nomeadamente, a base de cálculo da ajuda, incluindo as regras para o tratamento de determinados casos em que as superfícies elegíveis contenham certos elementos paisagísticos ou árvores [artigo n.o 1, alínea h)]. Quando os Estados‑Membros atribuem pagamentos únicos por superfície, devem garantir que cada parcela agrícola declarada por um beneficiário seja identificada de modo fiável, por forma a permitir a sua localização e medição (artigo 5.o, n.o 2), e a fim de permitir às autoridades competentes assegurar as verificações necessárias.

55.      O artigo 9.o, n.o 2, do Regulamento Delegado n.o 640/2014 dispõe que os elementos paisagísticos abrangidos pelo Anexo II do Regulamento n.o 1306/2013 que integrem a superfície total de uma parcela agrícola são considerados parte da superfície elegível dessa parcela (33).

56.      No entanto, a questão no caso em apreço não consiste de saber se o local onde o túmulo se encontrava era elegível para ajuda. Pelo contrário, é saber se a regulamentação nacional que exige a preservação do túmulo como condição para uma ajuda, no âmbito da PAC, relativa ao terreno adjacente, em cujos limites estava localizado o túmulo, é compatível com o direito da União. Assim, o facto de o túmulo estar localizado numa parcela agrícola elegível para uma ajuda da União Europeia para efeitos do artigo 9.o, n.o 2, do Regulamento Delegado n.o 640/2014 não pode alterar a interpretação correta do termo «exploração» para efeitos dos artigos 2.o, alínea d), e 91.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1306/2013.

57.      No entanto, na prática, pode ser útil o órgão jurisdicional de reenvio estabelecer se o terreno em que se situava o túmulo foi identificado por Mardi talu como parte de uma superfície elegível de uma parcela agrícola para efeitos do Regulamento Delegado n.o 640/2014. Se for esse o caso, é incompatível com essa conclusão determinar que nenhuma sanção administrativa pode ser aplicada em relação ao terreno onde o túmulo estava localizado pelo simples facto de essa parcela não ser usada para produção agrícola. De outro modo, Mardi talu procuraria ter «sol na eira e chuva no nabal». Se um agricultor identificar o local de uma estrutura arqueológica como parcela agrícola para efeitos do pedido de ajuda, não pode simultaneamente sustentar que as sanções administrativas não podem ser aplicadas às suas atividades nesse terreno por este não ser utilizado para a produção agrícola.

58.      Acrescento que a interpretação contrária (que limita as obrigações de condicionalidade às parcelas de terrenos de uma exploração efetivamente cultivada) permitiria que essas obrigações fossem muito facilmente contornadas pelos beneficiários sem escrúpulos. Assim, no ano 1, um agricultor podia abster‑se de incluir no seu pedido de ajuda direta uma parcela de terreno com um elemento paisagístico incómodo (por exemplo uma árvore milenar ou as ruínas de um castro da Idade do Ferro). Livre da sanção pecuniária em que incorreria pelo incumprimento deliberado de uma obrigação de condicionalidade, o agricultor corta então a árvore ou destrói as ruínas do castro. Retira os destroços da terra, aumentando desse modo a superfície disponível para produção e o seu nível potencial de rentabilidade. A seguir, no ano 2, inclui essa parcela de terreno no seu pedido de ajuda direta como terreno utilizado na exploração agrícola. Quando a situação é colocada desta forma, torna‑se claro por que razão o regime instituído pelo legislador da União apenas funciona corretamente se as obrigações de condicionalidade se referirem a todas as parcelas de terra que constituem a exploração do beneficiário, quer estejam ou não a ser efetivamente exploradas num momento específico.

59.      Daí resulta que, na minha opinião, para efeitos do artigo 72.o, n.o 1, alínea a), e das regras de condicionalidade do título VI do Regulamento n.o 1306/2013, um beneficiário deve respeitar os requisitos em matéria de boas condições agrícolas e ambientais na totalidade da sua exploração agrícola, e não apenas na superfície agrícola para a qual foi pedida a ajuda.

 Conclusão

60.      À luz de todas as considerações que antecedem, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões submetidas pelo Tartu Halduskohus (Tribunal Administrativo de Tartu, Estónia) da seguinte forma:

–        Nos termos dos artigos 93.o e 94.o do Regulamento (UE) n.o 1306/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, relativo ao financiamento, à gestão e ao acompanhamento da Política Agrícola Comum, um Estado‑Membro pode incluir exigências relativas à manutenção de estruturas arqueológicas, tais como pedras tumulares, nas suas regras relativas às normas em matéria de boas condições agrícolas e ambientais das terras (BCAA) enumeradas no Anexo II desse regulamento, na medida em que tais exigências contribuam para a preservação das referidas estruturas enquanto características das paisagens ou, se for esse o caso, para evitar a deterioração de habitats.

–        Nos casos em que o beneficiário de um pagamento direto não cumpra as regras de condicionalidade, nomeadamente não preservando um monumento arqueológico, conforme exigido pela regulamentação nacional, é compatível com as disposições do título VI do Regulamento n.o 1306/2013 aplicar as sanções administrativas adequadas, em conformidade com o artigo 39.o do Regulamento Delegado (UE) n.o 640/2014 da Comissão, 11 de março de 2014, que completa o Regulamento (UE) n.o 1306/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho no que diz respeito ao sistema integrado de gestão e de controlo e às condições de recusa ou retirada de pagamentos, bem como às sanções administrativas aplicáveis aos pagamentos diretos, ao apoio ao desenvolvimento rural e à condicionalidade.

–        Para efeitos do artigo 72.o, n.o 1, alínea a), e das regras de condicionalidade do título VI do Regulamento n.o 1306/2013, um beneficiário deve respeitar os requisitos em matéria de boas condições agrícolas e ambientais na totalidade da sua exploração agrícola, e não apenas na superfície agrícola para a qual a ajuda foi pedida.


1      Língua original: inglês.


2      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, relativo ao financiamento, à gestão e ao acompanhamento da Política Agrícola Comum e que revoga os Regulamentos (CEE) n.o 352/78 (CE) n.o 165/94 (CE) n.o 2799/98 (CE) n.o 814/2000 (CE) n.o 1290/2005 e (CE) n.o 485/2008 do Conselho (JO 2013 L 347, pág. 549).


3      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, que estabelece regras para os pagamentos diretos aos agricultores ao abrigo de regimes de apoio no âmbito da política agrícola comum e que revoga o Regulamento (CE) n.o 637/2008 do Conselho e o Regulamento (CE) n.o 73/2009 do Conselho (JO 2013 L 347, pág. 608).


4      As regras comuns do Regulamento n.o 1307/2013 são aplicáveis aos regimes de apoio enunciados no Anexo I conhecidos como pagamentos diretos. Estes incluem o regime de pagamento único por superfície [artigo 1.o, alínea a)]. Trata‑se de um regime simplificado e de caráter transitório de apoio ao rendimento dos agricultores, oferecido aos Estados‑Membros na data da sua adesão à União Europeia em 2004 para facilitar a execução dos pagamentos diretos. Para efeitos destas conclusões, referir‑me‑ei aos pagamentos diretos feitos aos beneficiários ao abrigo do regime comum como «ajuda».


5      Artigo 4.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1307/2013.


6      Artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1307/2013.


7      Artigo 4.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento n.o 1307/2013.


8      O considerando 53 dispõe que o Regulamento n.o 1306/2013 estabelece o princípio de que o pagamento integral de apoios aos beneficiários deverá ser sujeito às regras do sistema de condicionalidade. O considerando 54 confirma que essas regras integram normas básicas, incluindo em matéria de boas condições agrícolas e ambientais dos solos. V., também, artigo n.o 1, alínea d), do Regulamento n.o 1306/2013.


9      O artigo 67.o, n.o 4, do Regulamento 1306/2013 define «parcela agrícola» como «uma superfície contínua de terras, declarada por um único agricultor, com um único grupo de culturas; contudo, se, no âmbito do Regulamento (UE) n.o 1307/2013, for exigida uma declaração separada da utilização de uma superfície num grupo de culturas, essa utilização específica limita igualmente, se for caso disso, a parcela agrícola; […]»


10      Nos termos do artigo 92.o do Regulamento n.o 1306/2013, um beneficiário é uma pessoa que recebe pagamentos diretos.


11      O considerando 58 dispõe que o sistema de condicionalidade estabelecido no Regulamento n.o 1306/2013 tem um âmbito mais alargado do que o da legislação anterior (v., igualmente, n.o 47 das presentes conclusões). O sistema «[…] deve, em consequência, incluir um quadro no âmbito do qual os Estados‑Membros deverão adotar normas nacionais em matéria de boas condições agrícolas e ambientais. O quadro da União deverá incluir ainda normas para uma melhor gestão das questões relacionadas com os recursos hídricos, os solos, as existências de carbono, a biodiversidade e a paisagem, bem como com um nível mínimo de manutenção dos solos».


12      Regulamento Delegado (UE) n.o 640/2014 da Comissão, 11 de março de 2014, que completa o Regulamento (UE) n.o 1306/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho no que diz respeito ao sistema integrado de gestão e de controlo e às condições de recusa ou retirada de pagamentos, bem como às sanções administrativas aplicáveis aos pagamentos diretos, ao apoio ao desenvolvimento rural e à condicionalidade (JO 2014 L 181, p. 48).


13      Artigo 1.o, alíneas b) e h), respetivamente, do Regulamento Delegado n.o 640/2014.


14      Tal como definido no artigo 67.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1306/2013; v., também, considerandos 43 a 45 deste regulamento.


15      V., também, considerando 11 do Regulamento Delegado n.o 640/2014.


16      No despacho de reenvio, o órgão jurisdicional de reenvio invocou o § 8 do Otsetoetuste saamise üldised nõuded, ühtne pindalatoetus, kliima‑ ja keskkonnatoetus ning noore põllumajandustootja toetus (Regulamento n.o 32 do Ministro da Agricultura, de 17 de abril de 2015, «Requisitos gerais em matéria de obtenção de pagamentos diretos, de pagamentos únicos por superfície, de apoios às práticas agrícolas benéficas para o clima e o ambiente e de apoio aos jovens agricultores»).


17      No despacho de reenvio, o órgão jurisdicional de reenvio invocou o § 3, n.o 9, do Maa heas põllumajandus‑ ja keskkonnaseisundis hoidmise nõuded (Regulamento n.o 4 do Ministro da Agricultura, de 14 de janeiro de 2015, «Requisitos em matéria de boas condições agrícolas e ambientais dos solos»), que remete para o § 3, n.o 2, da Muinsuskaitseseadus (Lei dos Monumentos).


18      V., entre muitos outros, Acórdãos de 10 de maio de 2001, Rundgren, C‑389/99, EU:C:2001:264, n.o 41, e de 16 de julho de 2009, Horvath, C‑428/07, EU:C:2009:458, n.o 34.


19      Acórdão de 16 de julho de 2009, C‑428/07, EU:C:2009:458.


20      Regulamento (CE) n.o 1782/2003 do Conselho, de 29 de setembro de 2003, que estabelece regras comuns para os regimes de apoio direto no âmbito da política agrícola comum e institui determinados regimes de apoio aos agricultores e altera os Regulamentos (CEE) n.o 2019/93 (CE) n.o 1452/2001 (CE) n.o 1453/2001 (CE) n.o 1454/2001 (CE) n.o 1868/94 (CE) n.o 1251/1999 (CE) n.o 1254/1999 (CE) n.o 1673/2000 (CEE) n.o 2358/71, e (CE) n.o 2529/2001 (JO 2003 L 270, p. 1).


21      Acórdão de 16 de julho de 2009, Horvath, C‑428/07, EU:C:2009:458, n.os 26, 27 e 32.


22      Acórdão de 16 de julho de 2009, Horvath, C‑428/07, EU:C:2009:458, n.os 41 a 43.


23      V, por exemplo, Acórdão de 9 de junho de 2016, Planes Bresco, C‑333/15 e C‑334/15, EU:C:2016:426, n.o 47.


24      V. n.o 29, supra.


25      O artigo 2.o, alínea d), do Regulamento n.o 1306/2013 define exploração por remissão para o artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1307/2013, exceto quando sejam aplicáveis as regras de condicionalidade do título VI do Regulamento n.o 1306/2013. V. n.os 4 a 8, supra.


26      Regulamento (CE) n.o 73/2009 do Conselho, de 19 de janeiro de 2009, que estabelece regras comuns para os regimes de apoio direto aos agricultores no âmbito da Política Agrícola Comum e institui determinados regimes de apoio aos agricultores, que altera os Regulamentos (CE) n.o 1290/2005 (CE) n.o 247/2006 e (CE) n.o 378/2007 e revoga o Regulamento (CE) n.o 1782/2003 (JO 2009 L 30, p. 16).


27      V. considerandos 53 e 58 do Regulamento n.o 1306/2013.


28      Proposta de Regulamento do Conselho que estabelece regras comuns para os regimes de apoio direto no âmbito da política agrícola comum e institui regimes de apoio aos produtores de determinadas culturas, de 21 de janeiro de 2003 COM(2003) 23 final, p. 10 (o sublinhado é meu).


29      Gay, S.H., Osterburg, B., Baldock, D., e Zdanowicz, A., Recent evolution of the EU Common Agricultural Policy (PAC): state of play and environmental potential, March 2005, p. 36 (o sublinhado é meu).


30      Proposta da Comissão Europeia de 12 de outubro de 2011, COM(2011) 628 final/2, p. 3.


31      Analiso mais pormenorizadamente a relação entre os regulamentos do Conselho e os regulamentos da Comissão nas minhas Conclusões no processo C‑239/17, Teglgaard e Fløjstrupgård, n.os 38 a 46.


32      V. considerandos 43 a 45 do Regulamento n.o 1306/2013.


33      V. considerando 11 do Regulamento Delegado n.o 640/2014.